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“INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO COMPLEXO”

UM FICHAMENTO QUE FAZ MUITO SENTIDO


NESTES DIAS DE VENEZUELA, UCRÂNIA E COPA
DO MUNDO
25/02/2014

ID 23624901 © Lisa Fischer | Dreamstime.com

Há dois anos, esmiucei um livrinho que me inspirou a ver o mundo de um jeito menos
bitolado. Introdução ao Pensamento Complexo nos convence de que, para entender a
contemporaneidade, é preciso fazer sentido de chiclete com banana. A visão reducionista
da ciência positiva, o pouco poder explicativo do espectro político polarizado e tantas
outras binariedades empobrecem a análise e fomentam o confronto e a racionalidade
excludente em entes que, por normalidade, são obrigados a conviver. Movido pelos
debates quentes em torno de fatos correntes, reproduzo aqui o fchamento que fz quando
aluno da professora Christiane Girard nos estudos de sociologia clínica.
O francês Edgar Morin é pesquisador emérito do Centro Nacional de Pesquisa
Científica da França aCNRS). Conhecido por sua abordagem transdisciplinar é
formado em história geografia e direito tendo passado ainda pela sociologia e a
epistemologia.

O livro trata da articulação conceitual de elementos historicamente tidos como


díspares quais sejam: o uno e o múltiplo; o todo e parte; ordem e desordem; sujeito e
objeto. Busca reconciliar ciência e filosofia conclamando os leitores a conceber e
adotar um posicionamento ontológico/metodológico/epistemológico que cruze
disciplinas e reintegre o observador na observação.

Por crer na impossibilidade da unificação e da conclusão típicas do paradigma da


simplicidade advoga com candura e linguagem rica em metáforas em favor da
imperfeição e paradoxalidade da abordagem complexa.

A publicação recorre à compilação de apresentações do autor em colóquios e


debates os quais são organizados não em ordem cronológica mas de forma a
conduzir o leitor pela construção dos argumentos de Morin. Ao longo de seis curtos
capítulos com subdivisões por vezes não maiores que um parágrafo discorre-se
acerca da insuficiência do paradigma da simplicidade e necessidade de um
pensamento complexo que reconheça a impossibilidade da totalidade e da
conclusão.

A articulação das ideias se dá pela via da apresentação e contraposição de elementos


centrais do cartesianismo da cibernética e das teorias da informação e dos sistemas.

Em suma Morin entende que o tipo de inteligência decorrente do modo analítico-


reducionista de se fazer ciência é “cego” não abarcando campos de conhecimento
descortinados pela modernidade. Segundo o autor a ciência tradicional visava antes
da cibernética eliminar a imprecisão a ambiguidade e a contradição o que se
mostrou inconveniente com o descobrimento do fato de a superioridade do cérebro
a e por conseguinte poder-se ia entender do sujeito) em relação máquina estar
justamente na capacidade de “lidar com o insuficiente e o vago”.
O autor parte então para a elaboração de uma abertura teórica que comporte a
emergência de tais imprevisibilidades trazendo de volta à ciência o mundo e o
sujeito.

Entendimento de complexidade

Cita-se no prefácio a etimologia da palavra explicando-se que a origem está na ideia


de “tecido junto”. Outras explicações estão dispersas no texto. Para o autor
complexo é aquilo que não se pode resumir numa palavra chave a uma lei ou palavra
simples.

Ao relacionar o surgimento do conceito na ciência com a cibernética afirma que a


complexidade é “um fenômeno quantitativo a extrema quantidade de interações e de
interferências entre um número muito grande de unidades”. Adicionalmente
comporta também “incertezas indeterminações fenômenos aleatórios”. Coincide em
parte com a incerteza sem a ela se reduzir. Seu campo vai não do simples ao
complexo mas do complexo ao ainda mais complexo chegando à
hipercomplexidade tida como própria do fenômeno antropológico.

Já o pensamento complexo de que trata o livro é aquele que aspira a ser


multidimensional. Na retórica do autor esse pensamento é antropomorfizado sendo
sujeito de verbos agente de processos e até “faz suas as palavras de Adorno” ap. 7).

“A totalidade é a não verdade”

Considerar a multidimensionalidade conduz à noção de que toda visão parcial


especializada é pobre. Para Morin “a consciência da complexidade nos faz
compreender que jamais conseguiremos escapar da incerteza e que jamais
poderemos ter um saber total: A totalidade é a não verdade”.

Complexidade e subjetividade

Morin afirma que a ciência positivista ocidental tende a dispensar o sujeito por
entendê-lo como erro perturbação ou “ruído”. Também aventa a possibilidade dessa
eliminação decorrer do fato de o sujeito ser indescritível segundo os critérios do
objetivismo.
O autor não usa a palavra mas dá ideia de valorização da alteridade ao afirmar que o
sujeito ainda que traga em si irredutível individualidade “é ser irresolúvel em si
mesmo”.

Ao tratar da hipercomplexidade o autor faz a conexão da auto-organização em


sistemas abertos com a consciência de si associando o prefixo auto à raiz da
subjetividade. Diz o autor que “o sujeito emerge ao mesmo tempo que o mundo” […]
“desde o ponto de partida sistêmico e cibernético lá onde certo número de traços
próprios aos sujeitos humanos afinalidade programa comunicação etc.) são incluídos
no objeto máquina”.

Epistemologia aberta

A teoria de sistemas sobretudo abertos gera incertezas decorrentes da necessidade


de criação de metassistemas que deem conta de incrementalmente gerar avanços
de conhecimento. Tal condição incita uma epistemologia aberta nem policialesca
nem controladora que aceite confrontar as incertezas fazendo com que sem
entredialoguem mas sem desejar que algum “esparadrapo ideológico” seja capaz de
tapar a última brecha.

Racionalidade e racionalização

Morin trata também de distinguir as duas funções de modo a poder desembocar na


relevância da autocrítica da refexividade que seriam a ferramenta capaz de dar
credibilidade à assimilação do sujeito do observador no processo de observação. A
racionalidade seria o jogo o diálogo incessante que articula a mente e o mundo real.
Já a racionalização seria tentativa de se “prender a realidade num sistema coerente”.
Diz o autor que não fronteira clara entre uma e outra devendo-se prestar constante
atenção além de “se lutar sem cessar contra a deificação da razão que entretanto é
nossa única ferramenta à condição de ser não só crítica mas autocrítica”.

Três princípios para se pensar a complexidade

I. Princípio Dialógico – associa elementos ao mesmo tempo complementares


e antagônicos. A ordem e a desordem por exemplo suprimem-se uma a outra mas
em certos casos colaboram e geram oportunidade para organização e complexidade.
II. Recursão organizacional – produtos são ao mesmo tempo causa e efeito
do que os produz. A sociedade por exemplo resulta de interações de indivíduos mas
uma vez produzida retroage sobre os indivíduos e os produz.
III. Princípio hologramático – Não apenas a parte está no todo mas o todo está
na parte.

Complexidade e sociologia

Considerando o princípio hologramático “o sociólogo é uma parte desta sociedade” e


não estaria no centro dela devendo confrontar seu ponto de vista a que não deve ser
“divino” de um ente situado em “uma espécie de trono superior”) com o de outros
membros. Deve conhecer sociedades diversas e imaginar ainda sociedades possíveis
mas todavia não existentes.

Imprevisibilidade

Ao fechar o tema “A complexidade e a ação” Morin lembra o leitor de que uma


estratégia apesar de estabelecer um ponto de partida inicial deveras relevante deve
contemplar a possibilidade de perturbações. A complexidade seria uma espécie de
recado centrado na ideia de que “o novo pode surgir e de todo modo surgirá”. O
pensamento complexo ainda que incapaz de resolver por si só os problemas é um
recurso que fortalece a estratégia permitindo uma ação mais rica e menos
mutiladora que aquela movida por um pensamento fragmentado e unidimensional.

Auto-eco-organização

Organizações necessitam de ordem e de desordem. A normalidade está na tendência


de um corpo vivo à desintegração e não o contrário. “Não há nenhuma receita de
equilíbrio. A única maneira de lutar contra a degenerescência está na regeneração
permanente”.

Referência

1. MORIN E. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Sulina 2005.

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