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Adeus, cartão de crédito

Até 2020, nada menos do que 726 bilhões de pagamentos serão


feitos digitalmente e instantaneamente no mundo; no Brasil o
Banco Central já estuda regulamentação

Celso Ming, Raquel Brandão, O Estado de S.Paulo


16 Agosto 2018 | 20h30

O dinheiro que você leva na carteira e até mesmo os cartões de plástico


estão com os dias contados. Darão espaço às transferências de moeda
puramente virtuais, seja por computador, por aplicativo de smartphone
ou por dispositivos wearables, como relógios ou pulseiras com
tecnologia embarcada.
Ao menos é isso que já está no radar de pesquisadores e consultorias
especializadas em tecnologia e no sistema financeiro. Até 2020, nada
menos do que 726 bilhões de pagamentos serão feitos digitalmente e
instantaneamente no mundo, calculam a consultoria Capgemini e o
banco BNP Paribas.

Em 2016, os pagamentos instantâneos na China


movimentaram US$ 5 trilhões

De acordo com a definição do Banco de Compensações Internacionais


(BIS, na sigla em inglês), os pagamentos instantâneos são
transferências eletrônicas em que a transmissão da mensagem de
pagamento e a disponibilidade de fundos ao beneficiário final ocorrem
em tempo real por meio de um serviço disponível 24 horas nos sete
dias da semana.
Países asiáticos e escandinavos correm à frente nessas modalidades.
Nesse pelotão de dianteira estão até mesmo alguns países africanos,
como o Quênia, onde os aplicativos já movimentam o equivalente a
31% do PIB.

Na China, dinheiro convencional na hora de pagar o supermercado


virou raridade. O consumidor aponta o celular para um código, do tipo
QR Code, que identifica a carteira digital do varejista e confirma o
pagamento. Até mesmo pedintes já têm seu próprio código para
receber esmolas. Os chineses passaram logo do papel-moeda aos
pagamentos por celular, sem usar cartões de débito ou de crédito. Os
números são de 2016, mas dão ideia da amplitude da novidade: US$ 5
trilhões foram movimentados em pagamentos móveis.

Por aqui, a maioria dos pagamentos – 52% do total– ainda é feita com
dinheiro vivo. Mas há sinais de que isso mudará rapidamente. O
brasileiro já se familiarizou com o uso da tecnologia. Dados da
Febraban, a federação dos bancos, mostram que o uso de aplicativos de
bancos, o chamado mobile banking, para pagamentos, transferências
ou verificação de saldos e faturas do cartão cresceu 70% entre 2016 e
2017.

O Banco Central do Brasil criou um grupo de trabalho encarregado de


preparar essas mudanças. Quando forem adotadas, o volume de papel-
moeda em circulação cairá drasticamente. Para Ricardo Anhesini,
sócio-líder de Serviços Financeiros da consultoria KPMG, o Brasil tem
potencial para se tornar um dos ‘front-runners’ na corrida dos novos
meios de pagamento.

Até mesmo as práticas adquiridas pelos brasileiros nos tempos da forte


inflação, do overnight e das aplicações de liquidez diária, contam a
favor da rápida substituição dos já septuagenários cartões de débito e
de crédito. Mas há problemas de infraestrutura a superar, como o baixo
acesso à internet nos rincões do País. Além disso, falta mão de obra
qualificada para desenvolver soluções de pagamento e sobra
concentração nas bandeiras de cartões, como Visa, Mastercard e Elo,
que acabarão por ser deslocadas pelas novas formas de pagamento e,
por isso, tendem a trabalhar contra a adoção dessas novidades.

Percival Jatobá, que coordena o Comitê de Transformação Digital da


associação dos cartões de crédito (Abecs) e está à frente da Inovação da
Visa, argumenta, no entanto, que as novidades criam boas
oportunidades às operadoras de pagamento.

O Banco Central prevê para novembro a apresentação do modelo de


regulamentação dos pagamentos eletrônicos no Brasil. A diretora do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio) Celina Bottino
adverte que o excesso de regulamentação pode impedir ou retardar o
desenvolvimento desse sistema, bem como impor limites à iniciativa de
empresas menores, como as fintechs.

O Banco Central, por sua vez, afirma que o principal fator de


dificuldade é o desinteresse da indústria em desenvolver soluções que
contestem os arranjos de pagamento já existentes.

Obstáculos sempre estão aí, para qualquer coisa. O fato é que, com eles
ou sem eles, o futuro é esse. É o ocaso do papel-moeda e dos cartões e
sua substituição por instrumentos digitais.

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