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A revolução não será tuitada

Por Malcolm Gladwell em 14/12/2010 na edição 620

Às quatro e meia da tarde da segunda-feira 1º/2/1960, quatro universitários


se sentaram ao balcão da lanchonete de uma loja Woolworth’s no centro de
Greensboro, na Carolina do Norte. Eram calouros na North Carolina A&T,
faculdade para negros localizada a pouco mais de 1 km dali.

"Um café, por favor", disse um deles, Ezell Blair, à garçonete.

"Não atendemos crioulos aqui", ela respondeu.

O comprido balcão em L comportava 66 pessoas sentadas; numa das pontas,


comia-se de pé. Os assentos eram para os brancos. A área onde se comia de pé
era para os negros. Outra funcionária, uma negra encarregada da estufa,
tentou convencê-los a sair: "Vocês estão sendo burros, seus ignorantes!". Eles
não se mexeram.

Por volta das cinco e meia as portas principais da loja foram fechadas. Os
quatro continuaram lá. Por fim, saíram por uma porta lateral. Do lado de fora,
formara-se uma pequena multidão, incluindo um fotógrafo do jornal Record,
de Grensboro. "Volto amanhã, com o A&T College inteiro", disse um dos
universitários.
Na manhã seguinte, o protesto havia se expandido e o grupo somava 27
homens e quatro mulheres, em grande parte do mesmo alojamento dos
quatro manifestantes originais. Os homens estavam de terno e gravata. Todos
levaram material e ficaram no balcão, estudando. Na quarta, veio a adesão dos
alunos do colégio "para crioulos" de Greensboro, a Dudley High, e o número
de manifestantes subiu a 80. Na quinta, já eram 300, incluindo três brancas,
do campus local da Universidade da Carolina do Norte.

No sábado, o protesto contava 600 pessoas, espalhadas pelas calçadas em


torno da loja. Adolescentes brancos assistiam, acenando com bandeiras da
Confederação [estados do sul dos EUA que se uniram contra os do norte do
país durante a Guerra de Secessão (1861-65)]. Alguém soltou um rojão. Ao
meio-dia, chegou o time de futebol americano da A&T. "Lá vêm os
baderneiros", berrou um dos estudantes brancos.

Na segunda seguinte, o protesto já havia chegado a Winston-Salem, a 40 km


dali, e Durham, a 80 km. No dia seguinte, veio a adesão dos alunos do
Fayetteville State Teachers College e do Johnson C. Smith College, em
Charlotte, seguidos, na quarta, pelos alunos do St. Augustine’s College e da
Universidade Shaw, em Raleigh. Na quinta e na sexta, o protesto atravessou
as divisas do Estado e novas manifestações surgiram em Hampton e
Portsmouth, na Virgínia; em Rock Hill, na Carolina do Sul; e em Chattanooga,
no Tennessee. No final do mês, manifestações semelhantes estavam sendo
realizadas em todo o sul dos Estados Unidos, chegando até o Texas, no oeste.

Febre

"Perguntei a cada um dos estudantes que encontrei como tinha sido o


primeiro dia de protesto em seu campus", escreveu o cientista político
Michael Waltzer, em artigo na revista Dissent. "A resposta foi sempre a
mesma: ‘Foi uma febre. Todo mundo queria participar’."
Por fim, cerca de 70 mil estudantes aderiram. Milhares deles foram detidos, e
outros tantos se radicalizavam. Esses acontecimentos do começo dos anos 60
se tornaram uma guerra dos direitos civis que engolfou o sul dos Estados
Unidos até o final da década – e tudo aconteceu sem e-mail, mensagens de
texto, Facebook ou Twitter.

Dizem que o mundo passa por uma revolução. As novas ferramentas de redes
sociais reinventaram o ativismo social. Com Facebook, Twitter e que tais, a
relação tradicional entre autoridade política e vontade popular foi invertida,
o que facilita a colaboração mútua e a organização dos desprovidos de poder
e dá voz às suas preocupações.

Revolução via Twitter

Quando 10 mil pessoas saíram às ruas na Moldova, no leste europeu, segundo


trimestre de 2009, em protesto contra o governo comunista, a ação ganhou o
nome de revolução via Twitter, por causa dos meios utilizados para
arregimentar os manifestantes.

Meses depois, quando protestos estudantis abalaram Teerã, o Departamento


de Estado americano tomou a providência inusual de solicitar ao Twitter que
suspendesse uma pausa programada para manutenção do site, pois o governo
não desejava que uma ferramenta tão vital estivesse inativa no auge das
manifestações. "Sem o Twitter, o povo do Irã não se teria sentido capaz e
confiante o bastante para sair em defesa da liberdade e da democracia",
escreveu o ex-assessor de segurança nacional Mark Pfeifle, clamando para
que o Twitter ganhasse o Prêmio Nobel da Paz.

Se antes os ativistas eram definidos por suas causas, agora são definidos pelas
ferramentas que empregam. Os guerreiros do Facebook entram na internet
para pressionar por mudanças. "Vocês são a nossa grande esperança", disse
James Glassman, ex-alto funcionário do Departamento de Estado, a uma
plateia de ciberativistas em recente conferência patrocinada por Facebook,
AT&T (companhia telefônica), Howcast (site de vídeos), MTV e Google.

Sites como o Facebook, disse Glassman, "oferecem aos EUA uma considerável
vantagem competitiva diante dos terroristas. Algum tempo atrás, eu disse que
`a Al Qaeda está jantando a gente na internet’. Já não é mais assim. A Al Qaeda
continua parada na Web 1.0. A internet agora é interatividade e conversação".

Crítica

São alegações fortes e intrigantes. Que importa quem janta quem na internet?
As pessoas que estão no Facebook são mesmo a nossa grande esperança?
Quanto à chamada revolução via Twitter na Moldova, Evgeny Morozov,
pesquisador na Universidade Stanford que vem sendo um dos mais
persistentes críticos do evangelismo digital, aponta que a importância do
Twitter é quase nula na Moldova, onde existem pouquíssimas contas desse
serviço.

E o que aconteceu lá tampouco parece ter sido uma revolução, especialmente


porque as manifestações –como sugeriu Anna Applebaum em artigo
no Washington Post – na verdade podem ter sido uma encenação organizada
pelo governo. (Num país paranoico com o revanchismo romeno, os
manifestantes hastearam uma bandeira da Romênia na sede do Parlamento.)
Já no caso do Irã, as pessoas que usaram o Twitter para comentar as
manifestações viviam quase todas no Ocidente. "É hora de esclarecer o papel
do Twitter nos acontecimentos do Irã", escreveu Golnaz Esfandiari meses
atrás, na revista Foreign Policy. "Em resumo: no Irã, não houve revolução via
Twitter."
O elenco de blogueiros proeminentes, como Andrew Sullivan, que defendeu o
papel da rede social no Irã, acrescentou Esfandiari, não entendeu direito a
situação. "Jornalistas ocidentais que não conseguiam – ou nem mesmo
tentavam – se comunicar com gente no Irã simplesmente percorriam a lista
de tweets em inglês, contendo a tag #iranelection" [no serviço de microblogs
Twitter, as "tags" são termos precedidos do símbolo #, utilizados para reunir
todas as mensagens sobre um mesmo assunto, como #ilustrissima.], escreveu
ela. "Enquanto isso, ninguém parece ter se perguntado por que pessoas que
supostamente tentavam coordenar os protestos no Irã não estariam se
comunicando em farsi, mas em outro idioma".
Parte dessa grandiloquência é previsível. Inovadores tendem ao solipsismo.
Volta e meia se empenham em enquadrar em seus novos modelos os fatos e
experiências mais díspares.

Como escreveu o historiador Robert Darnton, "as maravilhas da tecnologia de


comunicação no presente produziram uma falsa consciência sobre o passado
-e até mesmo a percepção de que a comunicação não tem história, ou nada
teve de importante a considerar antes dos dias da televisão e da internet".

Entusiasmo

Mas há mais um fator em jogo nesse desproporcional entusiasmo em relação


às redes sociais. Cinquenta anos depois de um dos mais extraordinários
episódios de sublevação social na história dos EUA, parece que esquecemos o
que é ativismo.

No começo dos anos 60, Greensboro era o tipo do lugar onde a insubordinação
racial era rotineiramente reprimida com violência. Os quatro primeiros
universitários a se sentar ao balcão reservado aos brancos estavam
apavorados. "Se alguém tivesse chegado por trás de mim e gritado ‘bu’, acho
que eu cairia no chão", disse um deles mais tarde.

No primeiro dia, o gerente notificou o chefe de polícia, que imediatamente


enviou dois policiais para a loja. No terceiro dia, um grupo de brutamontes
brancos apareceu na lanchonete e se postou ameaçadoramente atrás dos
manifestantes, proferindo epítetos como "crioulo de cabelo ruim". Um líder
local da Ku Klux Klan apareceu. No sábado, enquanto a tensão crescia, alguém
telefonou e deu um alarme falso de bomba e a loja teve de ser evacuada.

Os perigos eram mais claros no Mississippi Freedom Summer Project de


1964, outra campanha pioneira do movimento pelos direitos civis. O Student
Nonviolent Coordinating Committee recrutou centenas de voluntários não
remunerados no norte dos EUA, quase todos brancos, para lecionar nas
Freedom Schools, alistar eleitores negros e promover os direitos civis no sul
profundo.

"Ninguém pode ir sozinho a lugar nenhum, muito menos de carro e à noite",


eram as instruções dadas aos voluntários. Poucos dias depois de chegarem ao
Mississippi, três deles –Michael Schwerner, James Chaney e Andrew
Goodman – foram sequestrados e assassinados; até o final daquele verão, 37
igrejas negras seriam incendiadas e dezenas de casas usadas como abrigos
foram atacadas com bombas; voluntários foram espancados, alvejados e
perseguidos por picapes repletas de homens armados. Um quarto dos
participantes do programa desistiram. Ativismo que desafia o status quo –e
ataca problemas profundamente enraizados – não é para bundas-moles.

Compromisso

O que leva uma pessoa a esse tipo de ativismo? Doug McAdam, sociólogo na
Universidade Stanford, comparou os desertores do programa Freedom
Summer com os que optaram por ficar, e descobriu que a diferença crucial, ao
contrário do que se poderia esperar, não era o fervor ideológico. "Todos os
inscritos – tanto os que ficaram quanto os que desistiram – estavam altamente
comprometidos com a causa e eram partidários articulados das metas e
valores do programa", concluiu.

O fator decisivo foi o grau de conexão pessoal entre a pessoa e o movimento


pelos direitos civis. Pedia-se a todos os voluntários que fornecessem uma lista
de contatos pessoais –as pessoas que desejavam manter a par de suas
atividades–, e assim a probabilidade de ter amigos que também estivessem
indo ao Mississippi era bem mais alta entre os que ficaram do que entre os
que abandonaram o programa. O ativismo de alto risco, concluiu McAdam, é
um fenômeno de "vínculos fortes".

O padrão se repete em boa parte de casos. Um estudo sobre as Brigate Rosse


[Brigadas Vermelhas], grupo terrorista italiano dos anos 70, constatou que
70% de seus recrutas já tinham pelo menos um grande amigo na organização.
O mesmo se aplica aos homens que aderiram aos Mujahideen do Afeganistão.
Até mesmo manifestações revolucionárias que parecem espontâneas, como
as que conduziram à queda do Muro de Berlim, na Alemanha Oriental, são, em
seu âmago, fenômenos de vínculos fortes.

O movimento oposicionista da Alemanha Oriental consistia em centenas de


grupos, cada qual formado por cerca de uma dúzia de membros. Cada grupo
tinha contato limitado com os demais: na época, apenas 13% dos alemães
orientais tinham telefone. Tudo o que sabiam era que, nas noites de segunda,
diante da igreja de São Nicolau, no centro de Leipzig, as pessoas se reuniam
para expressar sua ira contra o Estado. E o determinante primário daqueles
que compareciam eram os "amigos críticos" – quanto mais amigos críticos ao
regime uma pessoa tivesse, maior a probabilidade de adesão ao protesto.

Ligações

Portanto, um fato crucial sobre os quatro calouros que foram à lanchonete


segregada de Greensboro –David Richmond, Franklin McCain, Ezell Blair e
Joseph McNeil – eram as ligações mútuas que mantinham. McNeil dividia o
quarto com Blair no alojamento da A&T. No andar de cima, Richmond dividia
o quarto com McCain; e Blair, Richmond e McCain foram alunos da Dudley
High School.

Os quatro levavam cerveja às escondidas para o alojamento e conversavam


noite afora, no quarto de Blair e McNeil. Tinham na memória o assassinato de
Emmett Till, em 1955; o boicote aos ônibus de Montgomery, no Alabama, no
mesmo ano; e o confronto em Little Rock, no Arkansas, em 1957.
Foi McNeil que apareceu com a ideia do protesto na Woolworth’s. Discutiram
o assunto por quase um mês. Um dia, McNeil entrou no quarto e perguntou
aos amigos se estavam prontos.

Houve uma pausa e McCain disse, de um jeito que só funciona entre amigos
que passaram longas madrugadas conversando: "Vocês vão arregar ou vamos
em frente?". Ezell Blair tomou coragem para pedir aquele café, no dia
seguinte, porque estava na companhia de seu colega de quarto e de dois
grandes amigos desde o ensino médio.

Vínculos fracos

O ativismo associado às redes sociais nada tem em comum com isso. As


plataformas dessas redes são construídas em torno de vínculos fracos. O
Twitter é uma forma de seguir (ou ser seguido por) pessoas que talvez nunca
tenha encontrado cara a cara. O Facebook é uma ferramenta para administrar
o seu elenco de conhecidos, para manter contato com pessoas das quais de
outra forma você teria poucas notícias. É por isso que se pode ter mil "amigos"
no Facebook, coisa impossível na vida real.

Sob muitos aspectos, isso é maravilhoso. Há força nos vínculos fracos, como
observou o sociólogo Mark Granovetter. Nossos conhecidos -e não nossos
amigos- são a nossa maior fonte de novas ideias e informações. A internet nos
permite explorar a potência dessas formas de conexão distante com eficiência
maravilhosa.

É sensacional para a difusão de inovações, para a colaboração interdisciplinar,


para integrar compradores e vendedores e para as funções logísticas das
conquistas amorosas. Mas vínculos fracos raramente conduzem a ativismo de
alto risco.

Virtudes

Em um livro chamado The Dragonfly Effect – Quick, Effective, and Powerful


Ways to Use Social Media to Drive Social Change [O Efeito Libélula – Maneiras
Rápidas, Efetivas e Poderosas de Utilizar Redes Sociais para Promover
Mudanças Sociais, ed. Jossey-Bass], o consultor de negócios Andy Smith e
Jennifer Aaker, professora na escola de admininistração de empresas de
Stanford, contam a história de Sameer Bhatia, jovem empresário do Vale do
Silício que um dia descobriu estar sofrendo de leucemia mielálgica aguda. O
caso serve como perfeita ilustração sobre as virtudes das redes sociais.
Bhatia precisava de um transplante de medula óssea, mas não encontrou
doador entre seus parentes e amigos. As chances seriam maiores caso o
doador tivesse sua etnia, e havia poucos doadores do sul da Ásia no banco de
dados de medula óssea americano.

Por isso, o sócio de Bhatia enviou um e-mail no qual explicava o problema do


amigo a mais de 400 de seus conhecidos, que por sua vez o encaminharam a
seus contatos; páginas de Facebook e vídeos no YouTube foram criados para
a campanha Help Sameer. Por fim, quase 25 mil novos doadores se
inscreveram no banco de dados e Bhatia encontrou um compatível com ele.

Mas como a campanha conseguiu a adesão de tanta gente? Porque não pedia
nada de mais aos participantes. É a única forma de conseguir que alguém que
você não conhece de verdade faça alguma coisa em seu benefício. Dá para
conseguir que milhares de pessoas se inscrevam como doadores porque fazê-
lo é facílimo. Basta enviar uma amostra simples de material genético -no
altamente improvável caso de que a medula óssea do doador seja compatível
com alguém que precise- passar algumas horas no hospital.

Doar medula óssea não é trivial. Mas não envolve risco financeiro ou pessoal;
não implica passar um verão inteiro sendo perseguido por picapes repletas
de homens armados. Não requer confronto com normas e práticas sociais
arraigadas. Na verdade, é o tipo do engajamento que só traz elogios e
reconhecimento social.

Distinção

Os evangelistas das redes sociais não compreendem essa distinção; parecem


acreditar que um amigo de Facebook e um amigo real são a mesma coisa, e
que se inscrever em uma lista de doadores no Vale do Silício, hoje, é ativismo
no mesmo sentido que pedir um café num restaurante segregado de
Greensboro em 1960.

"As redes sociais são especialmente eficazes para reforçar a motivação",


escreveram Aaker e Smith. Mas não é verdade. As redes sociais são eficazes
para ampliar a participação –mas reduzindo o nível de motivação que a
participação exige.

A página da Save Darfur Coalition no Facebook tem 1.282.339 membros, cuja


doação média é de nove centavos de dólar per capita. A segunda maior
entidade de assistência a Darfur no Facebook tem 22.073 membros, e suas
doações per capita são de 35 centavos de dólar. A Help Save Darfur tem 2.797
membros, que doaram, em média, 15 centavos de dólar.

Um porta-voz da Save Darfur Coalition disse à revista Newsweek que "não


avaliamos necessariamente o valor de alguém para o movimento com base
nos montantes doados. Este é um mecanismo poderoso para promover o
envolvimento de uma população crítica. Eles informam a comunidade,
participam de eventos, fazem trabalho voluntário. Não é algo que se possa
medir por números".
Em outras palavras, o ativismo no Facebook dá certo não ao motivar pessoas
para que façam sacrifícios reais, mas sim ao motivá-las a fazer o que alguém
faz quando não está motivado o bastante para um sacrifício real. Estamos
muito longe do balcão da lanchonete de Greensboro.

Campanha militar

Os estudantes que participaram de protestos no sul dos EUA nos primeiros


meses de 1960 descreveram o movimento como "uma febre". Mas o
movimento dos direitos civis tinha mais de campanha militar que de contágio.

No final dos anos 50, 16 protestos semelhantes haviam sido organizados em


diversas cidades sulistas, 15 dos quais formalmente coordenados por
organizações de direitos civis como a NAACP [sigla em inglês da Associação
Nacional para o Progresso da População de Cor] e a CORE [sigla em inglês de
Congresso da Igualdade Racial]. Possíveis locais para protestos foram
mapeados. Traçaram-se planos. Ativistas do movimento promoveram sessões
de treinamento e retiros com potenciais participantes.

Os quatro de Greensboro surgiram como produto desse trabalho de base:


eram membros do Conselho da Juventude da NAACP. Tinham fortes ligações
com o diretor da seção local da organização. Foram informados sobre a onda
anterior de protestos em Durham, e participaram de uma série de reuniões
do movimento em igrejas ativistas.

Quando os protestos se espalharam pelo sul a partir de Greensboro, a difusão


não ocorreu de modo aleatório. Os protestos surgiram em cidades que já
tinham células do movimento -núcleos de ativistas dedicados e treinados,
prontos para converter a "febre" em ação.

Alto risco

O movimento dos direitos civis era ativismo de alto risco. Era também, e isso
é importante, ativismo estratégico: um desafio ao establishment, montado
com precisão e disciplina. A NAACP era uma organização centralizada, com
comando em Nova York, segundo procedimentos operacionais altamente
formalizados.

Na Southern Christian Leadership Conference, Martin Luther King Jr. (1929-


68) exercia inquestionável autoridade. A igreja negra tinha posição central no
movimento e, como aponta Aldon Morris em seu "The Origins of the Civil
Rights Movement", esplêndido estudo publicado em 1984, mantinha uma
divisão de tarefas cuidadosamente demarcadas, com diversos comitês
permanentes e grupos disciplinados.

"Cada grupo tinha uma missão definida e coordenava suas atividades por
meio de estruturas de autoridade", escreve Morris. "Os indivíduos eram
responsáveis pelas tarefas que lhes eram designadas e conflitos importantes
eram resolvidos pelo pastor, que em geral exercia a autoridade final sobre a
congregação."

Hierarquia

Essa é a segunda distinção crucial entre o ativismo tradicional e sua variante


on-line: as redes sociais não se prestam a esse tipo de organização
hierárquica.

O Facebook e sites semelhantes são ferramentas para a construção de redes


e, em termos de estrutura e caráter, são o oposto das hierarquias. Ao contrário
das hierarquias, com suas regras e procedimentos, as redes não são
controladas por uma autoridade central e única. As decisões são tomadas por
consenso, e os vínculos que unem as pessoas ao grupo são frouxos.

Essa estrutura torna as redes imensamente flexíveis e adaptáveis a situações


de baixo risco. A Wikipédia é um exemplo perfeito. Não há um editor instalado
em Nova York que direcione e corrija cada verbete. O esforço de produção de
cada entrada é auto-organizado. Caso todos os verbetes da Wikipédia sejam
apagados amanhã, o conteúdo será rapidamente restaurado, porque é isso
que acontece quando uma rede de milhares de pessoas dedica tempo a uma
tarefa espontaneamente.

Há, no entanto, muitas coisas que redes não fazem direito. As montadoras de
automóveis, sensatamente, usam uma estrutura de rede para organizar suas
centenas de fornecedores, mas não para projetar os carros. Ninguém
acreditaria que a articulação de uma filosofia coerente de design funcionasse
melhor na forma de um sistema organizacional disperso e sem líderes.

Carecendo de uma estrutura centralizada de liderança e de linhas de


autoridade claras, as redes encontram dificuldades reais para chegar a
consensos e estabelecer metas. Não conseguem pensar de modo estratégico;
são cronicamente propensas a conflitos e erros. Como fazer escolhas difíceis
sobre táticas, estratégias ou orientação filosófica quando todo mundo tem o
mesmo poder?
Problemas

A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) surgiu como rede, e, em


ensaio recentemente publicado no periódico International Security, os
especialistas em relações internacionais Mette Eilstrup-Sangiovanni e Calvert
Jones argumentam que esse é o motivo para que a organização tenha
encontrado tantos problemas ao crescer: "Traços estruturais característicos
das redes – ausência de autoridade central, autonomia irrestrita de grupos
rivais e incapacidade de arbitrar disputas por meio de mecanismos formais –
tornaram a OLP excessivamente vulnerável à manipulação externa e às
disputas internas".
"Na Alemanha dos anos 70", os dois prosseguem, "os terroristas de esquerda,
muito mais unidos e bem-sucedidos, tendiam a se organizar
hierarquicamente, com gestão profissional e clara divisão de tarefas. Estavam
geograficamente concentrados nas universidades, onde podiam estabelecer
liderança central, confiança e camaradagem por meio de reuniões regulares,
cara a cara".

Era raro que entregassem seus companheiros de armas nos interrogatórios


da polícia. Já seus equivalentes na direita se organizavam como redes
descentralizadas e não mantinham disciplina semelhante. Era comum que
esses grupos fossem infiltrados, e que seus membros, quando detidos pela
polícia, entregassem facilmente seus companheiros. De forma semelhante, a
Al Qaeda era mais perigosa quando mantinha uma hierarquia unificada. Agora
que se dissipou em rede, vem se mostrando bem menos eficaz.

Mudança sistêmica

As desvantagens das redes pouco importam quando não estão interessadas


em mudança sistêmica – caso desejem apenas assustar, humilhar ou fazer
barulho –, ou quando não precisam pensar estrategicamente. Mas, se o
objetivo é combater um sistema poderoso e organizado, é preciso uma
hierarquia. O boicote ao serviço de ônibus em Montgomery exigiu a
participação de dezenas de milhares de pessoas que dependiam do transporte
público para ir ao trabalho e voltar todo dia. E durou um ano.

A fim de persuadir as pessoas a se manterem fiés à causa, os organizadores


encarregaram cada igreja negra local de manter o moral alto e montaram um
sistema alternativo de transporte solidário que contava com 48 telefonistas e
42 pontos de parada. Até mesmo o Conselho de Cidadãos Brancos, King
afirmou mais tarde, reconheceu que o sistema de transporte solidário
funcionava com "precisão militar".
Quando King foi a Birmingham, no Alabama, para o confronto decisivo com o
comissário de polícia da cidade, Eugene "Bull" Connor, contava com
orçamento de US$ 1 milhão e uma equipe de 100 funcionários em período
integral, já instalados na cidade e divididos em células operacionais. A ação
foi dividida em fases, que se intensificavam gradualmente e eram mapeadas
com antecedência. O apoio foi mantido por meio de sucessivas assembleias,
num rodízio entre as igrejas da cidade.

Legitimidade moral

Boicotes, protestos e confrontos não violentos – armas preferenciais do


movimento pelos direitos civis – são estratégias de alto risco. Deixam pouca
margem para conflito e erro. No momento em que um único manifestante
abandona o roteiro e reage a uma provocação, a legitimidade moral de todo o
protesto fica comprometida. Os entusiastas das redes sociais sem dúvida
gostariam que acreditássemos que a tarefa de King em Birmingham seria
imensamente facilitada se ele pudesse usar o Facebook para se comunicar
com seus seguidores e se contentasse em enviar tweets de uma cela.

Mas as redes são confusas –pense no padrão incessante de correção e revisão,


emendas e debates, que caracteriza a Wikipédia. Caso Martin Luther King
tivesse tentado um "wiki-boicote" em Montgomery, teria sido esmagado pela
estrutura do poder branco. E que uso teria uma ferramenta de comunicação
digital numa cidade na qual 98% da comunidade negra podia ser contatada
na igreja, todo domingo? Em Birmingham, King precisava de disciplina e
estratégia, o tipo de coisas que as redes sociais não são capazes de fornecer.

Poder de organização

A bíblia do movimento das redes sociais é Here Comes Everybody, de Clay


Shirky, professor na Universidade de Nova York. Ele procura demonstrar o
poder de organização da internet e começa pela história de Evan, que
trabalhava em Wall Street, e de sua amiga Ivanna, que esqueceu seu smart-
phone, um caro Sidekick, no banco de um táxi nova-iorquino.
A companhia telefônica transferiu os dados do celular perdido de Ivanna a um
novo aparelho e assim a proprietária e Evan descobriram que o Sidekick
estava em posse de uma adolescente do Queens, que vinha usando o aparelho
para tirar fotos de si mesma e de suas amigas.

Quando Evan lhe enviou um e-mail pedindo que devolvesse o celular, Sasha
respondeu que ele era um "bundão branco" que não merecia tê-lo de volta.
Irritado, ele montou uma página na web com uma foto de Sasha e uma
descrição do ocorrido. Encaminhou o link aos amigos, que o repassaram a
outros amigos. Alguém localizou a página do namorado de Sasha no MySpace
e um link para ela foi criado no site.

Alguém descobriu o endereço dela na web e gravou um vídeo mostrando a


casa quando passou de carro por lá; Evan postou o vídeo no site. A história
ganhou destaque no Digg, um site agregador de notícias. Evan passou a
receber dez e-mails por minuto. Criou um fórum on-line para que seus
leitores contassem suas histórias, mas as visitas eram tantas que o servidor
vivia caindo.

Evan e Ivanna procuraram a polícia, mas o boletim de ocorrência definia o


celular como "perdido", e não "roubado", o que significava que, na prática, o
caso estava encerrado.

"Àquela altura, milhões de leitores estavam acompanhando", escreve Shirky,


"e dezenas de veículos da mídia convencional haviam mencionado a história".
Cedendo à pressão, a polícia de Nova York reclassificou o celular como
"roubado". Sasha foi detida e a amiga de Evan conseguiu o Sidekick de volta.

O argumento de Shirky é o de que esse é o tipo de coisa que jamais poderia


ter acontecido na era anterior à internet – e ele tem razão. Evan não teria
conseguido localizar Sasha.

A história do Sidekick jamais teria sido divulgada. Um exército de pessoas não


se teria formado para participar da batalha. A polícia não teria cedido à
pressão de uma pessoa só, por algo tão trivial quanto um celular perdido. O
caso, na opinião de Shirky, ilustra "a facilidade e rapidez com que um grupo
pode ser mobilizado para o tipo certo de causa" na era da internet.

Perigo

Na opinião de Shirky, esse modelo de ativismo é superior. Mas, na verdade,


não passa de uma forma de organização que favorece as conexões de vínculo
fraco que nos dão acesso a informações, em detrimento das conexões de
vínculo forte que nos ajudam a perseverar diante do perigo.

Transfere nossas energias das entidades que promovem atividades


estratégicas e disciplinadas para aquelas que promovem flexibilidade e
adaptabilidade. Torna mais fácil aos ativistas se expressarem e, mais difícil,
que essa expressão tenha algum impacto.

Os instrumentos de redes sociais estão aptos a tornar a ordem social existente


mais eficiente. Não são inimigos naturais do status quo. Se, na sua opinião, o
mundo só precisa de um ligeiro polimento, isso não deve lhe causar
preocupação. Mas se você acredita que ainda existem lanchonetes por serem
integradas ao mundo, essa tendência deveria incomodá-lo.

Grandiloquente, Shirky encerra a história do Sidekick perdido perguntando:


"O que virá a seguir?" –e, sem dúvida, imagina futuras ondas de manifestantes
digitais.

Mas ele mesmo já respondeu à pergunta. O que virá é a mesma coisa,


repetidamente. Um mundo feito de redes e vínculos fracos é bom para coisas
como ajudar gente de Wall Street a recuperar celulares das mãos de garotas
adolescentes. Viva la revolución.

***

Jornalista, autor de O Que Se Passa na Cabeça dos Cachorros (Sextante). O texto


desta edição foi publicado em 4/10 na revista americana The New Yorker,
onde o autor escreve desde 1996

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