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,\O dr. Samucl johnson, que insist ia em falal l'lll l.

lli111
m seus vlsiuuu:
rados íllt' o sl~I~III{
franceses. Tratados em latim continuaram .1 ser clal
XVlIl. (Ahnlund, 1943, p.114-22)
Mesmo assim, já no século XVIII era razoável para os franceses !lI'1\
em sua língua como potencialmente universal, a sucessora do latim, .I~~III-I
como os anglófonos pensam sobre sua língua - ou línguas - hoje. Em I
a Academia de Berlim pôde propor, como tema para a premiação d(' IIIi!
ensaio: Qu'est-ce qui a fait Ia langue française Ia langue universelle de ['Euro"I') ()
prêmio foi compartilhado entre dois candidatos, Johann-Christoph Schwul:
que escreveu seu ensaio em alemão, e Antoine Rivarol, cuja Universa/iU' d,. 1I
CAPíTULO 4
langue française continha a famosa frase: ce qui n'est pas clair n'est pas frwlPIl A padronização das línguas
(Rivarol, 1930, p.255)
A expansão simultânea de vários vernáculos europeus para um núnu IfI
cada vez maior de domínios linguísticos levou a mais contatos entre (,li
Por sua vez, esses contatos levaram a misturas. Os encontros e miSIIlI.I
linguísticas são o tema do próximo capítulo.

Quaruo mais se expandia o domínio dos vernáculos, pelo menos de alguns


!(.~,mais se fazia necessária sua padronização. "Padronização" é um termo
lilolgllOque se refere não somente ao processo de se tornar mais uniforme
11/11/ niidad, como caracterizou Nebrija) como também de seguir regras. A

I.dld.lde da padronização nesse período também era dupla. Era em parte


11.1 medida pragmática, para facilitar a comunicação entre regiões, e em
i li' lima questão de honra, para dar ao italiano, ao espanhol, ao alemão ou

! 11I~lêsuma parte do prestígio ou da dignidade associada ao latim. Quan-

) Iltl Bellay, por exemplo, escreveu sobre a illustration da língua francesa,


li' .";Lava falando de como torná-Ia ilustre, conforme o modelo do volgare
I/(' recomendado por Dante. Seu desejo era elevar o francês (élever nostre

"Jllltlc) ao nível das línguas mais famosas. O humanista espanhol Cristóbal


f' Villalón explicou que escreveu sua gramática para engrandecer sua nação
1,1;/IIl1decer Ias cosas de mi nación).
Uma língua sem um padrão era considerada "de certa forma bárbara",
l'llIll observou o poeta lohn Dryden em 1660. A civilização implicava seguir
jjll código de comportamento, incluindo o comportamento linguístico. A
"'1.1 elaborada pelo sociólogo Norbert Elias de um "processo civilizatório"
""~ prirnórdios da Europa moderna pode, dessa forma, ser estendida para in-

21 o que não está claro não é francês. [N. R·l

104
'''' I UIUI'" ,,,n/\Inlll\l

cluir tentativasdereformar a língua. I Util izur ,I variedade aprovada ou p.1Ili,11 IlIlir!IIII'llI(',.t publlcuçáo de uma gramática de um vernáculo não sig-
da língua era,pelomenos para muitos falantes, urna forma de nutocouuol 1'1('1H'lonu-nos ,I minoria dos falantes desse vernáculo de fato seguisse
já que o quelhesvinha "naturalmente" (ou ao menos habiuralrnentc) em MI,.,lllo assim, a disseminação das gramáticas é impressionante
uma outra variedade,como um dialeto. ti til' .ilgu ns vernáculos, as regras parecem ter sido levadas a sério

Outra finalidade da padronização, além da uniformidade através do I IiII~


paço, era a fixidezao longo do tempo. Para que uma língua conquistus:« I, I'üssivt'l dizer que alguns vernáculos venceram a batalha contra o la-
nível de prestígiodolatim, ela precisava ser estável. Por essa razão, DIydc'lI df~ix:H de ser vernáculos, por meio da criação de uma espécie de
considerava vergonhosoque, enquanto "desde a época de Boccaccio (' di' I) nutorizada" da língua, distante da fala coloquial. A questão sobre
Petrarca, o italianotenha variado muito pouco", no caso do inglês, por 011111' li'i(~d.ldedo vernáculo deveria ser autorizada, seja para a escrita, seja
lado, a língua"nãopode ser compreendida sem a ajuda de um dicion.u it· .IIIVI',sas entre pessoas cultas, foi muito discutida nos primórdios da
antigo". ]onathanSwift não gostava do que chamava de "as perpétuas vall,l ill.1moderna, A concorrência discutida no capítulo anterior é retomada
ções da nossafala"e esperava "consertá-Ia para sempre". (Flasdieck, 19)1 Ó' li I IIlIlro nível.

p.39, 71) Podemoschamar essa reação de "a ansiedade da instabilidade". Ntt 11 dvcorrer da Renascença, os humanistas, seguindo seus procedimen-
outro lado doAtlântico,Hugh ]ones, professor no William and Mary Collcgi 11,11" de imitação e emulação, principalmente do latim e algumas vezes
expressou em17210 desejo "de determinar um padrão público". Como I' r"g'-', tentaram reformar uma série de vernáculos (incluindo o italiano,
jornalista Antoinede Rivarol escreveu no fim do nosso período, "a fixide 1 p.lldlOl, o francês, o português e o inglês) para que se tornassem mais
necessária" (ilfaut de Ia fixité). (Villalón apud Alonso, 1938, p.34; Jones apud illll.ldos ao uso literário. O movimento reformista se espalhou ainda
Read, 1936,1141;Rivarol apud François, 1905, p.14) .nnplamente nos séculos XVII e XVIII. Os escritores num país eram
O desejode fixidez foi uma importante razão para a fundação de aciI IIIfl8vezes inspirados a imitar o que estava acontecendo em outro lugar.
demias emFlorença(Accademia della Crusca, 1582), Paris (1635), Madri f'xI'll1plo, Ou Bellay tomou emprestados alguns elementos do diálogo
(1713), Copenhague(1742), Lisboa (1779), Moscou (1783) e Estocolmo 11 vernáculo de Speroni; os defensores de um uso literário do galês
(1786), todasresponsáveis por dicionários (apesar de o português não 11'1 hlV.1I1l cientes dos precedentes em italiano e francês, enquanto a Academia
passado daletraA). O lema da Academia Espanhola era (e é) "limpar, fix.u pnllllOla e o reformista russo Vasily Trediakovsky se inspiravam no crítico
e dar esplendor"(limpia, fija y da esplendor). it( I'., Vaugelas. (Iones, 1970, p.12-3)

Diversasgramáticasde vernáculos europeus foram publicadas nesse 1)(' A icndêncía à "gramatização", como é às vezes chamada, parece ser (pelo
ríodo, muitasvezesescritas em latim para facilitar sua utilização por estran IIfh à primeira vista) um exemplo notável do poder dos acadêmicos e in-
geiros queestavamaprendendo a língua, mas também visando a propor regras lccumts, mas pode ser mais realista propor uma explicação social para seu
para os falantesnativos. Em 1550 já havia gramáticas impressas do italiano, wr''iSO. As formas-padrão de vernáculos eram expressões dos valores de no-
do espanhol,dofrancês, do português, do alemão e do tcheco. Entre 1550 I' II1Inunidades - ou de algumas com importância crescente: as comunidades
1599, acréscimosà lista incluíram o holandês, o inglês, o polonês, o galcs, mnais de elites leigas que estavam se distanciando não somente da cultura
o esloveno e o eslavoeclesiástico. Entre 1600 e 1649, foram acrescentados 1I.-III,tou latina, mas também da cultura popular, regional ou do dialeto.
a língua basca,o croata, o dinamarquês, o grego moderno (chamado de gn' 1>Cqualquer forma, desenrolou-se na Europa nesse período uma tenta-
go "popular")e o letão. Entre 1650 e 1699, o bretão, o estoniano, a língua \.1 roletiva e cooperativa de elevar o status dos vernáculos, codificando-os,
frísia, o lituano,o russo, o sórbio e o sueco. Entre 1700 e 1749, o albanês, () 111 lquccendo-os e, desse modo, transformando-os em línguas apropriadas
romanche e a línguasami. Em 1757, o romeno. 1',11",\ literatura. Essa iniciativa foi em grande parte promovida por um novo
1111'10 de comunicação: a imprensa.
Cf. Elias(1981-2).Há algumas observações perspicazes sobre a língua no v.I, p.II, 108-1 \.
mas não traçadanenhuma relação explícita entre a língua e o processo civilizatório em SI
é

106 107
,".UI'U'II"".,",,,,. nn..- pnfTlnrn'fl'J nn r.rmrn IV\no"rnn

o papel da imprensa 111('SIlI.1coisa que d ,ISCt'IlSúo:)dOlllill[]llcia de um dialeto ou socioleto em


p.u t I( ular, A pndroniznçüo da prática, seja na escrita, seja na fala, é uma
Alguns historiadores da imprensa consideram a fixidez ou a padronizuç.ui questüo de grau, e até hoje o alemão, por exemplo, é menos padronizado
da língua um resultado praticamente automático da produção em massa de cio que o inglês ou o francês.
textos idênticos, de Johann Gutenberg em diante. Como Lucien Fcbvre C' O segundo ponto é cronológico. O processo de padronização é mais an-
l lcnri-jean Martin observaram em seu clássico estudo sobre a ascensão do t igo do que a imprensa. No caso de alguns vernáculos europeus, esse
livro, a imprensa "exerceu papel essencial na formação e na fixação das Hn processo teve início muito antes de 1450. Na Inglaterra, por exemplo,
ruas". Sigfrid Steinberg concorda: "Tendo fortificado os 'muros Iinguísuro-.' o saxão ocidental era amplamente disseminado no século XI como lín-
ntre uma nação e outra, os tipógrafos passaram a romper com as pequena gua literária. Os acadêmicos discutem se o "inglês-padrão antigo" foi
diferenças da fala ... em qualquer grupo linguístico determinado". (Febvu-, obra do rei Alfredo ou do bispo de Winchester, Aethelwold.ê Na Espa-
Martin, 1976, p.319; Steinberg, 1961, p.88; cf. Giesecke, 1991, p.489-97) Ilha, esse processo passa a ser visível no século XIII. (Wright, 1997) Na
Há muito a ser dito a favor desse ponto de vista. É claro que uma linguu Boêmia, Ian Hus reformou a ortografia do tcheco no início do século
-padrão se adequava à lógica econômica da indústria da imprensa, ou scj.r, xv. De forma mais geral, como Febvre e Martin estavam bem cientes,
a necessidade de vender textos idênticos para o maior número possível d(' ,IS chancelarias da Europa exerceram importante papel na história dos
leitores. A transição da variedade de formas de escrever a mesma palavra IlO vernáculos a partir do século XlV. No mundo falante do alemão, normas
fim da Idade Média, por exemplo, aos padrões uniformes dos séculos XIX I' escritas foram influenciadas pela prática das chancelarias de Praga, Viena
XX constitui uma enorme mudança. Afirmações similares podem ser feit.i-, !, mais tarde, Meissen na Saxônia. Na Inglaterra, um padrão de chancela-
sobre variações regionais de vocabulário. A ideia de que a disseminação dos ria começou a se propagar de 1417 em diante. (Richardson, 1980; Fisher,
livros impressos influenciou os hábitos da escrita - e, mais tarde, os da fala ' 1996, p.65-83)
parece inerentemente plausível. Em terceiro lugar, a imprensa era uma faca de dois gumes, que pode-
Um dos exemplos mais convincentes vem de fora da Europa. Trata-se ria ser utilizada para promover padrões rivais. No caso da Bretanha, é
do papel dos missionários, especialmente os jesuítas, na fixação das lín relativamente fácil esquecer esse ponto, já que, em grande parte desse
guas indígenas como o nahuatl no México, o quíchua e o aymara no Peru, (l período, as imprensas estavam praticamente confinadas a Londres. O
tupi no Brasil, o tagalog nas Filipinas, e assim por diante, ao registrar essas resultado desse quase monopólio foi a disseminação da hegemonia do
línguas por escrito pela primeira vez, bem como ao compilar dicionários (' inglês do Sudeste não somente pelo norte e pelo oeste da Inglaterra, mas
construir gramáticas, como o vocabulário nahuatl-espanhol de Alonso dI' também para as planícies da Escócia, levando ao que foi chamado de "o
Molina (1555), o dicionário do quíchua de Diego González Holguín (1586), súbito e total eclipse do escocês como língua literária" ao redor do ano de
a gramática do tupi de Iosé de Anchieta (1595) ou o dicionário do aymara de 1500. (McClure, 1994, p.36) Também na França, apesar da importância
Ludovico Bertonio (1612). Nessas regiões, houve uma transição da oralidadc de Lyon durante o Renascimento, uma grande proporção de livros veio a
para a imprensa sem passar pela era do manuscrito. ser publicada em Paris.
Mesmo assim, não podemos presumir que a imprensa tenha sido o úni Entretanto, a história é muito diferente nos mundos falantes do alemão,
co personagem nesse enredo. Quatro observações gerais devem servir para do espanhol ou do italiano, onde a imprensa era policêntrica. Na Espa-
complicar ainda mais a trama. nha, a chegada da imprensa a Valência, Sevilha, Salamanca, Barcelona e
outras regiões levou, segundo alguns relatos, tanto ao "caos" como a uma
1. O primeiro ponto é conceitual. O conceito de "padronização" é menos "uniformidade geral". (Wright, 1997, p.272) Na Alemanha, o período
simples do que parece e é necessário distinguir variedades oficiais de uma
língua das variedades com mais prestígio e as mais amplamente enten
Gneuss, 1972; Fisher, 1996, p.75. Meus agradecimentos a Simon Keynes por chamar minha
didas. (Ioseph, 1987, p.vii) A codificação formal de uma língua não é a atenção para esta discussão.

108 109
r!lfllf ntJn ""'"""n\C"..•". nn.- pnrnnrnln, no ruropn Monnrn

antes dc 1550 tem sido descrito como lI"I.1 época ele "línguas tipográf odificacoo
cas" (Druckersprachen) concorrentes em Augsburgo, Frankfurt, Lcipzig,
Basiléia, Wittenberg e outras regiões. (Waterrnan, 1966, p.128) Livros Ilavia muitos codificadores ou aspirantes a codificadores ativos no pe-
impressos no século XVI em Veneza, Milão, Florença, Roma e em outra: i íodo, apesar de eles muitas vezes discordarem quanto ao padrão a ser ado-
cidades também promoveram diferentes variedades da língua. Foi só no r.ido. Aqui, como ao longo de todo este estudo, pode ser útil adotar uma
início do século XVII que as formas do toscano se tornaram o padrão rhordagern comparativa. A "questão da língua", Ia questione della lingua, como
tipográfico. (Trifone, 1993, p.441; Trovato, 1991; Richardson, 1994) Nos os estudiosos italianos diriam, era um debate europeu, não apenas italiano,
mundos falantes do alemão e do italiano em particular, a noção de um.i embora mais intenso em alguns lugares do que em outros. Na Espanha, por
comunidade regional continuou forte e incentivou um apego ao dialeto exemplo, foi relativamente atenuado. (Picchio, 1959; Picchio, 1972; Picchio;
que se estendeu às classes superiores. Coldblatt, 1984, v.l , p.1-42)
A França pode não ter tido essas variações regionais, mas não estava isen No decorrer do Renascimento, vários humanistas e outros escritores,
ta de desvios do padrão. Até o famoso dicionário da Académie Françaisc presos entre sua admiração do latim e suas ambições de ter um vernáculo
(1694), que deveria determinar os padrões ortográficos, apresentava as próprio, sonhavam em dar mais dignidade ao último, identificando ou inven-
mesmas palavras de forma diferente em páginas diferentes, de acordo i.mdo suas regras. Começaram a publicar gramáticas do vernáculo, seguindo
com o tipógrafo empregado. (Catach, 2001, p.175) () modelo das regras para o latim e o grego.
4. Em quarto lugar, há o problema do veículo. Os defensores da tese de uma A primeira foi a Gramática castellana escrita por Antonio Nebrija e pu-
"revolução da imprensa" têm enfatizado esse meio de comunicação em hlicada em 1492, a primeira gramática impressa em língua vernácula (uma
detrimento das mensagens dos escritores, tipógrafos e leitores que uti uamárlca do italiano tinha sido escrita na década de 1430 pelo humanista
lizavam essa nova tecnologia para seus próprios fins. (Eisenstein, 1979) l.eonbattista Alberti, mas só foi publicada em 1495). O Regole delia lingua
Por outro lado, os críticos da tese da "revolução" veem a imprensa como !wrentina, de Alberti, foi seguido pelo Regole grammaticali della volgar lingua
uma tecnologia que pode ser empregada por diferentes pessoas ou grupos ( 1516), de Gianfrancesco Fortunio, e pelo livro destinado ao maior sucesso,
para diferentes finalidades em diferentes locais. ,I Prose delia volgar lingua (1525), de Pietro Bembo.

Logo se seguiram gramáticas de outras línguas. Vale notar a importância


O determinismo implícito na posição "revolucionária" e o voluntarismo d.1 década de 1530, antes do surgimento de tratados enaltecendo o vernáculo
de alguns críticos são igualmente parciais. Como afirma o teórico canadense (p.81-2). Entre as publicações estavam uma gramática do francês do médico
da mídia Harold Innis, é sem dúvida mais esclarecedor falar de um "viés" lncques Dubois (1531), uma gramática do tcheco de Benes Optát e colabo-
intrínseco que pode ser encontrado em cada meio de comunicação. (Innis, r.idores (1533), uma gramática do alemão do pastor protestante Valentin
1951) Em outras palavras, a imprensa pode ser vista como um catalisador, Ickelsamer (1534), uma gramática do português do frade dominicano Fernão
ajudando as mudanças em vez de iniciá-Ias, e dependendo de certas precondi de Oliveira (1536) e uma gramática do húngaro de jános Sylvester (1539).
ções culturais ou sociais para ter sucesso. Apesar de a imprensa ter sua lógica Trinta e cinco gramáticas do francês tinham sido impressas até 1600,
econômica, proveniente da necessidade de vender um produto uniforme para enquanto gramáticas de 98 línguas, europeias e extraeuropeias, já haviam
o mais amplo mercado possível, é sempre possível para os impressores e seus sido publicadas em 1782. (Rowe, 1974, p.361)
patronos resistir a essa lógica até as verbas se esgotarem.
Retomando o primeiro desses quatro problemas, o aspecto conceitual,
nas páginas seguintes faremos a distinção entre codificação e unificação, Ortografia e pontuação
discutindo essas duas tendências nessa ordem.
Era especialmente na língua escrita que muitos elaboradores de regras
estavam pensando. Uma de suas principais preocupações era codificar a or-

110 111
"01111 IHltf I 1ti 11 Uttll'"i' 11 ItltlilHlllltllltlllHI' ptltliOlCllt>~ 11!1 IWllpCI Mucic1t1i(l

tograna e a pontuação, Tratados sobre a ortografia do tcheco c do polone: uuu.rdo de empréstimo do grego amigo, enquanto seu filho Paolo Manuzio
remontam ao início do século xv. No caso do italiano, do francês, do espanhol 1IIIIOduziu o ponto e vírgula. Esses sinais logo se espalharam para o fran-
e do inglês, por outro lado, o padrão foi debatido com mais vigor no século (,' ..•c outras línguas. A ortografia se tornou mais uniforme - apesar de não
XVI. (Brunot, 1905-1953, v.I1,p.93-123;Jones, 1953, p.142-67; Catach, 1968; Illlllpletamente - numa língua após a outra, começando pelo espanhol e o
Richardson, 1996; Salmon, 1999) II.tI iano, e o século XVI foi o período crucial para esse processo. (Langeli,
Na Itália, por exemplo, o debate começou na década de 1520, inaugura '000, p.B, 77-104)
do pelo humanista Gian Giorgio Trissino, que tinha ideias radicais sobre <1 Um segundo debate dizia respeito à unificação linguística e aos méritos
reforma ortográfica. Na Espanha, a controvérsia foi mantida por um períod I omparatívos de diferentes variedades do vernáculo. Essa discussão teve dois
mais longo. As regras ortográficas de Nebrija foram publicadas em 1517, u-sultados principais. De um lado, vemos a vitória de um dialeto sobre seus
ao passo que Gonzalo Correas, um professor de grego na Universidade de uvais, como nos casos da Espanha, da Itália, da França e da Inglaterra, e, do
Salam anca, propôs reformas parecidas com as de Trissino em sua Ortografia outro, o triunfo de uma variedade mista, ou koine.
kastellana (1630). Na França, o debate mais intenso ocorreu ao redor de ISSO,
ano em que Jacques Peletier publicou um diálogo sobre ortografia e Louis
Meigret, seu Tretté de Ia grammaire françoeze (a própria ortografia do título nos A vitória de um dialeto
dá uma ideia das reformas que ele propunha). Na Inglaterra, o Orthographie,
de john Hart, foi publicado em 1569, e Amendment ofOrthography, de William Na Espanha, a disseminação de uma forma-padrão de castelhano foi vin-
Bullokar, em 1580. Entre os aspirantes a reformadores da ortografia do inglês culada à Reconquista. A variedade falada em Burgos tornou-se o padrão,
nos séculos XVI e XVII estavam os escritores Gabriel Harvey, jarnes Howell .iceíto em Toledo quando aquela antiga capital foi retomada dos muçulmanos,
e john Evelyn. (Flasdieck, 1928, p.9, 23, 31) ou "mouros", e depois se espalhou pelo Sul. Em 1235, o rei Alfonso X, "o
Os alemães, holandeses e portugueses também discutiram essas questões Sábio", declarou que Toledo era "a medida da língua espanhola" (metro de Ia
nos séculos XVI e XVII. Um tratado sobre a ortografia do dinamarquês foi Icngua castellana). (Wright, 1997; Cf. Niederehe, 1975, p.98-100) Um estágio
publicado em 1678, enquanto Pedra, o Grande, reformou pessoalmente a posterior da padronização foi atingido ao redor de 1500, na era dos reinados
ortografia do russo no início do século XVIII (as correções do czar sobre um unidos de Ferdinando e Isabel e também do humanista Antonio Nebrija,
esboço sobrevivem até hoje). apesar de a gramática de Nebrija ter sido criticada por um colega humanista,
O principal objetivo dos reformistas era a uniformidade. Eles tentaram se [uan de Valdés, por seus andalusianismos. (Menéndez Pidal, 1950; Valdés,
certificar de que cada som fosse representado na escrita de uma única forma. 1969, p.46.) Em consequência, os primórdios da Castela moderna represen-
Com o modelo do grego antigo em mente, sugeriram a adoção de novas letras taram um período incomumente homogêneo do ponto de vista linguístico.
(ômega no italiano, kappa no espanhol, téta no inglês, e assim por diante), Não havia dialetos. (Milhou, 1993, p.18)
a abolição de letras tradicionais (excluir q ou y do inglês, por exemplo), a No caso do italiano, muitas vozes foram ouvidas nesse debate, incluindo
supressão de letras mudas (como o g final em ung no francês) e a adoção de a de Maquiavel, ao passo que as soluções propostas variavam desde uma
acentos (como o acento grave, o agudo e o circunflexo). O francês tomou de língua mista ou comum, associada à corte (lingua commune, lingua cortigiana),
empréstimo o cedilha do espanhol nessa época. (Parkes, 1992) até a língua falada em Florença ou na região toscana. Na vitória da norma
Muitas reformas não tiveram sucesso. Os espanhóis, por exemplo, não toscana, aparentemente foram as realizações literárias de Dante, Petrarca e
chamam sua língua de "kastellano", como desejava Correa. Por outro lado, Boccaccio, sem paralelo em outras regiões da Itália, que pesaram mais na
os acentos agudo, grave e circunflexo de fato foram incorporados à escrita balança, graças em particular aos esforços de Pietro Bembo.
cotidiana em várias línguas. Mais ou menos na mesma época, os sinais de Bembo foi um nobre veneziana, um humanista e também cardeal. Era
pontuação foram introduzidos no italiano, simplificando, dessa forma, a ta- ainda mais conhecido por ser um papa literário ou árbitro do bom estilo,
refa de ler em voz alta. O tipógrafo Aldo Manuzio introduziu o apóstrofo, tanto em latim como em italiano. No latim, era um ciceroniano. No caso do

112 113
1IIIIIIIIIIInljjr"~llIl1ll1l1idllll,,~ lIili1Tlllllc'lIdim elCIrlllClpCl 1IIIIelIIIIICI

italiano, foi Bembo quem canonizou Pcu.u (.1 t' uoccuccio, apresentando li "dl'l1gasconizar" () fl.lIl((\s, definindo regras tanto para a língua como para a
como modelos para qualquer um que quisesse escrever e falar com clcgnn 1'1H'SI,l.Como no caso de Bcrnbo, seus ideais foram institucionalizados. O
cia e pureza (p.162), dando dessa forma fim ao que chamava de "Babei" di' 1 1 .I 11<11 ho de Bembo leve continuidade com a Accademia della Crusca, e o de
variedades concorrentes de vernáculos. (Hall [r., 1942; Vitale, 1984; Rlchai M.tlherbe, com a Acadérnie Française, fundada pelo cardeal Richelieu com
dson, 1987) Do ponto de vista regional, Bembo era um excêntrico. Era UIII luse no modelo florentino. Alguns dos primeiros membros da Académie
veneziano vivendo em Roma e promovia a variedade linguística do tosca no eram seguidores de Malherbe, e uma das tarefas da instituição era reformar
Aparentemente, esse é um dos muitos casos de excesso de identificação til I língua, excluindo do uso polido não apenas regionalismos, mas também
um forasteiro com uma norma, mas devemos notar que o padrão toscano p,tlavras estrangeiras e os termos técnicos utilizados pelos artesãos. (Brunot,
defendido por Bembo era o do século XlV. (Dionisotti, 1968) 11)05-1953, v.III, p.3-9)
As realizações literárias de Dante, Petrarca e Boccaccio poderiam ter sido As variedades de sucesso do francês foram as da cour et Ia vil/e, como as
exploradas por motivos políticos, e de fato o foram, por Cosimo de Médio, I'l'ssoas diziam no século XVII, as da corte e da capital, ou, nas palavras de
grão-duque da Toscana, que usou esse "capital cultural" para legitimar seu ( l.iude de Vaugelas, outro membro da Académie Française, "a parte mais sã
regime, enviando um embaixador ao Concílio de Trento para impedir a proi cI,Icorte" (Ia plus saine partie de Ia cour) , incluindo as mulheres e os habitantes
bição do Decamerão, de Boccaccio, assim como para fundar em Florença umn cI;Icidade em contato com a corte e que "participam de sua cultura" (par-
academia dedicada a questões linguísticas. (Bertelli, 1976) Mesmo assim, o ucipen: à sa politesse). As "observações" de Vaugelas, como ele as chamava,
apelo do toscano era cultural, não político nem religioso.' O caminho religioso tuostraram-se controversas e os anos ao redor de meados do século XVII
para a padronização foi fechado em meados do século XVI, quando foram ronstituíram o auge da questione de lia lingua francesa, mas o padrão que ele
banidas as Bíblias em vernáculo. propôs acabou sendo adotado. (Vaugelas, 1647, prefácio; Auerbach, 1959;
O preço do caminho cultural para o padrão, sem o apoio do Estado ou da Ayres-Bennett, 1987)
Igreja, foi ter sido adotado somente por uma pequena minoria da população, Como modelo de uma comunidade de fala, o termo "corte" deve ser
que vivia em grande parte na região toscana e em Roma - apesar de as classes entendido em sentido amplo, incluindo não apenas a nobreza e as mulheres
superiores em outras regiões poderem ter empregado o padrão toscano para HO redor do rei, mas também os funcionários da chancelaria. A língua da
marcar ocasiões especiais, e a elite napolitana do século XVIII tê-Ia utilizado I hancelaria não raro era usada como modelo para a escrita de missivas. No

de forma mais geral. Assim, Carlo Gozzi, um escritor lombardo do século I,\SO do alemão, por exemplo, as chancelarias imperiais de Praga e Viena e
XVIII, chamou o italiano de "língua morta", como o latim. Segundo alguns " chancelaria saxônica em Meissen tinham o maior prestígio (p.117). Na
cálculos, quando a Itália se tornou uma nação unificada, em 1860, somente Inglaterra, o "inglês da chancelaria" estava se espalhando em meados do sé-
2,5% da população conhecia e utilizava a língua-padrão. (De Mauro, 1991, lula Xv. Cem anos mais tarde, o tipógrafo Robert Estienne afirmou em sua
p.l4, 43, 78) gramática - escrita e publicada em Genebra, em 1557 - que a chancelaria era
Na França e na Inglaterra, por outro lado, a vitória dos dialetos da ile de um dos lugares em que o melhor francês podia ser ouvido. Só em 1599 foi
France e dos Home Counties parece ter resultado de um misto de urbanização publicado um livro chamado Le tresor du stile de Ia Chancellerie, sugerindo que
e centralização política. o estilo dos funcionários reais continuava sendo um modelo de boa escrita.
Já no século XVI, o humanista Benedetto Varchi, autoridade em línguas Já no século XVII, por outro lado, os principais locais eram a corte real e
assim como Bembo, reconheceu que "a língua de Paris" (Ia lingua parigina) não os salons de algumas damas nobres de Paris, com destaque para o de Madame
podia ser descrita como bárbara. O poeta do século XVII François de Malherbe de Rambouillet, frequentado tanto por Malherbe como por Vaugelas. É tenta-
poderia ser descrito como um novo Bembo. Como este, ele era um forasteiro, dor concluir que, apesar das críticas (p.50-1), as précieuses podem muito bem
vindo não de Paris, mas do Sul. Em suas próprias palavras, Malherbe queria ler tido a última palavra. Apesar de terem escrito pouco e publicado ainda
menos sobre o assunto, o papel das mulheres da aristocracia na purificação
3 Foi argumentado que o toscano venceu graças aos bancos florentinos: Fisher, 1996, p.80. da língua não deve ser subestimado. Como os sociolinguistas muitas vezes

114 115
'~"""fH' IVI\,/HlilIIHI

observaram, em muitas sociedades .IS Iltlllht'H'" s:1o mais polidas do que ()


1'01 OUIro Lido, 110 ti I<.:llldo
bem como no sueco, no holandês e no finlan-
homens e demonstram uma tendência t\ hipc: correção. (Holrnes, 1995)
dl's, vemos a vitória da solução mista. No caso do holandês, essa mistura
A Inglaterra não teve um Bembo e nenhuma academia, mas Daniel Dcfoc,
pode ler resultado da urbanização, especialmente do rápido crescimento de
rurc outros, exigia que alguém "lapidasse e refinasse a língua inglesa". 1\
'\lIlslerdã no século XVII, devido em parte à imigração proveniente de An-
Royal Society organizou um comitê para "melhorar a língua inglesa" no (jllt
11I('rpia. Para a irritação de alguns cidadãos de Amsterdã na época, como
século XVII, e o primeiro historiador da sociedade, Thomas Sprat, também
ugere a sátira de Bredero (p.55), a longo prazo a língua dos imigrantes fez
defendeu uma academia da língua inglesa com base no modelo da Acadé
IIIl1aimportante contribuição para o holandês-padrão.
mie Française. (Flasdieck, 1928, p.30-7) No século XVIII, o Dictionary do di
johnson não somente era uma obra de referência, mas também uma tentativa caso mais famoso e mais estudado da criação de um koine nos pri-
III()rdios da era moderna é o do alemão. (Waterman, 1966, p.128-35; Arndt;
deliberada de "refinar nossa língua".
111.1ndt,1987; Baeumer, 1984; Padley, 1988, p.244-318) A diferença entre
Mesmo assim, provavelmente as mudanças sociais tiveram mais efeito
os dialetos do Norte e do Sul (Hamburgo e Munique, por exemplo) ou do
sobre a língua do que os esforços de indivíduos particulares. O crescimento
It'ste e do Oeste (digamos, Leipzig e Colônia) era tão grande que chegava
de Londres e o fato de a corte se localizar em suas imediações incentivaram ,I
I .rpresentar formidáveis obstáculos à comunicação inter-regional, tanto es-
adoção do dialeto do Sudeste como padrão, primeiro na chancelaria e depoi
I Iita quanto falada. Quando a chancelaria imperial e as de alguns dos mais
de forma mais geral. O escritor elisabetano George Puttenham aconselhava
II\1pOrtantes príncipes adotaram o vernáculo no século XlV, elas precisaram
os poetas a seguirem "o modo de falar usual da corte, a de Londres e dos
c/t'cidir qual forma escolher. Depois da chancelaria do imperador, baseada
distritos num raio de 100 quilômetros de Londres". Calcula-se que entre 111
1 meiro em Praga e mais tarde em Viena, a chancelaria de maior prestígio
1650 e 1750 um em cada seis adultos tivesse alguma experiência de vida em
l'la a do príncipe-eleitor da Saxônia, em Meissen. A Alemanha Oriental era
Londres. A migração para a capital provavelmente ajudou muito no processo
It'lativamente unificada em termos linguísticos por ter sido colonizada em
de unificação linguística. (Puttenham, 1936, p.145; Wrigley, 1967)
I'poca relativamente recente, nos séculos XII e XIII.
Também em outros países, foi defendido um padrão baseado no modo clt'
Mesmo assim, a língua da chancelaria saxônica incorporava elementos
falar da corte ou da capital. O escritor polonês jan Seklucjan defendia o qUI'
Ill' outras formas de alemão para ser mais amplamente inteligível _ afinal, o
chamou de a "língua da corte" (dworski mowy). Henrik Gerner escreveu em
propósito de uma chancelaria era enviar cartas a outros lugares. (Twaddell,
defesa de um padrão dinamarquês, baseado na língua usada em Copenhn
11)59,p.2; Kettmann, 1967; cf. Fisher, 1996) Podemos nos referir a esse pro-
gue. Mikhaylo Lomonosov sugeriu que o dialeto de Moscou fosse adotado
I t'SSOde incorporação como "padronização pragmática". Isso levou à criação
como o padrão do russo, não somente por ser a língua da corte, mas também
do que era conhecido na época como "língua comum" (lingua communis).
"considerando a importância da capital". (Martel, 1933, p.36-7) Na prática,
Na tentativa de transmitir sua mensagem às pessoas comuns, Martinho
Roma, o centro da Igreja Católica, atuou como uma espécie de capital nos
I utero decidiu escrever no vernáculo (apesar de também ter escrito em latim
primórdios da Itália moderna e ajudou a divulgar o padrão toscano.
p.ira os colegas acadêmicos). Ele era saxão, mas não queria limitar seu públi-
(o à Saxônia. Não podia escrever em alemão, já que na época não havia um

dl'mão-padrão. Como ele observou numa ocasião, "a Alemanha tem tantos
A ascensão do koine
dl,detos que pessoas que vivem a apenas 50 quilômetros de distância não se
\ l'lllendem" (Germania tot habet dialectos, ut in triginta miliaribus homines se mutuo
Na Itália, que nesse período não tinha uma capital, a expressão "língua d,1
IIrl/l intelligant). (Lutero, 1912, n.6146)
corte" (lingua cortigiana) se referia a um koine, ou língua comum (também co
A solução de Lutero para esse problema foi seguir o modelo de sua chan-
nhecida como lingua commune), que combinava elementos de diferentes diale
I l'laria local. "Eu falo no estilo da chancelaria saxônica", declarou em certa
tos. Essa solução para o problema da língua foi proposta por vários participan
Ilt.1Sião (Ich red nach der sechsischen cantzeley). (ibidem, n.1040) Cabe notar a
tes do debate, mas acabou sendo incapaz de competir com o padrão toscano,
1"1Ifase na fala e não na escrita. Lutero acreditava que as pessoas não aprendem

116
117
!iII!liTik • II'U""\I""· • 'lU 11"Illl"·"'.,. "n. fi' Irnorn.n", on r\'rTlfln IV\O{1"rnn

If"!-lll""com livros tüo bem quanto "oralmeuu-, ('111casa, no mercado t' 111_' liUivd em todo o mundo falante do alemão, como notou o tipógrafo Georg
S{'llIlm's" (alls der mutullichen rede, im J Iausc, au]! dem marckt und in der pn·t/'I:t) I!llill~_\I'r,
de Bamberg, entre outros. Erlinger incluiu um glossário à sua edição
N.l pdl ica, Lutcro usou expressões do próprio dialeto tanto na escrita (0111(' lI! VI'II1,IOde Lutero para as Epístolas e os Evangelhos "porque notei que
lIil Ialu, mas foi gradualmente seguindo o modelo da chancelaria com mui !lelll todos conseguem entender algumas palavras" (weil ich gemerckt hab daz
Ii1-\01.Para sermos mais precisos, ele seguiu diferentes modelos de chanccln 1;'/ ycdermon verston mag etliche wõrter), (Schottenloher, 1907) No Norte, as
ria: !.IIHOa imperial como a saxônica. (Baeumer, 1984, p.100-3) I,,~••soas entendiam ainda menos, de forma que a tradução de Lutero precisou
Foi também por motivos pragmáticos que a Assembleia da Alta Lus.ur.r I Ietraduzida para o baixo-alemão.
IlIg,lIlizou um comitê em 1691 para garantir que uma língua-padrão foss« Apesar desses problemas, a Bíblia de Lutero tornou-se um modelo lin-
{'llIp'l'gnda em textos protestantes escritos em sórbio. Por motivos sirnilau- \llIst ico. Uma gramática alemã, publicada em latim por johannes Clavius em
10.•..dos protestantes, na tentativa de transmitir sua mensagem religios, ,11' I!.7H, trazia, na folha de rosto, a afirmação de que os exemplos eram tirados
111,1/01 número possível de pessoas, os jesuítas na Boêmia adotaram um.r II00SBíblias de Lutero" (ex bibliis Lutheri). Por outro lado, a oposição da Igreja
{'l1p('LÍede koine, a meio caminho entre o tcheco e o eslovaco. Associada :i t"lIôlica à tradução da Bíblia constituía um grande obstáculo ao sucesso de
lJ 11lvcrsidade Jesuíta de Trnava entre 1635 e 1777, essa língua passou a sei IlIlIllsolução rival defendida por Iohann Eck, oponente de Lutero: um padrão
«mhccída como "eslovaco jesuíta" (jezúitska slovencina). Ela foi o equivn 1•.rseado no idioma suábio. (Besch et al., 1984)
1('IHeàs chamadas "línguas gerais" (lenguas generales) baseadas no tupi, 110 Em outras partes da Europa, traduções da Bíblia, muitas vezes realizadas
quíchua e em outras línguas indígenas que os missionários jesuítas usavam 1'111comitês de estudiosos, também exerceram papel crucial na criação de um
110BIasi I e no Peru. hoil1e. Vejamos, por exemplo, a Escandinávia. (Santesson, 2002) Na Suécia, a
Na batalha pelas almas das pessoas comuns, os protestantes tinham UI11.! Illhlia do rei GustavVasa (1541) seguiu o modelo de Lutero e usou uma língua
uuportarue vantagem sobre os jesuítas e outros missionários católicos: ,I que podia ser entendida por toda a Suécia, apesar de a maioria do comitê de
Illhlia em vernáculo. II.rdutores ser proveniente de Uppsala ou de Estocolmo. Na Dinamarca, o rei
pediu que o comitê seguisse o exemplo de Lutero, de forma que a Bíblia de
Cristiano III (1550), como foi chamada, proporcionou uma norma escrita para
A Ilngua da Bíblia I)dinamarquês, que mais tarde se tornou a norma da língua falada. (Wessén,
1927; Skautrup, 1944-1970, v.II, p.210-6)
acadêmico dinamarquês Peter Skautrup falou de uma "reforma da Na Finlândia, a história é um pouco mais complicada. Mikael Agricola,
língua" (Sprogets reformation). (Skautrup, 1944-1970, v.II, p.175-203) Num libispo luterano de Turku, que havia estudado em Wittenberg, traduziu o
nível, a Reforma era associada a forças centrífugas, ao que podemos chamar Novo (1548) e uma parte do Antigo Testamento baseando-se no dialeto da
dl' dissolução do império eclesiástico romano, mas, em outro, era associada região de Turku, além de introduzir novas palavras no finlandês. Seu texto
,\ forças centrípetas, com a criação de vernáculos nacionais em(,posiçãO aos tem sido descrito como uma "espécie de pot-pourri de dialetos". No entanto,
dialetos regionais. em 1642, a Bíblia foi retraduzida por um grupo liderado por Eskil Petraeus
A lógica das missões era como a lógica da imprensa. P ra, atingir o que visava a escrever numa língua que pudesse ser entendida em todo o país.
maior número de pessoas possível, era necessário falar e escrever numa (Haugen, 1976; Sauvageot, 1973; 1984, p.179)
língua que o maior número de ouvintes ou leitores pudesse entender. Dessa Se nos voltarmos para o holandês ou para o flamengo, encontramos uma
orrna, Lutero pôde recorrer ao koine da chancelaria saxônica não somente situação similar. O Novo Testamento de Ian Utenhove visava, de acordo com
.m seus sermões, mas também na tradução da Bíblia que publicou entre relatos, a "um texto em holandês compreensível a leitores de todas as partes
1522 e 1534. das Holanda". (Pettegree, 1992, p.90) A empreitada não teve sucesso, de
eve-se enfatizar que esse koine não passava de um padrão regional, arma que o trabalho foi realizado novamente na "Bíblia dos Estados" (Staten-
cor rente na Alemanha Central e Oriental. A Bíblia de Lutero não era inte- bijbel) calvinista, de 1637, encomendada pelos Estados Gerais. Essa tradução,

118 119
I"IH' IHllh

WIllO a Vcrsao Autorizada em inglês, foi obi.: til- UI11grupo em que, plllllll 01 ill I'lIlll'SI;lI11t'11lingnra de 1590 foi importante para o desenvolvimento
cst.ivarn representados diferentes regiões e SCLIS dialetos." 11"!lIgillOliterário.
A lnfluência das escrituras na padronização do vernáculo escrito e 111 '\ '. I1.uluçõcs da Bíblia constituíram um dos principais meios pelos quais
do falado também pode ser notada no tcheco, no dinamarquês, no illlll Ill'tlgl .ifos ajudaram o processo de padronização linguística, com o qual
no húngaro e em outras línguas. A história não começa com a Reforuu 11',\111" lides estavam comprometidos. Por exemplo, o tipógrafo Gáspár Hel-
-oruribuição anterior de John Wyclif ao desenvolvimento do inglês, WIlII ti CIIIIIIibu iu para a padronização da ortografia húngara com os livros que
:I de jan Hus para o tcheco, foi importante. Uma Bíblia em cataJão foi 1111 i'udllziu no fim do século XVI. Como nos casos de Bembo, Malherbe e
pl essa já em 1478, e uma Bíblia em tcheco, em 1488. Contudo, a I\(hlll IUt\t~I.ls,vemos a importância do forasteiro, já que Caspar Helth, como era
exerceu papel ainda mais importante na história dos vernáculos eurojx 11 Iigill,tlmente conhecido, era um alemão que só aprendeu o húngaro aos 20
iu I', de idade .
•ipós 1520.
desempenho do inglês nessa história é bem conhecido, desde o NIlVII A história da Bíblia em Ilíria, a terra dos eslavos do Sul, é incomumente
I'cstamento de William Tindale (1525-26) até a Versão Autorizada (1611) .uuplexa. Em meados do século XVI, Primoz Trubar, um protestante exilado
iLI Alemanha, trabalhava numa tradução da Bíblia para o esloveno enquanto
Ti ndale, por exemplo, enriqueceu a língua com palavras como Passaver 111,',
a] e scapegaat [bode expiatório], e expressões como braken-hearted [dcsol.: Cll'i .issistentes trabalhavam no croata. O humanista protestante italiano
10, de coração partido], peace-maker [conciliador] e stumbling-black [pedra 1111 l'il'l Paolo Vergerio sugeriu traduzir a Bíblia numa língua que pudesse ser
i 1IIIIpreendida por todos os eslavos do Sul, mas Trubar considerou essa tarefa
arninho, empecilho]. (Bone, Londres, 1938) A Versão Autorizada contribuiu
m clear as crystal, fat af the land, raat af ali evil, still small vaice e provérbio uupossível. Já em 1561, contudo, Trubar tinha interesse em publicar livros

mo the wages af sin is death e sufficient ta the day is the evil thereaf. 5 '1111'croatas, dálmatas, sérvios, bósnios e até búlgaros pudessem entender,
No entanto, as traduções da Bíblia também foram importantes na histói 1.1 11111,1 versão popular e protestante do eslavo eclesiástico. O Novo Testamento,
de muitos outros vernáculos, incluindo o islandês, língua na qual o Novo u.uluzido por Antun Dalmatin e Stjepan Konzul (impresso em 1562-63),
siamento surgiu em 1540: no romanche, vernáculo na qual foi publicado luscou-se nos dialetos croata, ístrio e dalmático. (Dimnik, 1984, p.154; 1988,
m 1560, e na língua basca, em que apareceu em 1571 (na obra de um mis 1I ~89, 392)
sionário calvinista francês). Foi no contexto de traduções da Bíblia que surgiu No caso do sórbio ou, como era conhecido na época, wend, encontramos
na Polônia na década de 1540 uma controvérsia a respeito do melhor modelo 11111 grupo político intervindo na questão da língua, de uma maneira que lem-
para a língua literária, se deveria se aproximar do tcheco ou permanecer no h"t a Noruega do século XIX. Os Estados da Lusácia estavam preocupados
10m a variedade de traduções da literatura religiosa em alemão de forma
polonês puro.
A influência da Bíblia de Genebra de 1588 sobre o francês falado dos que apoiavam o que chamavam de "o novo estilo sórbio" (dem neuen wendis-
protestantes é pelo menos sugerida numa frase do século xv~ue descreve chet: 5tyla). (Mietzschke, 1960, p.135) No caso da língua romena, Simeon
sua fala como "o patais de Canaã" (um variante da expressã bíblica lingu« Stefan, metropolitano da Transilvânia, argumentou em 1648 (no prefácio a
anaan, em Isaías, 19: 18). Na Boêmia, o tcheco literário f, . moldado pela urna tradução do Novo Testamento) a favor de uma forma de língua literária

Bíblia de Kralicy (1579-93), levando ao desenvolvimento do que foi conhecido comum. No entanto, levaria séculos para que uma forma como essa fosse
no século XVIII como a "língua da Bíblia" (biblictina). Em Gales, a Bíblia de cstabelecida. De modo similar, no caso do tcheco, do eslovaco, do esloveno,
Morgan (1588) tem sido descrita como a base do galês literário moderno. A da língua sérvia, do croata, do búlgaro e do grego, a era da padronização
linguística ocorreu no fim do século XVIII e no início do XIX, época de Josef
Dobrovsky, Ludovít Stúr, jernej Kopitar, Vuk Stefanovié Karadãió, Ljudevit
4 Cf. Vooys, 1952, p.l08-10. Howell, 2000, p.143, duvida da influência dessa Bíblia sobre a Gaj e Adamantios Korais.
língua.
S Respectivamente, "claro como cristal", "o melhor de tudo", "a raiz de todo mal", "voz mansa
doce", "a paga pelo pecado é a morte", "basta a cada dia o seu mal", [N. R..]

121
120
sintaxe e 1.111111('111 que ,\S escolhas adotndas lIIuilas vezes sobreviveram
11;1
o papel dos tipógrafos
I~

IIfIespanhol de hoje' cal/e em vez de ((I1l, digl1idad em vez de digl1iLlIL, imperio


I~IIIvez dc empeno ClC. (l lnrris-Northall, 1996)
Em algumas discussões sobre a importância da imprensa, os próprios ti
No mundo falante do alemão, as diferentes "línguas do tipógrafo" do
pógrafos são quase invisíveis, "heróis anônimos", espremidos entre escritores
uurlo do século XVI levaram às normas de Wittenberg e Frankfurt após 1550.
famosos de um lado e forças impessoais de outro. (Cole, 1984) No entanto.
(Waterrnan, 1966, p.128) A sobrevivência de um manuscrito impresso por
em muitas partes da Europa, encontramos tipógrafos individuais assumindo
"igmund Feyerabend, de Frankfurt, permite uma comparação do mesmo tipo
papéis de liderança na padronização do vernáculo.
que a Gran Conquista. O relato de Ulrich Schmidl sobre suas aventuras no
Na Inglaterra do fim do século Xv, por exemplo, William Caxton deci
Novo Mundo foi escrito no dialeto bávaro, de forma que era extremamente
diu imprimir usando o inglês da chancelaria para incentivar sua utilização
n.io padronizado em termos de ortografia e gramática. A versão publicada
mais ampla, apesar de não ter sido coerente na ortografia que defendia
em 1567 não apenas modificou os bavarianismos como também uniformizou
(Fisher, 1996, p.121-44; Cable, 1984, p.81-3) No mundo falante do alemão,
mais as formas verbais e, novamente, em algumas ocasiões, aproximou-as do
Sebastian Franck foi um tipógrafo pessoalmente envolvido na questão d.i
.rlcmão moderno: de warden a warten, por exemplo, de pleibt a bleiben, de friedt
língua, assim como os colegas Hieronymus Wietor e jan Malecki na Polônia
.I Fried. (Huffines, 1974) Feyerabend também imprimiu a tradução da Bíblia
Em Paris e Genebra, Geoffrey Tory, Etienne Dolet e Robert e Henri Estien
feita por Lutero, mas em suas edições a língua foi modificada para torná-Ia
ne trabalharam como reformadores da língua e também como tipógrafos.
menos saxônica. (Baeumer, 1984, p.1l5)
(Catach, 1968, p.31-50, 51-70, 245-59) No mundo eslavo, o ruteno Pamva
Um exemplo do mesmo processo na língua inglesa é o da tradução que
Berynda era ao mesmo tempo monge, tipógrafo e compilador de um di-
lohn Harington fez de Ariosto, publicando-a em 1591. Mais uma vez, as
cionário. Na Hungria do século XVI, importante papel foi exercido Gáspár
mudanças realizadas na versão impressa se aproximavam do inglês moderno,
Heltai, como já vimos. Como apenas algumas prensas húngaras estavam em
trocando bee por be, por exemplo, greef por grief, noorse por nurse e swoord por
operação, os esforços de uma pessoa como Heltai puderam surtir um efeito
sword. (Mossé, 1947, p.140)
desproporcional.
Como Ferdinand Brunot uma vez afirmou, os tipógrafos tiveram mais
O sucesso do toscano também foi ajudado pela imprensa - já que os ti-
influência sobre a forma na qual o francês era escrito do que Malherbe ou
pógrafos foram persuadidos a adotar normas do toscano -, enquanto alguns
Vaugelas. (Brunot, 1905-1953, v.Iv, p.119; Martin, 1993) No caso da Ingla-
deles, com destaque para Aldo Manuzio, tipógrafo de Bembo, e seu filho
terra e da França, a organização do processo de impressão, por si só uma
Paolo Manuzio, estavam envolvidos no movimento da codificação. A edição
reflexão sobre a centralização do governo, favoreceu o processo de unifica-
de Dante publicada por Aldo em 1501 ilustra esse processo. A ortografia
ção linguística. Na Inglaterra, o processo de impressão era centralizado - na
do manuscrito que Aldo utilizou e a versão publicada de Dante diferem de
verdade, era praticamente confinado a Londres, Oxford e Cambridge até o
modo sistemático, demonstrando que Aldo queria fazer com que o italiano se
século XVIII. Na França, como na Inglaterra, a capital dominava a indústria
parecesse mais com o latim. Dessa forma, anno, "eles têm", tornou-se hanno,
tipográfica, e a supremacia de Paris foi reforçada pela intervenção do governo
giusticia virou giustitia, silencio tornou-se silentio escuota. schola (em todos os
na era de Luís XIv.
casos, com exceção do último, o italiano moderno segue a opção de Aldo).
(Firmin-Didot, 1875, p.195)
Em três outros casos, um espanhol, um alemão e um inglês, a afortuna-
A língua falada
da sobrevivência de um manuscrito, além do texto impresso a partir dele,
permite-nos entrar na oficina do tipógrafo e observar as decisões tomadas ali.
Uma segunda onda de padronização afetou a língua falada. É mais difícil
A Gran Conquista de Ultramar, uma tradução em espanhol do século XIII de
determinar sua cronologia, mas parece que a prática comum de ler em voz
uma crônica em latim do século XII, foi publicada em 1503. Uma comparação
alta contribuiu a longo prazo para aproximar a língua falada da escrita.
com o manuscrito mostrou que foram eliminadas as variações na ortografia

123
122
N.I It,íli.1 do século XVI c I1tlFI.IIl~·.tdo S('( ulo XVII em pnu kulru, u nlll'II10S .tIlOStit'pois de Luicro, CI11meados do século XVIll, Frederico,
dcb.ucs sobre as línguas se concentravam Idl110na (ala de pCSSOilSt:dll(Ll 1.(lIIIt',escrevendo em francês, ainda poderia rejeitar o alemão como uma
d.ls como na língua escrita. Na verdade, Malhcrbc c Vaugelas estavam IIl~ti 11,111.10 refinada, "quase bárbara e dividida em tantos dialetos quantas são
preocupados com a fala do que com a escrita. As discussões se estt'IHII.(l1I fllflVrllciasda Alemanha". No século XVIII, ainda era intenso o debate lin-
para li pronúncia e o vocabulário. Na Renascença, os escritos sobre a 1"11 \li;<llltl entre os letrados alemães. johann Christoph Adelung, por exemplo,
I1LlI1cialidavam principalmente com o latim e o grego, mas jacques ('d('11I1 " 1111111,\ um padrão baseado no saxão do Sul, alguns bávaros propunham o
, Theodore Beza discutiram o francês, john Rhys, o italiano, e juan L<>pt PIIII"IO dialeto, joachim Campe favorecia um koine, enquanto Iohann Chris-
le Velasco, o espanhol. ~\1'1t Cottsched defendia um padrão escrito baseado na utilização vigente em
Na Inglaterra, onde, como vimos (p.56-7), o sotaque já era uma hoil 1iI"'Sl'I1,na Saxônia. (Blackall, 1959) Até hoje, o alemão é uma língua menos
lei ra social, The Art of Pronunciation (1617), de Robert Robinson, foi lIlll 1 l(llllll.lda do que, digamos, o inglês ou o francês.
das primeiras contribuições para o debate, mas os meados do século XVIII 1~Jl)resumo, a história da padronização foi sujeita a consideráveis varia-
provavelmente marcam o momento decisivo, como demonstra o SUCl'S'1J fll~:;em diferentes partes da Europa. Na Itália e na Alemanha, em particular,

das obras de Thomas Sheridan sobre a pronúncia correta. O Pronouncing 1111/1 houve resistência, sendo que as tendências centrífugas eram tão ou mais
Spelling Dictionary (1764), de William johnston, oferece mais evidências doi hu.-nsas do que as centrípetas. (Elwert, 1958; Serianni, 1997) No Leste Eu-
crescente preocupação em falar corretamente. O mesmo pode ser dito til! 1"(H'lI, o período de maior padronização foi o século XIX (p.84-5). Nos locais
ritical Pronouncing Dictionary (1791), de john Walker, em que consta a famoso! 11111 lc a padronização teve sucesso nos primórdios do período moderno, esse
afirmação de que a pronúncia londrina era a melhor por ser "mais amplamente (11occsso tomou caminhos diferentes. No caso da França, os acadêmicos fala-
recebida" do que as rivais. 1.1111 de um "absolutismo linguístico", observando o envolvimento do Estado
Em algumas partes da Europa - da República Neerlandesa, passando pelo. I~fllllo árbitro oficial da língua, a Académie Française (imitada na Espanha, na

stados alemães e chegando até a Rússia -, o uso do francês pelas classes I{w;sia e na Suécia). Na Inglaterra, por outro lado, vemos o desenvolvimento
superiores provavelmente retardou o surgimento de um vernáculo padroni dt' um padrão por meios informais.
zado, já que esse era menos necessário para distinguir entre pessoas de alto (' Retomando a questão levantada no início do capítulo, agora podemos
baixo status. Na Dinamarca, o alemão exerceu função similar. Mesmo assim, dizer que a padronização se deve em parte a um planejamento consciente,
estava se desenvolvendo uma preocupação com o vernáculo, e um gramáti 1I1asque a unificação das línguas nacionais se deve mais a forças fora do con-
co dinamarquês escreveu em 1679 que "a nossa fala corrompida deveria se uole humano, incluindo veículos impressos e o surgimento de certas cortes
adaptar à nossa escrita cultivada para que pudéssemos ter também uma fala " cidades. O aparecimento de uma língua codificada, valorizada na época
cultivada". (Gerner apud Haugen, 1976, p.418) .orno refinada, urbana ou "educada", sem dúvida deve ser visto como parte
do "processo civilizatório" descrito por Norbert Elias e vinculado ao desen-
volvimento do Estado na França e em outras partes da Europa. A nobreza
Forças centrípetas versus centrífugas ) guerreira estava sendo gradualmente subjugada e transformada na casta dos
cortesãos, tendo perdido o sotaque e as lealdades locais mais ou menos ao
O poder das forças centrífugas não deve ser subestimado. Mikhail mesmo tempo.
Bakhtin escreveu com eloquência sobre a longa história da competição No que se refere ao comportamento à mesa, ao qual Elias dedicou espe-
entre a língua-padrão ou oficial e suas alternativas não oficiais, como dia- cial atenção, o glamour da corte e sua influência sobre as elites provincianas
letos e jargões, parte da rivalidade ou até do conflito entre a cultura oficial incentivaram a adoção de uma nova forma de linguagem, que se tornou um
e a popular. (Bakhtin, 1981, p.41-83) Um conflito como esse é endêmico e indício de que seus usuários eram distintos das pessoas comuns e superiores
sem dúvida seria um desastre para as duas variedades da língua se deixasse a elas. A reforma da fala fez parte de uma mudança mais ampla, marcada
de existir. como o recuo da participação das elites europeias em muitas manifestações

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da cultura popular. A cultura vinha g.mhnndo IlIlPOIl,lllIl,1
status num momento em que as hicr arqui.rs soei,li •• 111111
em declínio, especialmente nas grandes cidades COlIJOI (1I1llI
anonimato proporcionado por essas cidades, o slllt,,\ jI,1
menos do berço e mais da "cultura da polidez", que 111\IlIln IHIi
a variedade certa da língua e vestir as roupas apropr uul.rã, (11
Burke, 1994, p.270-80; Klein, 1994) Como Vaugclas OI!<;11 V(III
seu Remarques, uma palavra errada bastava "para perde: o pfl)lIt1
boa companhia" (pour faire mespriser une personne dons 111/1'
cCllIl/'i
Como os defensores de diferentes vernáculos gOSt,1111 de til CAPíTULO 5
línguas mereciam louvor por serem muito ricas, abundantes fl1lI
A mistura de línguas
exatamente, elas estavam se enriquecendo ao tomar palavllI
mo, fosse do latim ou de outros vernáculos. As línguas di! !llll
se tornando cada vez mais misturadas. O processo da Illi~1111
capítulo a seguir.

ulo :\. referimo-nos a "vencedores" e "perdedores" na cornpe-


!l1I0. llil história da língua, como no caso da História em geral,
lU IInfldeve ser inflexível. Os perdedores às vezes influenciam os
1611'1 to ponto, produzindo uma espécie de mistura, seja num
IN(i"lltt'ou inconsciente, pragmático (como no caso de uma lingua
lIt1i(fI.tomo no caso da literatura macarrônica.
) ';()de troca linguística, além de expressar uma crescente unifi-
111111 ti" Europa, contribuiu para sua "europeização", ou pelo menos
111 i ompcnsação pelo declínio gradual da comunicação em latim.

o doiSelites de diferentes países europeus para uma cultura co-


rendia da música aos armamentos de guerra foi marcada pela
1'11' o poeta italiano do século XIX Giacomo Leopardi chamou de
11_'••.. (De Mauro, 1991, p.9, 283) Mesmo assim, os historiadores
IIf' .igora tiveram pouco a dizer sobre esse aspecto dos encontros
1I'{'lc'rindodeixar o tema para seus colegas, os linguistas. Inspirado
1 lidos sobre "encontros linguísticos" na América do Norte em
u-urci, no texto que segue, estender essa abordagem à Europa.
dl% 2000)
Ifll xorrern contatos entre comunidades de fala, as influências fluem

1'1 direções e o resultado é a "hibridização" cultural ou a "trans-

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