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Resumo:
A figura do agente infiltrado virtual, introduzida ao ordenamento bra-
sileiro por força da Lei n. 13.441/17, veio suprir lacuna no tocante ao
enfrentamento da crimilalidade cibernética, especialmente em se tra-
tando de crimes contra a dignidade sexual de pessoas menores de
idade. Referido meio de obtenção de prova, se empregado com fulcro
e obediêcia aos princípios de legalidade, proporcionalidade e ultima
ratio, por certo apresentará resultados eficazes na luta contra essa
espécie grave de deliquência.
Abstract:
The figure of the virtual infiltrated agent, introduced to the Brazilian
order by virtue of Law no. 13.441 / 17, provided a loophole for dealing
with cybercrime, especially in relation to crimes against the sexual dig-
nity of underage persons. The aforementioned means of obtaining
proof, if employed with fulcrum and compliance with the principles of
legality, proportionality and ultima ratio, will certainly present effective
results in the fight against this severe species of deliquency.
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Resumen:
Una figura del agente infiltrado virtual, introducida al ordenamiento
brasileño por fuerza de la ley. 13.441 / 17, veio suprir lacuna no to-
cante ante el enfrentamiento de crimilalidade cibernética, especial-
mente en el tratamiento de crímenes contra una dignidad sexual de
personas menores de edad. Referido medio de obtención de pruebas,
se emplea con fulcro y obediencia a los principios de legalidad, la pro-
porcionalidad y la última proporción, por cierto presenta los resultados
efectivos en la lucha contra la especie grave de deliquencia.
Palavras-chave:
Agente infiltrado, virtual, crime organizado.
Keywords:
Agent infiltrated, virtual, organized crime.
Palabras clave:
Agente infiltrado, virtual, crimen organizado.
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O AGENTE INFILTRADO
NOTAS ESSENCIAIS E CARACTERÍSTICAS
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tendo, inclusive, sido incluída entre as técnicas de assistência judicial
previstas no Convênio de Assistência Judicial em Matéria Penal e aceita
pelos Estados Membros da União Europeia, em 29.05.2000 (art. 14.1).
O infiltrado investiga as atividades delitivas estando entra-
nhado no interior da organização criminosa e, segundo nosso ponto
de vista, deverá atuar sem exceder ou violar de forma desnecessária
as garantias constitucionais das pessoas investigadas, utilizando-se
de estratégias de investigação, como o engano e a dissimulação,
para obter dados, informações e provas que venham a comprovar a
prática de delitos graves praticados por membros de um determinado
grupo de delinquentes organizados.
Assim, não tem o agente a intenção de criar nas mentes dos
demais membros do grupo algum propósito delitivo, por isso não
sendo correto falar-se em atos de “provocação”. Ademais, seu obje-
tivo consiste tão somente no ato de ingressar no centro estrutural da
organização criminosa e, aproveitando-se da confiança adquirida
junto aos delinquentes, obter informações e provas que possam aju-
dar as autoridades encarregadas da persecução criminal, visando
ao fim, à desarticulação e à persecução das pessoas envolvidas na
trama delituosa.
A técnica da infiltração necessita de um meio para torná-la rea-
lidade. Haverá de ser uma pessoa física que irá penetrar de forma
camuflada nas estruturas sociais, não necessariamente delitivas, para
cumular quaisquer tipos de dados relevantes e referentes a fatos de
caráter reservado. Para tanto, o simples estabelecimento de suportes
técnicos, como meio de arrecadar informações, não é, no sentido puro
da palavra, uma infiltração. São consideradas como características
básicas e fundamentais a execução de uma infiltração policial, o uso
de identidade falsa pelo agente encoberto, a investigação de deter-
minada classe de delitos classificados como graves, o uso do engano
e da dissimulação para aproximação do grupo criminoso, a conivên-
cia do Estado para com a prática excepcional de crimes de escassa
gravidade pelo infiltrado, desde que observado o princípio da propor-
cionalidade e, por fim, a autorização judicial e sigilosa.
Assim, o êxito da infiltração policial deve ser aferido a partir da
constatação de alguns requisitos básicos e imprescindíveis.
O primeiro requisito seria o caráter excepcional. Como toda me-
dida suscetível de restringir um direito fundamental, deverá a infiltração
100
apresentar um caráter excepcional e, somente se adotará tal medida,
quando não exista outro meio de investigação do delito menos gravoso
para os investigados, o que normalmente traduz-se em que a atuação
do agente infiltrado seja a ultima ratio. Justifica-se esse requisito, vez
que seria totalmente inoportuno e desproporcional a infiltração de
agentes policiais para a investigação de um simples grupo de pessoas
que praticam furtos esporádicos próximos a uma escola.
Em segundo, deverá ser necessária uma resolução (decisão)
expedida pela autoridade judicial. Tal requisito assegura a idoneidade
do método de investigação, obrigando o magistrado a que proceda
a uma análise, de forma pormenorizada, acerca da viabilidade da
concessão da autorização, documento este que tornará legítima a
atuação do infiltrado, mesmo em caso de eventual violação a direito
fundamental do investigado ou imputado.
Em correlação com os primeiros requisitos já abordados,
exige-se, ainda, o denominado juízo de proporcionalidade. Este ter-
ceiro requisito quer significar que, como toda medida restritiva de um
direito fundamental, a atividade do agente encoberto deverá estar
submetida ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que o di-
reito ao castigo por parte do Estado não deverá realizar-se a qualquer
preço, senão, com respeito, sempre que necessário e possível, aos
direitos e garantias fundamentais do investigado (os quais, como é
cediço, não se revestem de caráter absoluto).
Em apertada síntese, seriam três as perguntas a serem for-
muladas e respondidas pela autoridade encarregada de formular
uma representação de infiltração (Polícia), ou emitir um parecer ou
requerimento (Ministério Público) ou decidir favorável ou desfavorável
ao início da operação de infiltração (magistrado):
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Se respondidos positivamente os três questionamentos, poder-
se-á afirmar que a infiltração policial passou pelo filtro de constitucio-
nalidade (à luz do princípio da proporcionalidade), estando apta a ser
colocada em prática, desde que obedecidos os limites impostos pela
Lei n. 12.850/13 e pela resolução judicial do magistrado.
O quarto requisito seria a especialidade. Este requisito estaria
intimamente ligado à existência de indícios suficientes para a impu-
tação de um delito determinado, de natureza grave, que permita afir-
mar a possibilidade de que o sujeito esteja cometendo ou tenha
cometido um crime, de forma tal que a autorização, que permite a
atuação do agente infiltrado, determinará, concretamente e de modo
específico, qual seria o delito ou delitos que se investiga e quais são
as pessoas que provavelmente serão objeto dessa investigação.
A motivação figura como quinto requisito, determinando que
deverá ser argumentado, na autorização judicial, as razões que con-
duziram o magistrado a restringir, pelo menos a priori, um direito fun-
damental pertencente ao investigado. Nesse sentido, deve ser
ressaltada a importância do papel da Polícia e do Ministério Público
no momento de fornecer ao juiz todos aqueles dados, fatos e indícios
racionais de criminalidade organizada, para que se realize correta-
mente a motivação da autorização judicial.
Nesse aspecto em particular, perdeu o legislador brasileiro a opor-
tunidade de inserir nos textos das Leis n. 12.850/13 e 13.441/17 redação
semelhante àquela prevista no ordenamento penal espanhol (art. 282
bis, apartado 3 da LEcrim), no sentido de que “cuando las actuaciones
de investigación puedan afectar a los derechos fundamentales, el
agente encubierto deberá solicitar del órgano judicial competente las
autorizaciones que, al respecto, establezca la Constitución y la Ley, así
como cumplir las demás previsiones legales aplicables”1.
Parece-nos que referida disposição contida na lei espanhola apre-
senta o condão de alertar previamente o magistrado que irá analisar o
pedido de infiltração, suscitando o mesmo a proceder a uma verificação
acerca de eventuais direitos fundamentais a serem violados no caminhar
da operação encoberta, sopesando, à luz dos critérios da proporcionalidade
1
“Quando as atuações de investigação podem afetar aos direitos fundamentais,
o agente infiltrado deve solicitar junto ao órgão judicial competente, as autori-
zações que, a respeito, estabelecem a Constituição e a lei, assim como, cumprir
outras disposições legais aplicáveis".
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(necessidade, adequação e juízo de ponderação), a viabilidade do de-
ferimento do pleito, de modo a evitar a mitigação desnecessária e de-
sarrazoada de direitos e garantias fundamentais do investigado.
Por fim, tem-se um último e talvez o mais importante requisito
para o êxito da infiltração. Trata-se do controle a ser exercido pelo
juiz e pelo Ministério Público durante o período da operação enco-
berta. O órgão do Parquet, como titular do munus do controle externo
da atividade policial, deve participar de toda a elaboração do orga-
nograma do plano de infiltração. Deve, ademais, durante a operação,
ter acesso às informações a serem recolhidas junto ao infiltrado, jus-
tificando-se tal direito, em razão de ser o Ministério Público quem irá,
durante a persecução penal, utilizar-se das eventuais provas a serem
recolhidas pelos agentes infiltrados junto às organizações criminosas.
Velará assim o parquet pela obediência do infiltrado às disposições
contidas na autorização judicial. Não é pelo fato de o Ministério
Público ser o dominus litis da ação penal, que estará isento de velar
pela legalidade e pelo repúdio às práticas de atos abusivos por parte
dos agentes infiltrados. Da mesma forma, deve o juiz criminal con-
trolar, mesmo que de forma indireta (vez que não poderá participar
da investigação), a atividade de infiltração, a fim de que não se pro-
movam abusos e excessos que, no futuro, além de produzirem
danos irreparáveis aos direitos dos investigados, certamente fulmi-
narão a prova penal a ser produzida durante a instrução criminal.
Em síntese, a esta breve introdução sobre o tema é importante
finalizar, destacando que o infiltrado consiste na figura representada
pela pessoa investida na função policial, todavia, devidamente treinada
para essa situação, que, estando subordinada a outras autoridades
de persecução criminal e utilizando-se de uma identidade falsa, con-
segue penetrar nas entranhas de uma determinada organização cri-
minosa. Para tanto, vale-se o infiltrado do uso de várias técnicas, a
exemplo da dissimulação e do engano, com a finalidade específica de
obtenção de provas e outras informações acerca da prática de delitos
graves pelos membros do grupo delitivo. Por consequência, consegue
o infiltrado, via de regra, oferecer, ao fim da operação encoberta, infor-
mações às autoridades competentes, com o objetivo de colaborar na
desarticulação de toda a estrutura de macro criminalidade2.
2
Com riqueza de detalhes acerca do tema do agente infiltrado, cf. PEREIRA,
103
A LEI N. 12.850 DE 2013
(NOVA LEI DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS)
Flávio Cardoso; ALMEIDA FERRO, Ana Luiza; GAZZOLA, Gustavo dos Reis.
Criminalidade organizada. Comentários à Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013.
Curitiba: Editora Juruá, 2014, pp. 192-230; PEREIRA, Flávio Cardoso. El agente
infiltrado desde el punto de vista del garantismo procesal penal”. 2. ed. Curitiba:
Editora Juruá Internacional, 2016.
3
Importante destacar também que a infiltração de agentes já estava prevista
no art. 53, I, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), porém, de forma acanhada
e sem previsão dos requisitos necessários a sua operacionalização.
4 Conceito este que restaria revogado quando da edição da Lei n. 12.850/13.
104
Com o advento da Lei n. 12.850/13, houve significativa mu-
dança no panorama do tratamento normativo do tema das organi-
zações criminosas, devendo ser reconhecido um salto na excelência
de qualidade do reconhecimento da importância de detalhamento
legislativo sobre o assunto.
Em apertada síntese, foram estas as principais novidades tra-
zidas pela nova lei de organizações criminosas:
a) novo conceito de organização criminosa (art. 1º, § 1º);
b) organização criminosa por equiparação (art. 1º, § 2º);
c) tipo penal de organização criminosa (art. 2º);
d) meios de obtenção de provas e seus requisitos (art. 3º);
e) tipificação dos crimes ocorridos na investigação e na
obtenção da prova (arts. 18 a 21).
encoberto ou topo, é a figura representada pela pessoa que exerce uma função
policial (com uma identidade falsa) e que devidamente treinado para determi-
nada situação, sob a subordinação das autoridades competentes e contando
105
De outra parte, a infiltração de agentes de polícia poderá se
originar de requerimento pelo Ministério Público ou representação
pela polícia (civil ou federal).
Exige-se, pelo texto do artigo 10, caput, da Lei n 12.850/13 a
“manifestação técnica” do delegado de polícia, quando a medida de
obtenção de provas for solicitada no curso do inquérito policial.
A intenção do legislador teria sido no sentido de que fosse opor-
tunizado à autoridade policial, ou seja, aquele órgão que efetivamente
executará a operação encoberta, opinar sobre a viabilidade da colo-
cação em prática dessa técnica de investigação. Inclusive, seria o mo-
mento para que o delegado de polícia, com atribuições legais, pudesse
ofertar ao magistrado e ao Ministério Público informações úteis sobre
a existência ou não de material humano disponível para infiltrar-se na
organização criminosa, para que relatasse acerca das condições ma-
teriais e estruturais disponíveis para elaboração do plano operacional
sobre o momento para deflagração da operação, etc.
Manifestando-se o órgão policial contrariamente à viabilidade
da operação, ficaria a cargo do juiz, após analisar os fundamentos
ofertados, decidir se acolhe ou não o requerimento ministerial.
Ao contrário, opinando a autoridade policial favorável à infiltra-
ção, por lógica, será desencadeada a montagem do plano operacio-
nal, desde que acolhido o requerimento elaborado pelo Ministério
Público. Outras novidades foram a necessidade de sigilosa autori-
zação judicial fixando os limites da operação, a oitiva obrigatória do
Ministério Público e a demonstração de indícios de infração penal de
que trata o art. 1º da Lei n. 12.850/13. Observa-se que não se falou
em demonstração de indícios de “autoria”, embora sejam estes
normalmente relevantes.
Por outra parte, uma excelente notícia foi a introdução no artigo 10,
§ 2º, de dispositivo no sentido de que somente será admitida a infiltração,
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se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis. Reco-
nheceu-se a necessidade concreta de respeito ao princípio da ultima ratio.
Ademais, quanto ao aspecto operacional da operação, positi-
vou-se o prazo de 06 (seis) meses para a operação de infiltração,
admitindo-se prorrogações, desde que justificadas (art. 10, § 3º).
Deverá haver a apresentação de relatório circunstanciado ao
juiz e comprovação pela autoridade solicitante da necessidade da me-
dida, do alcance das tarefas dos agentes quando possível, os nomes
ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração (art. 11).
Por fim, citam-se os dispositivos referentes ao sigilo quanto ao
pedido de infiltração (art. 12, caput), ao prazo de 24 (vinte e quatro)
horas para que o juiz decida sobre a legalidade do pedido da opera-
ção (art. 12, § 1º), a possibilidade de sustação da medida em caso
de risco ao agente (art. 12, § 3º), a obediência ao princípio da pro-
porcionalidade (art. 13, caput) e a previsão de exclusão da culpabili-
dade pela inexigibilidade de conduta diversa (art. 13, § único).
Tratou-se, por fim, dos direitos do infiltrado (art. 14).
Em síntese, tem-se que a nova lei de organizações (Lei n.
12.850/13), inobstante críticas pontuais, apresentou avanços signifi-
cativos em matéria de infiltração de agentes, equiparando-se a outros
tantos regramentos internacionais avançados no tocante ao enfren-
tamento à criminalidade organizada.
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Assim, a utilidade maior da infiltração policial cibernética reside
no uso de identidade fictícia para coletar informações sigilosas (privadas,
em relação às quais há expectativa de privacidade) e na penetração
em dispositivo informático do criminoso a fim de angariar provas8.
A partir de agora, poderão ser deflagradas operações de
investigação mediante a utilização da figura do agente infiltrado
dentro do ambiente virtual da internet, mesmo não se tratando de
hipótese concreta de atuação de uma organização criminosa.
Dentro dessa temática, importante ressaltar que o procedi-
mento mais detalhado de infiltração de agentes previsto na Lei n.
12.850/13 pode e deve ser utilizado para complementar a previsão
legal da infiltração virtual de agentes. Em outras palavras, a infiltração
virtual seria apenas uma espécie do gênero infiltração de agentes.
Justamente por isso, seria perfeitamente possível a adoção
do procedimento de infiltração virtual de agentes para a apuração
de organizações criminosas. Nesse sentido, a nova lei em mo-
mento algum estabelece essa vedação9.
Justifica-se, ademais, tal inovação legislativa trazida pela
edição da Lei n. 13.441/17, vez que, dentre os crimes que podem
ser praticados contra a dignidade sexual de infantes e adolescen-
tes, destaca-se a pedofilia10, tema de moda dentre os problemas
enfrentados pelas sociedades modernas, em razão do incre-
mento e crescimento dos meios tecnológicos, em especial face
aos avanços da rede mundial de computadores (internet).
Assim, tornou-se algo comum a utilização dessa forma de
contato virtual para se iniciar, sem aparente risco, uma amizade
108
do criminoso com uma vítima menor de idade, com o objetivo de
manter com ela, em um futuro próximo, atos de satisfação de las-
cívia sexual.
Além da pedofilia propriamente dita, a internet acaba
sendo utilizada como meio de prática de inúmeras outras infra-
ções penais, dentre as quais se destacam aquelas mencionadas
no caput do art. 190-A do ECA.
Referida prática delitiva11 encontra-se catalogada como
uma das atividades ilícitas mais frequentemente perpetradas
pelas grandes organizações criminosas de cunho transnacional.
Justifica-se tal assertiva em razão dos altíssimos lucros advindos
da exploração, principalmente, de material pornográfico na rede
mundial de computadores.
A infiltração virtual prevista na Lei n. 13.441/17 poderá
ser operacionalizada para o enfrentamento a crimes graves, a
exemplo dos crimes de invasão de dispositivo informático, estu-
pro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia,
mediante presença de criança ou adolescente e favorecimento
da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança
ou adolescente ou de vulnerável.
É de se destacar que a nova modalidade de infiltração,
a qual podemos denominar como “virtual”, deverá ser levada a
efeito por agente policial devidamente treinado para tal desígnio,
devendo este apresentar aspectos psicológicos condizentes com
a complexidade da operação, perfil intelectual adequado para o
correto desempenho das tarefas inerentes ao plano operacional,
conhecimentos avançados em matéria cibernética e capacidade
de inovar em situações de extrema fragilidade no tocante ao sigilo
do trabalho encoberto.
Caberá ao mesmo obter a confiança daquelas pessoas
envolvidas na trama delitiva e, após o uso de meios e técnicas
de dissimulação no meio virtual, conseguir obter dados e infor-
mações acerca da prática de delitos graves (mencionados na
nova lei), visando à deflagração a posteriori de um plano de desar-
ticulação e persecução aos eventuais delinquentes ou membros de
uma determinada organização criminosa.
109
Interessante mencionar alguns pontos nucleares da in-
filtração virtual, lançando ainda algumas observações críticas
pertinentes ao tratamento legislativo da matéria.
De início, deverá haver autorização judicial devidamente
circunstanciada e fundamentada, explicitando os limites para a
obtenção da prova.
Nesse aspecto, andou bem o legislador pátrio, vez que
acorde com uma concepção garantista do processo penal, nada
mais lógico do que nortear a atuação do magistrado à explicita-
ção de sua decisão sob o manto da justificação das razões de
decidir (imperativo constitucional do art. 93, IX, da CF).
Na mesma linha, deverá ser ouvido o Ministério Público,
quando a representação tiver origem em solicitação formulada
pela autoridade policial.
A legitimidade para o pedido de infiltração poderá partir
tanto do Ministério Público (via de requerimento) ou do delegado
de polícia (via representação).
Uma falha a ser apontada na nova Lei n. 13.441/17 diz res-
peito à ausência de exigência de “manifestação técnica” da autoridade
policial, quando o pedido for formulado pelo representante do parquet.
Ora, poder-se-ia ter o legislador utilizado da mesma linha de
raciocínio da Lei n. 12.850/13 (art. 10, caput), vez que a menção e a
exigência de manifestação técnica do delegado de polícia se traduzem
em requisito primordial e imperioso ao êxito da operação de infiltração.
Imagina-se que o Ministério Público faça um requeri-
mento ao juiz, pleiteando autorização de deflagração de opera-
ção mediante uso de um agente infiltrado virtual, vindo a mesma
a ser acatada, autorizando-se o pedido.
Levada a decisão ao conhecimento da polícia, observa
o delegado de polícia a ausência de pessoa qualificada nos qua-
dros da instituição policial para o desempenho de tal função.
O que fazer? Inserir no mundo virtual um agente sem a ap-
tidão e o preparo necessários ao bom caminhar das investigações?
Não nos parece ser essa a solução adequada, vez que
um dos requisitos basilares, quando da elaboração do plano ope-
racional de infiltração, consiste no recrutamento inicial do agente
portador de perfil técnico e psicológico correspondente à finali-
dade da investigação.
110
Outra observação de interesse diz respeito ao prazo de
90 (noventa) dias, cujo limite não poderá ser excedido, salvo em
caso de eventuais renovações, e ainda desde que não ultrapasse
no seu total o lapso temporal de 720 (setecentos e vinte) dias.
Haveria em todo caso a necessidade de demonstração
por parte do órgão solicitante da efetiva necessidade de opera-
cionalização da infiltração virtual.
O prazo inicial de 90 (noventa) dias parece-nos razoável,
vez que cada operação encoberta apresentará particularidades,
que podem ao fim justificar a elasticidade ou não desse lapso
temporal previsto em lei.
Nessa mesma linha de intelecção, as renovações são
permitidas como consectário lógico ao desenvolvimento da com-
plexa operação de infiltração.
Diante do exposto, parece ter falhado o legislador, ao
prever no art. 190-A, III, da Lei n. 8.069/90 (com as alterações
promovidas pela Lei n. 13.441/17), o prazo máximo dessas pror-
rogações, fixando um patamar único e fechado de 720 (setecen-
tos e vinte) dias para a conclusão da operação de investigação.
Ora, é cediço dentre aqueles que conhecem o mínimo
sobre investigações criminais que cada situação concreta apre-
senta suas particularidades e nuances, devendo ser lembrada a
situação esdrúxula de uma investigação focada em uma estrutu-
rada e poderosa rede de pedofilia, portanto, verdadeira organi-
zação criminosa transnacional, na qual o órgão de persecução
se veja prestes a concluir o trabalho investigativo em data pró-
xima ao prazo limite de 720 (setecentos e vinte) dias.
Nessa hipótese aventada, perder-se-ia todo o trabalho
árduo desenvolvido pelo agente infiltrado virtual, em razão de
este não ter conseguido concretizar a obtenção da prova dentro
do limite fixado por lei12.
12Basta lembrar que grandes operações de infiltração a nível mundial, que re-
dundaram em desarticulação de poderosas organizações criminosas, perdura-
ram por alguns anos, face à complexidade da obtenção de provas que
pudessem incriminar agentes pertencentes a esses grupos delitivos. Cita-se,
como exemplo, a operação levada a efeito pelo agente de codinome “lobo” na
Espanha, a qual desarticulou nos anos oitenta boa parte da estrutura operacio-
nal da organização terrorista conhecida por ETA.
111
Andou melhor o texto da Lei n. 12.850/13, bem como da
maioria dos ordenamentos jurídicos que tratam do tema, ao fixa-
rem um prazo inicial razoável, porém, permitindo quantas forem
as prorrogações, desde que a autoridade solicitante demonstre,
perante o juiz da causa, as razões técnicas e operacionais que
possam justificar a continuidade do trabalho de busca de dados
e informações sobre os delitos graves praticados em detrimento
da dignidade sexual de criança e adolescente.
Cumpre papel relevante nesse contexto, a análise do
caso concreto à luz do princípio da proporcionalidade, o qual pode
ser compreendido como um verdadeiro critério que busca esta-
belecer os limites à intervenção do agente infiltrado virtual na
busca da verdade, equilibrando-se os interesses do Estado e os
direitos das pessoas que figuram como investigadas. Referimo-
nos ao reconhecido e compatibilização do binômio garantia-
eficiência.
Outra nota de destaque no texto da Lei n. 13.441/17 con-
diz com o reconhecimento do princípio da ultima ratio, exigindo-
se que a infiltração dos agentes policiais virtuais só ocorra se a
prova não puder ser obtida por outros meios menos invasivos a
direitos e garantias individuais.
Por essa razão, em conformidade com o § 3º, poder-se-á
admitir que, como toda medida suscetível de restrição de direitos
fundamentais, deverá a infiltração de agentes apresentar um ca-
ráter excepcional, sendo adotada somente na hipótese de ine-
xistência de outros meios de obtenção de provas.
Acertou a nova lei ao prever que as informações da ope-
ração deverão ser encaminhadas diretamente ao juiz responsável
pela operação, visando com isso concretizar e garantir o sigilo ne-
cessário a essa técnica de investigação (art. 190-B, caput, do ECA).
Digna de crítica parece-nos ser a redação dada ao art.
190-C do ECA (inserido por força da Lei n. 13.441/17), a qual não
menciona explicitamente a causa de exclusão de ilicitude ou
causa absolutória na qual estará amparado o agente infiltrado
virtual que ocultar sua identidade no ambiente cibernético, a fim
de colher indícios de autoria e materialidade dos crimes mencio-
nados nos arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D do Esta-
tuto da Criança e do Adolescente e nos arts. 154-A, 217-A, 218-A
112
e 218-B do Código Penal.
Cita-se, a título de comparação, que a Lei n. 12.850/13
fez constar expressamente no § único do art. 13, que não é puní-
vel, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infil-
trado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.
E mais grave, ainda, seria a conduta do infiltrado no sen-
tido de ocultar a sua identidade no mundo virtual, infração penal
prevista no ordenamento jurídico brasileiro? Não, em nossa opinião.
Da mesma forma, ficou em aberto, no texto da nova lei
sobre o infiltrado virtual, o tratamento jurídico a respeito da respon-
sabilidade penal, civil e administrativa do agente que, no curso da
investigação devidamente autorizada judicialmente, cometer atos
e crimes que possam redundar em tais consequências jurídicas.
Limitou-se o legislador a apontar que o agente policial in-
filtrado, que deixar de observar a estrita finalidade da investiga-
ção, responderá pelos excessos praticados (art. 190-C, § único,
do ECA, com a alteração promovida pela Lei n. 13.441/17).
Dirão os mais simplistas que bastará aplicar a analogia
para se buscar amparo na tese da inexigibilidade de conduta di-
versa, a fim de justificar eventuais crimes praticados pelo infil-
trado virtual. Não nos apresenta tal justificativa tão acertada.
Por fim, restou positivamente consignado na lei reguladora
do agente infiltrado virtual que, concluída a investigação, todos os
atos eletrônicos praticados durante a operação deverão ser regis-
trados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz e ao Mi-
nistério Público, juntamente com o relatório circunstanciado.
Consectário lógico, deverá, ao fim da operação enco-
berta, assegurar-se a identidade do infiltrado e das crianças e
adolescentes envolvidos no caso sob investigação (art. 190-E do
ECA, introduzido por força da Lei n. 13.441/17).
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
114
Embora se possam vislumbrar equívocos e, principal-
mente, distorções entre as Leis n. 12.850/13 e 13.441/17, andou
bem o legislador brasileiro ao preocupar-se com o enfrentamento
dessa nova modalidade de criminalidade “virtual”, a qual infeliz-
mente atinge um público totalmente vulnerável e passível de
danos físicos e psicológicos irreparáveis.
Espera-se uma vez mais que os atores do processo
penal possam, tal qual um remédio com alta propensão de resul-
tados práticos, utilizar os norteamentos promovidos pela edição
da nova lei, com moderação e cuidado, evitando-se fazer “justiça”
com resultados também gravosos aos direitos das pessoas acu-
sadas ou investigadas pela prática de delitos graves cometidos
contra crianças e adolescentes.
Que se promova o respeito e culto a um processo penal
garantista. No bom sentido, é lógico.
115
REFERÊNCIAS
116