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JORNALISMO edeiçdãiçoãCAoILAL
EPSEPCEIsário
ESPM JOURNALISM ESe aniver
EDIÇÃO BRASILEIRA DA
COLUMBIA
d
REVIEW
Imprensa livre, Democracia forte
EXTRA! EXTRA!
O JORNALISMO
PÓS-INDUSTRIAL
Um estudo em 60 páginas preparado pela
Columbia University diz como a imprensa pode
prosperar para além do mercado em crise
C.W. ANDERSON, EMILY BELL E CLAY SHIRKY
COMPROMISSO DE RISCO
A violência obriga repórteres brasileiros
a se refugiar no exterior MILTON BELLINTANI
JORNALISMO DE PREVENÇÃO
A cobertura que pode ajudar a
MARCELO SOARES
evitar tragédias
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À PENA FRIA
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R O ardil preparado por Truman Capote para
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C fisgar Marlon Brando DOUGLAS McCOLLAM
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N° 5 ANO 2 R$ 16,00
ABRIL | MAIO | JUNHO 2013
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8 CARTAS 30 ESPECIAL
JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL
9 ROUBOU A CENA Relatório preparado porC.W.
Anderson, Emily Bell e Clay
10 TUDO EM DIA Shirky, da Columbia University,
IMPRENSA LOCAL FORTE investiga as fronteiras D
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Carlos Eduardo Lins da Silva da imprensa no século 21 T
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ressalta o valor de jornais de C
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a tomada de decisões éticas o que aconteceu, e os motivos Memorial a repórter mexicano morto
Pág. 102
nas redações 55 PARTE 2: INSTITUIÇÕES
16 IDEIAS + CRÍTICAS A dificuldade de viabilizar
JORNALISMO PREVENTIVO as mudanças necessárias 102AULAS DE SOBREVIVÊNCIA
Marcelo Soares, da Folha, mostra em instituições jornalísticas Judith Matloff, da CJR, expõe o
como boas coberturas podem drama de jornalistas mexicanos que
70 PARTE 3: ECOSSISTEMA
ajudar a evitar tragédias em vez pedem apoio a colegas da Colômbia
A capacidade de produzir, copiar para resistir aos cartéis de drogas
de apenas noticiá-las e discutir conteúdo digital faz
22 MEMÓRIA desmoronar antigas verdades 106 ENQUANTO ISSO, NO BRASIL...
O MEU JORNAL DA TARDE sobre a imprensa e a mídia O jornalista Milton Bellintani
Humberto Werneck relata sua traz à tona a realidade de
81 CONCLUSÃO:
experiência no mítico diário repórteres obrigados a sair do
MOVIMENTOS TECTÔNICOS
paulistano durante os dias de país para escapar dos bandidos
A sobrevivência da profissão que os ameaçam de morte
glória da publicação que já não depende do reconhecimento
circula mais de que estamos em meio a uma 112 INOVAÇÃO COM
revolução e do compromisso PRAZO DE VALIDADE
com as mudanças Michael Schudson e Katherine Fink, da
CJR, apresentam um blog de notícias
90 À PENA FRIA
que teve de deixar de ser visionário
Douglas McCollam, da CJR,
descortina a astúcia de para crescer e ganhar legitimidade
Truman Capote para conseguir 114 PARA LER E PARA VER
a entrevista que srcinou Comentário sobre a série House of
o perfil de Marlon Brando Cards e os lançamentos A Poeira dos
Outros e O Silêncio contra Muamar
98 POR QUE OS JORNAIS ERRAM AO
Kadafi na coluna de Tito Montenegro
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BRIGAR COM O GOOGLE NEWS
Leão Serva, professor da
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118 CREDENCIAL
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ESPM, argumenta que a Jorge Tarquini, ex-diretor de
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resistência da mídia impressa redação de Quatro Rodas, enumera
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R no Brasil ao buscador de notícias as boas lições que podem ser tiradas
Tragédia na região serrana do RioPág. 16 é um mau negócio dos primeiros anos da revista
Conra os lançamentos do
Instituto Cultural ESPM Imprensa livre, Democracia forte
endereço Rua Doutor Álvaro Alvim 123 - Vila Mariana - São Paulo - SP - CEP 04018-010
editorial 11 - 5085-4643 e-mail rj@espm.br
comercial 11 - 5085-4679 e-mail revista@espm.br
e-mail assinaturas assinatura@espm.br | www.espm.br/CJR
Rua Dr. Álvaro Alvim, 123, A Columbia Journalism Review é uma publicação da Columbia University
Graduate School of Journalism
Ed. Prof. Dr. Luiz Celso Piratininga - 2º andar
Vila Mariana, São Paulo, SP
As informações contidas nos artigos assinados e publicados nas páginas da
Revista
CEP 04018-010 de Jornalismo ESPMsão de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores.
institutocultural@espm.br
A Revista de Jornalismo ESPM(ISSN 2238-2305) é uma publicação trimestral.
Ano 2, Número 5, Abril / Maio / Junho de 2013
Recebemos duas edições da Revista Sou João Victor, estudante do Agradecemos o envio dessa valiosa
de Jornalismo ESPM( julho/agosto/ segundo ano de jornalismo do Cesumar revista, que passa a integrar o acervo da
setembro de 2012 e janeiro/fevereiro/ (Centro Universitário de Maringá), Biblioteca Central desta Universidade.
março de 2013). Diante de sua em Maringá (PR). O chefe da TV Esse tipo de publicação não só enriquece
importância, gostaria de ter acesso Cesumar, onde trabalho, me mostrou nosso acervo, como também amplia as
às demais edições da publicação. a Revista Jornalismo ESPMe eu a fontes de consulta que disponibilizamos
Atenciosamente, achei fantástica. Fiquei impressionado à comunidade acadêmica e à
Silvana Capelari Orsolin, setor de com o conteúdo. Gostaria de saber comunidade externa desta região.
Periódicos, Biblioteca Central, Fundação como faço para receber essa publicação. Reiterando os agradecimentos,
Educacional de Patos de Minas (MG) João Victor, Maringá (PR) apresentamos nossoscumprimentos.
Ivone H. Oogusuko Carvalho,
Resposta da redação – Prezado bibliotecária da Universidade Cruzeiro
MUITO BOA leitor, você pode assinar a Revista do Sul, São Paulo (SP)
de Jornalismo ESPMno link
Sou editora executiva do programa www.espm.br/espmcjr.
AutoEsporte e gostaria de dizer que RELEVÂNCIA
considero a Revista de Jornalismo
ESPM muito boa. TELEGRAMA Caros, gostaria apenas de manifestar
Ivandra Previdi, editora executiva (tardiamente, é verdade) meus
do programa AutoEsporte Agradeço a gentileza do envio de sinceros agradecimentos por receber
exemplar da Revista de Jornalismo a edição do primeiro trimestre.
ESPM. Parabéns aos organizadores O conteúdo está um primor, muito
ALGO A MAIS... e colaboradores pela iniciativa. relevante para qualquer jornalista
Contínuo êxito nas atividades. que se preze. Obrigado.
Excelente o artigo “Em busca da Antonio Salim Curiati, deputado estadual Paulo Gomes
alma perdida”, de autoria de Marcelo Partido Progressista de São Paulo
Rech, publicado na edição nº 4,
da Revista de Jornalismo ESPM. JORNALISMO DE QUALIDADE
Na era do conhecimento, o conceito é SEM DEMAGOGIA
diferenciar: segmentar para aproximar, Agradeço o envio do exemplar
emocionar para cativar, envolver para Recebi a edição de janeiro/fevereiro/ da edição de janeiro/fevereiro/
compartilhar. Na pauta, sensibilidade março da Revista de Jornalismo março da Revista de Jornalismo
para conquistar, credibilidade para ESPM. Fantástica. Editorial ácido, ESPM e felicito essa instituição
fidelizar. Na sedutora tecnologia, engajado e, acima de tudo, sem pela qualidade da publicação.
inovação para mobilizar, não demagogia. Obrigado pelo presente! Com as expressões do nosso
para protagonizar. O amadurecer André Laurent, repórter especial apreço, firmo-me. Cordialmente,
jornalístico é obrigação, não uma e apresentador do Globo Esporte – Maurício Azêdo, presidente da
questão. O fazer pensar neste TV Liberal, Belém (PA) Associação Brasileira de Imprensa (ABI) ■
instante certamente produzirá um
“algo a mais” interessante. Encontrar
a alma perdida, mais do que um SÓ ELOGIOS...
desafio, é o único caminho!
Mauro Wainstock, jornalista, editor de O pessoal aqui da sucursal do
livros, jornais e sites, Rio de Janeiro (RJ) jornal Valor Econômico, em Brasília,
é só elogios em relação à Revista
de Jornalismo ESPM. Parabéns!
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Fazer fotos como esta em tragédias em cidades pequenas, como Newtown, traz dilemas éticos para jornalistas que fazemda
parte
comunidade
sil. Apesar da relativa liberdade de mitee to ProtectJournalists. A dire- população adulta do país
expressão aqui vigente para os veí- tora-geral da Unesco, Irina Bokova,
culos de repercussão nacional desde costuma citar o Brasil ao lado do
o fim do regime militar, em regiões Paquistão como as nações em que 340 milhõe s de tuítes
mais distantes dos grandes centros, os ataques a jornalistas são mais são enviados por dia no mundo
é quase corriqueira a ocorrência de graves. E as vítimas são invariavel-
violência contra os profissionais de mente de cidades pequenas, como é o número médio de amigos de
imprensa que atuam com indepen- a mais recente, o repórter Rodrigo 13 0 um usuário do Facebook
dência diante dos poderes políticos Neto de Faria, morto em março em
e econômicos locais.O Brasil é o ter- Ipatinga (MG). ■ é o posto do Brasil na lista dos
1º países com Facebook que mais
publicam posts; apenas um grupo
Não é só Buffett de 800 páginas brasileiras tem
86 mil posts por mês
warren buffett não é o único os assuntos locais de cada bairro da
bilionário que investe em jorna- cidade. Em 2012, surgiu o DNAinfo- foi a porcentagem representada
lismo local. Joe Ricketts, 71, criou o Chicago. O primeiro tem 1,5 milhão de 12% pelos veículos impressos do total
TD Ameritade, que revolucionou o visitantes únicos/mês; o caçula, 650 do faturamento de US$ 29,6 bi-
mercado de ações norte-americano mil. Ambos com crescimento expo- lhões do grupo Time Warner em
ao permitir operações online, e é dono nencial. Com redações encorpadas e 2012; em março deste ano, o gru-
de dezenas de empresas, além do bem pagas, recebem elogios de jor- po resolveu separar as publica-
time de beisebol de Chicago, o Cubs. nalistas importantes, mantêm rela- ções impressas doconglomerado
Em 2009, lançou o DNAinfo.com- ções sólidas com as comunidades que
NewYork, site jornalístico que cobrecobrem e vão bem economicamente. ■ Fontes: IBGE, Mediabistro, AllTwitter, Socialbakers, Financial Times
comparou as prioridades: “Qual era a grande pergunta das Airton Amaral, da TV Santa Maria, afirmou ao Observató-
emissoras de grande expressão da mídia nacional? Quem são rio da Imprensaque optou por não colocar noar entrevistas
os culpados? Qual era nossa grande pergunta? Quem são asde pais ou mães desesperados pela morte trágica de um filho:
vítimas? Nossa preocupação era com a informação”. “Outros veículos fizeram isso, porque há outros interesses
A revista The New Yorker, na edição de 4 março, publicou em jogo – pela audiência, pelo Ibope –, o que não é o nosso
análise de sete páginas sobre a cobertura que o semanário caso. No nosso caso há um comprometimento com a cidade”.
The Bee, de Newtown, fez do massacre na escola elementar Shannon Hicks, a repórter fotográfica do Bee, que fez a
Sandy Hook, que traumatizou a comunidade. O repórter célebre imagem da fila indiana de crianças resgatadas da
John Voket, do semanário, disse a sua colega Rachel Aviv, escola de Newtown, também resolveu não publicar inú-
da New Yorker, que a maneira de cobrir o assunto de um e meras fotos mais sensacionais que tinha, em respeito a
outra era necessariamente diversa: “Você não tem que se quem, para ela, são mais do que “personagens da notícia”.
preocupar, você vai escrever estamatéria e vai embora; nós Impossível dizer o que é certo ou errado. Como con-
vamos cobrir esta matéria para sempre”. clui Alberto Dines: “O interesse do leitor distante vai
Essa diferença de perspectiva explica decisões editoriaisnuma direção, a palpitação do vizinho vai em outra. Jun-
tomadas pelos veículos locais que em princípio podem pare-tos, compõem os caminhos da verdade. Separados fazem
cer erradas do ponto de vista das boas técnicas do jornali
smo. apenas meia verdade”. ■
SNOW FALL
Futuro do jornalismo?
Em dezembro do ano passado, No ew York Timespublicou em seu site e ilustrações). É claro que sempre haverá espaço e público para isso,
o que muitos analistas consideram ser o protótipo do futuro do jorna-em especial no que disser respeito às notícias “quentes”. Mas matérias
lismo. Sob o título de “Snow Fall” (http://www.nytimes.com/projects/2012/
especiais vão ter de ser tratadas de modo especial nas tecnologias
snow-fall/#/?part=tunnel-creek), o jornal contou ao público a história
disponíveis e com as quais cada vez maiores parcelas da audiência
de esquiadores que ficaram isolados após terem sido atingidos por umaestarão acostumadas. Como sempre, os veículos brasileiros mostram-
avalanche de neve nas montanhas Cascade, no Estado de Washington, -se retardatários, quase letárgicos, no acompanhamento dessas ten-
com recursos de texto, fotos, vídeos, infográficos interativos, magnifi-
dências. Eles são rápidos para adotar formas de cobrar do público,
camente concebidos do ponto de vista visual. Nada a ver com o que osmas lentíssimos para oferecer a ele produtos de qualidade superior.
jornais e revistas têm feito como regra desde que se deram conta de Investir em novos processos e em recursos humanos capazes de utilizá-
que não havia como escapar dos meios digitais, ou seja, se limitar -los
a bem não é prioridade para nossos veículos jornalístic
os, que ainda
transcrever para a tela aquilo que antes colocavam no papel (palavrasparecem confiantes no desempenho financeiro que têm tido.■
carlos eduardo lins da silva é livre-docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha e do Valor.
Ética e imprensa
As mudanças radicais trazidas pelas novas tecnologias
obrigam a repensar fundamentos do jornalismo
as pessoas costumam se surpreender cia para o mundo que passa por uma a mudar a definição de quem é jorna-
ao saber que a Escola de Jornalismo da lente que pode ser moldada por mui- lista: em todo o mundo, jornalistas inde-
Columbia University não se submete tos fatores e pessoas. Então, jornalis- pendentes ou freelances estão enfren-
a um código de ética. Nem exigimos tas podem e devem trazer todo o seu tando essas questões sem uma redação
que nossos alunos sigam algum código conhecimento, experiência e crenças cheia de colegas experientes que pode-
específico. Como alguém que frequen- para embasar seu trabalho e conside- riam ajudá-los a pensar sobre as deci-
temente ensina ética na escola, acho rar os diversos fatores relacionados. sões que tomaram. Segundo, o jorna-
que essa é uma boa política por várias Porém, o grande dilema enfrentado lismo cidadão e o conteúdo gerado pelos
razões: 1) Nenhum código de ética, nempelos jornalistas não é, em minha opi- usuários significam que muito do que
mesmo os Dez Mandamentos, pode nião, como pensar em suas obrigações o público vê e ouve foi produzido por
antecipar todas as situações e ofere- éticas, mas sim o que eles fazem em pessoas que não trabalham para uma
cer uma orientação útil – de qualquer consequênciade suas crenças que lhes empresa jornalística, e não se sentem
forma, por que não poderiam ser 11, 15 causa tanta ansiedade e desconforto. limitadas por nenhum código de con-
ou 20 mandamentos?; 2) O jornalista e E, no final, as crenças de um jorna- duta. Terceiro,é claro, é alei inevitável
a definição de “jornalista” mudaram; lista devem ser traduzidas em uma de que as pressões do deadlinesão maio-
e 3) A tecnologia alterou o tempo, o escolha simples, totalmente binária: res do que nunca, com a obrigação de
espaço e o contexto para os jornalis- será que eu revelo uma fonte, mudo publicar rapidamente; uma vez publi-
tas que enfrentam decisões difíceis. aspas, tiro aquela foto, salvo a pessoa cada, a história e todos os seus conteú-
Como digo aos meus alunos, a ética que está se afogando, presto socorro dos se tornam“fatos” mundiais, instan-
profissional com frequência pode ser ao ferido, agrego conteúdo, copio e tâneos e permanentes, e a correção ou
confundida com moralidade, filoso- colo, uso Photoshop ou não? retratação é difícil e ineficiente.
fia e “códigos de conduta” extraofi- Mesmo as fundações mais bási-
ciais, que vão desde pressões fami- Mudança de contexto cas do jornalismo ético estão sujei-
liares até religião ou o que as empre- tas ao reexame e à reinterpretação no
sas exigem de seus funcionários. Não As tecnologias digitais não criaram essas ambiente digital. Quase todo mundo
há nada de errado, é claro, com esses incertezas, e muitas existem há tanto concorda que roubar o trabalho de
outros modos de pensar sobre as res- tempo quanto o próprio jornalismo, outros é antiético. Mas como deverí-
ponsabilidades, ações e escolhas de mas o mundo digital alterou o contexto amos pensar em relação a certas for-
cada um; todos nós somos produto de para a tomada de decisão ética de váriasmas de agregação, ou aotrabalho a par-
nossa educação e temos uma aparên- maneiras importantes. Primeiro, ajudoutir de conteúdo republicado na web,
Jornalismo
de prevenção
Como a cobertura da
imprensa pode ajudar
a identificar e evitar
tragédias, muitas vezes
classificadas como
fatalidade por autoridades
e responsáveis
, uma suces-
na madrugada de 27 de janeiro
são de erros evitáveis causou um incêndio na
boate Kiss, na cidade universitária de Santa
Maria, no Rio Grande do Sul, matando, até o
momento em que este artigo é escrito, 240
jovens. Nos dias após a tragédia, os jornalistas
despachados até a cidade revelaram falhas de
fiscalização quedesperdiçaram oportunidades
de impedir o desastre. A prefeitura e o Corpo
de Bombeiros jogaram pingue-pongue com a
batata quente da responsabilidade, enquanto
a polícia avançava na produção de provas.
Nas semanas que se seguiram à tragédia
da boate, as chuvas mataram pessoas no lito-
ral paulistano e o desabamento de uma obra
de estacionamento no bairro da Liberdade,
próximo ao Centro de São Paulo, levou à
morte um auxiliar de limpeza. O padrão de
resposta é sempre o mesmo: a palavra “fata-
lidade” virá à baila, as autoridades dirão não
ter como fiscalizar tudo e as reportagens
demonstrarão sinais claros de que os pro-
blemas eram iminentes.
Cobrir desastres e seus desdobramen-
tos imediatos é o que tradicionalmente a
imprensa sabe fazer bem. Em Santa Maria,
o pelotão de repórteres despachados para
de riscos, condições de vulnerabilidade serrana do Rio de Janeiro ou na serra tante sobre o lugar da prevenção no
e insuficientes medidas ou capacidade do Mar, é porque ninguém as impediu orçamento dos governos. Dos R$ 5,7
para reduzir as consequências nega- de construir onde poderiam morrer. bilhões orçados para prevenção e res-
tivas do risco. Essas reportagens pós- De forma análoga, em desastres não posta a desastres, 2,4% se destinam à
-tragédia identificam esses elementos. ocasionados diretamente pela natureza, prevenção e preparação para desastres
Sendo de “gancho” episódico, porém,como o da Kiss e o do estacionamento da(R$ 139,8 milhões). Desses recursos pre-
o risco é aguardarmos novos sobres- Liberdade, é temerário falar em “fata- ventivos destinados no Orçamento de
saltos para tentarmos prevenir outros lidade”, palavra comum nessas horas, 2012, porém, foram executados R$ 972,7
TOTAL PAGO EM 2012 (ATÉ 31/12) > 85.136.047,56 518.361.004,48 1.249.588.054,17 1.853.085.106,21
1 www.preventionweb.net/files/20108_mediabook.
RECURSOS DE CONSULTA
pdf 2 www.contasabertas.com.br/website/noticias/
Portal da Transparência dogoverno federal: www.transparencia.gov.br arquivos/1126_SG-PROG%20102710292040-PROG-
Rede de Transparência do governofederal: www.portaldatransparencia.gov.br/rede/ 2012%20ATE%2031-12-consulta%2003-01-2013ok%20
SIGA Brasil – Orçamento daUnião: www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/SigaBrasil (1).pdf 3 www3.prefeitura.sp.gov.br/sd0241_consulta_
sisacoe/PaginasPublicas/frm001Alvara.aspx
Portais de transparência do seu Estado e da sua cidade 4 www3.prefeitura.sp.gov.br/sd0241_consulta_sisacoe/
“Disaster Through aDifferent Lens”: www.preventionweb.net/files/20108_mediabook.pdf PaginasPublicas/frm003ProcessoRevalidacao.aspx
que apenas um deles tinha o alvará em 1.Os riscos naturais vêm aumentando 6. Redução de riscos é uma
dia. Um curioso que jantava num desses e continuarão a ser notícia questão cultural
locais poucos dias após a publicação da Reportagens sobre redução de Quando houve o tsunami do oceano
lista viu um aparelho entrar em curto- riscos de desastres não dependem Índico, em 2004, matando mais de
-circuito próximo à entrada. de ter mais repórteres ou dinheiro; 250 mil pessoas na Ásia, a ilha de
Da mesma maneira, mergulhando dependem de uma disposição dife- Simelue, próxima ao epicentro do
um pouco dentro do site daprefeitura, rente, fontes de informação estabe- terremoto, perdeu apenas sete dos
é possível encontrar os dados de obras lecidas e uma boa compreensão do seus 83 mil habitantes. O guia da
aprovadas na cidade. Espalhando os
endereços pelo mapa e observando por “processo” por trás de cada desastre. ONU atribui
passado isso aoaconhecimento
de geração geração sobre
apuração própria ou com o auxílio do 2.Redução de riscos é uma como os antepassados se salvaram
leitor onde há obras não inclusas na questão política de tsunamis anteriores.
lista, é possível descobrir obras irregu-Quando o desastre chega, a população
lares. O uso dos dados para apuração, demanda ação por parte dos 7.Redução de riscos é uma
vale lembrar, não suspende a necessi- governos. O guia da ONU, editado questão de gênero
dade de apuração própria – o que ele faz em 2011, lembra que poucos dias Em regiões mais pobres, as
é apontar novas possibilidades de pauta. após a posse da presidente Dilma os mulheres tendem a ser as mais
Onde esses dados não estão pronta- desabamentos na região serrana do afetadas pelos desastres.
mente disponíveis, sempre é possível Rio de Janeiro mataram 900 pessoas,
utilizar a Lei de Acesso a Informações e a presidente exigiu a criação de um 8. Redução de riscos garante
Públicas, cuja criação foi uma bandeira sistema de alerta prévio. Como ficou a boas reportagens investigativas
da Associação Brasileira de Jornalismo implementação desse sistema? e em profundidade
Investigativo (Abraji). Em vigor desde Boas pautas podem questionar a
2012, a lei de acesso determina que os 3. Redução de riscos é uma eficiência preventiva dos governos
órgãos públicos são obrigados a for- questão econômica e alertar para desastres em poten-
necer informações não sigilosas, ou ao Os prejuízos causados pelos cial antes que eles ocorram. Muito
menos uma boa explicação para o não desastres são cada vez maiores. antes de o furacão Katrina atingir
fornecimento. A lei cria sanções para O terremoto que atingiu o Japão em Nova Orleans, nos Estados Unidos,
os funcionários públicos que se nega- 2011, diz o manual da ONU, deixou diz o guia, o jornal Times-Picayune,
rem a fornecer informações. prejuízos estimados na época em de Louisiana, fez uma série de cinco
No Brasil, não temos alguns dos US$ 300 bilhões. reportagens mostrando que, dadas
mais extremos desastres potenciali- as condições de prevenção imple-
zados por fatores naturais, como ter- 4. Redução de riscos é uma mentadas na cidade, um desastre
remotos ou tsunamis, mas dispomos questão de direitos humanos poderia ocorrer em caso de furacão.
de uma enraizada tradição da “gam- Embora o conceito de proteção aos
biarra” – uma mistura de criatividade direitos humanos seja amplamente 9. Reportagens sobre redução
e amadorismo, presente em boa parte reconhecido como um elemento de riscos não precisam ser só
das tragédias que aqui surgem. Avaliar crucial de estratégias humanitárias em sobre desastres
como a cultura da “gambiarra” coloca tempos de emergência e de situações Há boas pautas também nos
populações inteiras em risco é poten- de desastre, ainda se trabalha pouco esforços de reconstrução de áreas
cialmente um manancial de pautas. ■ com os aspectos de longo prazo afetadas por desastres e sobre
ligados à proteção e definição de uma educação para a prevenção.
marcelo soares , jornalista especializado abordagem de prevenção a desastres
em análises de dados, faz parte da equipe com base nos direitos humanos. 10. Redução de riscos
de Novas Plataformas daFolha de S.Paulo interessa a todos
e é autor do blogAfinal de Contas. Entre 5.Redução de riscos é uma O guia lembra que a cobertura da
outras funções, foi correspondente especial questão ambiental imprensa foi fundamental para
do Los Angeles Timesno Brasil. Membro Ecossistemas são barreiras naturais informar sobre os riscos da Aids e dos
do Consórcio Internacional de Jornalistas e dinâmicas que ajudam a proteger acidentes de trânsito nos Estados Uni-
Investigativos (ICIJ), foi sócio-fundador comunidades vulneráveis de alguns dos, o que ajudou na redução da mor-
e o primeiro gerente da Associação Brasileira dos impactos dasmudanças climáticas. talidade causada por essas ameaças.
de Jornalismo Investigativo (Abraji).
p o r humberto werneck
cada um dos que por lá passaram , e em 46 anos foram humor eram bem-vindos. Não foi inovação pequena – a
centenas, teve o seu Jornal da Tarde, e sobre ele poderia começar pela casa onde a nave-mãe, O Estado de S.Paulo,
debulhar um mundo de impressões e lembranças. No até então chamava gol de “ponto” e vereador de “edil”.
caso do repórter esportivo Vital Battaglia, por exem- Tente imaginar o impacto que terá causado a che-
plo, a experiência rendeu um livro, Ah! – Atestado de gada de um bando de jovens no ambiente circunsp ecto
Óbito do Jornal da Tarde. A mim, bem mais modesta- da empresa da família Mesquita, instalada ainda no
mente, coube-me um período não muito longo – maio número 28 da pequena, feia e triste rua Major Quedi-
de 1970 a setembro de 1973 –, porém riquíssimo, em nho, no Centro da cidade. A redação do JT foi montada
que vivi momentos cruciais de minha juventude e for- no mesmo quinto andar onde funcionava a do Estadão .
mação. Foi também um tempo de esplendor da lendá- Ligando uma a outra, havia um corredor largo, em dis-
ria publicação paulistana, nascida em 4 de janeiro de creto arco, que os recém-chegados (quase todos na
1966 e desaparecida, ao cabo de inglória agonia, em 31 “gloriosa faixa etária situada entre os 25 e os 30 anos”,
de outubro de 2012. haverá de se lembrar um deles, Carmo Chagas) não tar-
Não sou apenas eu que digo: tenho sob os olhos uma daram a batizar de “túnel do tempo”.
declaração de Mino Carta, seu criador e primeiro editor- De madrugada, com a redação do Estado deserta ou
-chefe, em 1986: a melhor fase se estendeu de 1969 a 1973, quase, armavam-se no corredor umas peladas com bolas
pois “é aí que o Jornal da Tarde se cristaliza”. Mino não de papel. Foi ali que o repórter Ramon Garcia, com a
puxava a brasa para suas fartas e invejáveis sardinhas, pois pelota nos pés, percebeu que alguém se aproximava por
em janeiro de 1968 havia deixado a casa para criar a Veja. trás – e aplicou artístico “chapéu” em ninguém menos
Se está correta a sua avaliação, participei da melhor que Júlio de Mesquita Filho, o Dr. Julinho. O coman-
quadra de um desses raros jornais cuja existência a mais dante máximo da S.A. O Estado de S. Paulo seguiu firme,
sucinta história dos avanços na imprensa brasileira não sem passar recibo da finta – ao contrário do filho Ruy,
poderia ignorar. DoJT se falava, e não só em São Paulo, que um dia se encaminhava para o elevador quando o
como algo revolucionário em termos de texto e design. repórter Eric Nepomuceno, sem dar pela presença do
Não se limitou a ser uma esplêndida costela do Jornal do diretor do JT, ergueu uma perna e apertou o botão com
Brasil, cujos experimentos, na década de 1950, ajudaram a o pé. “Boa f orma, rapaz”, disse apenas o Dr. Ruy.
desengravatar nossos diários. O JT levou adiante essa revo- Também no “túnel do tempo”, um chute desferido
lução, radicalizando o recurso ao espaço em branco e a um pelo subeditor de reportagem Sandro Vaia (muito mais
texto com pélvis cada vez mais solta. A palavra de ordem tarde, diretor de redação do Estado) quebrou a moldura
era o “texto leve”, porém substancioso, no qual emoção e de um retrato de Machado de Assis. Quando, em abril
apreciado
já no línguas
que poucas
JT – e não por acaso,
havia, ali, mais juventude, talento,
venenosas que a do próprio editor- irreverência. Continuava
-chefe. Na boca de Murilo Felisberto,
o rótulo “filho da puta” podia ser sendo uma sensação
um elogio a quem destilasse artís-
tica peçonha. Certa vez, quando lhe
contaram que haviam tentado “com-
prar” um repórter, Murilo perguntou:
“Quem?” – e ao ouvir o nome, cravou:
— Vende! Vende!
Muitas histórias daquele que entre
nós chamávamos de “Rainha” voltaram à tona no que se Ele às vezes reagia como criança emburrada. Quando,
escreveu por ocasião de s ua morte, em 2007. Como esta em 1992, publiquei O Desatino da Rapaziada (Compa-
declaração, num fechamento em que tudo dava errado: nhia das Letras), que tem uma passagem sobre os come-
— Hoje, se tudo correr bem, eu me fodo! ços do JT , soube que o Murilo ficara chateado. Só fal-
Ainda posso ver sua figura miúda e seca, as costas um tou fazer beicinho:
pouco curvas, os cabelos precocemente brancos alvo- — Eu apareço duas vezes, e o Mitre, cinco!
roçados numa carapinha, óculos de aros ovais doura- Fernando Mitre, amigo e discípulo, o substituíra
dos empoleirados no nariz adunco, sardas pintalgando quando deixou o comando da redação do JT , em 1978.
a pele muito clara – tão clara que inspirou uns versos Era um dos jovens talentos que Murilo – mineiro de
quando uma febre de haicais gozativos assolou a reda- Lavras que se fez profissionalmente em outras praças –
ção: “O pinto da Rainha / é branco / c omo farinha”. No foi buscar em Belo Horizonte, no segundo semestre de
dia em que fui lhe entregar meu convite de casamento, 1965, para compor a equipe do jornal. Arrebanhou um
Murilo o examinou demoradamente – e quando abriu time de que fizeram parte, entre outros, Ivan Angelo,
a boca foi para fazer uma crítica tipográfica de minhas Carmo Chagas, Moisés Rabinovici, Flávio Márcio, Kleber
bodas. Eu já ia saindo quando me recomendou: de Almeida e Luciano Ornelas. O mais vivido deles, Ivan
— Não tenha filhos! É o maior problema na hora da Angelo, estava a um mês de completar 30 anos quando o
separação! jornal foi lançado. Pouco menos, aliás, que Mino Carta
Sem demérito da linguinha viperina, o maior dos e o então se cretário Murilo, ambos com 33. A mineirada
talentos de Murilo era o de designer, criador de belas, chegou com a fama de ser boa de texto, e se esforçou
ousadas, inesquecíveis páginas. Com evidente exagero, para se adaptar ao meio – com tanto empenho que um
pour épater le bourgeois , ele chegou a dizer que detes- deles mereceu gozação de um colega paulista, o futuro
tava notícia e que gostava mesmo é de “frescura”. Nunca romancista Renato Pompeu: tendo escrito a palavra “lin-
me pareceu que a política o preocupasse minimamente, guiça”, o forasteiro julgou necessário informar ao lei-
e me pergunto se o Murilo tinha em mente os tempos tor ser este “o nome que os mineiros dão à calabresa”.
de censura que vivíamos quando pôs no fundo de uma Aos poucos, muitos outros mineiros have riam de
página, em retícula, de alto a baixo, uma tesoura aberta. somar-se àquele time – e nem poderia ser diferente.
Coube a mim o pesadelo de fechar a maté ria, sobre o Quando se abria uma vaga na redação, os montanhe ses
declínio do ofício de alfaiate. Num tempo em que não vasculhavam a memória em busca de quem pudesse pre-
havia computadores que o fizessem por nós, o texto ia enchê-la – e como a maioria de seus conhecidos estava
sendo encaixado, linha por linha, nos dois ângulos da em Belo Horizonte, era lá que se ia buscar reposição.
tesoura. Ficou uma beleza – e era isso, para o Murilo, Assim vieram, por exemplo, não sei em que ordem de che-
o que mais contava. gada, Fernando Morais, Gilberto Mansur, Marco Antônio
11 12 14
13
10
28
Equipe doJT em 1971 1 Cesar Camarinha 2 Gabriel Manzano 3 Paulo Chedid 4 Luiz Henrique Fruet 5 Victor Hugo Sperb 6 Fernando “Prosinha” Avelar
7 Moacir Bueno 8 Kleber de Almeida 9 Valéria Wally 10 Rogério Medeiros11 Guilherme “Bill” Duncan deMiranda 12 Inajar de Souza 13 Fernando Portela 14 Barbosa
16
19 22
21 26
18
25
27
17 24
20 23
5
30
29
15 Antônio Carlos Fon16 Pinheiro 17 Randau Marques 18 Marcos Faerman19 Percival de Souza20 Anélio Barreto21 Sandro Vaia 22 Rolf Kuntz 23 Nicodemus Pessoa
24 Eduardo “Castor” Borgonovi25 Antônio Portela 26 Alex Solnik 27 Humberto Werneck 28 Demócrito Moura29 Uirapuru Mendes 30 José Maria Mayrink
Boa parte das matérias era tes. Reinava por seu brilho de editor
e repórter, mas também pelo humor
reescrita, e a busca do melhor vitriólico, que lhe valeu o apelido
de “Satã”. Malignidade? Prefiro ver
lead podia tomar tempo suas intervenções como clarões de
inteligência envelopados em exercí-
cios de virtuosismo verbal. Pois Por-
tela, hoje autor de obra respeitável,
já era um craque do texto – catego-
ria na qual se encaixavam, por que
não?, as observações que proferia de
sua mesa, enquanto, sentado sobre
de Menezes, Marco Antônio de Rezende e, no mesmo uma perna dobrada, diagramava uma página ou cane-
ônibus da Cometa, em maio de 1968, Nirlando Beirão tava matéria de algum de nó s.
e José Márcio Penido. Também em 1968, na esteira de Pena que saísse tão pouco à rua, sendo o extraordi-
prêmios literários, veio uma revelação da ficção nacio- nário repórter que era. Reportagens suas viraram livro.
nal, Luiz Vilela, mineiro de Ituiutaba. Não esquentou Minha predileta é o diário de bordo que Portela desti-
lugar, mas recolheu inspiração para um romance cujo lou enquanto acompanhava a solene viagem marítima
título já dá conta das impressões do autor: O Inferno É em que os ossos de Pedro I vieram de Lisboa para o Bra-
Aqui Mesmo , de 1979. sil, em 1972. Quando ia mais pesada a repressão da dita-
Naquele mecanismo de mineiro-puxa-mineiro, tive dura militar, o repórter conseguiu passar nas entrelinhas
a partir de 1968 ofertas para trabalhar no jornal que a informação de que a mulher de um ministro graúdo
tanto me encantava. Quando me decidi, não havia con- tinha deixado a mesa do almoço para vomitar. A irreve-
vite – mas vim assim mesmo, em maio de 1970, para rência passou despercebida dos censores que, na época,
cair num caldeirão em que vários outros focas dispu- atuavam nas dependências do jornal.
tavam duas vagas na reportagem da editoria Geral. Se
fiquei com uma delas, não foi por competência – que,
de resto, não tinha, pois toda a minha experiência jor- “Fulano de Tal ganha um fusca por mês” – me lembro
nalística até então se limitava a dois anos passados na de volta e meia ter ouvido a cotação, a respeito de fula-
redação do Suplemento Literário do diário oficial Minas nos que nem ocupavam as mais altas prateleiras da reda-
Gerais. Já contei em crônica (“Meu Traumatismo Ucra- ção. Copidesque, jamais ganhei um fusca no JT, mas não
niano”) o desastre que foi, no SLMG , uma das primei- me lembro de apertos financeiros. Em dado momento,
ras entrevistas de minha vida, com Clarice Lispector, Murilo me apresentou à então incontornável obriga-
da qual circula na internet uma fot o em que a escritora ção da monogamia jornalística. Eu tinha convite para
fulmina com os olhos o cabisbaixo, arrasado repórter, secretariar um congresso de bancos, freelance equiva-
por causa de uma pergunta infeliz. lente ao meu salário, mas precisaria tirar c inco dias de
Significa que na redação do JT eu comecei do zero, licença; a Rainha vetou – e me deu aumento.
naqueles tempos em que ainda não se exigia diploma de Um copidesque entrava no começo da noite e saía em
jornalismo, e, se ganhei uma vaga, o devo a dois colegas. algum momento da madrugada. Boa parte das maté-
O fotógrafo José Pinto, com quem fiz minha primeira rias era reescrita, e a busca do melhor lead podia tomar
reportagem, no bairro da Casa Verde, para achar malfei- tempo. Tenho ainda na memória um lead da Valéria
tos do prefeito biônico Paulo Maluf, e que, sem me diri- Wally, copidesque da Variedades, numa pequena m até-
gir uma palavra, mas com a precisão co m que apontava ria sobre perfumes: “Milhares de flores morreram para
sua câmera, me ensinou o caminho das pedras. E o edi- que alguém se volte quando você passa. Lembre-se disso
JORNALISMO
PÓS-INDUSTRIAL
ADAPTAÇÃO AOS NOVOS TEMPOS
relatório de Preparado no âmbito do Tow Center for Digital
c.w . ander son
emily bell Journalism da Columbia Journalism School,
clay shirky
tradução de
o documento a seguir foi traduzido com exclusividade
ada f é l i x para a Revista de Jornalismo ESPM. Trata-se
PÁGINA 32
INTRODUÇÃO de um relatóriolançado
de pesquisa sobree dividido
o jornalismo
Transformação do pós-industrial, em 2012, em
jornalismo norte-
americano é inevitável três partes: Jornalistas, Instituições e Ecossistema.
PÁGINA 41 O documento apresenta o atual estágio do
PARTE 1
Jornalistas jornalismo, em que as condições técnicas, materiais
PÁGINA 55 e os métodos empregados na apuração e divulgação
PARTE 2
Instituições das notícias até o fim do século 20 já não se aplicam.
PÁGINA 70
Estamos em meio a uma revolução, e a adaptação
PARTE 3
Ecossistema
às novas fronteiras da profissão é a condição
PÁGINA 81 de sobrevivência nesse cenário, que prevê o uso
CONCLUSÃO
Movimentos tectônicos
intensivo de bases de dados, além da interação
com múltiplas fontes e com opúblico.
PÁGINA 89
MÉTODOS USADOS O foco do trabalho é a imprensa norte-americana,
NO RELATÓRIO
mas as lições a serem tiradas da análise servem
PÁGINA 89
AGRADECIMENTOS a todos os interessados nos rumos dessa indústria.
30 ABRIL | MAIO | JUNHO 2013
S
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A
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S
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IL
Transformação do jornalismo
norte-americano é inevitável
PARTE PESQUISA E PARTE MANIFESTO, o presente dossiê trata do exercício do jornalismo e de práticas
de jornalistas nos Estados Unidos. Não é, contudo, um documento sobre o “futuro da indústria
jornalística”. Primeiro, porque boa parte desse futuro já chegou. E, segundo, porque já não há mais uma
indústria jornalística, porassim dizer.
Antigamente, havia uma. Era uma indústria que se man- Muitas das mudanças discutidas na última década
tinha em pé por coisas que em geral mantêm um setor em como parte da futura realidade do jornalismo já ocor-
pé: a similitude de métodos entre um grupo relativamen- reram; boa parte do futuro vislumbrado para o jornalis-
te pequeno e uniforme de empresas e a incapacidade de mo já se converteu em presente (é como disse o escri-
alguém de fora desse grupo de criar um produto compe- tor William Gibson lá atrás: “O futuro já chegou, só não
titivo. Essas condições não se cumprem mais. está uniformemente distribuído”). Nossa meta, em vez de
Se quisesse resumir em uma sentença a última década ficar tecendo conjecturas, é escrever sobre o que já ocor-
no ecossistema jornalístico, a frase poderia ser a seguin- reu, o que está acontecendo neste instante e que lições é
te: de uma hora para outra, todo mudo passou a ter mui- possível tirar disso tudo.
to mais liberdade. Produtores de notícias, anunciantes, As transformações em curso no ecossistema jornalísti-
novos atores e, sobretudo, a turma anteriormente conhe- co já tiveram o efeito de derrubar a qualidade da cobertu-
cida como audiência gozam hoje de liberdade inédita para ra jornalística nos Estados Unidos. Estamos convencidos
se comunicar, de forma restrita ou ampla, sem as velhas de que, antes de melhorar, a situação do jornalismo em
limitações de modelos de radiodifusão eda imprensa escri- solo norte-americano irá piorar ainda mais – e, em cer-
ta. Nos últimos 15 anos houve uma explosão de técnicas e tos lugares (sobretudo em cidades de médio e pequeno
ferramentas. E, mais ainda, de premissas e expectativas. porte, sem um jornal diário), piorar muito. Nossa espe-
Tudo isso lançou por terra a velha ordem. rança é limitar o alcance, a profundidade e a duração des-
Não há como olhar para organizações distintas como sa derrocada. Como? Sugerindo saídas para a produção
Texas Tribune, SCOTUSblog e Front Porch Forum, ou mes- de um jornalismo de utilidade pública, com a adoção de
mo plataformas comoFacebook, YouTubee Storify, e notar ferramentas, técnicas e premissas nem sequer imaginá-
qualquer coerência. Não há como olhar para novas experi- veis dez anos atrás.
ências no jornalismo sem fins lucrativos, como o trabalho Também mostramos que novas possibilidades para
de Andy Carvin na National Public Radio (NPR) duran- o jornalismo exigem novas formas de organização. Até
te a Primavera Árabe, e acreditar que o jornalismo está aqui, a tendência de veículos de comunicação tradicio-
seguro nas mãos de empresas voltadas ao lucro. E não há nais foi a de preservar tanto métodos de trabalho como
como olhar para experiências de financiamento coletivo hierarquias, mesmo com o colapso de velhos modelos de
de jornalismo pelo site de crowdfunding Kickstarter, ou negócios e a incompatibilidade de novas oportunidades
para a cobertura de manifestações de protesto via celular, com velhos padrões. Em entrevista após entrevista com
e acreditar que só profissionais e instituições da impren- representantes da imprensa tradicional focados no digital,
sa podem tornar a informação pública. constatamos a frustração causada por velhos processos.
Um crescente volume de informação obtida em primei- A maior fonte de subsídio no meio jornalístico sem-
ra mão é fornecido por cidadãos – muito do que sabemos pre foi indireta e privada, vinda de anunciantes. É como
sobre o desastre nuclear de Fukushima Daiichi, no Japão, disse o jornalista norte-am ericano Henry Luce 75 anos
e do massacre de Pearl Roundabout, no Bahrein, veio de atrás: “Se tivermos de ser subsidiados por alguém, creio
indivíduos que se encontravam na cena do ocorrido. Mas que o anunciante apresenta possibilidades extrema-
isso não significa que todo jornalista profissional vá ser mente interessantes”.
substituído, nem que possa ou deva sê-lo. Significa, isso Há, no meio jornalístico, um punhado de publicações
sim, que seu papel vai mudar, que vai se sobrepor ao do cujos leitores pagam diretamente pelo trabalho da reda-
indivíduo (ao da multidão, ao da máquina) cuja presen- ção. Mas são uma parcela ínfima do ecossistema jorna-
ça caracteriza o novo cenário jornalístico. lístico e se concentram em áreas de especialização pro-
fissional (finanças, direito, medicina), com um punhado
de casos excepcionais, como o da revista norte-america-
O bom jornalismo sempre foi subsidiado na Ms., cuja promessa é libertar o leitor da publicidade.
A maioria dos veículos de notícias não atua no mercado
A questão do subsídio à atividade jornalísticavem gerando jornalístico, mas no mercado da publicidade.
polêmica há algum tempo. Observadores do meiojornalís- O mais importante na relação entre a publicidade e o
tico como Steve Coll, David Swensen e Michael Schmidt, jornalismo é que não há relação. A ligação entre anun-
além de Michael Schudson e Len Downie, já sugeriram a ciante e meio de comunicação não é uma parceria – é
migração da imprensa norte-americana para um mode- uma operação comercial na qual o meio tem (ou tinha) a
lo de subsídio mais explícito. A sugestão provocou res- primazia. A fonte básica do subsídio publicitário é a fal-
postas acaloradas de outros analistas – Jeff Jarvis, Jack ta de opção; enquanto o anunciante tiver de contar com o
Shafer, Alan Mutter –, para quem somente veículos comer- meio de comunicação para aparecer, esse meio vai poder
ciais teriam como garantir os recursos e a liberdade que usar os fundos obtidos para bancar o jornalismo, indepen-
a imprensa norte-americana exigiria. dentemente da preferência do anunciante. A Nine West
A nosso ver, é uma falsa dicotomia. Subsídios volta não está interessada em manter aberta uma sucursal em
e meia são vistos como sinônimo de aporte direto pelo Washington. O que quer é vender sapatos. Mas, para che-
Estado, o que levantaria óbvios e sérios temores. Mas o gar a potenciais consumidores, a Nine West precisa pagar
subsídio, no sentido do apoio dado a uma atividade consi- a uma organização que se interessa, sim, com o destino
derada de interesse público, pode assumir várias formas. da tal sucursal em Washington.
Pode ser direto ou indireto, pode vir de fontes públicas ou Além da publicidade, há muitas outras formas de sub-
privadas. Doações de cidadãos são subsídio – tanto quan- sídio privado. Durante boa parte da história norte-ame-
to um concedido pelo Estado. ricana, certos empresários aceitaram publicar jornais e
O bom jornalismo sempre foi subsidiado; o mercado revistas mesmo com prejuízo. Em troca, buscavam pres-
nunca foi capaz de suprir o volume de informação que tígio ou influência. Tanto a revista The New Yorkercomo
uma democracia exige. A forma mais óbvia é o subsídio o jornal New York Post operam no vermelho. Esses veí-
público indireto: em troca do acesso gratuito ao espectro culos sobrevivem no formato atual porque seus abasta-
eletromagnético, emissoras de rádio e TV precisam (ou dos proprietários decidiram que não deveriam deixá-los
precisavam) montar uma operação jornalística de credi- totalmente expostos às forças do mercado. Na prática,
bilidade. Empresas são obrigadas a pagar pela inserção uma publicação dessas é uma entidade sem fins lucrativos.
de publicidade legal em jornais. Publicações impressas Na mesma linha, o controle de um jornal por uma famí-
recebem tarifas postais favoráveis. lia era uma proteção contra o imperativo do lucro ime-
Há desdobramentos alentadores envolvendo a cobrança diatista, em parte porque o empresário em geral se dispu-
direta do leitor pelo consumo de conteúdo digital. No caso, nha a receber alguma remuneração na forma de prestígio
o modelo usado é o da cobrança após ultrapassado certo(salário à parte, era bom ser o dono de um jornal local) e
número de artigos. Esses fundos obviamente são bem-vin-em parte porque o controle familiar significava adminis-
dos. Contudo, apenas alguns dos grandes veículos de comu-trar de olho na viabilidade a longo prazo, não na extra-
nicação que adotaram o sistema conseguiram obter 5% que ção imediata de receita, outra forma de estar no merca-
seja de adesão de usuários na versão digital, e a liberação de do mas sem se submeter a ele.
certo número de artigos praticamente garante que a maioria Embora a recente discussão do subsídio ao jornalismo
dos usuários jamais terá de pagar. Oresultado é que, embo- tenha se concentrado no aporte público, e não no privado,
ra sirva para retardar a queda no faturamento, a nova recei-o fato é que distintas modalidades de subsídio são bastante
ta não impede o declínio, e muito menos o reverte. emaranhadas. Todo ano, General Motors e Diageo gastam
em muitos sites jornalísticos de interesse geral, a catego- meses, a Amazon testou comerciais de TV – mas desistiu
ria mais comum de leitor é aquela formada por gente que da ideia para a maioria de seus produtos, pois concluiu
confere um único artigo por mês. que um anúncio desses teria menos impacto nas vendas
Como se não bastasse, a competição está mais acirra- do que gastar a mesma verba para oferecer frete grátis.
da. Como observou o jornalista Nicholas Carr em 2009, Até veículos que entendem que a receita perdida não
uma busca no Google por informações sobre o resgate pela será reposta, e que a receita trazida pelo impresso (e a
Marinha norte-americana do capitão de um cargueiro de produção) vai continuar caindo, seguem com esperan-
bandeira dos Estados Unidos sequestrado por piratas na ça de que a mudança no subsídio publicitário possa, de
Somália rendeu 11.264 fontes possíveis de matérias sobre algum modo, sera revertida.
o episódio – a maioria meramente reproduzindo um mes- O fato de que internet, mesmo sendo um meio visual-
mo conteúdo sindicalizado. A internet derruba o valor de mente flexível, tenha se adaptado mais depressa ao marke-
publicar um mesmo artigo de agências de notícias em St. ting direto do que à publicidade convencional foi uma
Louis e em San Luis Obispo. decepção para veículos de comunicação, que sempre tive-
Além das mudanças trazidas pela tecnologia, a popu- ram um ganho desproporcional com a velha publicidade.
larização de redes sociais fez surgir uma nova categoria Na última década, volta e meia se afirmou que o marke-
de anúncios que, embora vinculada à mídia, não subsidia ting direto como forma de publicidade na internet seria
a criação de conteúdo. Na década de 1990, muitos sites só uma fase – e que alguém iria reinventar a publicida-
tinham fóruns de discussão quegeravam enorme interesse de convencional no meio digital. É, basicamente, afirmar
entre internautas – mas pouca receita, já que anunciantes que anunciantes vão começar a investir cifras volumosas
temiam que o material produzido por usuários não fosse em anúncios gráficos com animação e em transmissão
seguro para sua marca. de vídeo com pouca expectativa de retorno além da cer-
O MySpace foi o primeiro grande site a transpor esse teza de que a marca terá conquistado mais visibilidade.
obstáculo. Assim como na revolução dos junk bonds na Parece pouco provável. A migração da lógica da propa-
década de 1980, o MySpace usou o argumento de que ganda convencional para a lógica do marketing direto é só
um inventário de anúncios de baixa qualidade poderia um sintoma da mudança maior promovida pela internet,
ser um bom investimento para o anunciante se agrega- que representa a vitória, em todos os lugares, da mensu-
do em volume suficiente e vendido a um valor baixo o ração. A publicidade tradicional era rentável porque nin-
bastante. O discurso feito era basicamente o seguinte: guém sabia ao certo como funcionava, de modo que tam-
“Dependendo do preço pago, os page views do MySpace pouco se sabia como otimizá-la. Produzir um comercial de
podem ter valor para sua empresa mesmo com taxas de TV era mais como rodar um pequenino filme para o cine-
clique [click-through rates] minúsculas”. ma do que conduzir um grande experimento psicológico.
Com isso, abriram-se as comportas. Quando um núme- Hoje, na internet, o anunciante espera, cada vez mais,
ro satisfatório de empresas decidiu que redes sociais eram que até a publicidade tradicional tenha resultados men-
um meio aceitável, o estoque disponível de anúncios pas- suráveis – e a aposta na publicidade mensurável derruba
sou a ser função do (ilimitado) interesse das pessoas umas as altas margens da fase áurea. A célebre dúvida do cria-
nas outras, e não da capacidade do veículo de comunica- dor do conceito da loja de departamentos, o empresário
ção de criar conteúdo ou manter a audiência. Quando a norte-americano John Wanamaker – a de não saber exa-
demanda gera oferta a um custo pouco acima de zero, o tamente qual metade da verba de publicidade era dinheiro
efeito nos preços é previsível. jogado fora –, explica por que a mensurabilidade na publi-
Os últimos 15 anos também testemunharam o surgi- cidade põe ainda mais pressão sobre a receita.
mento da publicidade como um serviço independente. A Outra fonte de esperança para o restabelecimento da
perda de anúncios classificados para concorrentes supe- receita publicitária era a especificidade maior que a inter-
riores como Craigslist, HotJobs e OkCupid já foi exausti- net permitiria. (“É possível dirigir o anúncio exclusiva-
vamente dissecada. Menos discutida é a popularização de mente a advogados tributaristas no Estado de Montana!!)
indicações de usuário para usuário em ambientes comer- Todo mundo achava que essa segmentação precisa jus-
ciais, como o da Salesforce e o da Amazon. Uma recomen- tificaria a cobrança de preços mais altos pela publicida-
dação dessas assume parte das funçõesda publicidade B2B de, pelo menos em certos sites; uma segmentação melhor
(empresa a empresa) ou B2C (empresa a consumidor), traria melhores resultados, o que faria compensar o cus-
mas sem nenhum subsídio do conteúdo (ou nem mesmo to maior.
o pagamento a qualquer ator que se assemelhe a um veí- Só que a migração para a publicidade de baixo custo
culo de comunicação). E um serviço desses dá pouco ou com resultados mensuráveis também derruba boa parte da
nenhum subsídio a meios de comunicação. Durante 15 lógica da segmentação. Vejamos um exemplosimplificado:
maquinário de produção” (lá atrás, a lógica da redação não Com a superdistribuição – a propagação de conteúdo
era administrativa, mas prática: o pessoal da redação, que por redes sociais –, um artigo importante de uma publi-
produzia o texto, tinha de estar perto das máquinas que cação minúscula pode chegar a um público enorme sem
reproduziriam esse texto, em geral instaladas no subsolo). custo adicional. Agora que muitos levam no bolso câme-
Observadores do meio jornalístico, como David Simon, ras de vídeo conectadas a redes, uma quantidade cada vez
já disseram, acertadamente, que “fazer mais com menos” maior de informação visual vem dos próprios cidadãos.
é o mantra de todo veículo que teve de demitir uma deze- Com a proliferação de novas possibilidades de apu-
na de repórteres e editores. Contudo, já que nessa equa- ração, interpretação e distribuição de informações, é
ção a parte do “com menos” é obrigatória, é preciso ten- possível ver que
organizações tirando partido
tar fazer com que a parte do “fazer mais” funcione, o que de trabalho nem sequer existiam dezde métodos
anos atrás.
significa menos tergiversação sobre cortes de pessoal e É o que faz a Narrative Science ao automatizar a pro-
mais reestruturação, a fim de tirar partido de novas for- dução de notícias extraídas de mares de dados. Ou a
mas de fazer jornalismo. ProPu blic a ao disponibilizar dados e modelos para a
O jornalismo pós-industrial parte do princípio de que reprodução de notícias, como na iniciativa Dollars for
instituições atuais irão perder receita e participação de Docs. Também há quem vasculhe dados existentes para
mercado e que, se quiserem manter ou mesmo aumen- descobrir fatos novos, como fez o caçador independen-
tar sua relevância, terão de explorar novos métodos de te de fraudes financeiras Harry Markopolos no caso do
trabalho e processos viabilizados pelas mídias digitais. investidor norte-americano Bernard Madoff, que oca-
Nessa reestruturação, todo aspecto organizacional da sionou perdas bilionárias a instituições bancárias, gru-
produção de notícias deverá ser repensado. Será preciso pos de investimentos, fundações, entre outros (uma das
ter mais abertura a parcerias, um maior aproveitamen- grandes oportunidades perdidas do jornalismo norte-
to de dados de caráter público; um maior recurso a indi- -americano na última década).
víduos, multidões e máquinas para a produção de infor- O que une gente digitalmente empreen dedora de organi-
mação em estado bruto; e até um uso maior de máquinas zações tradicionais – Anjali Mullany, ex-Daily News; John
para produzir parte do produto final. Keefe, da rádio WNYC; Gabriel Dance, da sucursal doThe
Serão mudanças sofridas, pois irão afetar tanto a roti- Guardian nos Estados Unidos – e meios que já nasceram
na diária como a autoimagem de todos os envolvidos na digitais, como WyoFile, Technically Phillye Poligraft, é o
produção e distribuição de notícias. Sem isso, no entanto, fato de organizarem suas premissas e processos em torno
a redução dos fundos disponíveis para a produção do jor- daquilo que agora é possível, como incluir interativida-
nalismo fará com que no futuro a única opção seja fazer de em gráficos, dar ao público acesso direto a bancos de
menos com menos. Não há, na crise atual, solução capaz dados, solicitar imagens e informação ao público ou dis-
de preservar o velho modelo. tribuir uma matéria por redes sociais. Não há como saber
se o Poligraft (aliás, nem se o Daily News) ainda existirá
daqui a dez anos, mas a experimentação em curso nessas
Há muitas oportunidades de fazer organizações é um exemplo do bom uso de novas ferra-
um bom trabalho de novas maneiras mentas na busca de objetivos jornalísticos.
O aspecto mais animador etransformador do atual cená-
Se concluirmos que o jornalismo é essencial, e que não há rio jornalístico é poder explorar novas formas de cola-
solução para a crise, a única maneira de garantir a sobrevi- boração, novas ferramentas de análise e fontes de dados
vência do jornalismo de que a sociedade precisa no cená- e novas maneiras de comunicar o que é de interesse do
rio atual é explorar novas possibilidades. público. A maioria de nossas recomendações ao longo
Graças a fenômenos como o movimento da transparên- do presente dossiê terá a ver com essas oportunidades.
cia e a disseminação de redes de detecção, um jornalista
hoje em dia tem acesso a muito mais informação do que
antes. Tem novas ferramentas para transmitir a informa- O que é “público”, o que é “audiência” –
ção de forma visual e interativa. Tem muito mais manei- e o caso especial do New York Times
ras de fazer seu trabalho chegar ao público – a ubiquida-
de da busca, a popularização de fontes constantemente Antes de entrarmos no relatório propriamente dito, é pre-
atualizadas (oFacebook com sua linha do tempo, oTwitter ciso um esclarecimento sobre duas palavrinhas contro-
em sua totalidade), o wiki como formato para a inserção versas, público e audiência. E, ainda, discutir o caso espe-
de novas informações. Tudo isso faz o público ter muito cial do New York Times, que a nosso ver não serve como
mais meios de obter e processar notícias. símbolo do estado geral do jornalismo norte-americano.
por o jornal estar numa categoria só dele, decisões que possa seguir todas as recomendações aqui feitas, ou no
sua gestão pode tomar, e o resultado dessas escolhas, mínimo a maioria delas, pois são coisas muito diversas,
não representam nem preveem a realidade da maioria voltadas a atores de natureza muito distinta. Tampouco
dos demais veículos de comunicação, seja qual for seu acreditamos que o que sugerimos aqui seja uma direção
porte ou tempo de vida. Logo, passaremos relativamen- estratégica acabada. Vive mos nitidamente numa era na
te pouco tempo discutindo seu destino. Embora sirva de qual é mais fácil saber o que não funciona do que o que
inspiração para meios de comunicação mundo afora, o funciona, e na qual teorias e práticas daquilo que costu-
jornal é menos útil como modelo ou termômetro para mávamos chamar de indústria jornalística estão abrindo
outras instituições. espaço a uma constelação muito mais diversa de entida-
des do que qualquer coisa que tenhamos testemunha-
do no século 20.
Organização Acreditamos, sim, (ou, no mínimo, esperamos) é que
as recomendações a seguir sejam úteis para organiza-
Este dossiê foi redigido com diversos públicos em mente: ções que não só queiram evitar o pior do anacronis-
novas empresas de mídia, organizações tradicionais ten- mo entre processos tradicionais e oportunidades atu-
tando se adaptar, faculdades de jornalismo e entidades ais, mas também tirar partido das possibilidades que
que dão apoio ou forma ao ecossistema, como o Pulitzer hoje se abrem.
Prize Board e o governo norte-americano.
A esta introdução se seguem três grandes seções:
Jornalistas, Instituições e Ecossistema.
Partimos indagando o que cada jornalista pode e deve
fazer hoje, já que seu trabalho é o mais importante – e já
que a obsessão com a sobrevivência de instituições nos
últimos anos ocultou o óbvio ululante: a importância de
instituições reside no fato de que permitem o trabalho de
jornalistas, e não o contrário.
Em seguida, perguntamos o que uma instituição pode
fazer para apoiar o trabalho de jornalistas. Aqui, não usa-
mos o termo “instituição” no sentido coloquial de “meio
de comunicação tradicional”, mas sim com a significa-
ção sociológica de “um conjunto de pessoas e bens com
padrões relativamente estáveis decomportamento”. Nessa
acepção, o Huffington Post é uma instituição tanto quanto
a Harper’s. Estamos interessados tanto na institucionali-
zação de novas organizações de notícias quanto na adap-
tação de velhas instituições à nova realidade.
Por último, analisamos o ecossistema jornalístico,
que nesse caso significa todo o aspecto da produção de
notícias que não está sob controle direto de uma insti-
tuição. O ecossistema atual tem novos recursos, como
uma explosão de dados digitais e de c apacidade de pro-
cessamento. Traz, ainda, novas oportunidades, como
a capacidade de criação de parcerias e consórcios de
baixo custo. Esse ecossistema também abarca forças
que afetam organizações jornalísticas – de premissas e
apoios (ou obstáculos) criados por faculdades, empre-
sas e o poder público.
Em nossa breve conclusão, usamos várias dessas forças
atuais para traçar um cenário para o fim da presente déca-
da e descrevemos quais, a nosso ver, seriam algumas das
principais características do cenário jornalístico em2020.
Nem de longe imaginamos que alguma organização
Jornalistas
NO DIA 28 DE JUNHO DE 2012, a Suprema Corte dos Estados Unidos tomou sua decisão sobre a
obrigatoriedade de contratação de plano de saúde privado por todo cidadão do país – prevista na
chamada Affordable Care Act, a lei da reforma da saúde norte-americana. Em pleno ano de elei-
ções, e diante da possibilidade de que um pilar da legislação proposta pelo presidente fosse jul-
gado inconstitucional, a decisão já não tinha impacto só para o setor de saúde. Virara também um
grande fato político.
Nos dias que antecederam a decisão, todo veículo das pressões comerciais e protocolares típicas do ofí-
importante de comunicação cobriu o caso. O veredic- cio. Em um mundo que o professor norte-americano de
to foi anunciado às 10h07 do dia 28. A CNN anunciou jornalismo Jeff Jarvis descreve com o mote “do what
que o dispositivo fora rejeitado. Já o blog SCOTUSblog you do best and link to the rest” (literalmente, “faça o
informou que a obrigatoriedade fora mantida. que é seu forte e ponha links para o resto”), o modelo
O vexame que a emissora de TV a cabo deu ao levar do SCOTUSblog traz a cobertura mais consistente da
ao ar uma informação incorreta só perdeu, em dimen- Suprema Corte – cobertura que, se honrada sua meta,
são, para a projeção conquistada naquele instante pelo também deve ser a melhor. O SCOTUSblog não vai des-
SCOTUSblog, até ali um pequeno site desconhecido cuja pachar 25 jornalistas para o Haiti caso haja um terre-
única missão era cobrir a Suprema Corte. Naquele dia, moto (nem mandar alguém ir cobrir outra audiência da
o SCOTUSblog virou a grande fonte dos últimos des- atriz Lindsay Lohan por dirigir embrigada). Não está
dobramentos sobre o caso e de análises indispensáveis substituindo a CNN – e nem precisa. O SCOTUSblog
sobre o parecer do tribunal. Mais tarde, ao esmiuçar a achou seu nicho e sabe qual é seu papel.
cobertura do blog no dia 28, a revista The Atlantic infor- Se há jornalistas, é porque o público precisa saber o
mava que às 10h22 – 15 minutos depois de anunciada a que aconteceu, e os motivos. A maneira mais eficaz e
decisão – o site registrava perto de um milhão de visi- confiável de transmitir uma notíci a é por meio de gen-
tantes (foi preciso instalar mais s ervidores para acomo- te com profundo conhecimento do assunto e capacida-
dar o salto no tráfego). de de levar a informação ao público na hora certa. No
O SCOTUSblog foi criado em 2003 por Tom Goldstein episódio acima, o SCOTUSblog cumpriu os dois requi-
e Amy Howe, marido e mulher. Nenhum dos dois era jor- sitos. Embora tenha corrigido a “barriga” em questão
nalista: eram, ambos, sócios de um escritório de advoca- de minutos (críticos, é verdade), a CNN a princ ípio dei-
cia e professores nas faculdades de direito de Harvard e xou a desejar no quesito mais básico: informar o que o
Stanford. Na manhã da decisão, Goldstein cobriu o pro- tribunal de fato decidira.
cedimento todo ao vivo; o material que foi postando no A goleada do SCOTUSblog é só um exemplo de como
blog serviu de base para a cobertura do canal público o velho território de jornalistas tradicionais está sen-
de TV C-SPAN 3. Segundo Goldstein, o episódio foi o do invadido. Um mapeamento do novo ecossistema
“Superbowl” do site – site cuja meta seria levar ao público jornalístico revela exemplos muito mais radicais do
a melhor análise da decisão no momento mais pertinente. que o desse blog (que, além dos advogados que o fun-
O SCOTUSblog é prova de que o jornalismo pode ser daram, até emprega jornalistas). Em certos casos, gen-
exercido fora de uma redação tradicional por gente livre te que nem é jornalista se mostrou capaz de exercer o
ofício com tanta tarimba quanto profissionais da área Science já produz textinhos com resultados financei-
– às vezes, até mais. Especialistas – seja o economis- ros de empresas para o site Forbes.com. Outro projeto, o
ta Nouriel Roubini discorrendo sobre a bolha imobili- Journatic , desperta tanto interesse como angústia com
ária, o sociólogo Zeynep Tufekci falando de conflitos sua cobertura a distância de fatos “locais”. Quando pra-
no Oriente Médio, a analista financeira Susan Webber ças em países do Oriente Médio são alvo de artilharia, a
no site Naked Capitalism – estão produzindo um con- confirmação do estrago é feita por redes de testemunhas
teúdo contextualizado melhor do que muito material munidas de celular e especialistas em assuntos milita-
criado por jornalistas tradicionais. E não é só questão res no Twitter – que garantem um testemunho em pri-
de
semum indivíduo qualquer
intermediários; no casopoder publicar
de doping sua opinião
do ciclista Lance meira mão
A lista e análise
daquilo queem
umtempo realpode
jornalista dos fatos.
fazer cresce dia-
Armstrong, o blog NY Velocity, especializado em ciclis- riamente, pois a plasticidade de tecnologias de comunica-
mo, saiu muito à frente da imprensa esportiva profis- ção muda tanto recursos de apuração de fatos como a con-
sional (que, no episódio, foi de uma credulidade absur- duta do público. Jonathan Stray, repórter da Associated
da). E sua cobertura foi muito melhor. Press e inovador da mídia, observou em um post:
Uma questão interessante sobre o acesso direto de
especialistas ao público surgiu quando a pirâmide de Cada uma das atividades que compõem o jornalis-
Ponzi erguida por Bernard Madoff foi desmascarada. O mo pode ser conduzida melhor dentro ou fora de
detalhe mais curioso do escândalo foi a Securities and uma redação, por profissionais ou amadores, por
Exchange Commission (a SEC, a comissão de valores parceiros ou especialistas. Tudo depende da mate-
mobiliários norte-americana) não ter dado ouvidos aos mática do ecossistema e, em última instância, de
alertas certeiros e detalhados da fraude disparados pelo necessidades de usuários.
investidor Harry Markopolos. No blog de investimentos
Seeking Alpha, Ray Pellecchia perguntou: “Se Markopolos Entender a reviravolta na produção de notícias e no
tivesse um blog, [ a fraude] de Madoff teria sido conti- jornalismo, e decidir qual a maneira mais eficaz de apli-
da?”. Será que a SEC teria ignorado o alerta se, em vez car o esforço humano, será crucial para todo e qualquer
de procurar a agência, Markopolos tivesse usado um jornalista. Para determinar qual o papel mais útil que o
blog para apontar publicamente a improbabilidade das jornalista pode desempenhar no novo ecossistema jor-
operações de Madoff ? Obviamente, é impossível saber. nalístico é preciso responder a duas perguntas correla-
É fácil imaginar, contudo, que uma análise pública das tas: nesse novo ecossistema, o que novos atores podem
maracutaias de Madoff teria tido mais impacto do que fazer, hoje, melhor do que jornalistas no velho mode-
teve a cobertura do assunto por profissionais da mídia. lo? E que papel o jornalista pode desempenhar melhor
Também chegamos a um pont o no qual a “multidão” do que ninguém?
lá fora está disseminando a própria informação em tem-
po real para outros in divíduos e para o mu ndo. Hoje, é
mais barato do que nunca reunir dados sobre qualquer Quando mídias sociais são melhores: amadores
mudança mensurável – e surgem algoritmos capazes de
reordenar essa informação em frações de segundo e pro- O valor jornalístico de mídias sociais ocupa um espec-
duzir relatos de acontecimentos que já passam no tes- tro que vai do indivíduo munido de uma informação
te de Turing: ou seja, nada os distingue de textos redi- importante – a testemunha em primeira mão, o “insi-
gidos por gente de carne e osso. E isso sem nenhuma der” – até a coletividade. Bradley Manning, o solda-
intervenção de um jornalista. do do braço de inteligência do Exército norte-ame-
Mas o retrato pintado pelas mudanças no ecossistema ricano acusado de vazar milhares de documentos do
do jornalismo não é só de perda. Se de um lado velhos Departamento de Estado para o site WikiLeaks , ocu-
monopólios desaparecem, há, de outro, um volume cada pava um posto de importância singular; já o registro
vez maior de trabalho jornalisticamente útil a ser feito do rastro de detritos deixado pela explosão do ônibus
pela colaboração de amadores, multidões e máquinas. espacial Columbia pela BBC exigiu vários observado-
Uma corretora de commodities, por exemplo, não pre- res independentes. Um projeto do Huffington Post em
cisa de um repórter plantado em uma lavoura de trigo 2008, o Off the Bus, ocupou um espectro similar: o rela-
para entrevistar o agricultor: satélites podem produzir to de um discurso de Barack Obama e m São Francisco,
imagens em tempo real da cultura, interpretar essa infor- quando o presidente norte-americano aludiu a gente
mação visual e, num piscar de olhos, transformar tudo que se “aferra a armas e à religião”, veio de uma úni-
em dados úteis. A empresa norte-americana Narrative ca fonte, a blogueira Mayhill Fowler; já a cobertura de
Plataformas para partilha de dados em tempo real, No setor de tecnologia, projetos novos como Palantir,
como a Cosm, contam com grupos militantes de empre- Kaggle e Narrative Science estão eletrizando investido-
sas, ou simplesmente cidadãos comuns, para recolher res com as possibilidades infinitas abertas pela coleta
informações de seu interesse – sobre qualidade do ar, de dados e o uso de algoritmos para organizá-los.
condições de trânsito, eficiência energética, o que seja Com uma equipe de 30 pessoas – dois terços enge-
– e compartilhá-las por meio de sensores bem baratos. nheiros, um terço editorial –, a Narrative Science “pro-
Dados em um site desses têm um alc ance, uma profun- duz narrativas completas a partir de dados numéricos
didade e uma precisão que simplesmente não podem brutos”, como diz o próprio diretor de tecnologia da
ser garantidos por um jornalista sozinho. empresa, Kris Hammond. Hammond e sua equipe de
Hoje, o cidadão também fotografa e filma fatos de cientistas da computação buscam identificar elemen-
interesse jornalístico – e, às vezes, como no projeto tos cruciais de um texto jornalístico e de que forma
Off the Bus do Huffington Post em 2008, dá verdadei- poderiam variar, seja para o resumo de uma partida de
ros furos políticos. Plataformas sociais como Facebook beisebol ou o anúncio dos resultados de uma empre-
e Twitter reconhecem que reunir e interpretar toda a sa. Em seguida, programam um código que permite
informação hoje disponível é uma tarefa que extrapo- a conversão de dados em estado bruto em palavras.
la a capacidade humana. Daí toda plataforma social e Esse conteúdo de baixo custo já está sendo vendido
todo mecanismo de busca contar com algoritmos que a empresas e veículos de comunicação tradicionais,
ajudam a analisar que conteúdo está sendo comparti- entre outros.
lhado, que temas são mais discutidos (e por quem) e A proposta da Narrative Science é automatizar a pro-
como surge e circula a informação. dução de textos padronizados como resultados finan-
A disponibilidade de recursos, como fotos tiradas pelo ceiros de empresas e resultados de competi ções espor-
cidadão comum, não elimina a necessidade do jorna- tivas. Isso reduz a necessidade de intervenção humana
lismo nem de jornalistas, mas altera sua função. O pro- em atividades repetitivas: em vez de ficar redigindo tex-
fissional deixa de ser o responsável por registrar a pri- tos elementares, essa mão de obra é liberada para coisas
meira imagem ou fazer uma observação inicial e passa mais complexas ou que exijam interpretação.
a ser aquele que solicita a informação e, em seguida, fil- E, como sempre, essa comoditização permite a par-
tra e contextualiza o que recebe. Um termo hoje mui- ticipação até de quem não pertence aos quadros tra-
to usado, “ crowdsourcing ”, implica por si só uma rela- dicionais da profissão. Se uma criança está disputan-
ção de “um com vários” para o jornalista, que lança do uma partida de beisebol pela liga infantil e o pai usa
uma pergunta a um grande grupo de pessoas ou recor- um aplicativo para iPhone chamado GameChanger para
re a esse exército de gente para achar respostas. Mas registrar os resultados, a Narrative Science vai proces-
essa multidão também pode ser uma série de indivídu- sar esses dados instantaneamente e produzir um texto
os atuando por meio de redes – multidão que pode ser com a descrição do jogo. Mais de um milhão de peque-
interrogada e utilizada para uma versão mais comple- nos textos do gênero serão gerados só este ano.
ta dos fatos ou para a descoberta de coisas que seriam Em entrevista à revista Wired, Hammond disse espe-
difíceis ou demoradas de apurar com o modelo tradi- rar que, no futuro, algo como 80% a 90% das matérias
cional de reportagem. sejam geradas por algum algoritmo. Quando pedimos
que desenvolvesse o pensamento, ele explicou que vai
haver uma expansão do tipo de “matéria” que poderá
Quando a máquina é melhor ser produzida por máquinas à medida que mais dados
de caráter local e pessoal forem sendo coletados e lan-
Se há algo que a máquina faz melhor do que o homem çados na internet. Esses 90% implicam, portanto, não
é garimpar com rapidez grandes volumes de dados. A só dados em estado mais “granular”, mas um univer-
automação de processos e conteúdo é o território mais so muito maior de matérias ou conteúdo sendo publi-
subaproveitado para derrubar o custo do jornalismo e cados, por um conjunto muito maior de repórteres, a
melhorar a produção editorial. No prazo de cinco a dez maioria amadores. Esse tipo de reportagem será viável
anos, teremos informações produzidas a baixo custo e sempre e quando houver dados disponíveis nesse for-
monitoradas em redes de aparelhos sem fio. Vão servir mato digital. E sempre e quando não houver dados nes-
para várias coisas – informar às pessoas qual o melhor se formato, como em uma audiência pública realizada
momento para usar a água para evitar a poluição dos por algum poder da União, será preciso um repórter
rios, por exemplo, ou quando atravessar a rua – e levan- para registrar os dados.
tam questões de ética, posse e uso da informação. Segundo Hammond, as máquinas que sua equipe
para a popular loja de aplicativos é turvo e arbitrário, e seguidores?”. É fato, no entanto, que a atividade indi-
que o rechaço de certas contribuições equivale a censu- vidual do jornalista – seus recursos e sua liberdade –
ra (como na decisão, notoriamente opaca, de rejeitar o está crescendo, e já não se restringe à marca do veícu-
mapa interativo de ataques com “drones” feito pelo pro- lo e ao público deste.
gramador Joshua Begley). Com a simples decisão de usar No ecossistema da informação, o jornalista pode exer-
um produto da Apple, portanto, o jornalista toma parte cer o maior impacto no trabalho entre as massas, de
na criação de um futuro com censura para a internet. um lado, e o algoritmo, do outro – no papel de investi-
gador, tradutor, narrador. Sem explorar as possibilida-
Eficiência desjornalismo
de da multidão
seou de algoritmos,
tornam certas incapazes
insustentáveis, modalidades
de
É evidente que o jornalista pode ser muito mais efi- acompanhar o mundo de redes e dados em tempo real
ciente do que a máquina na apuração e disseminação de que chegam ao público de todas as partes – de sensores
certas informações. É entrevistando gente que o profis- instalados na lata de lixo a “ trending topics ” no Twitter .
sional tem acesso aos fat os e se “apodera” de um assun- O lugar ocupado pelo jornalismo no ecossistema tem a
to, às vezes com exclusivi dade. Ligar para o palácio do ver, portanto, com a humanização dos dados, não com
governo ou para a Secretaria de Educação, comparecer o processo de mecanização.
a reuniões e assimilar o que é dito ali, dar ideias e ques- A adaptação a esse mundo é um desafio para o jorna-
tionar – tudo isso aproxima a notícia da ideia de “dra- lista que aprendeu a trabalhar em redações cujo pro-
ma” que o teórico da comunicação James Carey julgava duto exigia, antes de tudo, exatidão e certeza, e onde
central para o conceito do jornal. Pessoais e humanas, havia unidad e e clareza em torno de um pequeno con-
essas atividades convertem o jornalismo em uma espé- junto de processos: apuração, redação, edição. A capa-
cie de performance da informação, e não mera divul- cidade de reconhecer , localizar e narrar um fato rele-
gação de fatos. vante no formato mais condizente para um púb lico
específico segue sendo necessária, mas o número de
Originalidade formatos e a variabilida de da audiência aumentaram.
E mais: técnicas do ofício que ajudarão o jornalista a
Para ter ideias, criar algoritmos, formar movimentos definir e redefinir seu papel futuro e o setor no qual
e inovar em práticas é preciso srcinali dade de raciocí- atua estão mudando.
nio. Um jornalista deve provocar mudanç as, promover
a experimentação e incitar à ação. Ainda é difícil criar
e manter máquinas capazes de entender a realidade O que um jornalista precisa saber?
com a complexidade exigida para reconhecer o que há
de importante em uma história como a de swaps de cré- Quando Laura e Chris Amico trocaram a Califórnia pela
dito ou por que é preciso investigar a situação fiscal de capital norte-americana, Washington – onde Chris foi
Mitt Romney. Essa bagagem cultural distingue repór- trabalhar como desenvolvedor no site da rádio NPR –,
teres, editores, designers e demais jornalistas de outros o casal não conhecia o lugar, não conhecia a comuni-
sistemas de coleta e disseminação de dados. dade e não sabia onde Laura, que é repórter policial,
iria achar trabalho.
Carisma “Não havia ninguém contratando”, diz Laura. O tédio
do desemprego e o interesse dos dois pelo jornalis-
Gente segue gente. Pelo mero fato de ser “humano”, mo cívico levou o casal a cogitar possíveis projetos na
portanto, o jornalista cria para si um papel mais for- área. “Pensamos muito sobre o que ‘não’ vinha sendo
te. É um trunfo que a televisão, movid a que é a perso- coberto”, diz Laura, que mantém um pequeno apare-
nalidades, há muito explora, mas sempre numa via de lho para escutar a rádio da polícia onde a maioria exi-
mão única. Já num mundo de redes, a capacidade de be um despertador.
informar, entreter e responder a feedback de forma E o que não estava sendo coberto nas páginas poli-
inteligente é uma habilidade jornalística. É como dis- ciais dos jornais locais e até do Washington Post, per-
se Paulo Berry, ex-diretor de tecnologia do Huffington ceberam, era todo homicídio ocorrido na cidade. Para
Post : “Hoje em dia, quando um jornalista é entrevista- tapar esse buraco na cobertura, o casal criou o site
do, só há uma pergunta a fazer: quantos seguidores?”. Homicide Watch D.C. “Buscamos deliberadamente fazer
Já que influência é um critério melhor do que mera algo que ninguém mais estivesse fazendo”, diz Chris.
quantidade, uma versão burilada seria “Quem são seus Com efeito, a decisão mais radical da dupla foi jogar na
À medida que cada integrante da rede vai ficando ain- do jornalista levaram a um resultado que pode ser visto
da mais conectado, um jornalista com bom trânsito por como o símbolo do accountability journalism .
essas redes pode obter mais ajuda ou ser mais eficien-
te. Edição, pauta e apuração viram atividades total ou Persona
parcialmente delegadas à rede.
Criar e manter uma rede eficaz requer tato (uma “ soft Presença, acessibilidade e responsabilização são coi-
skill ”), mas também a imposição de limites bem con- sas importantes no jornalismo. E o mesmo pode ser
cretos. Exige tempo, reflexão e processo. Exige crité- dito da habilidade narrativa. Qualquer um de nós pode
rio, até porque
nalismo uma redeLogo,
exige distância. implica proximidade
garantir ambas éedifícil.
o jor- constatar,
quer um deem cifras,
nós tambémo declínio daum
pode ler imprensa. Masno
David Carr qual-
New
No documento “The AOL Way”, uma diretriz estraté- York Times para saber que fatores são importantes na
gica do portal que vazou para o público em 2011, a tese opinião do jornalista. Aliás, queremos ler Carr porque
explícita da AOL era que jornalistas com redes maiores sua prosa é um primor. Quanto mais um jornalista nos
ou mais seguidores valiam mais. Embora boa parte do envolve com sua persona , mais queremos ouvir o que
material tenha sido considerada pura besteira, o impacto tem a dizer sobre o mundo.
de um exército grande e visível de seguidores na carrei- Antigamente, ter uma persona pública era prerroga-
ra de um jornalista é inegável. Quando o site Daily Beast tiva de colunistas festejados. Hoje, é parte do trabalho
tira um jornalista como Andrew Sullivan da revista The de todo jornalista. Todo mundo – editores e repórteres,
Atlantic, a expectativa é que seus leitores migrem tam- profissionais da arte, fotógrafos, “videomakers”, cien-
bém. A credibilidade, a confiabilidade e a tarimba de um tistas de dados, especialistas em mídias sociais – tem
jornalista já são julgadas pela composição de sua rede. um ângulo próprio e responsabilidade na narração dos
Todo indivíduo, assunto ou lugar tem o potencial de fatos. Para isso, é preciso ter critério e aplicá-lo de for-
contar com uma rede visível a seu redor. Diariamente, ma pública e reiterada. Qualquer que seja o meio de dis-
serviços como Faceboo k , YouTube , Twitter , Orkut e seminação, a informação hoje é instantaneamente com-
Weibo publicam muito mais conteúdo do que a pro- partilhada, discutida, comentada, criticada e louvada
dução somada da mídia profissional no mundo todo. – ao vivo, sem possibilidade de controle.
Logo, garimpar relacionamentos, conversas e histórias Integridade e critério são qualidades que um jorna-
será cada vez mais importante para a coleta de infor- lista arrasta consigo como parte de sua persona pública.
mações. A ferramenta de agregação Storify e o projeto Estão mais para valores do que para “ soft skills ”. Devido
irlandês de jornalismo Storyful, que vasculha a ativida- à natureza da busca e à publicação contínua, estabelecer
de em redes sociais para buscar notícias e che car fatos, um atributo desses ficou mais fácil. Mas, uma vez perdi-
são como agências de notícias sociais: garantem mais do, é difícil recuperá-lo. Plágio, desonestidade e inten-
proteção e filtro jornalístico do que as plataformas em ções ocultas são mais difíceis de esconder; já erros fac-
sua base, sempre tentando imprimir algum sentido a tuais, material requentado e falta de civilidade podem
informações dispersas e não raro confusas. abalar uma reputação de forma rápida e irreparável.
Um repórter do The Guardian, Paul Lewis, se valeu Por outro lado, um bom jornalismo em qualquer esfe-
de técnicas viabilizadas por redes para produzir uma ra pode conquistar autoridade sem apoio institucional.
série de matérias importantes, incluindo uma na qual O processo pelo qual o jornalista conquista uma boa
analisou imagens registradas por indivíduos na cena reputação – mantendo a integridade, agregando valor
de protestos durante a reunião do G20 em Londres, em à informação para determinado público, demonstrando
2009. Ian Tomlinson, um manifestante que já tinha pro- conhecimento, revelando fontes e explicando metodo-
blemas de saúde, caiu ao chão e morreu durante a mar- logias – hoje se dá em público, em tempo real. O velho
cha, mas a versão da polícia sobre o in cidente não soava modelo de proteção de fontes – na prática, um acordo
correta para Lewis, que continuou a entrevistar gente de cavalheiros – já não basta. Hoje, o jornalista que qui-
que participara do protesto para tentar determinar a ser ter acesso a fontes sigilosas deve ser capaz de prote-
ordem dos fatos. Dias após a morte de Tomlinson, um ger a informação o suficiente para impedir que as ditas
vídeo feito por um espectador com o celular foi envia- fontes sejam identificadas por ferrenhos inimigos, do
do ao The Guardian , que preconiza a “abertura” como poder público ou não.
princípio central de seu jornalismo. O vídeo mostrava, Instituições jornalísticas precisam buscar um equilí-
de modo irrefutável, que a polícia entrara em confron- brio entre necessidades de cada jornalista e mecanismos
to com Tomlinson antes de sua morte. A importância instituídos para salvaguardar a reputação institucional.
da reportagem, o impulso da testemunha e as técnicas Embora tais mecanismos não impeçam, necessariamente,
Ainda que o mundo em si tenha ficado mais comple- técnica – ou seja, o jornalista precisa aprender a escre-
xo, o volume de dados disponíveis sobre muitos atores ver código. É verdade que ter verdadeira fluência em
importantes – empresas, políticos, religiosos, crimino- muitas linguagens de programação exige estudo e expe-
sos – cresceu radicalmente. Um dos principais recur- riência, algo que nem todo jornali sta vai poder – e nem
sos para a compreensão de mistérios é a capacidade de deveria – adquirir. Mas todo jornalista precisa entender,
esmiuçar dados em busca de padrões que possam e star ainda que num nível elem entar, o que é um código, qual
escondidos debaixo do próprio nariz. sua função e como se comunicar com gente que enten-
de da coisa. John Keefe, chefe de uma pequena equipe
Compreensão de indicadores e públicos de WNYC,
programadores
na observana redação
que da rádio
a admissão norte-america-
a escalões cada vez
Um número surpreendente de veículos de comuni- mais baixos já exige um domínio básico de ferramen-
cação que estudamos ainda não emprega ferramentas tas e aplicativos de programação.
de monitoramento em tempo real como Chartbeat ou Um jornalista ouvido por nós, que trabalha em um
Google Analytics – ou, o que é mais comum, não garan- ambiente mais técnico do que a maioria, apontou a fal-
te o acesso de todo jornalista a esses recursos. Entender ta de programadores como um entrave importante ao
como o conteúdo jornalístico é recebido, saber o que progresso de organizações jornalísticas. “Até na redação
torna algo viral e poder confer ir o que é lido, ouvido ou com mais recursos a proporção de programadores e jor-
visto (e por quem) são coisas im portantes para o jorna- nalistas não passa de um para dez, o que é muito pouco.
lismo. E podem, embora não necessariamente, levar à E a qualidade de muitos programadores nas redações
manipulação do conteúdo para aumentar o número de é bem inferior à de profissionais que trabalham para
pageviews ou de visitantes únicos (merece considera- empresas de tecnologia como Facebook e Twitter ”, diz.
ção a decisão do site norte-americano Gawker , cujo edi- Na maioria das instituições, as altas esferas do coman-
tor, A.J. Daulerio, fez c ircular um memorando deixan- do dão importância a competências comerciais e edit o-
do clara a decisão de botar o pessoal para trabalhar, em riais, não ao domínio tecnológico. É algo que preocu-
esquema de rodízio, em uma tática de geração de trá- pa, pois vemos a crescente utilização de plataformas
fego chamada “ traffic whoring ”) Identificar com fran- independentes que poderiam fornecer um excelente
queza alvos e metas, saber distinguir dados relevantes conjunto de ferramentas para jornalistas (para muitos,
de irrelevantes e reagir retorno recebido são parte do o Twitter seria a ferramenta mais útil para o jornalis-
jornalismo sustentável – e não sua ruína. mo desde o surgimento do telefone), mas que não são
O monitoramento de tendências técnicas e de tráfego inerentemente jornalísticas. Até para o jornalista que
conduz a práticas mecânicas – coisas como otimização nunca vai escrever uma linha de código para uso diá-
de sites (testar links e títulos distintos para garantir a rio, dominar o bê-a-bá da tecnologia é tão importante
melhor posição possível para um artigo em resultados quanto entender o básico da economia.
de buscas no Google) – que não contribuem necessa-
riamente para a imagem do jornalismo. Por outro lado, Narração
facilitar o acesso de um determinado público a um con-
teúdo jornalístico sujeit o a filtros é prestar um serviço. Escrever, filmar, editar, gravar, entrevistar, diagramar
O fato de que o público chega a notícias cada vez mais e produzir seguem sendo a base do ofício jornalístico.
por meio de links compartilhados em redes sociais, e não Não falamos muito sobre esses dotes porque não espe-
por agregadores de notícias, tem implicações para repór- ramos que a capacidade elementar de saber identificar
teres e editores. A ignorância geral sobre o modo como e relatar uma história relevante vá mudar, e tudo isso
o público consumia a informação n ão era um problema segue sendo fundamental para o arsenal de um jornalis-
durante o reinado do modelo industrial. Já no mundo ta. Parte da “alfabetização” tecnológica de um jornalis-
fragmentado e solto de hoje, saber como o público con- ta significa entender como cada uma das competências
some a informação, e se o que você escreve, grava ou acima pode ser afetada por novidades no plano tecnoló-
fotografa chega a quem deveria chegar, é algo crucial. gico ou mudanças no comportamento humano. A narra-
tiva pode ser criada com novos recursos de agregação,
Programação o que implica a compreensão de fontes e a checagem
de material diverso. Um aspecto do trabalho com redes
O jornalismo tem duas grandes barreiras de lingua- e multidões é a capacidade jornalística de agregação.
gem a transpor. Uma é a da estatística e a da capacida- Embora muito jornalista vá torcer o nariz para o exem-
de de interpretar dados. A outra é a da competência plo a seguir, ao falar das fotos de “bichos decepcionados”
Como todos sabemos, essas tecnologias também aba- deixou a Associated Press para criar o Storify . Ory
laram velhos modelos de negócios do jornalismo. As Okolloh montou a equipe que criou o Ushahidi e, mais
condições nesse meio levaram jornalistas a sentir impo- tarde, licenciou o software de mapeamento de multi-
tência, e não mais influência sobre a própria vida pro- dões para redações; é que seu weblog, o Kenyan Pundit ,
fissional. O que Dean Starkman chama de giro inces- não funcionou bem como plataforma para denunciar
sante da “roda do hamster” (correr atrás do público ao mundo a violência étnica que vinha ocorrendo na
transitório com a rápida publicação de matérias cha- esteira das eleições de 2007 no Quênia.
mativas) e o que o jornalista britânico Nick Davies É interessante observar que em 2012, um ano de elei-
expõe no
mesmo livro Flat Earth News são descrições de um
fenômeno. ções presidenciais
nalistas que mais nos Estados
geraram Unidos, nos
audiência vários dos jor-de
veículos
Reciclar comunicados de imprensa e produzir mais comunicação mais tradicionais do país não eram das
com menos sem nenhuma mudança fundamental em redações, mas sim gente que se proje tou por rotas rela-
processos são, sabidamente, práticas inimigas do bom tivamente experimentais – e por conta própria. Nate
jornalismo. A nosso ver, no entanto, o jornalismo do Silver se dedicava à consultoria econômica e a montar
futuro dificilmente seguirá esse modelo, pois pagar modelos estatísticos para o beisebol.
jornalistas para produzir informações de baixo valor é O blog de política que criou – o FiveThirtyEight.com ,
insustentável. Se há um espaço e um modelo de negó- incorporado em 2010 ao New York Times – era toca-
cios para a produção às pressas de conteúdo redun- do como um projeto de caráter basicamente anônimo,
dante, o mais provável é que tal modelo tenha suces- nas horas livres.
so nas mãos de empresas como Demand Media ou Há paralelos com a trajetória de Ezra Klein, comen-
Journatic, que se valem de algoritmos e de mão de tarista de economia e política que criou o primeiro
obra barata, terceirizada. blog aos 19 anos e levou sua plataforma (a Ezra Klein)
Um jornalista que produza conteúdo de qualida- primeiro para o American Prospect e, depois, para o
de, independentemente de como é bancado, terá mais Washington Post . Nos dois casos, o risco da inovação e
autonomia e controle sobre o próprio trabalho. E terá, o laborioso processo de angariar público e achar uma
a seu dispor, um público maior e mais diversificado, a posição singular no mercado ficaram a cargo de indiví-
custo baixo ou zero. duos que blogavam com software gratuito – e cujo pro-
Nos últimos tempos, o melhor exemplo de um jor- jeto acabou sendo encampado por veículos de comu-
nalista que soube explorar oportunidades abertas pela nicação que, mesmo dotados de recursos maiores e de
tecnologia fora dos processos da redação talvez seja o uma bela reputação, não tinham conseguido incubar
de Andy Carvin, da emissora norte-american a de rádio esse tipo de talento.
NPR. Instalado em Washington, Carvin tuitou a rit- A próxima fase da evolução verá surtos semelhan-
mo tão frenético sobre a Primavera Árabe em 2011 que tes de genialidade e empreendedorismo individuais
virou o centro de uma rede para o público nos Estados em novas áreas – como visualização, criação de dados,
Unidos e outros jornalistas que acompanhavam os fatos. partilha, agregação. As redações já não encaram blo-
Carvin não se limitou a repetir informações obtidas por gs, Twitter ou coberturas ao vivo com o mesmo receio
outros (como um repórter gerando conteúdo se m parar e incompreensão do passado (e “passado”, aqui, signi-
a partir de material de agências); o que fez, basicamen- fica cinco anos atrás).
te, foi tornar público um processo de bastidores similar Em cinco anos mais, receber dados em te mpo real de
à intervenção de editores em uma matéria. Só que em vastas redes de sensores, criar conteúdo automatiza-
vez de permanecer restrita a editores e jornalistas da do, adquirir ou criar tecnologias que reflitam valores
NPR, e ao conteúdo produzido pela rádio, essa inter- jornalísticos, estabelecer parcerias com diversos espe-
venção foi publicada em tempo real no Twitter . Carvin cialistas e instituições e fazer experiências com agre-
acha que foi capaz de enveredar pelo novo caminho em gadores, animadores e performers renomados poderia
parte porque seu cargo oficial – diretor de estratégia ser tão corriqueiro quanto licenciar um blog.
em mídias sociais da rádio – não era visto como edito-
rial em primeiro lugar.
Embora haja muitos outros casos de gente que cha- Como vai mudar o trabalho do jornalista?
coalhou velhos processos do jornalismo, é raro que os
melhores expoentes dessa turma tenham tido liberdade É difícil saber exatamente como vai ser a redação mais
suficiente nas respectivas instituições para desenvolver enxuta, mas já dá para dizer que o trabalho do jor-
seu trabalho (como teve Andy Carvin). Burt Herman nalista típico sofrerá certas mudanças ao longo dos
Instituições
Ao narrar em suas páginas o triste declínio de uma leva Uma história de declínio e colapso institucional
: nos esta-
de publicações e instituições tradicionais da imprensa dos norte-americanos de Michigan, Louisiana e Alabama,
norte-americana (incluindo jornais como Philadelphia a Advance Publications está abandonando a publicação
Inquirer e San Jose Mercury News), a CJR volta e meia diária de jornais, reduzindo o número de dias da sema-
soa como um tributo a um mundo extinto. Já a Nieman na em que imprime um exemplar em papel. Em Chicago,
Journalism Lab é pródiga em notícias sobre as últimas Boston e San Francisco, organizações jornalísticas se deba-
novidades no ofício jornalístico e novas organizações de tem com questões éticas e logísticas trazidas pela cres-
mídia, muitas delas com semanas de vida (ou que ainda cente terceirização da cobertura local para “fazendas de
nem saíram do papel). Embora a Nieman Journalism Lab conteúdo” (e para as Filipinas). O respeitadoPhiladelphia
traga sua cota de fatalismo e a CJR prospecte um pouco Inquirer está no quinto dono em seis anos. Até oNew York
o futuro, o contraste é claríssimo para qualquer pessoa Times, embora revigorado pelo modelo de assinatura digi-
interessada em ficar a par dos últimos desdobramentos tal, trava uma batalha com sindicatos para tentar conge-
no meio jornalístico. lar aposentadorias, enxugar planos de saúde e aumentar
Quando se trata de instituições de imprensa, o proble- a carga horária da redação. E esses são só os destaques
ma – e razão para que a discussão em geral seja tão pola- da semana. Dois anos atrás, discutíamos o fechamento de
rizada – é que tanto a CJR quanto a Nieman Journalism jornais em Denver e Seattle. E daqui a dois anos? Como
Lab estão contando uma história real. O momento atual observamos na introdução, ainda que a idústria jornalís-
é tanto de desgraça como de ressurgimento para institui- tica se estabilize, dificilmente voltará a registrar a mes-
ções que abrigam o trabalho jornalístico. ma rentabilidade de antes de 2005.
A história que contamos a nós mesmos sobre institui- Uma história de renascimento institucional : a histó-
ções jornalísticas é, em suma, mais de uma. Aliás, são três ria do declínio não é, contudo, a única. Embora projetos
histórias, todas transcorrendo mais ou menos simultane- como Talking Points Memoe ProPublica costumem figu-
amente. Há uma história de declínio e colapso institucio- rar em tratados sobre o futuro do jornalismo como sím-
nal, uma história de renascimento institucional e, talvez a bolo do ressurgimento institucional que ocorre paralela-
mais importante para nossos propósitos, uma história de mente no setor, pelos padrões do universo digital esses
adaptação institucional. Onde termina a morte e começa sites já seriam veteranos. Pode levar anos para que um
o renascimento, qual o grau de responsabilidade de novas fato como a decisão da Suprema Corte norte-americana
instituições pelo declínio das velhas, se há
mais a ganhar ou sobre a reforma da saúde nos Estados Unidos traga maior
a perder e como fazer o pêndulo oscilar para o “ganho” são visibilidade a um site como o SCOTUSblog. O mesmo vale
argumentos que se confundem, já que não estamos assistindo para a cobertura das eleições presidenciais norte-ameri-
ao desenrolar de uma sóhistória. Estamos assistindo a três. canas por Nate Silver no blog FiveThirtyEight.com, hoje
parte do New York Times. Um rápido exame de institui- efeito da internet sobre o ecossistema do jornalismo nor-
ções consideradas para um prêmio da Knight Foundation te-americano volta e meia seja pintado como anti-insti-
(o Knight News Challenge) em junho de 2012 revela uma tucional, destinado basicamente a reduzir ou até destruir
meia dúzia de projetos – Behavio, Signalnoi.se, Recovers. a viabilidade de instituições, a realidade é mais comple-
org, Tor Project, alguns novos, outros nem tanto – dedica- xa. Embora tenha de fato abalado muitas instituições, a
dos a levar informações de cunho jornalístico à socieda- internet também ajudou a criar várias outras. Em gran-
de. E essas são só as organizações citadas em uma roda- de medida, o futuro da indústria jornalística será decidi-
da da disputa; além delas, havia muitas outras. do não por aquilo que está sendo extinto, nem por aquilo
O atualem
expressa consenso sobre
uma série essas novas
de estudos, instituições
incluindo – opiniãoções
um relatório que está chegando,
passam mas pelo
a ser velhas modo como
e estáveis novas
e como institui-
velhas insti-
de 2011 da Federal Communications Commission (FCC) tuições se tornam novas e flexíveis.
intitulado “The Information Needs of Communities”, Neste ponto, é importante ter duas coisas em mente.
e num estudo sobre o mercado em Baltimore feito pelo A primeira é que, embora iremos frisar a relativa inflexi-
Project for Excellence in Journalism – é que nenhuma bilidade de instituições de grande porte, não queremos
delas irá substituir a cobertura jornalística hoje feita por dizer que toda instituição, seja lá de onde for, seja incapaz
veículos de comunicação tradicionais (e em declínio). de mudar. Nossa tese é outra: mudar instituições jorna-
No que tange ao volume de conteúdo produzido, não dis- lísticas não é impossível, mas é difícil – e mais difícil do
cordamos. Achamos, contudo, que o nó é mais embaixo; que um observador externo poderia logicamente esperar.
mais adiante, abordaremos alguns dos motivos para tal. Argumentos sobre a eficiência econômica da mudança, o
Uma história de adaptação institucional : o foco no declí- valor normativo da mudança e o imperativo administra-
nio e no ressurgimento também oculta uma terceira his- tvio da mudança são, em geral, corretos – mas, do ponto
tória – história que, no final, pode ser a mais importante de vista institucional, irrelevantes.
de todas. A pergunta é como um novo ator no meio jorna- A segunda coisa a lembrar é que instituições jornalís-
lístico chega ao ponto no qual se pode dizer que atingiu ticas capazes de se adaptar seriam uma das mais valiosas
estabilidade organizacional? Como passa de um precário fontes de crescimento e evolução no ecossistema jorna-
projeto a membro legítimo da comunidade jornalística? lístico de modo geral. É óbvio que, onde quer que ocor-
Como veremos a seguir, uma das marcas de uma institui- ra, a adaptação tem tremendo impacto; grandes institui-
ção é poder enfrentar idas e vindas de pessoal sem o ris- ções jornalísticas são, contudo, como um navio de guerra:
co de extinção organizacional. Como isso ocorre, e como ainda que demorem para mudar de curso, uma vez com-
uma organização jornalística emergente vira uma insti- pletada a volta são capazes de avançar com força e velo-
tuição, é uma das questões centrais diante do jornalismo cidade impressionantes. Editores e gestores de meios de
nessa transição para a era digital. comunicação devem ter em mente que muito da mudan-
É preciso indagar, ainda, como organizações jornalísticasça potencial nesse ecossistema depende de sua capacida-
tradicionais estão reformulando processos para seadaptar de de pensar de forma distinta.
ao novo cenário da informação. Um estudo sobre oNew
York Times a ser publicado em breve porNikki Usher, pro-
fessor assistente da George Washington University, pro- Afinal, o que são instituições?
vavelmente ajudará muito a esclarecer a questão, embo-
ra também devamos começar a sintetizar saídas adotadas O que, exatamente, são instituições? O economista Geoffrey
por organizações criativas para se adaptar à era digital. M. Hodgson sustenta que instituições são “a forma de
Estudiosos precisam partir de uma constatação socioló- estrutura que mais importa no plano social, por consti-
gica básica – o fato de que a maioria das instituições jor- tuírem a matéria da vida social”. Segundo Hodgson, uma
nalísticas busca assimilar a ruptura com o mínimo possí- instituição pode ser definida como “um sistema de normas
vel de mudanças em processosoperacionais e autoimagem sociais estabelecidas e dominantes que estrutura intera-
ideológica – e começar a indagar como instituições criati- ções sociais”. Na análise do sociólogo Jonathan Turner,
vas contornam essas limitações sistêmicas, autoimpostas. a coisa é um pouco mais elaborada. Segundo ele, insti-
Ao pensar em instituições jornalísticas, estamos contan- tuições são “um complexo de posições, papéis, normas e
do a nós mesmos uma série de histórias ao mesmo tempo. valores que, contido em certas estruturas sociais, organi-
Embora as histórias de declínio e renascimento formem za padrões relativamente estáveis de atividade humana”.
o grosso da discussão sobre o “futuro do jornalismo”, há Um tema complicado, sem dúvida. Mas o que importa,
uma relativa deficiência quando o assunto é entender a para nossos propósitos aqui, é entender que uma institui-
terceira história, a da adaptação institucional. Embora o ção deve ser vista como algo que, pelo menos em teoria,
Durante entrevistas com jornalistas em uma série de con- As origens do jornalismo norte-americano moderno
textos institucionais, ficamos impressionados com o con-remontam à década de 1830, quando uma crescente leva
traste entre o orgulho que exibiam pela organização na de publicações populares – a chamada “penny press” –
qual trabalhavam e o sentimento de frustração que mui- buscou padronizar e racionalizar a produção regular de
tos manifestavam ao falar do ritmo moroso da adaptação notícias. Em vez de depender da correspondência vinda
organizacional. “Não acho que falte vontade de mudar do exterior, de notícias que desembarcavam nos portos da
nessas grandes organizações”, disse um repórter. “Mas colônia pelas mãos de gente que cruzava o Atlântico, ou de
o custo e o risco são muito altos. Pode ser um desastre fatos reciclados de outros jornais em circulação, jornalis-
financeiro, é verdade, mas também pode ser um desastre tas empregados pela “penny press” cobriam áreas especí-
cultural na redação. E ninguém sabe como deve ser essa ficas: os tribunais, a delegacia, a política. E o faziam, em
ESPECIAL | REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 57
ESPECIAL | INSTITUIÇÕES
parte, porque cada instância dessas supostamente gera- desaparecendo é a cobertura setorista e a estrutura
va, em caráter regular e previsível, informações de inte- setorista de um jornal diário.
resse da crescente massa alfabetizada de consumidores
de notícias. A infância do jornalismo é, em suma, a histó- A tese de Simon é interessante, embora seja em grande
ria de uma nova instituição que buscava instituições mais medida circunstancial. É possível definir com mais pre-
estabelecidas para alimentar a “roda de hamster” do sécu- cisão exatamente o que uma instituição faz? E, uma vez
lo 19. O acadêmico Matthew Carlson, especializado em que isso tenha sido precisado, é possível descobrir uma
estudos do jornalismo, generaliza o argumento históri- maneira de preservar suas funções básicas, mesmo em
co, invocando
segundo o qualestudo anterior
a “afinidade de Mark Fishman
burocrática” (1980)
leva organiza- uma fase de transição? Eis a seguir quatro fatores que
definem o valor agregado de uma instituição jornalísti-
ções jornalísticas burocraticamente organizadas a buscar ca quando comparada com uma amostra aleatória de jor-
outras burocracias para obter informações. nalistas isolados.
Sociólogos costumam apontar as consequências nega-
tivas dessa afinidade burocrática. “Embora jornalistas Influência
não busquem intencionalmente fortalecer detentores do
poder, o jornalismo legitima instituições decontrole social Se a meta fundamental do jornalismo é levar ao públi-
ao apresentar lógicas institucionais ao público como [ se co a informação de que este necessita para se autogover-
fossem] leis da natureza”, diz Carlson. Jornalistas, por sua
nar, e se parte dessa informação é o conhecimento que
vez, costumam frisar a função de cobrança de prestação advém do monitoramento vigoroso e não raro hostil de
de contas (“accountability”) incorporada a essa vigilância uma série de instituições sociais, por que alguém revesti-
institucional; “de olho constante em burocracias”, como do de algum poder falaria com um jornalista? Por que os
alertou o repórter David Burnham em artigo de 1998 para alvos desse olhar vigilante não se comunicariam simples-
a Nieman Reports. mente uns com os outros, e com o público diretamente,
Mas por que instituições jornalísticas seriam particu- evitando qualquer contato com profissionais da impren-
larmente qualificadas para cobrir grandes burocracias sa? Em parte, por interesse próprio: autoridades públicas
e organizações governamentais e empresariais? David e outros indivíduos com algum poder sabem quefalar com
Simon explica: a imprensa é sempre uma oportunidade, por mais limi-
tada que seja, de “dar sua versão dos fatos”, ainda que o
É suficientemente difícil exigir que órgãos [do Estado] tiro saia pela culatra. Mas detentores do poder também
e lideranças políticas prestem contas de seus atos falam com a imprensa por temer as consequências de se
numa cultura que já não tem paciência nem dispo- manter calados.
sição para lidar com a dinâmica de instituições. No Instituições jornalísticas, pelo menos em sua versão
momento, temos dificuldade, como sociedade, até do século 20, tinham um punhado de características que
para reconhecer nossos problemas, que dirá para aumentavam seu poder na comparação com outras estru-
solucioná-los. Na falta de uma imprensa profissional turas de governança pública. A primeira era a tese de que
devidamente financiada – imprensa que cubra buro- sua autoridade era diretamente proporcional a seu públi-
cracias civis com constância e tenacidade –, nossas co de massa – a tese da influência. Um grande público,
chances no futuro serão menores ainda. nesse caso, era garantia de poder, já que se supunha que
leitores e a “opinião pública” eram moldados pelo jorna-
Organizações que estão surgindo na era digital, alega lismo em grande escala. É irônico que a raiz dessa equi-
Simon, não estão preparadas para cumprir essa função: valência entre audiência e poder não esteja na ascensão
da “penny press”, mas na era da chamada “party press”
A blogosfera, por sua vez, não chega a ser um fator (a imprensa partidária que a precedeu), quando era mais
nesse tipo de cobertura. A maioria daqueles que direta a correlação entre a circulação de um veículo e a
dizem que o jornalismo das novas mídias está cres- força de um partido numa determinada área. Isso posto,
cendo (explodindo até), em um surto democráti- a era da comunicação de “massa” trazia a ideia de que
co de cobertura igualitária, de todo ângulo possível, as massas respondiam à conduta do jornalismo e por ela
simplesmente nem menciona a cobertura jornalís- eram influenciadas.
tica setorista que inclui juízo qualitativo e análise. Hoje, a ideia da influência, ao menos como corolário do
Há mais informação em estado bruto, é verdade. E porte da audiência, passa por mudanças. Embora ninguém
mais opinião. E há, sim, mais sites novos com con- negue que instituições jornalísticas atuais sigam sendo
teúdo de pouca consequência (...) [mas] o que está excepcionalmente fortes em sua capacidade de mobilizar
claro, e a capacidade de fazer empresas e políticos anda- disponíveis em outros pontos do ecossistema. Em
rem na linha reforça a sensação de que a imprensa está outras palavras, é preciso tornar parcerias jorna-
aí, vigiando. A verdadeira questão para a indústria jorna- lísticas um ingrediente mais comum do repertório
lística, no entanto, é como convencer o público de que a institucional.
atividade segue sendo importante. A nosso ver, há uma imensa diferença entre insti-
tuições que encaram parcerias como parte genuína
Margem de seu DNA e aquelas que não o fazem. A fé genuína
em parcerias não depende, em última instância, do
Instituições jornalísticas, ou pelo menos organizações benefício que a parceria terá para a instituição, mas
que costumávamos encarar comoinstituições jornalísticas, sim da capacidade dessa parceria de agregar valor
fazem mais do que cobrir um único tema. Fazem mais do ao ecossistema como um todo.
que promover a cobertura setorista, e fazem mais do que
orquestrar investigações especiais de longo prazo, com Para concluir, instituições jornalísticas agregaram valor
pesado uso de recursos. Fazem essas três coisas. E foram público às esferas política e jornalística ao alavancar o
capazes desse feito devido à capacidade de rapidamen- trabalho de muitas pessoas, acumular capital simbóli-
te lançar mão de uma margem de capacidade. Essa mar- co, estabelecer padrões estáveis de atuação capazes de
gem institucional significa que, ao longo do tempo, orga- garantir continuidade ao longo do tempo, ser capazes de
nizações jornalísticas foram capazes de se adaptar, a um se concentrar em muitas coisas ao mesmo tempo e, de
piscar de olhos, a acontecimentos mundiais incertos, que modo geral, exercer a função de espantalho da impren-
evoluíam rapidamente. Paradoxalmente, o conservado- sa tanto quanto a de cão de guarda. Muitas dessas insti-
rismo operacional deu a essas organizações a capacida- tuições estão sob considerável risco devido a mudanças
de de mostrar bastante agilidade na cobertura de fatos, econômicas, sociais, políticas e culturais no ecossistema
justamente o que todos aqueles processos conservadores maior de mídia. E é nesse momento de crise que defici-
foram feitos para facilitar. ências dessas instituições – deficiências que, paradoxal-
Muitas das novas instituições jornalísticas – organi- mente, nascem das mesmíssimas vantagens que foram
zações especializadíssimas vivendo permanentemente de tanta utilidade em momentos de estabilidade – mos-
com o mínimo – não têm essa margem de capacidade. O tram suas garras.
site Technically Philly, por exemplo, tem uma só missão:
cobrir novidades no setor de alta tecnologia da Filadélfia.
Texas Tribune, Voice of San Diego e Smoking Gun também O dilema da mudança institucional
vão por aí; o traço comum da maioria dos novos projetos
jornalísticos é não tentar ser tudo para todos. Andrew Uma queixa recorrente entre jornalistas entrevistados
Donohue, editor do Voice of San Diego , dá a seguinte por nós – profissionais de publicações e setores bem dis-
explicação: “[Mais] do que em setores, o pessoal aqui se tintos da imprensa – é a dificuldade de alterar os rumos
especializa em narrativas específicas dentro de uma área. de organizações tradicionais de mídia às quais perten-
Não vamos cobrir algo a menos que nossa cobertura vá cem para, com isso, fazer frente aos desafios da era digi-
ser melhor do que a dos outros, ou se ninguém mais esti- tal. Zach Seward, ex-editor de interação e mídias sociais
ver cobrindo o assunto”. do Wall Street Journal e hoje editor sênior do site de eco-
Não há mal nenhum nessa especialização, é claro. nomia e negócios Quartz, da Atlantic Media, opinou que
Tampouco achamos que a descomunal duplicação de o próprio êxito dos jornais em sua atividade tradicional
esforço que hoje existe na indústria jornalística (despa- dificulta qualquer mudança:
char centenas de repórteres para cobrir o Super Bowl,
por exemplo) seja saudável ou sustentável. Queremos A ideia de alterar o curso, para uma organização que
simplesmente frisar que eliminar essa margem do arse- ainda é obrigada a colocar um produto impresso em
nal de instituições jornalísticas é algo inédito, cujas impli- circulação diariamente, ou é muito boa e eficiente em
cações ainda não estão totalmente claras. um certo processo, faz parecer que o melhor que uma
organização nessa situação tem a fazer é promover
Recomendação: formar parcerias pequenos ajustes, caso esteja atada a um processo de
produção que já existe. Já é um verdadeiro milagre
O declínio da capacidade institucional não significa que publicações de periodicidade diária sejam capa-
que organizações jornalísticas tenham de sacrificar zes de produzir o que produzem, de modo que 100%
a profundidade de seu conteúdo, já que há recursos do esforço vai para processos atuais.
trabalho na redação. Além disso, como no processo do efeito da “roda de hamster”. A nosso ver, a culpa é
Voice of San Diego relatado por Donohue, um CMS nor- da própria organização jornalística que segue pas-
malmente é atualizado aos poucos; quando produtos com sivamente aferrada a velhos processos mesmo com
um ritmo diário centrado no impresso são adaptados para a mudança das condições tecnológicas. Em outras
a internet, tudo o que tem a ver com a plataforma digital palavras, é preciso lidar com exigências tecnológi-
parece – e em geral é – mero apêndice do projeto srcinal. cas da internet para que essa “roda de hamster” seja
Para termos uma ideia do grau de inadequação de mui- evitada. A lista de soluções para administrar o digi-
tos processos de produção atuais, vale a pena ir conferir tal pode incluir o uso inteligente de links (em vez de
um CMS que
panham. Um já nasceu recente
exemplo digital eéosoprocessos
da Vox. A que o acom-
editora, que acrescentar informaçõesbotar
matérias já publicadas), sem alguém
parar e na
deequipe
reescrever
edi-
tem vários sites de nicho (incluindo SB Nation e Verge), torial para atrair tráfego (“traffic whoring”), como faz
projetou seu próprio CMS do zero. “Armamos nosso pla- a Gawker, e muitas outras mudanças em processos.
no de desenvolvimento com base nas ferramentas que as
equipes editorial e de publicidade dizem que precisam”, Recomendação: poder passar por cima do CMS
contou Trei Brundrett, diretor de produtos e tecnologia
da Vox, em uma entrevista. Embora pareça um jeito óbvio Sistemas de gestão de conteúdo volta e meia incor-
de trabalhar, isso requer habilidades raras e essenciais: poram processos já cristalizados na redação. Nesse
uma equipe editorial capaz de definir corretamente suas caso, a capacidade de subverter um sistema desses
necessidades; uma administração que incentive a cola- pode ser uma forte arma contra a tirania rotineira de
boração editorial e técnica; equipes editoriais e técnicas processos contraproducentes. Jornalistas devem se
capazes de se comunicar; e um pessoal técnico suficien- preparar, individualmente ou em grupo, para poder
temente qualificado para criar um sistema simples e está- passar por cima de toda etapa de seu CMS. Com sorte
vel o suficiente para ser utilizável. Com isso, não estamos e persistência, essas soluções alternativas podem lan-
sugerindo que toda organização jornalística deva criar çar as bases para umprocesso mais racional no futuro.
um CMS só seu – ainda que fosse possível, seria perda de Aqui, há uma analogia com a criação de sistemas
tempo e dinheiro. Queremos apenas mostrar que ferra- de informação médica. À medida que prontuários
mentas feitas para o meio impresso não combinam com médicos vão sendo digitalizados, há, como sempre,
a nova realidade da produção de notícias. um conflito entre segurança e acesso. Um sistema
Unidades do jornalismo em geral estão ligadas à lógi- suficientemente seguro para impedir todo uso inde-
ca da atualização diária – lógica que nem sempre vale vido dessa informação acabaria prevenindo também
em condições de digitalização. À medida que a noção de certos usos justificados, porém imprevistos. Já um
tempo e atualidade do usuário vai mudando, a organiza- sistema que permitisse todo uso possível seria inca-
ção precisa repensar totalmente o modo como o conteú- paz de garantir a segurança das informações.
do é organizado e disposto no fluxo de trabalho da reda- A solução, em geral, é um recurso do tipo “que-
ção. A linha de montagem da redação é quase totalmente bre o vidro” (algo análogo a romper uma proteção de
anacrônica como método de produção de conteúdo para vidro para acionar um alarme). Um médico que soli-
consumo digital, e deve ser repensada. cita arquivos que por algum motivo o sistema se recu-
sa a liberar pode passar por cima do mecanismo de
Recomendação: administrar segurança. Como? Afirmando, basicamente, que sua
requisitos tecnológicos da internet necessidade vem antes do modelo de segurança do
sistema. Isso feito, o acesso à informação é liberado.
Quando o fluxo de trabalho em condições de digi- Isso exige, contudo, que o médico seja identifica-
talização não é repensado, a organização jornalís- do pelo sistema, que dê uma justificativa para estar
tica pode acabar sofrendo todos os inconvenientes contornando o sistema e que esteja ciente de que
de processos digitais sem obter nenhum dos bene- sua decisão será auditada no prazo de 24 horas. Se
fícios. É o pior dos cenários – algo que certas vozes suas razões não forem justificadas, será disciplinado.
no meio chamam de “roda de hamster”: jornalistas O que estamos recomendando é um mecanismo
com o tempo cada vez mais contado e menos auto- equivalente a esse “quebre o vidro” para que o jorna-
nomia profissional. lista possa ignorar premissas que um CMS faz sobre
Essa “roda de hamster” é fato, mas muitos se equi- processos e controle. Se quiser ignorar uma deter-
vocam ao apontar sua causa. Não somos determi- minada etapa, por razões que pareçam justificadas e
nistas tecnológicos, não culpamos a “internet” pelo urgentes, o profissional deveria ser capaz de fazê-lo
e estratégias de cobertura jornalística tirar da observa- Ao analisarmos a trajetória do Talking Points Memoao
ção desse processo de institucionalização. longo do tempo, vemos o surgimento de um site não-insti-
No jornalismo do século 21, há dois dilemas centrais de tucional em 2000, seguido de um nível cada vez mais com-
institucionalização. O primeiro, óbvio e discutido a torto e plexo de estruturação organizacional, de crescimento da
a direito desde a década de 1990, é a necessidade de adap- equipe e de acúmulo de capital simbólico (o site ganhou
tação de organizações jornalísticas tradicionais à internet um Polk Award em 2008 pela cobertura da exoneração
(e a dificuldade que estão sentindo para tal). Já o segun- de procuradores nos Estados Unidos por questões políti-
do é menos discutido: novas formas de produção de notí- cas). Embora hoje seja um projeto “velho” pelos parâme-
cias (posts no Twitter editados por Andy Carvin, o jor- troscom
digitais, o TPM é um casode
útilorganizações
exatamentedigitais
por isso.naÉ
nalismo de banco de dados do MapLight, a estabilização só o exame da evolução
de veículos digitais sem fins lucrativos como Voice of San internet que iremos entender que a história do jornalis-
Diego ou Texas Tribune) precisam ser institucionalizadas, mo na era digital não é só de morte e nascimento. É tam-
pois sem as virtudes de instituições (ainda que concebi- bém de estabilização institucional.
das para a produção digital) nenhuma iniciativa dessas Igualmente importante é entender que a história do
vai conseguir sobreviver ou se tornar persistente ou for- Talking Points Memo representa a estabilização de um
te o bastante para disciplinar outros atores institucionais. híbrido de velhas e novas práticas jornalísticas, e não sim-
Um caso emblemático de organização jornalística nova plesmente a adoção de métodos tradicionais de cobertura
e pouco estruturada que atingiu certo grau de estabilida- jornalística para a era digital. O TPM foi um pioneiro no
de institucional é o do Talking Points Memo(TPM). Não que hoje é chamado de jornalismo interativo, algo que o
damos esse exemplo porque o TPM não tenha enfrenta- site define como o “uso de sugestões, informações e textos
do sua cota de dramas e desafios institucionais, mas jus- explicativos de leitores ao lado de conteúdo de produção
tamente porque passou por tudo isso. Para entender de própria para armar reportagens de fôlego”. Embora haja
que maneira o ecossistema jornalístico está mudando é menos informação sobre como o TPM incorpora tais prá-
crucial entender a dinâmica entre desafio organizacio- ticas na versão 2012 de sua estrutura organizacional, há
nal e evolução institucional. Lançado em 2000 por Josh pouca dúvida de que a solidificação da capacidade insti-
Marshall, um jornalista que na época fazia um doutora- tucional do site representa a popularização de um certo
do, o site era basicamente indistinguível do sem-fim de conjunto de práticas organizacionais.
blogs políticos individuais lançados nos primórdios da Um exemplo mais recente espocou em meados de
revolução dos blogs. 2012, quando o site Homicide Watch D.C. quase foi fecha-
Em 2002, o site tinha a arquitetura do gênero naquela do. Conforme relatado na primeira seção do dossiê, o
fase inicial, com uma foto de Marshall para dar um toque Homicide Watch é uma fusão da cobertura tradicional de
“pessoal” e uma organização em duas colunas (links numa polícia com uma infraestrutura tecnológica nova. O site
coluninha estreita à esquerda e o conteúdo principal no tem um orçamento minúsculo; seus fundadores, Laura e
meio da página). Quatro anos depois, em 2006, o visual Chris Amico, licenciam a plataforma para outras organi-
do site sugeria o despontar de uma organização bem dis- zações jornalísticas. É um exemplo ideal de reformula-
tinta. A foto de Marshall seguia ali, mas o leitor era rece- ção de processos para geração de alto valor a baixo custo.
bido por uma página muito mais estruturada. Isso posto, depois de dois anos no ar o Homicide Watch
O mais importante é que, em 2006, o TPM já emprega- corria o risco de ser fechado – por dois motivos. O pri-
va jornalistas – processo que teve início em 2005, quando meiro era que poucas organizações de mídia se interes-
Marshall solicitou contribuições de leitores para contra- savam em operar a plataforma sob licença. O Homicide
tar dois profissionais fixos; levantou US$ 100 mil direta- Watch é tão diferente do modelo tradicional da editoria
mente do público. Além disso, a coluna à direita fazia o de polícia – que decide que crime vai ou não cobrir – que
link com o TPMMuckraker, um projeto paralelo cuja meta nenhuma organização estabelecida poderia usar a plata-
é produzir mais conteúdo próprio e combativo. forma sem o efeito colateral de ter de alterar premissas
Em 2007, a transição na arquitetura do TPM fora con- e processos internos. A incompatibilidade de processos
cluída. Agora, a página parecia um típico produto jorna- tornou o licenciamento da plataforma muito mais difícil
lístico, com boxes, links e fontes de corpos distintos para do que o casal Amico imaginara.
diferenciar cada área do projeto e apor o selo editorial Apesar dessa dificuldade, e da verba curta, a dupla man-
a notícias importantes. A redação seguiu crescendo: em teve o site no ar. Foi quando surgiu o segundo problema.
2010, eram 16 funcionários; em 2012, 28. O site também Laura Amico, que cuidava da reportagem, recebeu uma
recebeu um aporte financeiro considerável em 2009 do bolsa Nieman para estudar em Harvard. Caso perdesse a
fundo capital de risco Andreessen Horowitz. fundadora, ainda que por um tempo, o Homicide Watch
nas organizações
dígio comomuito
na arte de fazer a com pouco, mas vivem sob
Homicide Watch são um pro- (incluindo dotações de governos e fundações) devem
ser usados basicamente para ajudar na institucio-
eterna ameaça. Para sobreviver e difundir seu modelo, nalização de organizações. Paradoxalmente, é jus-
terão de conseguir fontes mais seguras de receita, uma tamente o que essas fundações e o poder público
equipe maior e mais variada e processos mais comple- parecem menos inclinados a fazer, pois seu foco é
xos para gestão desse pessoal. Precisam, em outras pala- mostrar impacto. Dada a importância e a fragilida-
vras, virar uma instituição. de de novos atores, fundações devem repensar essa
estratégia de financiamento.
Recomendação: criar “guias”
para novos projetos Em última instância, como saber se instituições jorna-
lísticas – velhas, novas ou no meio do caminho – estão
Criar uma organização jornalística nova não é tão fazendo o que deveriam fazer? Como medir oêxito de uma
difícil quanto estabilizar um empreendimento des- organização dessas? Quando o sucesso é definido basi-
ses no médio e longo prazos. Cientes disso, inicia- camente como “sucesso comercial”, a resposta é simples
tivas de sucesso (como Talking Points Memo, Texas – embora, por esse critério, a indústria jornalística nor-
Tribune, West Seattle Blog, Baristanet) deviam criar te-americana venha em queda livre há pelo menos meia
“guias” de caráter público para orientar novas orga- década. Quando o sucesso passa a ser definido em ter-
nizações jornalísticas. mos do impacto exercido no mundo, e não só do lucro, o
É preciso levar em conta que o fundador de uma cálculo muda. Hoje, há muito mais maneiras de definir
organização que atinge certo sucesso pode ter pou- esse impacto do que antigamente, embora a complexi-
co tempo ou interesse em destinar recursos para dade da questão também tenha aumentado. Para saber
explicar como chegou lá. Sua função, afinal, é pro- se instituições estão funcionando, precisamos entender
duzir jornalismo. Daí sugerirmos que essas organi- seu propósito e medir o impacto que estão tendo sobre
zações, e similares, recebam dinheiro de fundações as instituições que monitoram.
para poder promover essa “metarreflexão”. Não faz muito tempo que a questão do “impacto”
virou um tema de discussão em organizações jornalís-
Entender como novas organizações jornalísticas adqui- ticas e nos círculos que debatem o “futuro do jornalis-
rem estabilidade e como, no processo, fazem uma série de mo”. O ProPublica há muito lidera a reflexão sobre o real
práticas institucionais parecerem mais do que lógicas, é o impacto do jornalismo. Na seção “About Us”, o site decla-
elo perdido em nosso esforço para entender o novo ecos- ra que, “na melhor tradição do jornalismo norte-ameri-
sistema jornalístico. É, também, uma área nebulosa em cano de serviço público, buscamos promover mudanças
termos de financiamento. O grosso de dotações de fun- positivas. Expomos práticas ímprobas a fim de incenti-
dações é dirigido a projetos que tenham “impacto” tangí- var a reforma”. O ProPublica acrescenta que age “sem
vel, o que torna essas entidades menos inclinadas a ajudar nenhuma filiação a partidos ou ideologias, aderindo aos
organizações na missão maçante e invisível da estabili- mais rigorosos padrões de imparcialidade jornalística”.
zação institucional (coisas como montar uma folha de Para encerrar, observa que “todo material publicado [ no
pagamentos, alugar espaço comercial e contratar plano site] é distribuído de modo a maximizar seu impacto”.
de saúde para o pessoal, bem como orientar gente nova A princípio, é uma missão sem controvérsia. Por incrí-
e fortalecer normas institucionais). Agora que grandes vel que pareça, no entanto, não é encampada publicamen-
fundações norte-americanas – como a Ford Foundation te por organizações de mídia mais tradicionais, embora
– estão investindo cada vez mais em meios de comunica- o desejo de exercer “impacto” esteja na base do ideá-
ção tradicionais, como o Washington Post e Los Angeles rio jornalístico de modo geral. Instituições jornalísticas
Times, o investimento em veículos menores, que já não volta e meia sustentam que sua função é simplesmente
são novidade mas tampouco pertencem à velha guarda, “apresentar os fatos” e que questões ligadas ao efeito que
ESPECIAL | REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 65
ESPECIAL | INSTITUIÇÕES
ditos fatos terão não são de sua alçada. Instituições jor- instituições jornalísticas e achar saídas para repor o capi-
nalísticas em geral veem o consumidor de notícias como tal institucional hoje arrastado pelo tsunami digital des-
um receptáculo vazio de informação pública que, quan- te início do século 21.
do preenchido com o conhecimento adequado, passará
a exibir condutas democráticas. Recomendação: determinar e avaliar impacto
O impacto do jornalismo, em outras palavras, não vem
de quem produz a notícia, mas de quem consome a notí- Torne a avaliação do impacto, incluindo distribui-
cia – do próprio cidadão de democracias. ção de tarefas e promoções, parte da cultura orga-
colaborar com organizações jornalísticas locais para publi- ter o direito especial de apurar informações. Logo,
car os dados de forma jornalisticamente relevante e inte- sob o modelo do quarto poder, uma imprensa livre
ressante. Não se trata nem de uma parceria permanente, era, basicamente, sinônimo de uma imprensa forte
nem de uma colaboração em torno de um fato único. O que dotada do privilégio especial de apurar informações.
o site está fazendo é usar um institucionalismo em rede,
inteligente e dirigido, para preencher uma lacuna aberta Sob a teoria do quarto poder, ainda segundo Carey, a
com o trabalho de reportagem local de prestação de con- imprensa começou, cada vez mais, a se enxergar como
tas. Como seria de supor, essa nova colaboração é funda- representante do público na arena política. Para que esa
da na
no casochegada de novas
em questão formas
grandes de evidência
volumes jornalística, não
de dados. noção
só de representação
tinha vingasse,
de ver a imprensa comonosua
entanto, o público
legítima repre-
sentante política, mas também acreditar que essa impren-
sa representativa era capaz de entender e retratar cor-
Novas formas de prova retamente a realidade empírica básica do mundo. Se
sondagens da confiança no jornalismo servirem de algum
Na primeira parte do dossiê, falamos de novas habilida- indicador, é justo dizer que nenhuma dessas condições
des que serão exigidas do jornalista pós-industrial. Sob se sustenta em 2012.
vários aspectos, é possível resumir essas habilidades como O que Carey não considerou – oque quase ninguém con-
a capacidade de reconhecer, ou melhor, avaliar e apresentar siderou menos de uma década atrás, quando a margem de
novas formas de prova jornalística. Qual o elo entre con- lucro de jornais ainda era de 20% a 30% –foi que a impren-
versas em mídias sociais, grandes constelações de dados sa poderia se tornar incapaz de cumprir sua parte do acor-
e a geração de informação em primeira pessoa, na cena do na cobertura dos fatos. Desde a década de 1960, o gros-
dos fatos? É, basicamente, o fato de darem ao jornalista so da crítica à mídia se resumiu à tese de que a imprensa
do século 21 um sem-fim de novas fontes a serem incor- era capaz de uma cobertura jornalística muito mais forte,
poradas ao processo de produção jornalística. aprofundada e agressiva do que se dispunha a empreen-
Como dissemos lá atrás, essas mudanças no ecossis- der. Como sustentam Downie e Schudson em sua análise
tema geral da mídia vão impor ao jornalista novos desa- do accountability journalisme como reitera o relatório de
fios e a necessidade de dominar novas habilidades. Todo 2011 da FCC sobre ecossistemas de informação da socie-
indivíduo que trabalha no setor de comunicações preci- dade, o problema com a imprensa hoje é tanto de incapa-
sa, portanto, encarar com seriedade essa necessidade. Já cidade quanto de deliberada negligência. Também ana-
instituições que abrigam esses jornalistas devem montar lisamos o elo entre capacidade institucional, o problema
uma organização e um fluxo de trabalho na redação que do tempo e a cobertura setorista ao discutirmos os argu-
deem respaldo ao jornalista nessa empreitada. mentos de David Simon: em suma, muito do valor agrega-
Em outras palavras, não podemos seguir exigindo que do pelo jornalismo está na operação de rotinas diárias, o
um repórter domine novas habilidades e procedimentos sistema de vigilância setorista funciona melhor com ins-
de avaliação sem, simultaneamente, garantir a esse pro- tituições saudáveis e o declínio institucional está levando
fissional um fluxo de trabalho e uma estrutura organiza- à corrosão desse recurso jornalístico singular.
cional que indiquem que tal traquejo é valorizado e pre- Aqui, uma breve discussão sobre a lógica econômica da
miado. Esse fluxo de trabalho precisa ser flexível, e em atividade jornalística se faz inevitável, pois é nesse ponto
rede, para facilitar e melhorar o trabalho. que o consenso em torno do futuro do jornalismo desa-
parece. Segundo pelo menos dois campos distintos neste
debate, mecanismos de mercado melhores vão restituir
Conclusão: jornalismo, instituições e democracia a saúde institucional – embora a definição de “mercados
melhores” de um lado e outro seja diretamente oposta.
Num ensaio em 1995, o teórico da comunicação James Uma terceira corrente duvida que seja possível achar uma
Carey discorre com eloquência sobre a visão da impren- solução de mercado para o problema do declínio institu-
sa como um “quarto poder” – uma visão da relação entre cional do meio jornalístico.
mídia e democracia que só ganhou contornos definidos A primeira corrente de pensamento, representada por
na década de 1960, a era de Watergate: teóricos do futuro da mídia como Jeff Jarvis, acha que o
ecossistema jornalístico digital constitui, em si, um mer-
Por essa ótica, jornalistas seriam agentes do público cado mais transparente e fiel do que o mercado mono-
no monitoramento de um governo inerentemente abu- polístico do regime anterior. A tese, aqui, é que a ver-
sivo. Para poder exercer tal papel, a imprensa deveria ba para um jornalismo de interesse público virá de uma
Ecossistema
A ÚNICA RAZÃO PARA FALARMOS DE ALGO TÃO ABSTRATO quanto um ecossistema jornalísticoé como
meio de entender o que mudou. A mais recente e importante transformação foi, obviamente, a disse-
minação da internet, que conecta computadores e telefones a uma rede global, social, onipresente e
barata. Em se tratando de novos recursos, a capacidade de qualquer cidadão conectado de produzir,
copiar, modificar, compartilhar e discutir conteúdo digital é um assombro, e derruba muitas das velhas
verdades sobre a imprensa e a mídia em geral.
A atividade jornalística no século 20 foi um processo bas- profissionais e amadores se entrecruzam de modo mais dra-
tante linear. Nele, repórteres e editores colhiamosfate obser- mático, e mais imprevisível, a cada dia.
vações e transformavam tudo em notícia, que era então regis- O principal efeito da mídia digital é que não há nenhum
trada em papel ou transmitida por ondas de rádio para serefeito principal. As mudanças trazidas pela internet e pelo
consumida pelo público situado na outra ponta desses dis-celular, e por aplicativos erguidos sobre cada plataforma
tintos meios de transporte. dessas, são diversas e disseminadas o bastante para frustrar
A figura do “pipeline” é a metáfora mais simples para repre-qualquer tentativa de pensar a atual transição como uma for-
sentar esse processo, seja a distribuição de notícias organiza-ça ou um fator únicos. Para entender a situação como uma
da em torno de rotativas ou de torres de transmissão. Partemudança no ecossistema, é útil ter uma noção de onde as
da simplicidade conceitual de meios de comunicação tradi-mudanças estão aparecendo, e de como interagem.
cionais vinha da clareza garantida pela divisão quase total Eis um punhado de surpresas em nosso pedacinho do
de papéis entre profissionais e amadores. Repórteres e edi-mundo nesse século 21:
tores (ou produtores e engenheiros) trabalhavamupstre- “
am”: ou seja, como fonte da notícia. Criavam e burilavam o • Em 2002, quando o senador americano Trent Lott
produto, decidiam quando estava pronto para consumo e, louvou a campanha de segregação racial de Strom
nessa hora, o difundiam. Thurmond em 1948, um dos indivíduos que selaram
Já a audiência ficava “downstream”. Éramos recepto- a queda do líder da minoria republicana no Senado
res do produto, que víamos apenas em seu formato final, foi Ed Sebesta, historiador que vinha reunindo decla-
processado. Podíamos consumi-lo, é claro (aliás, era nossa rações racistas feitas por políticos americanos a gru-
grande função). Podíamos discuti-lo à mesa do jantar ou pos segregacionistas. Pouco depois de Lott ter dito
em meio ao cafezinho – mas não muito mais. A notíciaera que o comentário fora um raro deslize, Sebesta procu-
algo que recebíamos, não algo que usávamos. Se quisésse- rou Josh Marshall, que mantinha o blog Talking Points
mos tornar pública nossa própria opinião, precisávamos Memo (TPM), para mostrar uma lista de comentários
pedir permissão a profissionais, que tinham de ser con- similares (e igualmente racistas) que Lott fizera desde
vencidos a imprimi-la na seção de cartas ao editor ou a nos a década de 1980.
ceder um breve espaço no ar em algum programa aberto à Essa evidência impediu que Lott caracterizasse a
participação do público. declaração como mero deslize e fez com que perdes-
Esse modelo do conduto ainda é central para a imagem se a liderança da bancada republicana. Sebesta monta-
que muitas instituições no meio jornalístico fazem de si, ra o arquivo de declarações racistas por conta própria,
mas o vão entre tal modelo e a realidade atual é grande. E sem nenhum apoio institucional; no mundo dos blogs,
só faz crescer, pois os universos previamente isolados de Marshall era um amador (a empreitada ainda não virara
• Em 2005, o sistema de transportes londrino foi alvo de Três fatores – maior acesso ao cidadão comum, como no
um atentado a bomba.Ian Blair, chefe da polícia metro- caso de Ed Sebesta; “multidões”, como no caso de inter-
politana de Londres, declarou a emissoras de rádio e nautas em Londres; e máquinas, como no caso do Dollars
TV que o problema era uma pane elétrica no metrô. for Docs – estão viabilizando esquemas de trabalho que,
Minutos depois de veiculadas as declarações de Blair, dez anos atrás, seriam tanto impensáveis como inviáveis.
cidadãos começaram a postar e a analisar imagens dos O projeto “Off the Bus” doHuffington Post, que em 2008,
destroços de um ônibus de dois andares na Tavistock durante a campanha presidencial americana, cobriu todas
Square. Em menos de duas horas, centenas de posts as convenções de eleitores (“caucuses”) no Estado do Iowa
em blogs analisavam essa evidência. Cada post desses com a ajuda de jornalistas cidadãos, terialevado a organi-
chegou a milhares e milhares de leitores e contradizia zação à bancarrota se tocado com correspondentes pró-
abertamente as declarações de Ian Blair. prios. Para monitorar despesas de membros do parlamen-
Diante disso (e ignorando o conselho de sua pró- to do Reino Unido, o jornal britânicoThe Guardianoptou
pria equipe de comunicação), Blair voltou novamen- pelo crowdsourcing – pois, se entregue à redação, a tare-
te ao ar em menos de duas horas para declarar que o fa não só teria custado muito como levado tempo demais.
episódio fora de fato um atentado, que a polícia ain- O jornalismo sempre teve meios para receber denúncias
da não tinha mais informações e que voltaria a se pro- e sempre foi ouvir o cidadão nas ruas. Membros do públi-
nunciar à medida que surgissem mais dados. Quando co sempre recortaram e passaram adiante matérias de seu
se dirigiu ao público, Blair tinha a seu favor o poder de interesse. A novidade aqui não é a possibilidade de partici-
todo meio de comunicação tradicional. Ficou patente, pação ocasional do cidadão. É, antes, a velocidade, a esca-
no entanto, que transmitir uma mensagem única por la e a força dessa participação – a possibilidade de partici-
todo canal de radiodifusão existente já não significava pação reiterada, e em vasta escala, de gente anteriormente
ter o controle da situação. relegada a um consumo basicamente invisível. A novidade
é que tornar pública sua opinião já não requer a existência
• Em 2010, em uma série de reportagens sob o título de um veículo de comunicação ou de editores profissionai s.
Dollars for Docs, o site americanoProPublica expôs o Enquanto um mecanismo de denúncias só funcionava em
fluxo de fundos que escoa da indústria farmacêutica áreas bem circunscritas, o site NY Velocity chegou ao outro
para médicos que receitam seus fármacos. Embora essa lado do mundo para conseguir uma entrevista crucial no
realidade tivesse sido coberta previamente de forma caso dedoping do ciclista Lance Armstrong. Entrevistas de
fragmentada, a investigação do
ProPublica trazia várias rua são aleatórias, pois o profissional controla o modo e o
novidades, incluindo um banco de dados montado a par- ritmo das declarações do cidadão. Já com o Flickr e weblo-
tir de informações que companhias farmacêuticas são gs, internautas britânicos puderam discutir os atentados em
obrigadas a divulgar – além da capacidade e da vonta- Londres em público, a seu bel-prazer, sem nenhum profis-
de jornalística de esmiuçar essa montanha de dados. sional à vista. ODollars for Docs pegou uma barafunda de
O Dollars for Docs não foi só uma notícia nova. Era informações e, com isso, montou um banco de dados que
um novo formato de apuração de fatos. Embora boa garantiu ao site um recurso permanente reutilizado por ele,
parte dos dados utilizados fosse de caráter público, por outras organizações e por milhões de usuários ao longo
essa informação não fora centralizada nem padroni- de mais de dois anos.
zada a ponto de se tornar útil; munido desse banco de Em outras palavras, a mudança de grau aqui é tão gran-
dados, oProPublica foi capaz de expor uma realidade de que acaba sendo uma mudança de gênero. É como disse
nacional e, ao mesmo tempo, dar ferramentas para que Steven Levy ao escrever sobre o iPod: quando melhora algo
outras organizações cobrissem o fenômeno no plano em 10%, a pessoa fez um aprimoramento; já quando faz algo
local; hoje, outras 125 publicações já lançaram repor- dez vezes melhor, está criando algo novo. Novas
ferramentas
tagens sobre o tema devido à série srcinal do site (por digitais podem acelerar padrões atuais de apuração, edição
não ter fins lucrativos, oProPublica pode atuar tanto e publicação de notícias de forma tão radical que isso tudo
no varejo como no atacado da notícia). Além disso, o passa a ser algo novo.
ESPECIAL | REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 71
ESPECIAL | ECOSSISTEMA
Vivemos hoje um choque de inclusão – choque no qual o também o modo como os demais atores afetam essas institui-
antigo público se envolve cada vez mais em todo aspe
cto da ções. A preferência do público por notícias sobre Hollywood a
notícia, como fonte capaz de expressarsua opinião publica- Washington, a presença da concorrência a um clicar do mou-
mente, sem nenhuma ajuda, como grupo capaz tanto de criar se, a atual interpretação da Primeira Emenda da Constituição
como de vasculhar dados de um jeito inviável para profis-norte-americana pela Suprema Corte do país, a proliferação
sionais, como divulgador, distribuidor e usuário de notícias.de câmeras de alta qualidade em celulares: tudo isso é parte
Esse choque de inclusão se dá de fora para dentro. Não está
do ecossistema jornalístico nessa alvorada do século 21, com
sendo promovido pelos profissionais até então no coman-efeitos do velho e do novo totalmente embaralhados.
do, mas pelo velhodapúblico.
empreendedores É fomentado,
comunicação, ainda,e por
por homens novoso tipo
mulheres O ecossistema
de históriatambém
que é ouafeta a capacidade
não coberta institucional:
é determinado por
interessados em criar sites e serviços que abracem, em vezvários fatores – pela audiência, pela vontade de anunciantes,
de ignorar, o tempo livre e o talento do público. por estruturas narrativas. Todo mundo sabe contar a história
A importância do jornalismo não vai acabar. A importân-de um atleta trapaceiro ou de uma empresa insolvente, mas
não vai acabar. O que não há estrutura narrativa óbvia para a tensão ent
cia de profissionais dedicados ao ofício re a união
está chegando ao fim é a linearidade do processo e a passi-monetária e fiscal na União Europeia, ainda que esta últi-
vidade do público. O que está chegando ao fim é um mun do ma seja de longe a mais importante. Na mesma linha, fato se
no qual a notícia era produzida só por profissionais e consu-suposições ligados a coisas como o acesso a dados, a valida-
mida só por amadores – amadores que, por conta própria,de de fontes, a natureza e os limites de parcerias aceitáveis,
eram basicamente incapazes de produzir notícias, distribuí-entre outros, afetam o que instituições creem que podem ou
-las ou interagir em massa com essa informação. não fazer, que devem ou não fazer.
Tão robusta e multifacetada é tal transformação que deví- No modelo jornalístico dopipeline, instituições estabe-
amos considerar o total abandono doermo
t “consumidor” e lecidas poderiam ser vistas como uma série de gargalos de
simplesmente tratar o consumo como uma de váriasondu-
c produção controlados e operados por empresas de comu-
tas que o cidadão hoje pode exibir. As mudanças que estãonicação que, com isso, tiravam receita tanto de anunciantes
por vir superarão as que já vimos, pois o envolvimento docomo do público. Esses gargalos eram subproduto do custo e
cidadão deixará de ser um caso especial e virará o núcleo de da dificuldade incrível de reproduzir e distribuir aforma-
in
nossa concepção de como o ecossistema jornalístico pode-ção, por rotativas ou torres de transmissão. Como observa-
ria e deveria funcionar. do na seção anterior, nesse ecossistema instituições tinham
alto grau de controle sobre a própria sorte.
Para imprimir e distribuir um jornal diário, era preciso
Ecossistemas e controle uma equipe grande e qualificada – e maior ainda para pro-
duzir e transmitir um telejornal. A concorrência era limita-
Falar de um “ecossistema jornalístico” é admitir que nenhu-da por esses custos e dificuldades, bem como pelo alcance
ma organização de imprensa, hoje ou no passado, foi senho-geográfico de caminhões de entrega e sinais de transmis-
ra absoluta do próprio destino. Relações em outras partessão. No pequeno número de organizações com meios para
do ecossistema definem o contexto de toda e qualquer orga-criar e distribuir notícias, estruturas profissionais comple-
nização; mudanças no ecossistema alteram esse contexto. tas foram erigidas.
Este ensaio começou com um foco no jornalistanos e dis- Essa institucionalização se deu primeiro em jornais e revis-
tintos métodos usados peloprofissional para apurar, proces- tas; a máquina impressora precedeu não só o rádio e o cine-
sar e interpretar informações e fatos de caráter vital para ama, mas também o motor a vapor e o telégrafo. A estrutura
vida pública. A maioria dos jornalistas exerce o ofício dentro profissional de repórteres, editores, publishers e, mais tar-
de instituições; várias coisas moldam uma instituição dessasde, ilustradores, diagramadores, checadores e todo o resto
– o porte e a composição da redação, a imagem que tem dedo aparato utilizado na produção de um jornaloram f ergui-
si mesma, fontes de receita. Essas instituições, por sua vez,dos em torno de – ou literalmente “sobre” as – gigantescas
determinam o trabalho do jornalista: que fatos o profissionalmáquinas que aplicavam a tinta ao papel. Departamentos
pode ou não cobrir, o que éconsiderado um trabalho bom ou de jornalismo de emissoras de rádio e TV seguiram o mes-
ruim, com quem pode colab mo padrão, inventando categorias e práticas profissionais
orar, que recursos tem a seu dispor.
As instituições em si estão em situação análoga, operando para subdividir e sistematizar tanto o trabalho como dis-
tintas categorias de profissionais envolvidos na produção
no âmbito da mídia que cobre notícias (e, às vezes, até na parte
que não cobre). Esse ecossistema jornalístico (doravante cha- de notícias para a radiodifusão.
mado apenas de “ecossistema”) inclui ainda outras instituiçõesFoi então que chegou a internet, cuja lógica básica – a
– concorrentes, colaboradores, fornecedores –, mas abarcareprodução digital, disponível universalmente, sem divisão
interna de uma instituição até o momento em que entra emhá, contudo, resposta certa para a pergunta: “Quem publica
colapso. Se para inovar à moda doStorm Tracker for preciso e quem é fonte?”. OWikiLeaksé uma fonte capaz de publi-
uma tecnologia cheia de entraves, o medo de que a redaçãocar no mundo todo. E é um meio que colabora com outros
seja varrida para o mar e uma chefia em férias, as perspecti-no repasse de informações em estado bruto.
vas de inovação ordenada em organizações tradicionais são A cobertura de eventos como #Occupy e Cablegate (bem
péssimas (um triste epílogo: durante o furacão Sandy o pré-como levantes na Tunísia, massacres na Síria, tsunamis na
dio doDaily News foi alagado e os usuários do CMS tiveram Indonésia, acidentes de trem na China e protestos no Chile)
o mesmo problema que durante o Irene; passado um ano da simplesmente não pode ser descrita ou explicada com a
primeira crise, ninguém tinha adaptado o sistema para per-velha linguagem do conduto. A melhor justificativa para pen-
mitir a ação de uma força de trabalho distribuída). sarmos no jornalismo como ecossistema é ajudar a rever o
Diante disso, a fabulação coletiva da velha imprensa no sen- papel que instituições podem exercer em dito ecossistema.
tido de restituir sotatu quo anteé, em si, nociva. Or
ganizações Imagine dividir cada novo ente do ecossistema em três
jornalísticas devem, obviamente, fazer o possível para elevar grandes categorias – indivíduos, massas e máquinas (ou seja,
sua renda, mas a receita garantida, o lucro alto e as normastanto novas fontes de dados como novas maneiras de pro-
culturais do setor no século 20 se foram, e ecossistema
o que cessá-los). Indivíduos adquiriram novos poderes porque,
produzia tais efeitos, também. Para o jornalista, e para institui-
hoje, todo mundo tem acesso a um botãozinho onde se lê
ções que o servem, a redução de custo, além de uma reestru- “publicar”; qualquer informação pode aparecer e salastrar,
turação para garantir mais impacto por hora ou dólar inves- levada nas asas de redes sociais hoje densas. As massas têm
tido, é a nova norma de organizações jornalísticas eficazespoder porque a mídia agora é social, criando um substrato
– padrão que hoje chamamosde jornalismo pós-industrial. não só para o consumo individual, mas também para a con-
versa em grupo. A norte-americana Kate Hanni soube usar
a seção de cartas de jornais para lutar pelos direitos de pas-
Ecossistema pós-industrial sageiros de companhias aéreas porque entendia, melhor do
que os próprios meios, que aquelerae um espaço de congre-
Como descrever o jornalismo pós-industrial? O ponto degação de leitores. E máquinas hoje ganharam po der porque
partida é uma premissa apresentada na segunda seção. Aa explosão de dados e métodos de análi se abre perspectivas
saber, que organizações jornalísticas já ão n possuem o con- inéditas nesse campo, como exemplificado pela análise léxi-
trole da notícia, como se supunha que possuíam, e que o grauca e de rede sociais na esteira da divulgação de telegramas
maior de defesa do interesse público por cidadãos, governos,do Departamento de Estado americano.
empresas e até redes com elos fracos é uma mudança per- Assim como não dá para confinar o WikiLeaksexclusiva-
manente, à qual organizações jornalísticas devem se adaptar. mente à categoria de fonte ou à de meio de difusão, um veí-
Um exemplo dessa mudança veio durante a retirada de culo de imprensa não tem como adotar uma postura infle-
manifestantes do movimento Occupy Wall Street de umaxível diante do novo poder do indivíduo, da disseminação
praça em Nova York em novembro de 2011.A notícia não foi de grupos absurdamente fáceisde formar ou do maior volu-
veiculada primeiro pela imprensa tradicional, mas pelos pró- me de dados brutos e do novo poder de ferramentas analí-
prios acampados, que avisaram sobre a ação da polícia porticas. Como a experiência imprevista do Daily News com a
SMS, Twittere Facebook. Participantes do protesto geraram cobertura de tragédias via blog demonstra, não são recursos
mais fotos e vídeos do episódio do que meios tradicionais,que podem ser agregados aovelho sistema para aprimorá-lo.
em parte porque a esmagadora maioria das câmeras estavaSão recursos que mudam qualquer instituição que os adote.
nas mãos de manifestantes e, em parte, porque a polícia bar- Imaginemos, agora, dividir a atividade básica de uma
rou helicópteros da imprensa do espaço aéreo sobre a praça.organização jornalística em três fases sobrepostas: apuração
Repórteres no local escondiam crachás de meios de comu-de informações sobre um fato, transformação desse mate-
nicação, pois o cidadão comum tinha mais acesso à cena dosrial em algo digno de ser publicado e posterior publicação.
fatos do que gente credenciada da imprensa. Essa divisão do processo jornalístico em apuração, produ-
Um outro caso: organizações jornalísticas que publica-ção e publicação é, naturalmente, simplista, mas sintetiza
ram documentos sigilosos obtidos via WikiLeaksem geral a lógica básica da produção na imprensa: buscar material
tratavam oWikiLeakscomo fonte, não veículo de informa- no mundo lá fora, colocar essa informação no formato que
ções. A lógica era que oWikiLeaks fornecia o material de a organização deseja (um artigo, uma série, um post) e, isso
base para seu trabalho. Isso faz sentido quando detento- feito, difundir ao mundo o material em seu novo formato.
res de informações importantes não podem difundi-las por Munidos dessas duas tríades, lançamos a pergunta: “Qual
conta própria e quando um meio de comunicação não divi-o impacto de indivíduos, massas e máquinas no trabalho de
de com outros o material obtido de uma certa fonte. Já nãoapuração, produção e difusão da informação?”
cruzam. A própria AP vem testando algo novo: deixar de dia veria um jornal do interior doKentucky). A ideia de que
repassar grandes notícias a assinantes na tentativa de obterdaria para cobrar pela reprodução de conteúdoosyndication
–
um tráfego mais direto. Na mesma linha, a briga daAP com – é um conceito relativamente nov o na história jornalística.
Shepard Fairey,o artista que criou umapopularíssima ima- O modelo de “syndication” (ou distribuição comerciali-
gem de Barack Obama inspirado em uma oto
f daAP, repousa zada) que existia sob o regime de produção de notícias do
na tese de que aAP tinha o direito de fotografar Obama sem século 20 não está, portanto, sob pressão devido à má-con-
sua permissão, mas que Fairey não podia usar aquela ima-duta de certos atores, mas porque a configuração básica do
gem para criar algo semelhante. No caso Fairey, não haviameio jornalístico mudou drasticamente. No modelo antigo,
realidade objetiva sobre a qual fundar o caso – tudo o quea reutilização de material era contratual (freelancers, agên-
havia era um conjunto de doutrinas jurídicas. cias de notícias) ouoculta. No novo modelo (velhos modelos,
A velha ética foi descrita por Terry Heaton num post inti- na verdade), há muitas formas de reaproveitamento; algu-
tulado “Por que não confiamos na imprensa?”: mas são contratuais, mas a maioria não o é. Embora a AP seja
um caso particularmente visível, toda instituição jornalísti-
Ninguém nunca cita outros no universo da cobertura jor- ca vai ter de se posicionar ou de se reposicionar em relação
nalística a menos que obrigado a tal por uma questão de a novas externalidades no ecossistema.
direito autoral. Antes da internet, até dava para enten- O espectro da troca de valorentre indivíduos e organiza-
der, pois até onde sabíamos nossos repórteres sabiam ções é enorme ealtamente graduado. Hoje , é imperativo que
tudo o que era preciso saber sobre um fato. A tese de que a instituição tenha a capacidade de estabelecer parcerias (for-
alguém, em outro lugar, tivesse essa informação primei- mais e informais) possibilitadas pelo novo ecossistema. Para
ro era tão irrelevante que nem valia a pena mencioná-la. darmos um exemplo recente, important e por si só e por aqui-
Para nossos leitores ou telespectadores, éramosfon- a lo que revela sobre essenovo mundo, traduzir material escri-
te de todo conhecimento. Além disso, tínhamos tempo to e falado hoje é muitíssimo mais fácil e barato do que já foi.
para levantar toda informação de que precisávamos. Era Ferramentas de tradução automática são muito melhores
o mundo do produto jornalístico“acabado”. hoje do que há coisa de cinco anos, como ilustrado pelo uso
Mas agora, com a informação em tempo real, qual- do tradutor do Google por falantes de língua inglesa para
quer um pode ver claramente o papel de cada fonte na ler tweets em árabe; pelocrowdsourcingda tradução para
informação. Sabemos quem a tinha primeiro. Sabemos verter volumes incríveis de material em pouquíssimo tem-
quando algo é exclusivo. Nossa propaganda de nós mes- po (como no caso do dotSUB e da tradução das TEDTalks);
mos perdeu totalmente o sentido. e pelo surgimento de instituições dedicadas a transpor abis-
mos linguísticos e culturais como Meedan ou ChinaSmack.
No novo ecossistema jornalístico, hoje é óbvio que a ideiaHoje, toda instituição no mundo está diante de duas opções
de todo mundo produzir do zero um artigo acabado sim-estratégicas: quando, e de que idiomas, começar a traduzir
plesmente não é o normal. Somos externalidades uns dosmaterial didático ou conteúdo já produzido para apresentar
outros. Em certa medida, sempre foi assim – jornais ajuda-a nosso público e quando, e para que idiomas, traduzir nos-
vam a definir a pauta de veículos de radiodifusão no século so próprio material para tentar chegar a um novo público.
20 –, embora em geral fosse algo oculto, como Heaton con- Imaginar a notícia com o um produto linguístico de impor-
ta. A explosão de fontes e a queda do custo de acesso tor-tação e exportação, investir na importação do árabe para o
naram mais saliente o aspecto interligado do jornalismo. Oinglês, possivelmente em todos os níveis da curva de cus-
site Slashdot era nitidamente fonte de ideias de pauta para to-qualidade, poderia ser utilíssimo para qualquer reda-
o caderno de tecnologia doNew York Times; outro, oBoing ção americana que queira cobrir assuntos geopolíticos. Já o
Boing, gera tráfego para sites desconhecidos, porém inte- investimento na exportação do inglês para o espanhol, dada
ressantes, que volta e meia servem de subsídio para repor-a tendência demográfica nos Estados Unidos, poderia con-
tagens em outros lugares, e assim sucessivamente. tribuir muitíssimo para a aquisição e a retenção de público.
De certo modo, a agregação, a inspiração, a citação e até a
“cópia” deslavada de conteúdo jornalístico que ocorre no ecos- Recomendação: aprender
sistema é um retorno aeras anteriores da atividade jornalís- a trabalhar com parceiros
tica, na qual jornalecos do interioràs vezes não passavam de
um apanhado de notícias requentadas de grandes diários. A Numa foto famosa tirada nos Jogos Olímpicos de 2008,
capacidade de agregar notícias, à século 18, se devia em par- uma falange de fotógrafos se acotovela numa plataforma
te à falta de normas institucionais (reproduzir matérias era para bater o que seria, basicamente, uma foto idêntica
“ilegal”? Poucos editores deviam encarar a coisa nesses ter- do nadador Michael Phelps. A redundância retratada
mos) e em parte à tecnologia (pouca gente em Nova York um é impressionante. Algo como meio milhão de dólares
Thurston, por assim dizer), mas uma transição de um para Já que a internet ofereceo potencial de variedade infini-
muitos, de um mundo no qual Cronkite era capaz de repre-ta, o argumento em favor da audiência de nicho (e da leal-
sentar um ponto focal para outro com uma cacofonia de dade de nicho) também é forte aqui. Além disso, a velha
vozes: Thurston,Rachel Maddow, Juan Cole, Andy Carvin, lógica da segmentação geográfica da cobertura local per-
Solana Larsen – para citar só alguns dos personagen
s de um mitia a veículos de comunicação contratar uma agência
elenco de milhões. de notícias ou comprar pacotes de conteúdo distribuído
Já vimos isso em microcosmos: na transição da TV abertanacionalmente sabendo que o público não veria o mes-
para a TV a caboou, num exemplo menospopular, da radio- mo conteúdo publicado ou exibido em uma cidade vizi-
difusão terrestre
emissoras para
voltadas a rádio
a uma viafaixa
ampla satélite, quandopara
do público passamos
nichosde
nha. Com
lização deaconteúdo,
chegada da
nobusca como
entanto, forma básica
o usuário típicode loca-
hoje tem
altamente específicos (Comedy Central, Food e, na rádio viaacesso a milhares de fontes para matérias sobre os pira-
satélite, não só blues, mas “Delta blues” ou “Chicago blues”).tas somalis, digamos – a vasta maioria delas derivada de
um mesmo texto de agência de notícias.
Recomendação: incluirlinks para o material-fonte Isso cria um novo imperativo para organizações jorna-
lísticas – imperativo para o qual a estratégia de “ser tudo
O link é a “affordance” tecnológica básica da internet, para todos em um raio de 50 quilômetros” já não funcio-
o recurso que a distingue de outras formas de publi- na. Há serviços úteis a serem prestados por organizações
cação. É como se dissesse ao usuário: “Se quiser saber hiperlocais (St. Louis Beacon, Broward Bulldog), outros por
mais sobre o tema aqui discutido, é possível achar mais organizações hiperglobais (New York Times, BBC), outros
material aqui”. É uma forma de respeitar o interesse do ainda por sites de nicho voltados a análises altamente espe-
usuário e sua capacidade de seguir os acontecimentos cializadas (Naked Capitalism, ScienceBlogs) e por aí vai.
por conta própria. Aqui, a escolha é entre abrangência e profundidade. A
Na prática jornalística, a forma mais básica de link é internet produz um salto imenso em diversidade num mun-
para o material-fonte. Uma matéria sobre um indicia- do dominado pela imprensa escrita e falada. Ultimamente,
mento recente deve ter um link para o texto do indi- um volume crescente de notícias vem circulando por
ciamento. Uma discussão de um artigo científico deve mídias sociais, sobretudo Twitter e Facebook; o crescen-
ter um link para o artigo. Um textinho sobre um vídeo te domínio da difusão social de notícias e comentários
engraçado deve ter um link para o vídeo (ou, melhor reduz ainda mais a capacidade de qualquer site de pro-
ainda, incorporar o vídeo ao texto). duzir um pacote exaustivo de notícias.
Não se trata de uma estratégia digital sofisticada, Há espaço para textos rápidos, redigidos às pressas,
mas sim de pura ética comunicativa. E o que espanta é sobre notícias que acabam de chegar. Há espaço para
que tantos veículos de comunicação não passem nes- análises relativamente rápidas, de extensão relativamen-
se teste básico. A culpa é de velhos obstáculos culturais te curta (o primeiro esboço da história). Há espaço para
(como na observação de Terry Heaton sobre não dar o a análise refletida e minuciosa por gente que entende da
crédito), de hábitos arraigados (antigamente, a redação coisa para um público que entende da coisa. Há espa-
tinha pouco tempo e espaço para ficar citando fontes ço para relatos impressionistas, de fôlego, sobre o mun-
de informação) e do receio comercial de encaminhar do alheio à balbúrdia do noticiário diário. E assim suces-
o leitor para outro lugar. sivamente. Não são muitas, no entanto, as organizações
Nenhum desses entraves, porém, merece muita sim- capazes de agir satisfatoriamente em várias dessas fren-
patia. O hábito de não dar crédito, embora dissemina- tes – e não há nenhuma que dê conta de tudo isso para
díssimo, é claramente antiético. A internet deixou de todos os temas que interessam seu público.
ser novidade para o público; já passou da hora de suas Qualquer veículo de comunicação sempre viveu o dile-
práticas básicas serem interiorizadas por jornalistas. ma da abrangência e da profundidade. Só que a internet
E evitar links por razões comerciais pode fazer senti- piorou as coisas: as massas são maiores, como exempli-
do para o departamento de venda de publicidade, mas ficado pela propagação da notícia da morte de Michael
devia horrorizar qualquer pessoa cujo trabalho envol- Jackson. Nichos são cada vez mais especializados (o
va a prestação de um serviço público. Lenderama cobre problemas com hipotecas, o Borderzine
Para o público, o link para o material de srcem tem a questão de jovens latinos nos Estados Unidos). A notícia
valor tão óbvio, e é tão fácil, que a organização que se que já chegava rápido pode chegar ainda mais depressa:
recusa a fazê-lo está expressando pouco mais do que antes de anunciada pela Casa Branca, a morte de Osama
desprezo pela audiência e por normas éticas da comu- bin Laden já vazara mais de uma vez no Twitter por fon-
nicação pública. tes independentes.
jornalísticas não fossem fonte desse tremendo valor cívico Recomendação: reconhecer
e separadas da lógica do mercado, sua senescência comer- e premiar a colaboração
cial não seria mais relevante do que o fechamento da agên-
cia de turismo da esquina. Organizações que oferecem subsídios e recompensas
Diante disso, e da necessidade de um jornalismo pós- ajudam a balizar o modo como profissionais de jorna-
-industrial que faça uso consideravelmente melhor de cada lismo encaram a si mesmos e seus pares.
hora do tempo de um jornalista ou de cada dólar da verba Uma organização dessas devia partir oferecendo sub-
de uma instituição, instituições jornalísticas de grande e sídios ou criando critérios ou categorias de premiação
pequeno porte, comerciais e com fins lucrativos, executi- que de algum modo recompensem a colaboração – de
vas e educativas devem se comprometer com duas mudan- forma explícita, como no caso do
SchoolBook, ou implí-
ças no atual ecossistema. cita, como no caso de organizações que permitem que
seus dados sejam reutilizados por outras organizações,
Recomendação: exigir que empresas como a Dollars for Docs.
e governos soltem dados inteligíveis Na mesma linha, premiar o reaproveitamento de for-
matos de cobertura investigativa –a exposição de casos
O dinheiro mais valioso que uma organização jornalís- de corrupção como o de Bell, na Califórnia, por outras
tica pode ganhar é o dinheiro que nãoemt de gastar. No organizações, por exemplo – ajudaria a combater a atual
século 21, o dinheiro mais fácil de não gastar é o dinhei- valorização do trabalho artesanal que tende a ser irre-
ro gasto colhendo informações. Em consonância com produzível, ainda que a reportagem revele um proble-
nossa recomendação de que organizações jornalísticas ma possivelmente generalizado. Foi uma grande perda
devem dar mais prioridade a cobrir mistérios do que a para a nação norte-americana que nenhuma organi-
cobrir segredos, qualquer pessoa que lide com gover- zação tenha feito um exame sistemático de conselhos
nos ou empresas deve exigir que dados de relevância de enfermagem de outros estados após um escândalo
pública sejam liberados de modo oportuno, interpre- na Califórnia ou de fraudes financeiras e contábeis da
tável e acessível. Enron após denúncias de Bethany McLean.
Por oportuno queremos dizer que os dados devem Em entrevista aos autores do
presente dossiê, McLean
ser disponibilizados logo depois de serem criados. Há observou que, para analisar o caso Enron, foi mui-
muito menos valor em se inteirar das recomendações to importante ter cultivado fontes que suspeitavam
de um certo comitê sobre um projeto de lei quando a da empresa –seu interesse foi despertado quando um
matéria já está sendo votada. Dados interpretáveis vêm operador do mercado classificou de incompreensíveis
em formato estruturado e utilizável. É preciso dispo- os demonstrativos financeiros da empresa. Pode pare-
nibilizar os dados num formato flexível como o XML, cer uma estratégia óbvia, mas pouca gente na impren-
e não inflexível como o PDF (aliás, usar um formato sa de negócios a adotou, antes da queda da Enron ou,
como o PDF para divulgar dados costuma ser um indí- pior ainda, depois do colapso.
cio de que a organização tem algo a ocultar). Acessível Organizações que ditam normas tácitas da comuni-
significa que os dados são prontamente lançados em dade de jornalistas e editores devem dar destaque a ini-
canais públicos na internet, e não mantidos em papel ciativas que partam da base lançada por algum traba-
ou liberados somente mediante solicitação. Nos Estados lho anterior. Tal como ocorrecom subsídios e prêmios,
Unidos, a decisão da FCC deexigir que emissoras aber- essas mudanças atingirão diretamente só um punhado
tas de TV divulguem na internet dados sobre publici- de instituições, mas chegarão a muitas outras de forma
dade eleitoral veiculada em seus canais (e
m vez de dis- indireta, ao expor o tipo de trabalho que pode colher
ponibilizar o material para “inspeção” na emissora) foi tanto fundos comercialmente ilimitados quanto a admi-
um grande avanço nesse sentido. ração dos pares – ou ambos.
Todo meio de comunicação devia investir, por menor
que seja o montante, para assumir uma postura ativis-
ta nessa questão. Um acesso melhor a dados melhores
é uma das poucas coisas que constituiriam um óbvio
avanço para o ecossistema jornalístico – algo cujo prin-
cipal obstáculo não é custo, mas inércia, e em que a van-
tagem obtida pela organização jornalística ao melho-
rar a situação não configura gasto de recursos, mas
persuasão moral.
Movimentos tectônicos
ERA UM INFORME DO FUTURO: uma espetacular descrição, pelos olhos de um alto executivo da im-
prensa, do alvorecer do universo digital. Secretário de redação doWashington Post, Robert Kaiser
fora ao Japão em 1992 para um congresso repleto de gente visionária do mundo tecnológico. Ali foi
apresentado ao futuro da “multimídia” e a dois potenciais métodos de distribuição do produto de
meios de comunicação: microcomputadores e redes digitais.
Na volta, Kaiser redigiu um relatório de 2.700 palavras público que se seguiu louvou a clarividência do execu-
dirigido ao presidente da Post Co., Donald Graham, e à tivo e lamentou que sua impressionante prévia daquilo
diretoria do jornal. O texto partia com a alegoria (fal- que estava por vir – redigida antes da estreia pública da
sa, mas sugestiva) do sapo na panela de água quente: internet – não tivesse levado a qualquer ação.
Boa parte da discussão sobre a oportunidade perdi-
Às vezes descrito como o pai intelectual do micro- da ignorou, contudo, um segundo aspecto do relató-
computador, Alan Kay soou um alerta com uma ana- rio, aliás crucial: ainda que o Post tivesse rapidamente
logia que parecia valer para nós. Era a velha histó- colocado em prática tudo o que Kaiser sugerira, de nada
ria do sapo: se botarmos o bicho numa panela com teria servido. Embora Kaiser tenha exposto com maes-
água e formos subindo a temperatura aos poucos, tria grandes forças àquela altura mal perceptíveis, seu
o sapo não vai pular fora nem quando a água esti- informe também trazia indícios de quão difícil seria se
ver fervendo, pois seu sistema nervoso não capta adaptar a um mundo no qual a internet era algo normal.
pequenas mudanças de temperatura. Kaiser garante aos colegas executivos que, já que teria
O Post não está numa panela com água, e somos de filtrar toda essa nova informação, o público precisa-
mais inteligentes do que o típico sapo. Mas esta- ria de editores profissionais:
mos, sim, nadando num mar eletrônico no qual a
certa altura poderíamos ser devorados – ou igno- Diante da massa de informações do mundo moder-
rados, como um desnecessário anacronismo. Nossa no, suspeito que até o cidadão do século 21, já à von-
meta, obviamente, é não sair da revolução eletrô- tade com o computador, vai querer contar com a
nica como um sapo escaldado. ajuda de repórteres e editores que se disponham
a vasculhar essa massa de dados com inteligência
Na sequência, Kaiser contou o que descobrira no encon- para tentar extrair daí algum sentido. Curiosamente,
tro. Falou de um mundo no qual a distribuição e o consu- quando perguntei a uma série de pessoas no sim-
mo eletrônicos redefinem o mundo da mídia. O executivo pósio o que gostariam de poder fazer nesse futuro
não só alerta os colegas do risco de serem devorados – ou, eletrônico, muitos falaram do desejo de achar tudo
pior, ignorados –, mas também sugere que o Post lance o que já tivesse saído na imprensa sobre temas de
imediatamente dois projetos prospectivos: um para a cria- seu interesse (o CompuServe tem um recurso bem
ção imediata de um produto eletrônico de classificados e primitivo que já permite algo parecido).
outro para projetar o primeiro jornal eletrônico domundo.
Em meados de 2012, quando a íntegra do relatório de Kaiser fitou nos olhos esse recurso “bem primitivo”
Kaiser circulou entre estudiosos do jornalismo, o debate – a “busca”, que a certa altura daria srcem ao Yahoo e,
depois, ao Google – e concluiu que seguiria sendo algo futuro com décadas de antecedên cia ainda achava que,
marginal, pois imaginou que a mercadoria que vendia – no caso de jornais, a revolução digit al favoreceria a tra-
critério editorial – não teria substituto. Na mesma linha, dicional virtude do crité rio editorial – e não a nova vir-
os dois projetos que sugeriu eram fundados no mesmís- tude de um usuário com mais poder – e que a matemá-
simo raciocínio que frustraria milhares de outras ten- tica do meio eletrônico giraria em torno da geração de
tativas de inovação; falando da versão eletrônica dos receitas, não da redução de custo.
classificados, Kaiser disse que o Post deveria reservar Agora, essa narrativa de “fim de era” também está
para si o direito... chegando ao fim. Hoje, o mercado de mídia no qual
Embora a “roda de hamster” seja um efeito óbvio da Primeiro, porque o trabalho de jornalistas tem pre-
colonização da paisagem jornalística pela internet, a cedência lógica e temporal sobre o trabalho de insti-
expansão do espectro dinâmico do cenário jornalístico tuições. Segundo, porque o ato de testemunhar, des-
está ocorrendo em ambas as extremidades da distribui- cobrir ou entender o que é importante, e de transmitir
ção; a roda de hamster foi acompanhada de um cresci- essa informação de modo inteligível a públicos distin-
mento da cobertura jornalística de fôleg o e de análises. tos, é o papel sagrado; a preocupação com instituições
Na produção de notícias, haverá um emprego de mais jornalísticas só assume caráter de urgência pública por
técnicas: análise algorítmica de dados, representação prestarem apoio a indivíduos que exercem esse papel.
visual de da
poração dados, contribuição
reação doprodução
das massas, cidadão comum, incor-
automatiza- E, terceiro,
da partiu daporque
tese demuito
que adasobrevivência
discussão da última
dessas déca-
insti-
da de textos a partir de dados. Haverá mais generalis- tuições é mais importante do que a capacidade de um
tas trabalhando em temas de nicho; entrevistadores indivíduo qualquer de exercer esse papel sagrado, seja
especializados em temas específicos irão criar, editar lá como f or.
e distribuir fotos, áudio ou vídeo, como numa redação Embora esse conceito tenha sido maculado pela atual
de uma só pessoa. Em redações com equipes grandes ladainha de que hoje “você é sua própria marca”, vive-
o suficiente para permitir a colaboração entre distin- mos numa era na qual iniciativas de jornalistas solitários
tas seções, haverá muito m ais especialização. Em 2020, e pequenos grupos são ideais para a descoberta de novas
a pessoa mais tarimbada na exploração de dados, na fontes de valor – e, já que todo processo é a resposta à
representação visual de informações ou na criação de dinâmica de um grupo, quanto menor o grupo, mais fácil
experiências interativas terá um arsenal bem mais sofis- será equilibrar processo e inovação (embora mais tar-
ticado de ferramentas e experiência do que seus con- de a inovação tenha de se converter em algo repetível).
gêneres no presente. Se o leitor estiver buscando um lema ideal para um
Toda redação ficará mais especializada. Haverá jornalista, redator, analista, artista de mídia, explorador
menos intercâmbio de profissionais e funções entre de dados ou qualquer outra ocupação ou função de rele-
uma redação e outra, pois essa permuta já não será vância no momento, uma boa pedida seria “se não for
tão simples. Cada redação terá uma ideia melhor de detido, siga em frente”. É como disse um executivo da
quem são seus parceiros entre instituições e o públi- rádio norte-americ ana NPR a Andy Carvin, que criou o
co em geral, e terá uma noção só sua sobre a melhor modelo de “curador” de notícias no Twitter: “Não enten-
maneira de trabalhar com eles. Muitos dos produto- do isso que você faz, mas continue fazendo, por favor”.
res daquilo que antigamente encarávamos como notí- Neste ensaio, já demos uma descrição – na verdade,
cia não serão organizações jornalísticas em qualquer várias – de competências e valores que um jornalista
acepção comum do termo hoje em dia. O levantamento pode colocar na mesa. Esse leque de descrições existe
de ocorrências policiais virá da polícia. Dados ambien- porque o jornalismo não está passando de A para B, de
tais serão apresentados com ferramentas interativas um estado estável nos Estados Unidos do pós-guerra
do Sierra Club. Wikipedia e Twitter vão solidificar seu para um estado novo (e distinto) no presente. O que o
papel como fonte importante de informação sobre fatos jornalismo está fazendo é ir de um para muitos: de um
ocorridos no último minuto. conjunto de papéis cuja descrição e cujos padrões diá-
Como Robert Kaiser e o Washington Post acabaram rios eram uniformes o bastante para merecer um úni-
descobrindo, não há como adiar a implementação das co rótulo para uma realidade na qual o vão entre aqui-
mudanças que hoje testemunhamos. Há apenas a luta lo que faz de Nate Silver um jornalista e aquilo que faz
para se adaptar e garantir um nicho no ecossistema que de Kevin Sites um jornalista segue crescendo.
permita a criação sustentável de valor a longo prazo. Já prevendo o crescimento de modos e tempos pos-
síveis do jornalismo, nossa recomendação geral ao jor-
nalista é a seguinte:
O que jornalistas devem fazer?
Conheça a si mesmo. Saiba quais são seus fortes,
Como no cubo de Necker, é possível olhar para o meio quais as suas deficiências e como explicar isso tudo
jornalístico e ver um de dois conjuntos de relações: o aos outros. Saiba quais são suas áreas de especia-
trabalho de jornalistas no apoio a instituições ou o traba- lização, tanto em termos de conteúdo (política no
lho de instituições no apoio a jornalistas. Naturalmente , norte da África? Engenharia civil? Padrões climá-
há algo de verdade nessas duas ót icas, embora por uma ticos históricos?) como de trabalho (Você é bom
série de razões tenhamos nos concentrado na segunda. para entrevistar? Bom para apurar? É um jornalista
dependiam de publicidade – que vem em queda há enxutos com o resultado do jogo da véspe ra ou o balan-
seis anos – estão em lastim ável situação. Dada a inces- ço de uma empresa no trimestre precisam ser publica-
sante debandada de anunciantes para outras platafor- dos, mas sem ser longos nem excelentes) pode ser subs-
mas e a nefasta matemática da diminuição do público tituído por agregação, ou pela produção automatiz ada.
do produto impresso – a receita cai a ritmo mais ace- Para a maioria das organizações, qualquer coisa que exi-
lerado do que o custo da impressão –, muitas organi- ja tempo mas tenha baixo valor (e tempo, aqui, signifi-
zações da velha guarda terão de considerar novas fon- ca tudo o que envolva mais de dez minutos de trabalho
tes de receita: realização de eventos, apoio financeiro humano remunerado) deve ser automatizada, delega-
de outras instituições para cobertura de certos setores, da a parceiros ou usuários ou totalmente eliminada.
cobrança de assinaturas digitais para a minoria de leito- Qualquer redação que se dedique a mais de um for-
res mais devotos. Seguir derrubando o custo, no entan - mato de cobertura – últimas notícias e longas análises
to, ainda é a estratégia mais óbvia. – terá de entender melhor o toma-lá-dá-cá entre rapi-
Não há como sustentar o velho modelo do “tudo em dez e profundidade. Aqui, não há uma resposta certa,
um” – para levar toda (ou quase toda) notícia ou infor- ou mesmo um mescla certa: a cobert ura de setores que
mação ao usuário –, pois sem barreiras geográficas à avançam lentamente, com um punhado de atores rele-
entrada no mercado há pouquíssima vantagem em dar vantes – a indústria de mineração, o projeto de veícu-
a mesma notícia que está sendo dada no município ao los –, terá um mix distinto da de fat os em rápida evolu-
lado ou no estado seguinte. Assim como o princípio da ção, movidos pelo fator surpresa – campanhas eleitorais,
subsidiariedade nos Estados Unidos (pelo qual a ins- guerras civis.
tância federal só deveria ser responsável por aquilo que A redação também terá de entender as trocas envol-
não pode ser resolvido no âmbito de estados, municí- vidas entre a agregação e a cobertura srcinal (e otimi-
pios e instâncias inferiores), a notícia devia ser pro- zar cada atividade dessas de forma distinta), ou as tro -
duzida e distribuída por aqueles mais aptos a cobri-la. cas envolvidas entre traduzir relatos em primeira pessoa
Isso sugere a migração para especialização e colabora- e colocar jornalistas entre essas fontes e o público para
ção muitíssimo maiores. contextualizar e interpretar.
Ao ouvir esse conselho, o que muitos jornais tradi- Organizações estabelecidas também terão de aprender
cionais fizeram, na prática, foi preencher a homepa- a encarar relacionamentos e dados como novos recur-
ge com material de agências e a grande notícia ocasio- sos, e a lidar com isso. A capacidade de uma instituição
nal – um belo exemplo de adaptação à perda de receita de pedir a usuários que tomem parte da criação, ava-
em vez de adaptação à internet. Uma organização jor- liação e distribuição de notícias, de encontrar testem u-
nalística com DNA digital simplesmente não traria o nhas em primeira mão dos fatos ou gente com informa-
conteúdo comoditizado de agências; talvez daria links ção privilegiada para dar uma notícia específica, será
para notícias importantes, ou publicaria uma seleção uma das grandes fontes de diferenciação. Na mesma
de trechos de blogs conceituados ou outros agregado- linha, a capacidade de interpretar certos dados e deles
res. Sejam quais forem as decisões tomadas nesse senti- extrair valor de forma reiterada ao longo do tempo é,
do, no entanto, instituições jornalísticas que encaram a cada vez mais, algo essencial (na velha disputa da U.S.
“primeira página” como a grande preocupação organiza- News and World Report com Newsweek e Time , o irôni-
cional vão perder muitas oportunidades de reinvenção. co é que o ranking de universidades da primeira, e seu
O desperdício do jornalismo de matilha e as calorias banco de dados, em breve poderiam estar valendo mais
vazias do material de agência sem nenhum valor agre- do que as outras duas publicações juntas).
gado são duas coisas ruins para a maioria das institui- Na questão de processos, a organização terá de ser
ções no atual cenário. Organizações que abracem a mis- capaz de dizer quando um processo ajuda e quando atra-
são de deixar um certo público informado de grande palha – e saber como tornar seus processos “hackeá-
parte dos fatos provavelmente serão agregadoras, como veis”. Também terá de decidir que funcionários da casa
Huffington Post e BuzzFeed, e não veículos de comunica- ou voluntários terão autorização para ignorar ou alte-
ção tradicionais – no mín imo, porque o custo e a curva rar processos já institucionalizados a fim de explorar
de qualidade favorecem o formato do agregador, e não oportunidades imprevi stas, mas de alto valor. De todas
daquele que gasta para melhorar o material de agências as nossas recomendações, essa talvez seja a mais difí-
ou, mais acima na curva, para criar um conteúdo pró- cil de seguir para instituições tradicionais. Seja como
prio que não tem nem público fiel, nem vida útil longa. for, o sucesso ou o fracasso de muitas dessas empre-
A redação também terá de decidir que parte do tra- sas será determinado pela capacidade de abraçarem
balho comoditizar. O conteúdo fácil de gerar (textos a flexibilidade.
Agradecimentos
em consonância com o espíritoe
o tema aqui abordados, o presente
sugestões feitas e pela paciência na fizeram observações (ou foram formal-
edição do texto. mente entrevistados sobre a situação
ensaio foi um esforço de colaboração Somos gratos também à Carnegie presente do jornalismo e seu futuro,
que envolveu muito mais gente do que Corporation, que financiou o projeto. ou deram sua opinião sobre as pri-
os autores citados na capa. Nosso tra- Gostaríamos de agradecer à Tow Foun- meiras versões da obra). Aqui, somos
balho foi enriquecido com observa- dation pelo apoio contínuo a nosso tra- gratos a Erica Anderson, John Bor-
ções, conversas e conselhos de colegas balho na Columbia por meio do Tow thwick, Steve Buttry, David Carr, Andy
que, de um jeito ou outro, encontra- Center for Digital Journalism. Carvin, Susan Chira, Reg Chua, Jona-
ram maneiras de apoiar a empreitada. As vozes mais representadas neste than Cooper, Janine Gibson, Kristian
Somos gratos, em primeiro lugar, a ensaio são as de indivíduos que parti- Hammond, Mark Hansen, Andrew
Charles Berret, doutorando da Colum- ciparam de um simpósio em Nova York Heyward, Alex Howard, Vadim Lavru-
bia Journalism School que esteve a durante os dias 17 e 18de abril de 2012 sik, Hilary Mason, Bethany McLean,
nosso lado o tempo todo e ajudou (foram, também, os que mais tempo Javaun Moradi, Dick Tofel, Matt Waite
tanto a coordenar como a conceber cederam ao projeto). Entre os presen- e Claire Wardle. Uma série de acadê-
os diversos aspectos do trabalho. Sem tes estavam Chris Amico, Laura Amico, micos, dentro e fora de escolas tradi-
sua ajuda, o projeto teria sido inviável. Josh Benton, Will Bunch, Julian Bur- cionais de jornalismo, foi fonte vital
Também somos gratos a Nicholas gess, John Keefe, Jessica Lee, Anjali de estímulo e provocação intelectual;
Lemann, diretor da Columbia Jour- Mullany, Shazna Nessa, Jim O’Shea, agradecemos, em particular, a Rasmus
nalism School, cuja visão lançou o Maria Popova, Nadja P opovich, Anton Kleis Nielsen, do Reuters Institute for
germe para esse exame do meio jor- Root, Callie Schweitzer, Zach Seward, the Study of Journalism (University
nalístico. Sem ele, nada disso teria Daniel Victor e Christopher Wink. of Oxford), e a Michael Schudson e
saído do plano das ideias. Ainda na Não é exagero dizer que iniciamos o Robert Shapiro (Columbia University).
administração da Columbia, conta- encontro com observações bastante Um último agradecimento vai para
mos com a ajuda de Sue Radmer, Ste- vagas e saímos dali com o esboço do nossas famílias – pela paciência, pelo
phen Barbour e Anna Codrea-Rado. presente trabalho. apoio e pelas sugestões dadas aolongo
Agradecemos a Marcia Kramer pelas Ao longo do processo, vários colegas do processo. ■
ao descer aosaguãodohotel Miyako filme a igual escárnio. Para piorar, tinhacardigã bege e uma garrafa de vodca
naquela manhã de janeiro de 1957, o medo do que podia acontecer se Capote para o que, pelos cálculos de Brando,
produtor de teatro e diretor de cinema tivesse acesso a seu temperamental seria um jantar rapidinho seguido de
Josh Logan, veterano da Broadway e astro. Embora Brando sabidamente um papo breve (aliás, Brando pediu
de Hollywood, avistou a última pessoa fugisse da imprensa e Logan duvidasse ao secretário que ligasse dali a uma
no mundo que queria ver ali em Kyoto, que Capote pudesse romper acouraça hora para ter uma desculpa para des-
no Japão. Na recepção do hotel,equili- do ator, era melhor não arriscar. Tanto pachar Capote). Não foi bem assim.
brando-se na ponta dos pés para preen- ele como William Goetz, o produtor de Quando saiu do quarto do ator, seis
cher a papelada, estava oenfant terrible Sayonara, tinham escrito à revista para horas depois, Capote tinha a certeza de
do meio literário e jornalístico, o dimi- avisar que não iriam cooperar com a ter reunido material para redigir um
nuto escritor Truman Capote. reportagem. E mais: se aparecesse no perfil inédito do recluso astro.
Logan não ficou totalmente surpreso Japão, Capote seria barrado do set. E, O que transcorreu entre Brando e
em vê-lo. Semanas antes, tinha sido mesmo assim, ali estava Capote. Capote durante o tempo que passaram
avisado de que Capote queria escre- Como Logan mais tarde diria, sua a sós naquele quarto de hotel há muito
ver para a New Yorker sobre as fil- reação à súbita aparição do escritor é alvo de curiosidade histórica. O que
magens de Sayonara, o longa estre- foi visceral. O diretor veio por trás de Capote fez para convencer o taciturno
lado por Marlon Brando que o diretor Capote e, sem dizer palavra, o apanhou Brando a falar? O ator (como mais tarde
estava rodando no Japão para a prod u- nos braços, cruzou o saguão do hotel o próprio diria) foi feito de trouxa por
tora Warner Bros. Logan tinha feito de e o depositou na calçada em frente. Capote? Ou contribuiu de livre e espon-
tudo para gorar a empreitada. Um ano “Josh, por favor!”, protestou Capote. tânea vontade para a desconstrução da
antes, Capote publicara seu primeiro “Não vou escrever nada deruim.” própria imagem? Havia (como insi-
grande relato nas páginas da revista Logan subiu imediatamente ao nuou Capote) uma história homoe-
– sobre a insólita turnê, pela União quarto de Brando para alertar o ator: rótica entre os dois? O que é patente
Soviética, de uma companhia de teatro “Não fique a sós com o Truman. Ele é que, mais de meio século depois de
norte-americana com o musicalPorgy veio atrás de você”. A advertência ter sido publicado, “O duque em seus
and Bess. Capote passara semanas na seria ignorada. Ao lembrar-se da rea- domínios” continua servindo de parâ-
estrada com o elenco. O texto resul- ção que teve ao avistar Capote, Logan metro para perfis de celebridades. O
tante – “Ouvindo asmusas”, publicado mais tarde diria: “Tive a triste sensa- texto foi um precursor do Novo Jor-
em duas partes – foi uma crítica impie - ção de que o que aquele baixinho qui- nalismo, que desabrocharia com tudo
dosa, não raro hilariante, da trupe e dos sesse, ele conseguiria”. na década de 1960. Com uma profusão
figurões que a bancavam. O temor seria comprovado. Dois de detalhes íntimos, o tom confessio-
Logan não tinha nenhuma inten- dias depois de chegar ao Japão, Capote nal e o relato romanceado da figura
ção de expor o elenco e a equipe do bateu à porta de Brando. Levava um de Brando, o ensaio marcou uma clara
dava, pouco ou nada revelava. A certa dou. Só parou quando Bogart pediu Em 1955, Capote mostrava inte-
altura, tamanha era sua revolta com o arrego, já no chão. Huston, que decla- resse em expandir sua atuação para
que julgava um interesse indevido em rou que Capote havia sido “o único uma nova área: o jornalismo. “Tive de
sua vida particular que contratou, ele homem que [vira] vestindo um terno escapar da minha própria imagina-
próprio, detetives para escavar podres de veludo”, ficou impressionado. “O ção e aprender a existir na imagina-
da Time Inc. Tinha tanta aversão a Truman era uma ferinha... Os modos ção e na vida de outras pessoas”, disse
promover os filmes que estrelava que femininos não afetavam em nada sua Capote em uma entrevista. “Estava
um produtor foi obrigado a suborná-lo força ou coragem.” obcecado demais com minhas pró-
com um conversível (um Thunderbird prias imagens internas. Essa foi a
zerinho) para que entrasse na roda-vivaJornalismo e ficção principal razão para ter me voltado
da publicidade. Em 1955, na estreia de ao jornalismo.” Mas Capote não estava
seu oitavo filme na Times Square – o Em Manhattan, Capote era presença interessado em simplesmente explo-
musical Garotos e Garotas–, uma mul- constante na alta sociedade, sobre- rar o gênero; queria transformá-lo. “O
tidão ensandecida furou o esquema de tudo no círculo de beldades como Babe que eu queria era levar ao jornalismo
segurança e estraçalhou as janelas da Paley, Gloria Guinness e Slim Keith, a técnica da ficção, que avança simul-
limusine que levava Brando. Foi precisosocialites que o adotaram como uma taneamente no plano horizontal e no
despachar um pelotão de policiais para espécie de adorno literário, bobo da vertical: horizontalmente no lado nar-
resgatar o astro, a essa altura abalado. corte e confessor (várias diriam, mais rativo e verticalmente ao penetrar o
Foi nesse ano que Brando ultrapassou tarde, ter servido de inspiração para a íntimo dos personagens.”
Jimmy Stewart, Gary Cooper e John personagem Holly Golightly, de Bone- Tendo aberto o apetite com aquele
Wayne nas bilheterias de Hollywood. quinha de Luxo(Companhia das Letras, primeiro texto sobre a turnê de Porgy
Para Capote, o meio da década de 2005). Levavam Capote a tiracolo em and Bess, em 1956, Capote saiu à cata
1950 também foi uma fase produtiva. viagens a lugares exóticos, abriam suas de outros temas de interesse jorna-
Seu segundo romance, A Harpa de mansões ao escritor e trocavam confi- lístico. Como lembrou mais tarde em
Ervas (Sextante, 2011), fora bem rece- dências com ele – intimidade da qual uma entrevista com Andy Warhol, o
bido. O escritor já fizera uma primeira muitas mais tarde se arrependeriam. escritor discutiu possibilidades com
incursão no cinema quando foi con- Uma amiga do autor, Marella Agnelli, William Shawn, editor daNew Yorker.
tratado pelo diretor John Huston para lembrou certa vez como Capoteobser- “Disse o seguinte: ‘Olha, acho que as
trabalhar no roteiro de O Diabo Riu vava as pessoas em busca de pontos pessoas cometem um grande erro
por Último . Durante as filmagens na fracos. “Quando vi, estava contando hoje em dia, pois o jornalismo pode
Itália, Capote teve um curioso (ereve- a ele coisas que nunca imaginei que ser uma das formas mais elevadas de
lador) entrevero com o astro do filme, contaria.” A certa altura, Agnelli pas- arte em um novo gênero’. O Shaw me
Humphrey Bogart – que, para matar sou a ter medo do dom de Capote de pediu um exemplo. ‘Claro. Peguemos
o tempo, gostava de chamar o pessoal conquistar a confiança dos outros. a forma mais rasteira de jornalismo
da equipe para uma queda de braço. “Achei que só uma pessoa muito estra- que pode haver: uma entrevista com
Quando viu “Caposy” (como Bogart nha ou louca poderia ter uma relação um astro de cinema. Teria algo mais
chamava Capote) por perto, Bogart íntima e de amizade com alguém e, ao baixo do que isso?’.”
desafiou o escritor. Por duas vezes, mesmo tempo, apunhalá-la”, lembrou Depois de poucos dias filmando no
Capote ganhou – e faturou US$ 50 no Agnelli, a quem Capote certa vez teria Japão, Josh Logan começou a ter um
processo. Quando Bogart partiu irado dito: “Certas pessoas usam uma espada mau pressentimento sobre a caríssima
para cima de Capote, o escritor revi- para matar. Outras usam palavras”. produção. A atriz principal, uma novata
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pai como a mãe eram alcoólatras.
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A mãe de Capote, Nina, também
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tinha sérios problemas com a bebida.
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O fato de ter abandonado Capote ainda
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T cedo, deixando o menino nas mãos de
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D parentes para ir morar sozinha emNova
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York, marcou o filho para sempre. Seu
Marlon Brando, que tinha aversão a promover seus filmes, faz pose na década de 1950 nome verdadeiro, Lillie Mae, era quase
idêntico a Lula Mae, nome de batismo
de Holly Golightly, a heroína de
Bone-
a entrevista. Agora, estamosós conver- tado sobre uma pilha de doces, mas quinha de Luxo, que também parte para
sando, entre nous”, disse o ator. “Liga só comia as casquinhas”. Anunciou a Nova York para se reinventar. As duas –
de novo em uma hora.” Assim como intenção de demitir o secretário e de a mãe de Brando e a de Capote – mor-
Logan, Fiore sabia que, com o estímulo ir morar numa casa menor, sem cozi- reram em 1954, com um intervalo de
certo, a reticência de Brando podia nheiro, sem empregada, sem telefone poucos meses uma da outra.
sumir. “Ele raramente bebia”, lem- – telefone que suspeitava estar gram- O assunto da mãe de Brando apa-
brou o amigo. “E, às vezes, depois de peado. Falou da inaptidão para man- rentemente veio à tona quando já pas-
um copo ou dois, a desconfiança natu- ter a atenção por mais de “sete minu- sava da uma da madrugada. No perfil,
ral que sentia de estranhos evaporava, tos”, contou que era incapaz de amar, Capote escreveu: “Servi um pouco de
ele ficava sentimental, piegas, disposto teceu teorias sobre a amizade: “Sabe vodca; o Brando não quis me acompa-
a contar a vida todinha, a expor livre- como faço amigos? Vou cercando, fico nhar. Mais tarde, entretanto, apanhou
mente todosos esqueletosdo armário.” rondando. Aos poucos, me aproximo meu copo, tomou um gole, o colocou
Foi o que Brando fez. Enquanto se mais. Até a hora em que chego e toco entre nós e, do nada, disse algo num
esbaldava com um jantar que incluiu a pessoa, de um jeito muito sutil. Aí tom displicente que, mesmo assim,
sopa, carne, fritas, três variedades de recuo, aguardo um pouco, espero que transmitia emoção: ‘Minha mãe. Ela se
legumes, massa, pães, queijos, bola- processe. Na hora certa, volto a ata- partiu como um pedaço de porcelana
chinhas e torta de maçã coberta com car, a tocar, a rondar. A pessoa não (...). Meu pai era indiferente comigo.
sorvete, Brando (supostamente de entende o que está acontecendo. Antes Nada que eu fizesse o interessava, ou
regime) contou que a fama tinha trans- que perceba, caiu na rede, está envol- o agradava. Hoje,já aceitei isso. Somos
formado sua vida em um caos. Confes- vida, se deixou apanhar”. amigos agora, nos damos bem’”. Na
sou a Capote que estava fazendo aná- Até aquela noite, não havia segredo esteira, Brando contou como, ainda
lise e sentia como se estivesse “sen- mais íntimo na vida de Brando do que o rapazinho, costumava encontrar a
vista, mas, por outro lado, eu estava muito, antes mesmo da incursão no papéis coadjuvantes. Já perto dos 80,
usando meu método, que dá a impres- jornalismo: a do romance de não fic- pesava quase 160 quilos (media pouco
são de que não estou fazendo coisa ção. Ao ler sobre o assassinato de uma mais de 1,75 metro). Como Capote, foi
alguma. Sabe como?”, disse Capote. família de agricultores num rincão per- uma vítima dos excessos.
“Aquela conversa foi um ot tal prenún- dido do Kansas, Capote convenceu a Depois que o perfil foi publicado,
cio do que seria a vida dele, de tudo o New Yorker a deixar que investigasse Brando raramente voltou a falar
que aconteceu com ele até o presente o caso. Seis anos depois, publicavaA com jornalistas. Só consegui achar
momento. E tudo em 40 páginas.” Sangue Frio (Companhia das Letras, uma declaração pública dele sobre o
Embora mais tarde Capote tenha dito2003), seu relato do crime. O sucesso encontro em Kyoto (o episódio é total-
que o ensaio não fora um ataque preme-foi estrondoso: até hoje, o livro é um mente omitido da autobiografia do
ditado, suas declarações nos anos sub- marco na literatura norte-americana. astro). Em 1978, Lawrence Grobel via-
sequentes à publicação do texto tendemMas o processo de escrever a obra, jou para a ilha particular de Brando no
a reforçar a ideia de Josh Logan de que de penetrar na mente e no caráter de Taiti para uma conversa que se esten-
o escritor armara uma para Brando. Na outros indivíduos (no caso, frios assas- deria por dez dias. Falou-se de tudo
entrevista com Andy Warhol, Capote sinos), tirou Capote do prumo. um pouco: da obsessão de Brando
deu a seguinte declaração: “Para ser com os direitos de índios norte-ame-
um ator, a pessoa não deve ter nenhum Morte na solidão ricanos ao embargo de petróleo pela
orgulho... Precisa ser uma coisa, um Organização dos Países Exportadores
objeto. E quanto menos inteligência A partir dali, Capote aumentou tanto o de Petróleo (Opep). A certa altura, a
tiver, melhor será... Para ser ator é pre- consumo de álcool e drogas que, a certa conversa rumou para questões pes-
ciso ter uma imaturidade absoluta, umaaltura, ficou mais conhecido como a soais – e foi prontamente cortada por
total falta de autorrespeito”. Em outra figura excêntrica que circulava pela Brando. “Não acredito nessa coisa de
entrevista, falando sobre Brando, disse: boate Studio 54 e pelos talk shows que lavar a roupa suja na frente de todos,
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J “Ai, meu Deus, o Brando se acha um passavam tarde da noite na TV do que não estou interessado em confissões
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gênio. Ele olha para você com aquele como escritor ou jornalista. Nos últi- de astros do cinema.” A maioria das
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0 olhar de piedade, como se soubesse mos 15 anos de vida, dizia estar traba- celebridades, disse Brando, acaba se
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de algo que você não sabe. Mas o fato lhando em uma grande obra,Súplicas enforcando com as próprias palavras.
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é que você sabe algo que ele não sabe: Atendidas. Só um punhado de capítu- “Você sentiu isso com o Capote?
”, per-
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/ ele não é lá tão inteligente”. los do romance inacabado foi publi- guntou Grobel. Brando objetou: “Não,
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b Menos óbvio, talvez, foi como o cado – e o tumulto causado por per- ele é um escritor bom demais para
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o encontro de Capote com Brando anun- sonagens mal disfarçadas e escânda- ficar só no sensacionalismo”, disse.
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d ciaria o declínio do próprio escritor. los tirados do mundinho do Upper “Mas distorcia, mexia nas coisas...
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O perfil, que William Shawn classi- East Side fizeram Capote ser banido Todo mundo edita. É inevitável...”
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ficou de “obra-prima”, repercutiu do glamouroso mundo que tanto lutara O ator acrescentou: “Há algo de
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a mais do que qualquer outra reporta- para cultivar. Capote morreu no exí- obsceno em expor seus sentimentos
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gem da revista desde “Hiroshima”, de lio – na Califórnia, em 1984. Tinha 59 e suas emoções para que todos vejam.
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t John Hersey. Depois de sua publica- anos. Brando viveu outros 20. Mas, no De qualquer maneira, quem está inte-
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l ção, Capote voltou brevemente à fic- cômputo geral, não foram anos feli- ressado?”. ■
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ção com o popular romanceBonequi- zes. O filho se envolveu num assassi-
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nha de Luxo. Na sequência, embarcou nato famoso e o grosso de seu trabalho douglas mccollam é editor-contribuinte
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T numa ideia que vinha ruminando havia nessa fase se resumiu, basicamente, a da Columbia Journalism Review(CJR).
p o r leão serva
os principais jornais brasileiros , comandados pela enti- Segundo a ANJ, o Google News não éessencial para os
dade patronal que os representa, a Associação Nacional deveículos jornalísticos do país, porque os jornais brasileiros
Jornais (ANJ), exigiram que o Google deixasse de indexartêm como público oleitor fiel, quesabe procurar as informa-
suas páginas de web no buscador de notícias Google News.ções que deseja e acredita em cada marca. Dessa maneira, a
Basicamente, o argumento é o de que o site de pesquisas ferramenta não agregava tanta audiência aos seus sites 1.
norte-americano faz dinheiro com o conteúdo alheio. A deci- Assim, os periódicos optaram por desligar seus conteúdos
são é de 2011, efetivada em outubro de 2012. do buscador aos poucos, por conta própria 2.
Os 154 jornais reunidos anANJ, cerca de 90% da mprensa
i Os dois argumentos parecem estranhos a quem observa
diária brasileira, afirmam que seu conteúdo é reproduzido o comportamento dos meios de comunicação nas últimas
na internet sem remuneração ou autorização dos produ- décadas: o Google é responsável por direcionar um contin-
tores. Querem que o Google pague por indicar seus sites gente muito grande de internautas para sites em geral. Sua
nos resultados de buscas dos internautas. Antes de esti- importância como referência para os usuários da rede pode
mular tamanho “êxodo”, a ANJ chegou a discutir soluções ser medida pela audiência do buscador, sempre líder entre
de parcerias que gerassem receitas com a indexação das buscadores, que por sua vez são endereços de passagem
notícias. Algumas reuniões com o Google no Brasil resul- constante de quem navega na web. Sua importância é tanto
taram em acordo para produzir o “Projeto 1 linha”, noqual maior quanto menos conhecida a marca de um site. Mas não
os resultados da busca feita pelo usuário mostrariam ape- pode ser considerada irrisória por nenhuma publicação. Ao
nas a primeira linha do artigo, e não mais quatro ou cinco dizer que os sites dos jornais brasileiros não se beneficiam
como hoje. O intuito era fazer com que o internauta não se da audiência gerada pelo Google, aANJ parece estar repre-
saciasse com as informações do início do texto, exposto no sentando a raposa diante das uvas na fábula deaLFontaine,
Google News, e fosse obrigado a acessar o conteúdo ori- fingindo desprezar o que não consegue dominar.
ginal nos sites dos jornais, aumentando acesso e audiên- Da mesma forma, parece saído da fábula do escritor
cia em seus endereços eletrônicos. renascentista francês o segundo argumento usado pela
O projeto, entretanto, não foi concluído devido a um entidade representante dos jornais: dizer que o público
problema técnico. Segundo a ANJ, “a redução no número dos sites de jornais brasileiros é formado por leitores fiéis
de linhas afetou radicalmente o ranqueamento dos resul- que não precisam usar o buscador para chegar a seus ende-
tados exibidos nas buscas”, ou seja,a ordem de apresenta- reços é fingir que está tudo ótimo nofront impresso das
ção das respostas conforme a pertinência dotexto em rela- empresas jornalísticas e que sua audiência é suficiente
ção à pergunta do usuário. Constatado o problema, aasso- para sobreviverem no mundo digital. Sabemos que isso
ciação sugeriu a possibilidade de saída dos jornais do Goo- não é verdade: as audiências dos sites de jornais ainda têm
gle News, “uma vez que tal ferramenta não contribuía de números apenas compatíveis com o universo da circula-
forma significativa nem para a audiência do site dos jor- ção paga de suas edições impressas, já as assinaturas on-
nais, nem para a rentabilização da audiência”. -line ainda são pequena fração do contingente em papel.
ram até hoje se adaptar bem ao mundo digital e seguem em Muitos dos que atacam o buscador, reivindicando parte
rota cadente de circulação (nas edições em papel) e relevân-das receitas de publicidade em suas páginas, citam em defesa
cia (no meio impresso e no digital). de suas decisões o tão famoso quanto surrado pensamento
O problema não é exclusivo da imprensa brasileira. Há do economista Milton Friedman, segundo o qual “não há
alguns anos a mídia europeia também vem acusando o almoço grátis”, como a dizer que oGoogle deve pagar pelo
Google de “roubar” suas notícias, sob omesmo argumento conteúdo que indica em seu site de busca de notícias em
de que o buscador não paga direitos autorais para divulgar resposta a pesquisas de leitores. O próprio diretor-execu-
esse conteúdo. Editores franceses ameaçaram a empresa tivo da ANJ, Ricardo Pedreira, deu a entender isso ao afir-
com punições baseadas em novas leis de direitos autorais. mar, após a resolução de saída dos jornais brasileiros do
Em meio à disputa, o Google aceitou, em acordo assinado buscador, que o “Google entende que não deve pagar pelo
com o presidente da República, pagar US$ 80 milhões em conteúdo, que pode usá-lo livremente”5.
subsídios para a pesquisa de novas plataformas digitais. O O discurso sugere que o Google seja o comensal. O que é
entendimento, feito para aplacar a tensão na região onde revelador de que os dirigentes brasileiros da mídia impressa
o Google é ainda mais dominante do que
nos Estados Unidos (tem cerca de 90% de
share de mercado), foi um enigma: todos
os envolvidos comemoraram vitória. Os 154 jornais reunidos na
No último dia primeiro de março, o Par-
lamento alemão aprovou lei de direitos
autorais que autoriza o Google a repro-
ANJ afirmam que seu conteúdo
duzir pequenos trechos das reportagens. é reproduzido na internet sem
A lei pareceu descontentar todos os lados
em disputa, mas reconhece que o busca- remuneração ou autorização
dor pode usar parte do conteúdo como
referência sem ferir o direito autoral.
Deputados alinhados com a reivindica-
ção dos jornais tentarão mudar a lei no Senado alemão. tampouco entenderam o que disse o economista norte-
Há outras disputas semelhantes em curso em mais paí- -americano, ganhador do Nobel de Economia de 1976.
ses da Europa, sempre em torno do argumento comum Friedman dizia apenas que tudo tem um custo e alguém
de que o Google se apropria de conteúdos dos jornais ao há de pagá-lo. Praticamente em toda a sua vida adulta, no
publicar o início dos textos nas respostas das buscas do entanto, Friedman assistiu à TV aberta e chegou a produ-
usuário e deveria repassar um pedaço das receitas que zir um programa com sua mulher. Sabia que o “almoço não
obtém com publicidade em suas páginas 3. é grátis”, mas que ninguém paga para ver o conteúdo da
Em artigo recente para a revista
Forbes, Jeff Bercovici cri- TV aberta, por exemplo. O consumidor paga a luz (como
tica o posicionamento europeu e afirma que as medidas são também acontece com o usuário de internet); paga o apa-
absurdas porque o Google News ajuda a imprensa, e não arelho de TV (como o internauta paga o computador e a
atrapalha. No texto “Por que editores precisam parar de se conexão). Mas a programação da emissora é remunerada
preocupar e aprender a amar o Google”, Bercovici explicapela publicidade. Bingo: o almoço não sai de graça, mas o
que o buscador elenca a aparição dos websites de notícias de consumidor não paga a conta do conteúdo.
1 http://info.abril.com.br/noticias/internet/foi-bom-sair-do-google-news-diz-anj-28102012-7.shl
2 www.anj.org.br/sala-de-imprensa/noticias/jornais-brasileiros-fora-do-
google-news-esclarecimento-da-anj-associacao-nacional-de-jornais 3 www.nytimes.com/2013/02/18/technology/a-first-step-on-continent-for-google-on-use-of-content.
html?pagewanted=1&_r=1 4 www.forbes.com/sites/jeffbercovici/2013/02/25/why-publishers-need-to-stop-worrying-and-learn-to-love-google/ 5 www.estadao.com.br/noticias/
impresso,boicote-ao-google-news-no-brasil-vira-referencia-,951639,0.htm6 www.techdirt.com/articles/20121019/07505220761/brazilian-newspapers-apparently-dont-want-
7
traffic-they-all-opt-out-google-news.shtml=_blank www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/7395 9-boicote-de-jornais-do-brasil-ao-google-vira-modelo-no-exterior.shtml
8 http://www.techdirt.com/articles/20121019/07505220761/brazilian-n ewspapers-apparently-dont-want-traffic-they-all-opt-out-google-news.shtml=_blank
tes por terem comida de qualidade, sabor único, receitas Mesmo que não percam audiência significativa (o que
que não podem ser encontradas em qualquer outro lugar, parece difícil, dado que o Google gera algo em torno de 4
cabe aos sites de jornais tornarem-se reconhecidos por suabilhões de cliques a novos sites por mês, segundo o artigo
qualidade única, e diante da adesão de consumidores, atra-citado ), os jornais não entenderam que o problema não gira
8
írem anunciantes e clientes que paguem pela assinatura. em torno, somente, desse contingente. Ao pedir sua exclu-
Quer dizer, se uma pequena sinopse exibida na homepage são do Google News, os jornais perdem a chance de turbi-
do Google News satisfaz o leitor, significa que o artigonão nar e revigorar suas marcas na web; deixam de se posicio-
capta a sua atenção. O problema, claramente, não reside nonar bem no ambiente digital. Renunciam a se apresentar aos
buscador, mas na indiferenciação do noticiário, que resulta olhos de uma imensa população jovem, que é “nativa digi-
em indiferença no consumidor. tal” – expressão usada por Caio Túlio Co
sta em “Analógicos
Agora, pergunte-se, leitor, como internauta que certamente
versus digitais”, na segunda edição desta
Revista de Jorna-
o que lismo ESPM– e que poderia ser cativada. Além disso, a ideia
é: há algo dessa qualidade alta e diferenciadora naquil
nos oferecem os sites dos jornais brasileiros reunidos na de que servem a um “público fiel” é contraproducente, uma
inglória disputa com o Google? O consumidor parece dizervez que esse público é restrito (não se renova) e tende a não
que não. Desde que os grandes jornais deixaram o Googleaumentar. Em um país onde os números de consumidores e
News, a audiência do buscador não caiu; suas páginas seguemde internautas crescem e os leitores de jornal somem, parece
trazendo resultados para as consultas dos leitores em buscapouco ambicioso contar somente com seus “leitores fiéis”.
de notícias sobre temas de seu interesse, mas as respostas Ao mesmo tempo, ao não oferecer um conteúdo que seja
apontam para sites de empresas quase sempre sem ligaçãosuficientemente distinto do jornal em papel e dos demais
com os grandes jornais em papel: são sites independentes,sites de jornal a ponto de justificar uma fidelização do lei-
portais, sites ligados às TVs e, às vezes, pequenos jornais dotor digital e contrabalançara perda de audiência do papel,
interior. E todos eles têm noticiário completo, semelhanteos jornais vão perdendo a onda da história agarrados aos
aos sites dos grandes jornais, desde logo porque compram,restos de um barco que afunda rapidamente.■
comocommodities, as mesmas notícias de agências que com-
põem a maior parte do conteúdo dos sites de grandes jor-leão servaé jornalista e escritor, autorJornalismo
de e Desinformação
nais filiados à ANJ. (Há um aspecto curioso, que sugere que(Senac, 2001). O diretor da agência de conteúdo Santa Clara Ideias
mesmo as grandes empresas jornalísticas não têm convicção Folha de S.Paulo
ocupou diversos cargos na , em Notícias Popularese no
formada sobre o que defendem: enquanto O Globo deixou o Diário de S.Paulo. Também dirigiu a revistaPlacar e foi responsável pela
Google News, seu coirmão G1 – também das Organizaçõesimplantação doÚltimoSegundo, do portal iG, entre outras publicações.
p o r judith matloff
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um após o outro. Quase todo mundo na conferência, tanto do México E
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Um geek de computação falou sobre tigações, coordenaram publicações e um movimento nacional”, disse Ginna.
encriptação de dados. Veio em seguida até encenaram um blecaute de notí- “Esqueça a exclusividade.”
uma palestra sobre como esquivar- cias para protestar contra um assas- “Uau”, sussurrou o repórter a meu
-se de agressores. A conversa conti- sinato. Eles convenceram as autori- lado. “Isso é inspirador.”
nuou, abordando o tema de como agir dades a lhes fornecer guarda-costas. O México é um dos locais mais
quando o repórter na mesa ao lado “Eu não conseguia mais ficar perigosos para a prática do jorna-
trabalha para bandidos. calada”, ela comentou, a propósito lismo, devido à impunidade dos car-
Ginna Morelo então se levantou, e a da decisão, tomada havia seis anos, de téis de drogas. Até o fechamento
sala ficou em silêncio. A pequena mas fundar com amigos uma rede inves- da edição de janeiro da Columbia
resistente repórter investigativa deEl tigativa que agora se espalhava pelo Journali sm Review (CJR), mais de
Meridiano de Córdoba, da Colômbia, país. A organização hoje tem 87 mem- 80 jornalistas haviam sido assassi-
contou como jornalistas de seu país bros ativos e uma lista de seis mil nados e 16 sequestrados num perí-
tinham enfrentado a violência relacio- e-mails. Os repórteres do grupo tra- odo de 12 anos, porque escreveram
nada ao tráfico de drogas duas décadas balham juntos em histórias que seriam sobre as atividades de gangues em
antes. Os colegas formaram uma rede perigosas demais ou difíceis de apu- guerra. Muitos repórteres se tor-
nacional que, com o tempo, conseguiu rar por uma pessoa só. “O que come- naram clandestinos e outros tan-
proteção do Estado para a imprensa. çou com dois jornalistas sediados em tos foram silenciados pelo medo.
Concorrentes colaboraram em inves- Bogotá foi aumentando até se tornar Segundo dados divulgados em Gene-
que também
financiar ajudou
guardas 20 jornalistas
armados ao
ou passa- barões da droga definirem regras,
gens de avião para que pudessem via- de modo que seus jornalistas
jar para outras cidades. Mesmo assim,
repórteres independentes dizem que soubessem o que passava do limite
os beneficiários estão amplamente ali-
nhados a autoridades do Estado e que
a maioria dos jornalistas só conta con-
sigo mesmos – comunicando-se em
código para evitar escutas clandesti-
nas de oficiais cúmplices, por exem- tórias e convidaram especialistas a nal El Mañana anunciou que pararia
plo, ou viajando em grandes grupos explicar coisas como senhas de pro- de cobrir disputas violentas entre gru-
até cenas de crime. teção e alteração de rotinas. Regu- pos rivais depois do segundo ataque
Uma líder local é Rocío Gallegos, larmente, eles conferem o estado com granada que atingiu seus escri-
a resoluta editora do jornal El Diario emocional um do outro. É um misto tórios em dois meses. Os moradores
de Juárez, na cidade fronteiriça que de grupo de apoio com sindicato de da cidade se valem do Facebook para
por muito tempo sustentou a distin- desenvolvimento profissional. “Esta- saber a respeito detiroteios, que geral-
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ção dúbia de ser a capital mundial belecemos alianças entre jornalistas, mente são mencionados sob o eufe-
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d do homicídio. Ela é lembrada diaria- de maneira que podemos tomar conta mismo “festas”. Os jornalistas se põem
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1 mente dos perigos que corre ao colo- um do outro”, explicou Rocío. “Os a pensar em como conseguir voltar a
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d car sua pasta na baia em frente à de furos ficam em segundo plano.” fazer seu trabalho direito.
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Armando Rodríguez, um repórter “A colaboração não funcionaria,
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policial morto a tiros em 2008. Sua Imprensa amordaçada porque não cobrimos mais essas notí-
ro i estação de trabalho tem servido de cias”, observou secamente Daniel
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e memorial, com flores murchas cor de A ideia está se espalhando. Uma repór- Rosas, editor on-line do El Mañana.
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o laranja e um porta-retratos empoei- ter da cidade de Chihuahua que par- “Gosto da ideia, porém.”
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rado. O colega do outro lado de Rocío ticipou de uma sessão saiu tão entu- Então ele desistiu totalmente?
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tinha enfeitado sua mesa com fitas siasmada que criou a própria seção “De forma alguma”, disse Rosas. “A
ca il de isolamento policial e cápsulas de ao voltar para casa. Os membros são decisão de Ginna Morelo, da Colôm-
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balas encontradas em cenas do crime checados para se ter certeza de que bia, de quebrar o silêncio realmente
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li do narcotráfico. não estão agindo como informantes me impressionou. Temos de encon-
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As coisas iam tão mal em Juárez há dos traficantes, já que a falta de con- trar uma forma de fazer isso aqui.” ■
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S l dois anos queEl Diario implorou para fiança nas redações é uma reclamação
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os barões da droga definirem regras, comum. “Tivemos de tomar a inicia- judith matloff é editora
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de modo que seus jornalistas soubes- tiva”, disse Patricia Mayorga, da publi- contribuinte da Columbia Journalism
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sem o que passava do limite. “O que cação on-line Omnia. “Ninguém mais Review (CJR). Veterana correspondente
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p vocês querem de nós?”, perguntava o está olhando por nós.” estrangeira, ela ministra curso sobre
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editorial, que saiu na primeira página. Mesmo assim, medidas como essas reportagem de conflitos na Columbia
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Os editores nunca receberam res- ainda permanecem distantes de repór- University e é autora de Fragments of
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posta, então Rocío tomou o problema teres em locais como a cidade de fron- a Forgotten War (Fragmentos de uma
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te para si. No ano passado, ela criou uma teira de Nuevo Laredo, onde o cartel Guerra Esquecida) e Home Girl – Building
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associação informal de repórteres de Zetas impõe tanto terror que muitas a Dream House on a Lawless Block
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x espírito independente, cansados da pessoas não pronunciam seu nome (Nova no Pedaço – Construindo a Casa
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O autocensura. Eles reuniram suas his- em voz alta. Em julho de 2012, o jor- dos Sonhos em um Quarteirão sem Lei).
Compromisso de risco
Casos de jornalistas obrigados a exilar-se
para se proteger de ameaças acendem
o sinal vermelho no Brasil
a imagem que abre esta matéria é um retrato da situação do jornalismo a afirmação se confirmou nos meses
investigativo no Brasil, apesar de mostrar o outdoor de um prédio do South seguintes. Boa parte dos mortos não
Bronx – área do bairro mais pobre de Nova York, que já foi um dos redutos tinha passagem pela polícia. Em mui-
da violência nos Estados Unidos. A placa alerta a comunidade para denun- tos casos, pessoas de fora dos bairros
ciar policiais que ajam fora da lei, fotografando, filmando evisando
a por celu- foram vistas recolhendo cartuchos de
lar sobre qualquer excesso cometido por agentes públicos que têm como balas espalhados nas cenas dos cri-
dever garantir a segurança dos cidadãos. O que isso tem a ver com o nosso mes antes da chegada da polícia.
país? A foto foi feita com a câmera do celular do repórter André Caramante, Em 13 anos deexperiência de cober-
do jornal Folha de S.Paulo, durante o exílio de 90 dias que ele e a família vive- tura da segurança pública, o repórter
ram entre setembro e dezembro do ano passado, devido a ameaças que pas- da Folha denunciou a existência de
sou a sofrer após publicar uma reportagem sobre o então candidato a verea- sete grupos de extermínio formados
dor Paulo Telhada – ex-comandante da Rota – eleito como o quinto mais por policiais. Por causa disso, acumu-
votado no pleito municipal de outubro, em São Paulo. lou processos por “calúnia e difama-
No texto “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”, ção” de agentes que se sentiram atin-
publicado em 14 de julho, Caramanteescreveu que o policial reformadousava gidos. Não foi condenado em nenhum
sua página pessoal “para veicular relatos de supostos confrontos com civis (sem- deles, mas viu o time de desafetos cres-
pre chamados de ‘vagabundos’)”. A reação não tardou. No mesmo dia,Telhada cer. Para Caramante, as ameaças con-
postou críticas ao repórter e sugeriu que se deveria reagir contra os “notórios tra ele e a família partiram de simpati-
defensores de bandidos”, como ele qualificou Caramante. Nas semanas que se zantes de policiais como esses.
seguiram, dezenas de apoiadores da página publicaram ameaças ao jornalista. “Foram feitas ligações anônimas à
Desde maio de 2012, a violência explodira em São Paulo, com a ocorrência redação da Folha dizendo que sabiam
de chacinas em bairros da periferia seguindo um padrão: homens encapuza- onde eu moro, onde fica a escola de
dos chegavam em motos ou carros pretos, desciam e executavam seus alvos. meus filhos e que a ‘nossa hora’ estava
As ações aconteciam sempre após atentados que tiveram como alvos poli- para chegar”, conta.“Além disso, pos-
ciais. André Caramante escreveu que se tratava de uma guerra entre o PCC taram uma foto do diretor de redação
(a organização criminosa Primeiro Comando da Capital) e policiais militares do jornal, Sérgio Dávila, como sendo
da Força Tática e da Rota (a sigla para o Batalhão de Polícia de Choque Ron- eu. Entendi como um recado também
das Ostensivas Tobias de Aguiar). Apesar de veementes desmentidos oficiais, à direção da empresa de que o cerco
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se apertava. Então, em comum acordo mos os bilhetes de embarque, fui reti- longa. Em silêncio na maior parte
com o jornal, se decidiu que eu deve- rado da fila, já no finger, por funcio- do tempo, e mal conseguindo dor-
ria trabalhar a distância.” nários da Infraero e da Polícia Fede- mir, Caramante e a mulher tentavam
A estratégia durou menos de três ral. Estava com meu filho mais novo antecipar o futuro se perguntando
semanas. Caramante e a Folha con- no colo. Minha mulher ficou com ele quando a vida da família voltaria ao
cluíram que não era seguro perma- e com nossa filha, aguardando minha normal. Lá fora, embora se sentindo
necer na cidade. No dia 11 de setem- liberação. Fui conduzido para trás de em segurança, o casal de jornalistas
bro, o repórter, a mulher e os dois um biombo, longe da vista dela. Pedi- descobriu que a democracia brasileira
filhos – um com menos de 2 anos e a ram que eu levantasse a camisa e apli- produz exílios.
outra com menos de 5 – embarcaram caram um produto químico nas bar-
para Nova York. Por causa da data, ras da minha calça, no tênis, cinto e Ameaças seguem padrão
que remete aos atentados às Torres também em minhas mãos. Questio-
Gêmeas do World Trade Center, na nei o procedimento e ouvi que se tra- O jornalista Mauri König, 47 anos,
Big Apple, ao escritório e residência tava de uma verificação de rotina para acompanhou com interesse cada
presidencial da Casa Branca e à sede ‘saber se eu transportava algum tipo passo da saga de Caramante. Repór-
do Departamento de Defesa ameri- de material ilícito’. Indaguei também ter do jornal Gazeta do Povo , do
cano (Pentágono), em Washington, as o motivo de ter sido o único a passar Paraná, e diretor da Associação
tarifas de voos para os Estados Unidos pelo procedimento, em um voo de Brasileira de Jornalismo Investiga-
continuam mais baixas no “nine-ele- 230 passageiros. Responderam que tivo (Abraji), o fez por solidariedade
ven”, mesmo tendo se passado 11 anos. meu filho, um bebê, havia sido ‘esco- profissional e humana, mas também
Na saída do Brasil, em vez de alí- lhido por amostragem’. Como estava porque a experiência do colega o
vio, um inesperado momento de ten- em meu colo, coube a mim passar pela lembrou das duas ocasiões em que
são. “Fomos retidos por 40 minutos averiguação especial. Só então fui libe- esteve frente a frente com o perigo.
na emigração, aguardando a libera- rado para embarcar. Todos os demais A primeira no ano 2000, quando foi
ção de nossos quatro passaportes”, passageiros já estavam acomodados.” detido, espancado e “deixado para
recorda Caramante. “Passageiros que O episódio, como era de prever, morrer” por policiais paraguaios,
chegaram depois foram liberados sem fez a viagem de pouco mais de nove como recorda, por haver denun-
a mesma vistoria. Depois de entregar- horas até Nova York parecer mais ciado em reportagem para o jornal
Quando as ameaças a André e A entrevista foi publicada no blog da fissionais de imprensa e assassinatos,
Mauri se tornaram públicas, entida- jornalista, no dia 8 de outubro, no site bem como pela impunidade de quem
des profissionais de jornalistas de da revista ÉPOCA 1. comete esses crimes”, afirma.
todo o país e também organizações Ivo Herzog, diretor do Instituto
humanitárias do Brasil, Estados Uni- Vladimir Herzog, tinha apenas 9 anos O maior prêmio de todos
dos e Europa logo manifestaram soli- quando o pai, Vladimir, foi morto na
dariedade, fazendo ecoar nas redes ditadura. Ele explica que o instituto Mauri König e André Caramante são
sociais a denúncia do risco que eles articula, ao lado da Abraji, da Conec- jornalistas premiados. Colecionam
sofriam e cobrando das autoridades tas, da organização Repórteres sem reconhecimentos profissionais e tam-
brasileiras providências no sentido de Fronteiras e do Centro de Informações bém outros que resultam dos com-
protegê-los. A Anistia Internacional, o das Nações Unidas no Brasil, a criação promissos assumidos com o interesse
Comitê para a Proteção dos Jornalis- de um grupo de proteção a jornalistas público e a defesa dos direitos huma-
tas, a Abraji, o Instituto Vladimir Her- ameaçados. Nemércio Nogueira, dire- nos. Em 2012, König recebeu o Prê-
zog, o Comitê Paulista pela Memó- tor executivo do Instituto Vladimir mio Internacional de Liberdade de
ria, Verdade e Justiça, a Conectas, e Herzog, explica que um dos objetivos Imprensa concedido pelo CPJ, que
a Federação Nacional dos Jornalistas é prestar assistência jurídica aos ame- dedicou a colegas perseguidos em
(Fenaj), entre outras organizações, açados. “É indispensável que a socie- outros países e à memória do jorna-
iniciaram uma mobilização que deu dade como um todo se conscientize de lista Tim Lopes, morto em 2002 por
resultado. No caso de Caramante, ela que, institucionalmente, a população traficantes, no Rio de Janeiro. No ano
ganhou escala com a entrevista conce- é a maior prejudicada na medida em passado, Caramante foi lembrado no
dida por ele à jornalista Eliane Brum, que seu direito à informação é frus- discurso de abertura do 34º Prêmio
já estando fora do país, que recebeu trado ou cerceado, seja por qualquer Vladimir Herzog de Direitos Huma-
mais de 300 mil acessos. O barulho tipo de censura, pela excessiva judi- nos como alguém que deveria estar
virtual demonstrou que o tema estava cialização da atividade jornalística, presente à cerimônia, “e não estava
nas ruas. Não há comoduvidar de que pela intimidação, por manobras decor- ali por se encontrar exilado”. E foi um
contribuiu para ambos e suas famí- rentes de corrupção e desvio de fun- dos ganhadores do 16º Prêmio Santo
lias voltarem ao país em segurança. ção, pela violência física contra pro- Dias de Direitos Humanos, da Comis-
1 http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/10/um-reporter-ameacado-de-morte.html
Vladimir Herzog, da TV Cultura, morto sob tortura em 1975 O jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino
, assassinado em 1971
são de Direitos Humanos da Assem- melhor roupa e subiu ao púlpito da Caramante não pode exercer o direito
bleia Legislativa do Estado de São Assembleia Legislativa, deixou sua constitucional de ir e vir, no que se
Paulo, entregue três dias antes de sua dor de lado para engrossar a home- refere ao trajeto casa-trabalho-casa.
volta dos Estados Unidos. Para rece- nagem a Caramante. Perguntou se A Folha disponibiliza um carro para
ber o diploma em seu lugar, pediu ele e a família estavam bem e quis apanhá-lo e, ao final da jornada, levá-
que a diarista Maria da Conceição saber quando voltariam. Contou a -lo de volta. Os motoristas do jornal já
Ferreira Alves o representasse. Ela todos que nunca antes alguém havia se habituaram ao fato de que ele sem-
é mãe de Antonio Carlos Silva Alves, se referido ao filho dela com o res- pre pede para descer em uma esquina
morto aos 31 anos no dia 8 de outubro peito demonstrado pelo repórter. em que não existe nem casa nem pré-
de 2008, na periferia paulistana, por Por causa de compromissos assim, dio. E é também por ali que sabem
policiais militares queprovavelmente André e Mauri foram convidados a que devem buscá-lo.
confundiram a dificuldade dele para participar de uma reunião de um Mauri König ainda não se acostu-
falar – decorrente de sua deficiência grupo de trabalho criado pela Secre- mou a chegar em casa e não encontrar
intelectual – com uma ardilosa estra- taria de Direitos Humanos da Pre- a mulher e o filho. Seu tempo presente
tégia para enganá-los. Seu corpo foi sidência da República, em Brasília, é um eterno sonhar com o futuro em
encontrado no dia seguinte, a muitos em fevereiro, a convite da ministra que estarão novamente juntos.
quilômetros de casa, com a cabeça Maria do Rosário. Ali, eles finalmente Os dois repórteres contabilizam as
e mãos decepados para dificultar a se conheceram e tiveram a oportuni- perdas. Sem dúvida, são pequenas,
identificação. Os policiais responsá- dade de relatar suas experiências aos comparadas ao que significa imagi-
veis pelo crime foram identificados, demais presentes – um deles, dele- nar que reportagens poderiam estar
presos e expulsos da PM. O advogado gado da Polícia Federal. fazendo se o país fosse capaz de pro-
de defesa conseguiu anular o julga- Na volta ao Brasil, em comum teger do risco máximo os jornalistas
mento. Três foram soltos. Na Folha, acordo com os jornais em que tra- que têm compromisso. ■
André Caramante relatou cada passo balham, Mauri König e André Cara-
dessa saga com ares de farsa. Maria mante se afastaram momentanea- milton bellintani é jornalista e
da Conceição escreveu uma carta à mente da cobertura de segurança professor. Foi editor de publicações como
presidente Dilma Rousseff relatando pública com o objetivo de deixarem Claudia, Quatro Rodas e Placar, e editor
que ela e a família passaram a sofrer de ser alvos e de proteger as famílias. adjunto do caderno Cotidiano, do jornal
ameaças. Na noite em que vestiu sua Há mais de seis anos e meio André Folha de S.Paulo.
algu ns me se s atr ás , no site do minando o que aconteceu na Nova a investir naquilo que ela frequente-
Poynter Institute, Bill Adair, do Poli- Orleans pós-Katrina, quando um blog mente não faz: reportagem investiga-
tiFact (projeto do Tampa Bay Times hoje conhecido como The Lens (The- tiva. E, mais uma vez, como muitos
que visa verificar a precisão de ale- LensNola.org) ganhou legitimidade outros lançamentos, o Lens afirma
gações feitas no meio político), inci- e público, mas talvez em detrimento sua autoridade nesse trabalho con-
tava: “Vamos ‘dinamitar’ a matéria da inovação. Os autores, estranha- tratando repórteres que dedicaram
jornalística”. O jornalismo tem de mente, dão ao Lens um pseudônimo anos de serviço ao jornalismo sério em
ser reimaginado desde as suas bases, – The New Orleans Eye (A Visão de empresas convencionais de notícias.
argumentava ele, a começar por sua Nova Orleans) – sem deixar claro Mas o Lens se tornou um blog de
pedra fundamental, a “notícia”. “É que, de fato, estão fazendo isso. Usa- jornalismo cidadão arrojado, que per-
tempo de repensar a unidade do jor- mos aqui o nome verdadeiro, com seguia obstinadamente o caos buro-
nalismo... Vamos despedaçá-lo. Vamos sua permissão. crático nos esforços de reconstru-
reinventar a maneira de dar as notí- ção de moradias da Nova Orleans
cias e propor algumas formas novas.” Jornalismo investigativo pós-Katrina. Quando o blog buscou
Quer este seja um bom ou um mau crescer como uma empresa de notí-
conselho, é muito mais fácil dizer do Como muitas outras novas empresas cias completamente financiada, ele
que fazer. Essa é a lição que os soció- de notícias on-line cheias de vivaci- se concebeu como “um blog ‘nervoso’
logos Stephen Ostertag e Gaye Tuch- dade, o Lens é pequeno (nove funcio- sobre o uso da terra” e se voltou à
man ensinam em “When Innovation nários e um orçamento de US$ 480 mil Open Society Foundations (instituição
Meets Legacy” (“Quando a Inovação em 2012) e financiado principalmente filantrópica fundada com o objetivo
Encontra a Tradição”), um artigo por fundações (Knight, Open Society de contribuir para o fortalecimento
publicado em 2012 no Information, Foundations e outras). da democracia) para obter fundos.
Communication & Society (periódico O Le ns é também como muitas A Open Society aconselhou o Lens
internacional cujo tema é o desenvol- outras publicações recém-lançadas, a mudar de uma parceria com cida-
vimento e a aplicação de tecnologias no sentido de que se dedicou não a dãos que faziam reportagem “blo-
de informação e comunicação) exa- replicar a mídia tradicional, mas sim gando” para um modelo mais con-
vencional de notícias, com um sis- trar competência”. Não exatamente da NPR), ganhou legitimidade com
tema de editorias completo, edito- uma descoberta digna de manchete as fontes, uma presença no ar e uma
res profissionais com credenciais do principal, essa é mais uma confirma- grande quantidade de espectadores.
jornalismo impresso e um corpo de ção de que sociólogos às vezes reafir- E isso deu à boa reportagem inves-
diretores (do qual Ostertag se tornou mam o óbvio. Mas Ostertag e Tuch- tigativa uma nova aceitação, porém
membro depois de completar a pes- man colocam o óbvio em um con- mais uma vez restringiu a nova publi-
quisa para seu artigo). texto que lhe dá alguma sustentação. cação a objetivos jornalísticos facil-
O Lens seguiu o conselho e alterou o mente reconhecíveis. Adeus à ideia
R J formato, daquilo que o software livre Sem surpresas de “dinamitar notícia”.
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do Google possibilitava fazer para O Lens acumulou prêmios locais de
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0 colunas regradas de jornal; sua prosa Para eles, a ênfase das fundações em jornalismo e até mesmo notáveis prê-
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saiu da primeira para a terceira pes- “competência” no âmbito da experi- mios nacionais, mas se um novato no
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m soa; e sua “voz”, de direta e pessoal, mentação produz um resultado irô- ramo jornalístico não consegue ganhar
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/ para a “voz” objetiva das redações jor- nico: os financiadores que defendem força com financiadores, fontes, par-
ro
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b nalísticas. Expandiu sua cobertura de a inovação acabam por bloqueá-la. ceiros e audiência quando se distancia
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o notícias do uso da terra à responsabi- Eles dão às jovens empresas jornalís- dos elementos básicos da cobertura
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d lidade geral do governo: “finanças e ticas os meios para crescer, mas, ao de notícias convencional, ele tem de
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política, pavimentação, ar e água, uso pressioná-las a contratar profissionais abandonar o sonho da inovação? Ou
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da terra, escolas, investigação e crime para produzir jornalismo de qualidade deveríamos começar a nos pergun-
o
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a e punição”. A Open Society gostou das da forma convencionalmente enten- tar se “inovação”, em si, longe de ser
ilc
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b mudanças e, quando o Lens solicitou dida, eles também dão pouco espaço um sinônimo para liberdade, é uma
p
n
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t uma subvenção maior, conseguiu. para as surpresas. nova camisa de força conceitual? ■
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l A Open Society e outras fundações, Quando o Lens se tornou parceiro
in relatam Ostertag e Tuchman, favo- do canal de televisão WVUE da Fox 8 michael schudson e katherine fink
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recem “empreitadas experimentais (e em setembro anunciou uma parce- são colaboradores da Columbia
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T que tenham capacidade de demons- ria com a rádio WWNO-FM, afiliada Journalism Review (CJR)
SERIADO
House os Cards
Beau Willimon
e David Fincher
Netflix
Todo poder
Ao retratar (sem concessões) não
apenas o cotidiano dentro dos carros,
mas se posicionando politicamente,