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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB – DCH – CAMPUS IV

COLEGIADO DE LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS


C.C.: ASPECTOS SÓCIO-PSICOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
DOCENTE: DANIELA MARTINS
DISCENTES: JULHO DE OLIVEIRA; LIDIANA DOS SANTOS; RUTE SOUZA

TRAGÉDIA EM MUSICAIS NA OBRA “DANÇANDO NO ESCURO”

DANSER I MØRKET. Lars von Trier, 2000. 140min. dolby digital. color.

Dançando no escuro (Danser i Mørket, 2000) é uma obra cinematográfica com


roteiro e direção assinados pelo dinamarquês Lars von Trier. O filme é vencedor da
Palma de Ouro em Cannes no ano de 2000, recebeu ainda o prêmio de melhor atriz,
também no Festival de Cannes, para Bjork, por sua brilhante atuação com a
personagem Selma Jezková. O longa ainda foi indicado às diversas premiações nos
maiores festivais de cinema, como: Melhor Canção Original, com “I've Seen It All”, no
Oscar (2001); Melhor Atriz, com Björk e Melhor Canção Original, com “I've Seen It All”,
no Globo de Ouro (2001); Melhor Filme Estrangeiro, no Cesar (2001) entre outras.
O filme Dançando no escuro aborda uma triste e emocionante história de uma
mulher por nome Selma, sonhadora, apaixonada por musicais e cinema, que tem uma
grave doença degenerativa e hereditária, que causa cegueira completa. Nascida na
antiga Tchecoslováquia (hoje duas nações, República Tcheca e Eslováquia) emigra
para os Estados Unidos com seu filho Gene (Vladica Kostic), onde busca recursos a
fim de conseguir pagar a cirurgia que seu filho necessita, para que o mesmo não fique
cego. Selma e Gene moram em um trailer na propriedade do casal Bill e Linda
Houston. Selma faz aula de teatro e trabalha como operária em uma fábrica, mesmo
perdendo a visão a cada dia, assim, ela economiza dinheiro desde que conseguira o
emprego, porém ela não deixa que o menino saiba dessa economia para que não
descubra sua doença.
Na fábrica, Selma tem uma grande companheira e amiga, Kathy (Catherine
Deneuve), que lhe ajuda e lhe defende quando comete erros na produção, por conta
do avanço de sua doença, dificultando o rendimento dela no trabalho. Por diversas
vezes, Kathy e Selma vão ao cinema para assistir os filmes de musicais, como Selma
já não tem boa parte da visão, Kathy lhe indica e demonstra os passos e
acontecimentos através da fala e do tato (“dançando” com os dedos sobre a palma da
mão de Selma). Jeff (Peter Stormare) é um amigo apaixonado por Selma, o qual ela
não corresponde, pois a mesma diz que não tem tempo para namorar, entretanto ele
se mostra sempre prestativo a ajudá-la.
A trama chega ao seu ápice quando Bill rouba o dinheiro que Selma juntara para
custear a cirurgia de seu filho, Bill além de roubar, ainda mente para sua esposa ao
dizer que Selma tentou seduzi-lo. A protagonista, então, vai em busca de suas
economias e Bill pede para que ela o mate, pois ele não entregará o dinheiro de forma
alguma. Assim ela o mata, culminando na sua prisão e condenação à pena de morte.
Quanto à estrutura e temporalidade, a trama tem caráter bem definido, as ações
e desenrolar da história seguem um tempo cronológico bem linear. Os espaços
apresentados no filme são bem restritos e exibidos desde o início, sendo eles: o
espaço de ensaio teatral, a fábrica, o trailer, a casa dos Houston, o caminho percorrido
por Selma na volta do trabalho (os trilhos ferroviários) e o cinema. Posteriormente, são
apresentados novos espaços: o fórum de justiça e o presídio, onde a protagonista é
condenada e cumpre sua sentença.
A entrada do filme nos mostra matizes, cores opacas com desenhos abstratos
junto às imagens embaçadas ao fundo, por vezes rostos, por vezes bocas, por vezes
casas, outrora a linha de trem extensa por uma ponte entre outras imagens
perceptíveis ou não, findando em um embranquecimento total por alguns segundos,
logo após se inicia as cenas com os personagens. O que nos remete diretamente a
doença e a sensação de Selma ao ficar cega gradativamente, além de remeter às
artes, já que Selma é apaixonada por elas, tendo em vista, que essas mesclas de
imagens, cores e traços formam telas artísticas multáveis.
Selma tem audição muito aguçada e qualquer emissão de som se torna música
aos seus ouvidos, sua sensibilidade aos ritmos é notável, tanto é, que ao trabalhar, as
ondas sonoras emitidas pelas maquinas impõem ritmos incontroláveis a Selma. Daí
ela se transmuta psicologicamente para um musical e todos os que compõem aquele
espaço se tornam artistas que cantam e dançam ao som produzido no ambiente.
Uma grande peculiaridade do filme são os musicais psicológicos de Selma, eles
intercalam entre cenas reais e imaginarias. Esses musicais também funcionam como
demarcadores de cenas e espaços importante, já que os musicais acontecem em
espaços diferentes e com personagens diferentes, além de cada musical abordar uma
temática especifica na vida de Selma.
O primeiro musical psicológico de Selma mostrado no filme acontece na fábrica,
que simbolicamente, nos remete ao capitalismo, sistema político, social e econômico
baseado no capital, que se opõe diretamente ao sistema do país de origem de Selma,
o Comunismo. O segundo musical acontece nos trilhos da linha ferroviária, que
simbolicamente, nos sugere a um caminho, uma trilha que direciona Selma, já que
com o avanço de sua doença, ela não consegue mais andar de bicicleta e se guia
através dos trilhos. Nesse musical, Jeff descobre que Selma está praticamente cega.
O catalisador para esse musical é definitivamente os sons emitidos pelo trem e pelo
questionamento de Jeff, sobre sua cegueira, que de forma poética e lírica a
protagonista refuta todos os questionamentos de seu amado, cantando que já viu de
tudo e não há nada mais para ser visto, através da canção “I've Seen It All”.
O terceiro musical psicológico se sucede na casa dos Houston e em seu entorno,
após a morte de Bill, que simbolicamente, pode nos aludir ao fruto do capitalismo e
consumo compulsório, pois Linda já gastara toda a herança de Bill, e o mesmo dizia
não conseguir parar de satisfazer os caprichos da esposa, um cumplice do outro nos
gastos que levam Bill a um emaranhado de mentiras feito por ele mesmo. O quarto
musical psicológico ocorre no local onde Selma tem aulas de teatro, horas após matar
Bill. Esse espaço é o local pleno e de fantástica perfeição para Selma, simbolizando
as artes, principalmente, artes as cênicas (ópera, dança, teatro, happening).
O quinto musical psicológico acontece no seu julgamento, quando o promotor
começa a falar sobre os gostos de Selma pelas artes e o barulho dos lápis do dos júris
em contato com o papel. Nesse musical ela se atém ao ex-ator de filmes e musicais
que testemunha. O fórum pode nos simbolizar a injustiça, pois a ré condenada à forca.
Por fim, o sexto e último musical psicológico acontece no “corredor da morte”, onde
ela conta os passos até chegar ao local de enforcamento. Esse musical se dá pelo
som produzido pelos passos (marcha) propositais da agente carcerária, Brenda
(Siobhan Fallon) para que Selma tenha forças e vá até seu derradeiro espaço em vida.
Na câmara de enforcamento, Selma canta uma canção enquanto todos esperam
ordens superiores para que se concretize o enforcamento, enquanto a angústia toma
conta do ambiente por parte dos personagens que assistem a execução, a
protagonista canta a dita “penúltima canção”, fazendo alusão à sua tática usada ainda
na época em que vivera na Tchecoslováquia, para que os musicais no cinema nunca
tivessem fim; saía do cinema após a penúltima canção cantada. Seu enforcamento se
dá em meio ao canto emocionante da personagem, comovendo os que vão ao
cumprimento de sua pena e consequentemente aos expectadores do filme.
Esta obra apresenta certo paradoxo, visto que, apesar dos musicais e cenas
alegres o “final feliz” tão aguardado não vem, desconstruindo a ideia de que musicais
não são trágicos. A trilha sonora da apresentação dos créditos traz grandes reflexões
acerca de aspectos que a obra aborda: “Se viver é ver / Prendo a respiração” [...] “Um
novo mundo/ Um novo dia para ver / Ver”. Na primeira parte do fragmento exposto,
demonstra-se que para viver não basta apenas ver, pois Selma estava cega e estava
vivendo, porém a respiração é o determinante, ou seja, o que fazemos e como
conduzimos a vida é o que determina o viver. Já no segundo trecho, elucida-nos que
a mudança desse “olhar” deve acontecer para que um novo mundo se apresente para
que possamos ver além do mero ver.

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