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Unidade II

Unidade II
5 A Geopolítica

Introdução

É comum a confusão entre os conceitos de geografia política e geopolítica. Embora sejam interligados,
ambos possuem diferentes objetos de estudo. Todavia, inicialmente as respectivas áreas se mesclavam
e não possuíam um enfoque definitivo que as diferenciasse de forma clara e objetiva. Assim, esta
unidade evidenciará a importância do pensamento de Ratzel e de outros teóricos da geografia política/
geopolítica para o entendimento das questões referentes à sociedade, à delimitação dos territórios, ao
conflito de poder entre os Estados e, principalmente, ao conceito de Estado‑nação e seu papel sistema
internacional de poder.

5.1 As relações entre sociedade, Estado, território e poder

A geopolítica é um tema contemporâneo que surgiu após o período da Guerra Fria e da


subsequente transformação do paradigma das relações internacionais – de bipolaridade para
multilateralidade. Esse tema trouxe um impacto nas interfaces sociais, políticas e econômicas. Todavia,
para compreender esse fenômeno, que está intrinsecamente ligado ao processo de globalização,
torna‑se essencial compreender três elementos básicos de uma nação e sua inter‑relação, são eles:
sociedade, espaço e poder.

Para diversos pensadores das ciências sociais e da política, como Hobbes, Locke e Rousseau,
a sociedade era definida e associada à criação do Estado, visto que suas concepções advinham do
pensamento e reflexão da natureza humana. Com sua obra Leviatã, Thomas Hobbes foi possivelmente
um dos primeiros dentre os demais filósofos políticos a enfatizar de uma maneira sistemática as
questões relativas à origem da sociedade. Entretanto, era fundamental distinguir o estado de natureza
e a sociedade para que se justificasse a livre associação entre os homens em uma espécie de “acordo
artificial”. Hobbes afirma que:

O maior dos poderes humanos é aquele que é composto pelos poderes de


vários homens, unidos por consentimento numa só pessoa, natural ou civil,
que tem o uso de todos os poderes na dependência de sua vontade: é o caso
do poder de um Estado (HOBBES, 1988, p. 53).

Não obstante, observa‑se a importância do território como expressão legal e moral de um Estado,
sendo a união entre o solo e o povo que ali habita a constituição de uma sociedade. Essa definição,
dada por Friedrich Ratzel, refere‑se à associação da territorialidade a uma identidade específica –
seja de cunho cultural ou referente à proximidade geográfica –, de forma a não haver, teoricamente,
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contradições internas a um determinado Estado, que seria fixo em tempo e espaço, características que
só seriam alteradas por meio do uso da força (RATZEL, 1990).

Contudo, no decorrer dos últimos 20 anos, essa concepção de território recebeu um sentido diferente,
mais amplo, e abordou uma vasta gama de questões pertinentes ao domínio físico e/ou simbólico
de determinada área. Atualmente, denota‑se que as fronteiras que separam os indivíduos no século
XXI revelam uma pluralidade de diferenças que se estendem nas vertentes culturais, no alinhamento
político e nas associações regionais entre as nações. Assim, o estudo dos territórios ganhou novamente
importância devido ao fim da bipolarização, tanto do ponto de vista militar quanto econômico, e deu
espaço para o desenvolvimento de novos acordos federativos que legitimam as novas políticas e as
chamadas áreas de influência. Dessa forma, o estudo dos territórios serve como base para o entendimento
de fenômenos do mundo moderno, como a fragmentação e a regionalização.

No decorrer das décadas, nota‑se que esses conceitos foram se adaptando à realidade das nações
e do mundo e deram origem à ideia de Estado‑nação – apesar da diferença entre esses dois conceitos
– e seu respectivo papel no ordenamento político, econômico e cultural na conjuntura global. Assim,
segue‑se ainda a premissa de que um Estado, para ser reconhecido como tal, deve cumprir quatro
condições básicas: ter uma base territorial, ter fronteiras definidas geograficamente, ter uma população
e ter um governo reconhecido por essa população e pelos demais Estados independentes. A diferença
crucial entre o conceito de Estado e nação, portanto, recai sob o fato de que a nação é representada por
um grupo de indivíduos que compartilham do mesmo conjunto de características, ou seja, costumes,
linguagem e história (MINGST, 2009).

A denominação Estado‑nação se torna uma ferramenta de autodeterminação e criação da identidade


nacional, ferramenta esta soberana e que possui o poder de decidir as condições e ideais aos quais
se deve ou não submeter. Entretanto, os Estados estão constantemente envolvidos em conflitos para
(re)definirem questões territoriais, seja por litígios oriundos de problemas históricos, por tentativa de
expansão territorial de seus domínios ou por interesses econômicos e estratégicos.

Dessa forma, é possível dizer que:

Entre outros conceitos de Estado, figuram: o Estado é uma ordem normativa,


um símbolo para uma sociedade particular e as crenças que unem o
povo que vive dentro de suas fronteiras. Também é a entidade que tem o
monopólio legítimo do uso da violência dentro de uma sociedade. O Estado
é uma unidade funcional que assume várias responsabilidades importantes,
centralizando‑as e unificando‑as [...] (MINGST, 2009, p. 96).

No entanto, numa perspectiva mais ampla, é possível reconhecer que a nova geopolítica das nações
na virada do século XXI tem demonstrado um grande movimento de mobilização social e política a favor
de transformações sociais e igualitárias de sociedades afetadas por alterações no sistema mundial.

Depois dos anos 1990, o mundo passou por uma era de conflitos ideológicos seguidos de uma
reafirmação do ideal liberal, aprofundando‑se cada vez mais em debates que envolvem, implícita
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ou explicitamente, temas como poder e manutenção do status quo28 e da situação do sistema


internacional.

Portanto, o cenário global vivencia uma constante redefinição e reposicionamento dos players
no contexto socioeconômico e torna‑se impossível compreender essas relações de poder sem ter
conhecimento do real significado da palavra poder e de sua aplicação na geopolítica contemporânea.
Dessa forma, deve‑se ressaltar, a priori, a relevância dos pensadores clássicos e sua abordagem no campo
da ciência política, juntamente com o entendimento dos conceitos de realismo e idealismo, utilizados
constantemente para explicar os acontecimentos e a dinâmica internacional.

O estudo da geopolítica e das relações internacionais inevitavelmente envolve o estudo das relações
de poder entre os Estados. Todavia, poder é uma palavra que pode ser usada em diversos contextos
e de formas distintas. No campo geopolítico internacional, o mais importante a se compreender é
que a quantidade de poder que uma nação possui não representa, necessariamente, sua política ou
comportamento no cenário global.

Quando nações agem e fazem uso do poder para impor seus interesses – a exemplo de medidas
coercitivas – ou simplesmente se deixam ser influenciadas pelas outras, há uma instabilidade e surgem
descontinuidades na política entre os Estados. Há um confronto entre a manutenção do poder e o uso
efetivo da força. Uma das abordagens que define as questões de poder nas relações internacionais é a
descrita como realismo defensivo, caracterizado por Kenneth Waltz como a tendência que as nações
possuem de buscar o equilíbrio, dando origem ao termo balança de poder (VESENTINI, 2007).

Assim, a balança de poder, seja ela regional, global ou sistêmica, pode ser também unipolar, bipolar,
multipolar equilibrada ou multipolar desequilibrada:

• unipolar: quando uma potência hegemônica está presente, ou seja, quando um Estado possui
mais poder perante os demais que compõem o sistema;

• bipolar: dois Estados detêm a mesma quantidade de poder, mas são superiores aos demais que
compõem o sistema;

• multipolaridade equilibrada: três ou mais Estados dentro da balança de poder possuem poder
relativamente semelhante;

• multipolaridade desequilibrada: há três ou mais Estados dentro da balança de Poder, mas


somente um deles possui mais poder que os demais.

Em um mundo globalizado, a balança de poder funciona como um eixo que norteia as decisões.
Esse eixo é composto por diversos países com pesos diferentes na política internacional. Em conjunto,
esses países conseguem fazer frente ou ao menos se destacar perante os chamados hegemons. O

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Nas relações internacionais entre os Estados, o status quo define a manutenção da situação natural e/ou da
posição favorável na qual uma nação se encontra naquele período.
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poder na geopolítica é designado por meio de diversas interfaces, sejam elas econômicas, políticas
ou bélicas. Conjugadas, elas representam uma liderança, como a que há décadas é sustentada pelos
Estados Unidos.

Contudo, para John Mearsheimer, em sua obra The tragedy of great power politics (2001), o poder ou
a falta dele determina tanto a habilidade de influenciar quanto de ser influenciado. Essas demonstrações
de poder podem ser diferenciadas entre duas vertentes. A primeira é relacionada ao poder potencial,
que leva em conta os tamanhos da população e da riqueza do Estado em questão, os fatores que
sustentarão as forças. A segunda, relacionada ao poder concreto, ilustra o panorama contemporâneo
repleto de intervenções militares e guerras regionais, no qual se destaca o poderio bélico. Aqui, a ênfase
é dada às forças armadas e às forças terrestres, navais e aeronáuticas, sendo a principal delas a terrestre,
visto que, no caso de uma conquista territorial, é ela que controlará e ocupará a região.

Desse modo, pode‑se dizer que o realismo e a estrutura de poder do sistema internacional
contemporâneo são vistos como fenômenos e conceitos relativos aos interesses individuais de um
determinado Estado‑nação. Por sua vez, esses interesses estão diretamente interligados às relações de
poder. Na geopolítica das nações, não há espaço somente para alianças baseadas em médias estatísticas,
semelhanças culturais/sociais ou analogias históricas. As questões ideológicas e relacionadas ao poder
só se fazem eficazes quando coincidem com as necessidades e interesses dos países do ponto de vista da
segurança nacional e, principalmente, do desenvolvimento econômico/social. Devido às circunstâncias,
na geopolítica atual a expansão territorial e o imperialismo dos séculos anteriores perdem lugar para o
desenvolvimento intensivo da economia, visto que novos investimentos na indústria aumentam o poder
de barganha do Estado e elevam seu status.

Logo, uma economia forte não investe necessariamente apenas em armamentos e desenvolvimento
de tecnologias bélicas, mas sim sustenta e expande sua indústria para abranger e competir no mercado
internacional. Ao valer‑se dos recursos minerais e naturais, do petróleo e da tecnologia – grande
potencial e diferencial entre as nações que os detêm ou não –, a economia se torna uma das principais
fontes de poder e sinônimo de liderança global.

5.2 Geografia política e geopolítica

Desde sua institucionalização como um ramo à parte das ciências, a geografia se deparou com a
complexidade e a dificuldade de ter de compreender e atuar sobre a organização, a diferenciação e a
produção de um determinando espaço. A multiplicidade do mundo contemporâneo, a diversidade dos
fatores atuantes sobre os indivíduos e os diversos temas que a disciplina propõe a discutir mostram
porque ela é vista como uma área complexa e dinâmica. Dessa forma, surge a concepção moderna
da geografia política como uma terminologia e/ou área específica de conhecimento consolidada nas
ciências sociais do final do século XIX.

Entre os temas por ela abordados, é recorrente a problemática da relação entre política e território,
elementos essenciais no processo histórico de formação das sociedades. De fato, as questões e os
conflitos de interesse surgem nas relações sociais e se materializam em disputas de território. As tensões
e os arranjos servem como base para uma abordagem e uma análise geográficas. Assim, pode‑se dizer
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que é na relação entre a política e o território que surge a base material e simbólica de uma sociedade
(conceito que é definido na geografia política).

Ao contrário do que se presencia atualmente, em sua origem a geografia política se colocava


no compromisso de entender o modo pelo qual a política tinha relações e era influenciada pela
geografia. Durante décadas, tentou‑se demonstrar como a distribuição de continentes, oceanos,
montanhas e cadeias, dentre outras características do ambiente terrestre, afetava direta ou
indiretamente a humanidade e subdividia o mundo em Estados, gerando a competição e o conflito
entre eles.

Como afirma Costa (2008):

É sem sombra de dúvida que o surgimento da geografia política e, sobretudo,


da geopolítica é um produto de contexto europeu na virada do século XIX
para o XX, com F. Ratzel e R. Kjéllen, respectivamente. Num plano mais geral,
entretanto, não se pode esquecer que o interesse pelos fatores referentes
à relação entre espaço e poder também manifesta um momento histórico
que envolvia o mundo em escala global, caracterizado pela emergência
das potências mundiais e, com elas, o imperialismo como forma histórica
de relacionamento internacional. Em outros termos, as estratégias dessas
potências tornaram‑se, antes de tudo, globais, isto é, “projetos nacionais”
tenderam a assumir cada vez mais um conteúdo necessariamente
internacional (COSTA, 2008, p. 58).

Em nível de análise, Ratzel procurou elaborar uma teoria das relações entre a política e o espaço e
introduziu o conceito de sentido do espaço, o qual determina que certos povos devem possuir maior
capacidade de ordenar suas respectivas paisagens, de valorizar seus recursos minerais/naturais e de
se fortalecer a partir de sua própria fixação no território. Assim como as ciências sociais da época, o
modelo de Ratzel também foi inspirado na biologia, a ponto de refletir e buscar responder os problemas
que ocorriam na época, como as disputas territoriais e o fortalecimento e aparecimento do Estado
nacional como detentor do poder do povo e dos territórios dominados (RATZEL, 1990).

A geografia política, portanto, concentra os esforços nas relações externas e internas entre os
Estados. Todavia, ambas as categorias possuem suas respectivas problemáticas, visto que a geografia
política é um campo de estudos que explica e leva os pesquisadores e interessados a encará‑lo de
duas formas: primeiramente, da perspectiva da geografia e dos efeitos dela na ação política, como
visto anteriormente, e, em segundo lugar, da relevância da geografia perante situações, problemas e
atividades de ordem política.

Atreladas a esses conceitos, estão as questões referentes ao poder e às estratégias de controle e


dominação de um Estado, que ficaram implícitas na agenda da geografia política nas primeiras décadas
do século XX e desencadearam um nível de análise nacional e global nas mais diversas áreas de estudos
da disciplina. Isso pode ser expresso nos contextos históricos do pós Primeira Guerra Mundial – visto
a nova redistribuição territorial e a redefinição de fronteiras – e da Segunda Guerra Mundial – a
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geopolítica alemã, fundamentada com os conceitos de Ratzel, forneceu justificativas intelectuais para o
autoritarismo alemão do Terceiro Reich e o expansionismo deste decorrente (VESENTINI, 2007).

Desse modo, o campo de estudo da geografia política dá importância fundamental às análises


das relações entre a comunidade e o ambiente físico que ela ocupa. Por sua natureza na estrutura
política mundial e pelo seu papel nas relações internacionais, os Estados, por sua vez, são vistos como
atores e estão intimamente ligados entre si por meio de uma integração frequente que põe à prova os
formuladores de política externa.

Entretanto, tal divisão proporciona de forma favorável uma abordagem e um tratamento analíticos.
Assim, o que se deve dizer sobre o aspecto da geografia política é que cada ambiente proporciona
determinadas oportunidades e que seus respectivos habitantes poderão ou não utilizá‑las. Isso definirá
o grau de desenvolvimento daquela sociedade e sua integração com as demais.

Essa grande variedade de ambientes geográficos está expressa em um vasto número de Estados, os
quais possuem três elementos fundamentais para sua configuração: povo, território e organizações.
Contudo, onde quer que as pessoas habitem num território e independentemente de qual for o sistema
político adotado, suas atividades constituem, pelo menos em parte, um reflexo de suas condições no
ambiente. Essas condições determinam limites e comprometem as atividades que ocorrem dentro do
território (HOBSBAWN, 1995).

Essa consideração básica em relação à geografia política demonstra que os Estados estão sujeitos
às mutações, que normalmente ocorrem durante os períodos de conflitos. Essa dinamicidade não se
restringe somente às condições internas do Estado, mas se estende às relações externas, principalmente
no período contemporâneo. Um dos diversos exemplos que ilustram essa mudança e dinâmica das
relações internacionais e da geopolítica é a divisão do leste europeu no período da Guerra Fria.

No período pós Guerra Fria, houve uma reestruturação do panorama político e territorial advinda
de diversos conflitos regionais, sociais e de cunho religioso, o que ocasionou uma nova configuração do
mapa geográfico da região.

Nota‑se que o poder e as estratégias de controle e dominação a partir do território de um Estado


nacional sempre foram foco na agenda da geografia política, principalmente quando se referem às
potências emergentes e à área de influência americana. Partindo dos pressupostos estabelecidos pelo
ramo da ciência geográfica, a geopolítica surge como uma subdivisão ou derivação, que tem como
principal objetivo analisar as situações e relações estatais.

O pensamento geopolítico teve seu início com o jurista Rudolf Kjellén, que buscava expressar
suas concepções e pensamentos sobre as relações entre Estado e território. Para Kjellén, a geopolítica
consistia em um ramo independente da ciência política, distinguindo‑se da geografia política. Contudo,
pode‑se afirmar que em nenhum momento Kjéllen demonstra dúvidas em relação ao caráter restrito,
reducionista e ao mesmo tempo expansionista de sua teoria sobre os Estados, assim, ele deu origem
ao conceito geoestratégico, que tem como foco a investigação dos fenômenos desencadeados pelos
Estados soberanos (VESENTINI, 2007).
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A diferenciação entre as vertentes geografia e política, portanto, pode ser feita por meio da simples
distinção entre uma área atrelada à geografia e outra estritamente ligada à ciência política. A geografia
política, tal como a geografia econômica, social e/ou cultural, fundamenta‑se nas observações estáticas
e de fatores naturais, como fronteiras, rios, planícies e planaltos, elementos que compõe e dividem as
regiões e os Estados e simbolizam um limite entre os territórios (VESENTINI, 2007).

Por outro lado, a geopolítica busca os acontecimentos e movimentos dinâmicos que ocorrem e
que utilizam os elementos geográficos para constituírem cenários políticos e estratégicos. Ratzel
norteou o pensamento geopolítico ao afirmar que o Estado não era somente algo estático ou um
limite físico preestabelecido, mas sim um organismo que se desenvolve de acordo com o sistema
internacional e varia com as ações e pressões externas e internas, o que consequentemente altera
seu território.

No entanto, com a globalização, torna‑se prático e rotineiro ver estudos relativos à formação
dos blocos regionais, à subdivisão do mundo em Estados com as mesmas religiões e conceitos que
compartilham o mesmo objetivo. O sistema internacional é estruturado em um ambiente anárquico
no qual, para evitar conflitos, busca‑se a cooperação por meio de instituições internacionais, como a
Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, essa análise sucinta da realidade não expressa o viés
estratégico e por vezes esquece de enfatizar a importância do planejamento de uma política externa,
não só para fins econômicos e políticos, mas para utilizar‑se do conceito geopolítico de constante
mudança do Estado a fim de definir o cenário contemporâneo e suas constantes.

Por fim, deve‑se destacar ainda que os estudiosos da geografia política e da geopolítica operam
no vasto campo da ciência geográfica e política e, portanto, delimitam indagações por meio de zonas
fronteiriças entre a geografia e a política. Eles estão convencidos de que, ao aplicar seus respectivos
métodos e técnicas, poderão aprofundar a compreensão da ciência ao mesmo tempo em que contribuem
para o melhor entendimento da conjuntura. Pode‑se dizer, então, que o principal foco de ambas as
partes está na inter‑relação do território e/ou na localização espacial, que abrange uma análise da
sociedade, das relações de poder e dos Estados de uma forma politicamente organizada.

Figura 5 – A presidente Dilma Rousseff discursa na abertura da 66ª Assembleia Geral


da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2011

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5.3 A evolução do pensamento em geopolítica

Com o fim da Guerra Fria, há um processo de globalização e multipolarização política que fez com
que o hiato no debate geopolítico decorrente do fim da Segunda Guerra Mundial acabasse. Assim, teve
início uma fase de compreensão da conjuntura e de redefinição da política internacional. O processo de
descolonização de países africanos, as revoluções no leste europeu, a entrada de nações emergentes no
contexto internacional e a mudança no paradigma das relações internacionais alteraram o pensamento
geopolítico contemporâneo. O mundo não era mais regido somente pelo poderio econômico ou militar
das superpotências, mas por aproximações e afinidades culturais, sociais, étnicas e regionais, ocasionando
uma perspectiva ainda mais para a análise do sistema internacional.

5.4 Geopolítica clássica

O termo geopolítica adveio de um neologismo utilizado por Rudolf Kjellén e se tornou uma expressão
comum para explicar e sistematizar o pensamento contemporâneo relativo às relações entre os Estados
e a relevância do território‑nação. Apesar de haver uma incerteza quanto à época de utilização desse
termo, é fácil notar que o neologismo geopolítica é um produto direto do contexto histórico do período
de transição entre os séculos XIX e XX, vivido por Rudolf Kjéllen.

Na época, a Suécia via‑se dividida no debate referente à dissolução da União de Estados


Suécia‑Noruega, fato que acabou ocorrendo em 1905. Kjéllen representava um forte opositor da
independência da Noruega. Ele redigiu vários manuscritos (entre eles aquele no qual foi utilizada
pela primeira vez a palavra geopolítica, chamado Inledning till Sveriges Geografi) e praticou diversas
intervenções políticas contra a dissolução em questão (VESENTINI, 2007).

A repercussão do discurso conservador/autoritário/imperialista e do neologismo de Kjellén foi


significativa não somente na Suécia, mas também entre o público alemão e o público austríaco. As ideias
de Kjellén se tornaram mais populares principalmente no território germânico, visto que o neologismo
criado foi lá introduzido pelos trabalhos de Robert Sieger no início do século XX. A germanização da
geopolítica deveu‑se ainda ao fato de que Kjéllen tinha uma intensa admiração pelo modelo imperial da
Alemanha e, dessa forma, constituiria junto ao francês Joseph‑Arthur e ao britânico Stewart Chamberlain
o trio de pensadores não alemães que possuíam um alinhamento ao ideal (VESENTINI, 2007).

No entanto, a explicação do significado de geopolítica e de seu objeto de estudo foi elaborada por
Kjellén em sua obra mais notável, Staten som Lifsform ou O Estado como forma e vida, escrita em 1916.
Nela, a geopolítica é apresentada como uma forma de ciência do Estado, que é visto da perspectiva de
um organismo geográfico e analisado a partir de sua manifestação e interação como país, território
ou até mesmo como império. Contudo, essa nova “ciência” tinha como objeto de estudo constante o
Estado unificado e almejava contribuir para o entendimento profundo de sua estrutura. Para Kjellén,
a geopolítica não era, portanto, um simples neologismo de compreensão subjetiva e de interpretação
duvidosa, como o era para muitos detratores e críticos, a geopolítica representava, antes, uma verdadeira
ciência autônoma que se utilizava de um objeto de estudo novo, diferentemente da geografia política,
criada por Ratzel no século XIX.

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Assim, ligada diretamente à tradição novecentista alemã de estudos geográficos e também à


tradição histórica e nacionalista de Heinrich von Treitschke e Leopold Von Ranke, a geopolítica surgiu na
Alemanha no decorrer da segunda década do século XX, no que ficou conhecido como Escola Alemã de
Geopolítica ou até mesmo Escola de Munique.

Em 1924, foi fundada a Zeitschrift für Geopolitik ou Revista de Geopolítica, destinada diretamente
aos geógrafos profissionais e tendo em vista também a divulgação dos conteúdos escritos por diplomatas,
políticos, jornalistas e industriais. Porém, a principal contribuição e personalidade da revista era Karl
Haushofer, que possuía características de um militar acadêmico, ou seja, além dos conhecimentos
estratégicos inerentes à sua formação militar, também detinha credenciais acadêmicas significativas, o
que fez seus livros e publicações de artigos tornarem‑se populares no mundo rapidamente. Percebe‑se
ainda que seu sucesso deve‑se à sua experiência no exercício da carreira militar e do conhecimento
prático de diversas regiões da Ásia e do Pacífico, especialmente de países como o Japão, onde já havia
desempenhado funções de adido militar (VESENTINI, 2007).

Para compreender a ideia expressa nos trabalhos de Haushofer, faz‑se necessário compreender o
contexto histórico da época e perceber que o período era de redefinição política, econômica e social,
uma época extremamente conturbada na Alemanha do século XX. Contudo, a criação da Revista de
Geopolítica dinamizava e disseminava o tema, resultado esse obtido pelo esforço e união de competências
entre vários pensadores e importantes profissionais da área de política e geografia, especialistas em
relações internacionais e analistas do cenário global da época (VESENTINI, 2007).

É ainda relevante ressaltar que os trabalhos de Haushofer também foram influenciados


pelo grande debate que teve início nos anos de 1924 e 1925 entre os geógrafos alemães e os
defensores da geografia política clássica, na linha de Ratzel. Karl Haushofer foi um dos principais
protagonistas desse debate e publicou um famoso artigo intitulado Politische Erdkunde und
Geopolitik, ou Geografia política e geopolítica, em 1925, que sustentava a necessidade de difundir
o conhecimento da geopolítica como um saber estratégico tanto para a elite alemã e mundial
quanto para a população. Entretanto, para tal fazia‑se necessário romper com a tradição da
geografia clássica anteriormente proposta, pois, em sua essência, embora o dualismo da geografia
e os conceitos de Ratzel fossem estritamente importantes, eles se tornavam ultrapassados para
a época. Assim, traçou‑se uma distinção entre a geografia política, que estuda a distribuição do
poder estatal à superfície dos continentes e suas condições (solo, configuração, clima e recursos) e
a geopolítica em si, que tem como objetivo principal a atividade política de um determinado Estado
num espaço natural (VESENTINI, 2007).

Além desse posicionamento liderado por Kjellén, que resultou no debate entre geógrafos e
geopolíticos, pode‑se encontrar ainda ideias e teses geopolíticas nos vastos trabalhos e publicações
que auxiliam na compreensão do pensamento e contextualizam todas as questões relevantes da época,
desde os problemas territoriais de expansionismo – principalmente alemão – até as zonas de influência
das grandes potências. O debate teve seu início principalmente por duas razões:

• primeira: a partir de questões acadêmicas, afirmavam e criticavam Kjellén por simplesmente


ter adaptado parte da obra de Ratzel e a chamada antropogeografia para uma perspectiva mais
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Geopolítica, Regionalização e Integração

ampla e adequada à realidade, sem, no entanto, ter criado uma “ciência” nova que merecesse uma
desvinculação total da geografia já conhecida ou da geografia política;

• segunda: ele recaía sobre questões políticas e era reflexo do ambiente global conturbado e dos
problemas internos da Alemanha, que possuía uma visão equivocada da perspectiva de Kjellén e
afirmava que esta havia influenciado e causado parte da derrocada alemã por não contribuir nos
assuntos relacionados à definição das fronteiras nacionais (TUNADER, 2011).

Juntamente a esse intenso debate, surgem duas publicações de Haushofer, uma delas é Grenzen
in iher Geographischen und Politischen Bedeutung, ou As fronteiras e o seu significado geográfico e
político, e a outra é Geopolitik der Pan‑Ideen, ou Geopolítica das ideais continentalistas. Esta definiu um
novo conceito, chamado pan‑região, que se referia às quatro grandes regiões mundiais: a Euro‑África
(toda a Europa, o Médio‑Oriente e todo o continente africano), a Pan‑Rússia (a generalidade da ex‑União
Soviética, o subcontinente indiano e o leste do Irã); a Área de Coprosperidade da grande Ásia (toda a
área costeira da Índia e sudeste asiático, o Japão, as Filipinas, a Indonésia, a Austrália e a generalidade
das ilhas do Pacífico) e a Pan‑América (todo o território desde o Alasca à Patagônia e algumas ilhas
próximas do Atlântico e do Pacífico).

Estreitamente ligada à tese das pan‑regiões está a ideia dos Estados‑diretores, que consistia na
liderança de cada uma dessas áreas por um Estado forte, dinâmico, com grande população e recursos,
dotado de altos padrões econômicos e industriais e de uma posição geográfica que lhe permitisse
exercer um efetivo domínio sobre os demais. Os Estados melhores posicionados para exercerem essa
liderança seriam, segundo Haushofer, a Alemanha (Euro‑África), a Rússia (Pan‑Rússia), o Japão (Área de
Coprosperidade da grande Ásia) e os EUA (Pan‑América) (VESENTINI, 2007).

Figura 6 – As pan‑regiões de Haushofer

Apesar desse pensamento de zonas de influência, ao final da Segunda Guerra Mundial Halford Mackinder
criou o discurso geopolítico em sua publicação chamada The Geographical Pivot of History. Embora sem
mencionar a palavra geopolítica – vista por ele como um pensamento germânico –, o estudioso analisava
os acontecimentos históricos das principais áreas do mundo e afirmava que os mais decisivos e importantes
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da história universal haviam ocorrido na planície asiática, ou seja, na Eurásia da Antiguidade. A partir desse
pressuposto, desenvolveu‑se uma designação para essa área – Heartland (coração da Terra) ou Pivot Area
(região pivô) – e sua inter‑relação com a dominação e/ou desequilíbrio de poder no continente euro-asiático.
A teoria do Heartland provocaria uma transformação das relações de poder no mundo.

Mackinder pronunciou em 1904, durante a conferência na Real Sociedade Geográfica de Londres, que
o poderio naval começaria a ser ameaçado pelo poderio terrestre, visto que os territórios da Alemanha
e da Rússia eram invulneráveis a uma invasão marítima. Segundo seu discurso, o domínio dessa região
representaria o domínio do mundo. Mackinder utilizava‑se do seguinte raciocínio: “quem controla a
Europa Oriental, domina a Terra Central; quem controla a Terra Central, domina a Ilha Mundial; e quem
controla a Ilha Mundial, domina o mundo”29. No decorrer das décadas, essa concepção permeou o
pensamento das nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial de tal modo que se buscou o equilíbrio
de poder no continente por meio do isolamento da Alemanha e da Rússia e da vigília constante das
ações desses dois países.

Esse conceito de divisão do espaço geográfico e de influência das potências em territórios específicos
começa a ser ainda mais estudado no decorrer dos anos 1950 e 1960, a partir da concepção de Mackinder.
Assim, a teoria geopolítica contemporânea vem ao encontro do conceito de globalização e está
interligada aos acontecimentos e jogos de poder entre os players que compõem o sistema internacional.

Figura 7 – O mundo segundo Mackinder – o Heartland (coração da Terra)

Observação

Halford John Mackinder foi um geógrafo e estrategista britânico. Ele


estudou em Oxford e foi dirigente da London School of Economics and
Political Science de 1904 a 1908. Em 1904, publicou o paper The Geographical
Pivot of History, no qual apresentou a Teoria do Heartland, que influenciaria a
política externa das potências mundiais desde então.

29
A tradução da conferência de Mackinder para o castelhano está presente em RATTENBACH, A. B. Antología
geopolítica. Buenos Aires: Pleamar, 1975, pp. 65-81.
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Lembrete

Com base na teoria do Heartland, Mackinder demonstrava sua


preocupação com uma eventual aliança militar entre Rússia e Alemanha.
Segundo sua teoria, um entendimento internacional entre esses países
os tornaria ameaçadores do equilíbrio de forças no continente euro-
asiático, o que provocaria uma mudança das relações de poder no
mundo. Em última instância, quem dominasse essa região e dominasse
simultaneamente uma saída para mares abertos teria condições de
desenvolver um poder militar insuperável, dominar a Eurásia e decidir
o futuro do mundo.

5.5 Geopolítica contemporânea

Durante a Guerra Fria, a geopolítica desempenhou um papel central não somente no âmbito
acadêmico, mas também na esfera político‑militar. A formulação da política de contenção e da Otan
(Organização do Tratado do Atlântico Norte), ao final da década de 1940 – e seu desenvolvimento nas
últimas décadas –, ao lado do desenvolvimento de novas tecnologias e da corrida armamentista nas
décadas de 1970 e 1980 foram reflexos da estratégia adotada pelas potências por meio do estudo da
geopolítica clássica e do desenvolvimento de uma análise complexa.

Tais argumentos e concepções foram fundamentados por estudiosos como Halford Mackinder,
Nicholas Spykman, Colin Cinza e Zbigniew Brzezinski. No entanto, ao contrário do pensamento
norte‑americano, Kjellén e os geopolíticos alemães ressaltaram não somente as relações entre o
desenvolvimento tecnológico e seu impacto na geografia, mas também a conexão com as questões
étnicas e políticas que impactavam no ambiente global. A ciência política americana sem dúvidas herdou
conceitos importantes da tradição alemã, particularmente de Hans Morgenthau, assim como de Max
Weber e Carl Schmitt, mas os norte‑americanos possuíam também uma estratégia política individual e
construída em bases sólidas (VESENTINI, 2007).

O universalismo americano se opunha em termos ao culturalismo alemão ou contextualismo


– visto da perspectiva de que o contexto ou a época influencia diretamente na construção do
pensamento – e se mostrava mais voltado para a área estratégica. Contudo, atualmente não se pode
desvincular a análise geopolítica da interface étnica e cultural, já que a análise geopolítica tem um
profundo impacto nas decisões das nações. Apesar disso, Samuel Huntington debate o choque das
civilizações e afirma que a política se tornou muito mais próxima às ideias de Kjellén. A linha de
divisão geográfica que Huntington criou entre as civilizações do leste e do oeste é praticamente
idêntica a que Kjellén, 80 anos antes, havia ressaltado ser a grande linha cultural entre a Rússia e a
Europa (VESENTINI, 2007).

Entretanto, foi a geopolítica sueco‑alemã cosmopolita que provou ser precisa na descrição do futuro
da Europa contemporânea, principalmente nos anos de reestruturação e redefinição do paradigma
das relações internacionais. No período pós Segunda Guerra Mundial, o mundo presenciava uma luta
65
Unidade II

incessante pelo domínio ideológico e político de duas grandes potências, Estados Unidos e União
das Repúblicas Soviéticas (URSS), que utilizavam as zonas de influência como forma de proteção e
disseminação de seus respectivos ideais.

Com uma situação desfavorável e com a economia em ruínas, a Europa necessitava de capital
externo e investimentos que auxiliassem em sua reestruturação política e econômica, bem como na
reintegração com os demais países. Tendo em vista a ameaça soviética e a possível aliança com os países
do ocidente europeu – o que fortaleceria, por conseguinte, os conceitos do capitalismo –, os Estados
Unidos da América idealizaram um plano capaz de suprir as necessidades das nações devastadas pela
Segunda Guerra Mundial: o Plano Marshall. Inicialmente, os EUA pretendiam abranger com o plano
não só o ocidente europeu, mas também a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que
necessitava igualmente do auxílio. Contudo, as divergências ideológicas não permitiram um acordo, o
que determinou que o crédito seria concedido somente aos países europeus que compactuavam com as
políticas americanas e com a Doutrina Truman.

Em contrapartida, a URSS utilizou uma política de isolamento semelhante para aproximar as nações
comunistas e protegê‑las da invasão ideológica do capitalismo ocidental: era a Cortina de Ferro. Como
afirma Huntington (1997):

Em sua competição entre si, os Estados‑núcleos tentam congregar suas


legiões civilizacionais, fazer alianças com Estados de terceiras civilizações,
promover a divisão e defecções nas civilizações adversárias e empregar a
combinação apropriada de ações diplomáticas, políticas, econômicas e
clandestinas, bem como instigações por propaganda e forma de coerção,
para atingir seus objetivos [...] (HUNTINGTON, 1997, p. 261).

No entanto, a peculiaridade da Guerra Fria – ainda que houvesse o desentendimento entre as


potências e a divisão do mundo – residia no fato de que não existia um perigo iminente ou uma
ameaça definitiva de uma Terceira Guerra Mundial. Havia, na verdade, uma subdivisão advinda do final
da Segunda Guerra Mundial e do acordo entre Estados Unidos da América e URSS. Essa subdivisão
apontava que esses países exerceriam influência sob suas respectivas áreas sem utilizar a força militar.
Segundo Hobsbawn (1995):

A situação mundial se tornou razoavelmente estável pouco depois da guerra


e permaneceu assim até meados da década de 1970, quando o sistema
internacional e as unidades que o compunham entraram em outro período
de extensa crise política e econômica [...] as duas superpotências aceitavam
a divisão desigual do mundo, faziam todo esforço para resolver disputas
de demarcação sem um choque aberto entre suas Forças Armadas [...]
(HOBSBAWN, 1995, p. 225).

O termo coexistência pacífica definia esse período de incertezas e de redefinições do sistema


internacional, no qual uma ainda frágil potência, a URSS – se vista por meio das mazelas sociais e das
revoluções internas –, via uma vasta oportunidade de manter sua hegemonia e domínio territorial,
66
Geopolítica, Regionalização e Integração

ao mesmo tempo que seus problemas econômicos, cada vez mais evidentes, aproximavam‑na mais
de seu fim.

Entretanto, as mudanças políticas no contexto da Guerra Fria transformaram o panorama


internacional, visto que não havia mais uma rivalidade entre a maioria das grandes potências –
principalmente entre as que foram derrotadas na Segunda Guerra Mundial. A maior parte delas se
encontrava em processo de reconstrução de sua política e economia. Pode‑se afirmar, assim, que houve
um congelamento da política internacional e que as questões levantadas em épocas de guerra se viam
abrandadas e inviáveis para serem colocadas em pauta novamente (HUNTINGTON, 1997).

Porém, no decorrer das relações da Rússia com os países contíguos após a “desestalinização”, houve
um constante desentendimento, o que fez com que a então imponência do exército vermelho tivesse
de ser mostrada novamente para que sua hegemonia regional fosse mantida. As divergências políticas,
diplomáticas e culturais eram fatores indispensáveis para analisar esses conflitos e conseguir compreender
a estrutura de cada província. Contudo, não somente o leste‑europeu, mas a África, marcada por uma
grande miscigenação e com mais de 50 países, sofreu com a dificuldade de abranger politicamente
todas as diferenças étnicas e culturais dentro de uma só nação. Como afirmou Huntington (1997):

A política mundial está sendo reconfigurada seguindo linhas culturais e


civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, importantes e
perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e pobres, ou entre outros
grupos definidos em termos econômicos, mas sim entre povos pertencentes
a diferentes entidades culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos irão
ocorrer no seio das civilizações [...] (HUNTINGTON, 1997, p. 21).

Durante a Guerra Fria, a teoria de Huntington foi comprovada especialmente com relação às nações
recém‑independentes do continente africano – Saara Ocidental e Somália – e com nações comunistas
do leste europeu. Entretanto, essa nova era da geopolítica mundial, que perdurou de 1947 a 1991, foi
marcada por um hiato ou crise da produção e discussão acadêmica referente aos temas geopolíticos.
Devido à dissolução da União Soviética e à crise do comunismo no mundo, o processo de desenvolvimento,
a predominância do capitalismo como modelo econômico e a conjuntura internacional reacenderam o
debate entre a década de 1980 e 1990.

Desse modo, as mudanças provocadas pelas constantes evoluções tecnológicas se tornaram cada
vez mais visíveis nas relações internacionais (como a Terceira Revolução Industrial). A superação de
distâncias geográficas e temporais e a troca de informações e de conteúdo em tempo real permitiram
o aprofundamento da globalização, a interdependência da economia mundial e a integração de várias
esferas da sociedade, o que intensificou os processos e modificou a geopolítica global.

Diante dessa crescente conectividade, verifica‑se a emergência de um sistema internacional cada


vez mais complexo, juntamente com uma economia global dinâmica e a subsequente ascensão de
novos atores (Estados e não Estados). A globalização, portanto, está fundamentada nos conceitos de
intercâmbio e interdependência entre as nações em aspectos mais abrangentes do que o econômico,
como os aspectos culturais, políticos e sociais.
67
Unidade II

Desde Ratzel, a geopolítica utiliza como ferramenta de estudo essas interfaces, a fim de conseguir
compreender e analisar as relações entre os Estados e as questões referentes ao expansionismo, à
distribuição dos territórios e aos conceitos de regionalização e de integração política, econômica e cultural,
que permeiam o estudo das relações internacionais. A lógica das disputas está submetida hoje não somente
às questões do comércio, mas principalmente às questões geoestratégicas, como a influência ideológica e a
utilização do soft power, essenciais para a manutenção da hegemonia das grandes potências.

Figuras 8 e 9 – Bandeiras dos Estados Unidos da América e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Lembrete

A Guerra Fria é definida como um conflito que ocorreu apenas no campo


ideológico, sem que tenha existido um combate militar declarado e direto entre
Estados Unidos e União Soviética. A expressão paz armada explica muito bem
o período. Os dois países apoiaram uma corrida armamentista e espalharam
exércitos e armamentos em seus territórios e em países aliados. Enquanto
houvesse equilíbrio bélico e medo do ataque inimigo, a paz estaria mantida. O
período ainda alimentou conflitos em outros países, como na Coreia e no Vietnã.

6 Aspectos da Geopolítica atual: fronteiras nacionais e


internacionais, a guerra e a paz de acordo com a geopolítica, o
poder central e o poder local e políticas territoriais

Este tópico aborda itens cuja compreensão é indispensável para entender as práticas que envolvem o
cenário geopolítico atual. Os aspectos de cada item integram a dinâmica das atividades sociais, políticas
e econômicas da sociedade global. Esses itens atraem reflexões sobre as características conceituais
de fronteira, seja no âmbito nacional e/ou internacional; sobre a guerra e a paz, numa abordagem
estratégica na qual a geopolítica instrumentaliza as categorias de análise; e sobre o poder e as políticas
territoriais no que tange à soberania central e local.

Caberá ainda tratarmos aqui sobre o conceito de geopolítica, que nada mais é que uma análise das
interações políticas entre países em função de seus aspectos naturais. Da mesma forma que parece
simples caracterizar a geopolítica, tal conceito abarca dimensões sutis quando observamos as práticas
de soberania que atualmente são exercidas. A compreensão de território e os aspectos naturais que a ele
pertence determina a criação de fronteiras no contexto geopolítico.

68
Geopolítica, Regionalização e Integração

6.1 As fronteiras nacionais e internacionais

Primeiramente, é necessário entender o que uma fronteira representa dentro da estrutura de um país. As
fronteiras não representam apenas uma mera divisão e unificação de pontos diversos, elas determinam também
a área territorial precisa, a base física de um Estado. Assim, as fronteiras delimitam a soberania de um poder
nacional. Para que haja um Estado soberano de direito, é necessário que haja fronteiras estipuladas e respeitadas.30

A fronteira natural entre Portugal e Espanha é um rio. A marca divisória entre esses países ibéricos
está localizada no meio da ponte que corta o rio. Cada uma de suas margens pertence a um país, ou seja,
a fronteira segue o curso do rio. Como ambos os países do exemplo fazem parte da União Europeia, essa
fronteira serve apenas para a checagem de documentos.31

Diferentemente da União Europeia, a maioria dos países tem alguma forma de controle das fronteiras
para restringir ou limitar a circulação de pessoas, animais, plantas e mercadorias dentro ou fora de
seus territórios. Pelo direito internacional, cada país é livre para definir as condições que têm de ser
cumpridas por uma pessoa que pretende atravessar suas fronteiras por suas próprias leis e também para
impedir que tais pessoas atravessem a fronteira quando estiverem a violar tais leis.

Alguns ordenamentos jurídicos exigem a apresentação de passaportes e vistos ou de outros


documentos de identidade para atravessar fronteiras. Para ficar ou trabalhar dentro de um país, pessoas
estrangeiras podem ter a necessidade especial de documentos de imigração ou de licenças que as
autorizem a fazê‑lo. Mesmo com o visto e o passaporte em mãos, não é automaticamente garantido
que o estrangeiro poderá atravessar para o outro lado da fronteira.

Figura 10 – Pôster que apresenta o novo passaporte brasileiro

30
No Brasil, costuma-se definir o termo fronteira como as delimitações entre países, as divisas são as delimitações
entre estados federados e os limites são as delimitações dos municípios. Porém, o termo fronteira pode ser usado para
todos os casos citados.
31
O mercado interno da União Europeia (por vezes conhecido como Mercado Único e, antigamente, como Mercado
Comum) visa assegurar a livre circulação de bens, capitais, serviços e pessoas, as quatro liberdades da União Europeia.
69
Unidade II

Lembrete

O passaporte é um documento de identidade emitido por um governo


nacional que atesta formalmente a nacionalidade de um determinado Estado
e, em nome do soberano ou do governo emissor, requisita a permissão para
que o portador cruze a fronteira de um país estrangeiro. Passaportes estão
ligados ao direito de proteção legal no exterior e ao retorno do indivíduo a
seu país de origem.

Saiba mais

Para requerer seu passaporte, veja as condições e os documentos


necessários no site do Departamento da Polícia Federal do Brasil: <http://
www.dpf.gov.br/servicos/passaporte>. Acesso em: 2 fev. 2011.

O transporte de mercadorias por meio de uma fronteira muitas vezes exige o pagamento de
impostos de consumo, recolhidos por funcionários. Animais e, ocasionalmente, seres humanos
que atravessam as fronteiras podem precisar entrar em quarentena para evitar a propagação de
doenças exóticas ou infecciosas. A maioria dos países proíbe o porte de drogas ilegais ou de animais
ameaçados de extinção na passagem por suas fronteiras. A movimentação ilegal de bens, animais
ou pessoas por meio de uma fronteira sem que estes sejam declarados, a ausência de permissão
previamente solicitada ou o ato de iludir deliberadamente a inspeção oficial constitui ato de
contrabando.

Dentro de seu território, um Estado pode criar novas fronteiras com o intuito de melhorar a
eficácia de sua administração mediante a descentralização do poder. Essas fronteiras não possuem o
caráter restritivo que as fronteiras internacionais possuem, mas podem ter força jurídica e possibilitar
a existência de leis diferentes e até mesmo divergentes dentro de um mesmo país. A possibilidade para
que essa situação ocorra está no formato de governo. Na maioria dos estados federais32, as subdivisões
– que podem ser chamadas de estados33, províncias, departamentos, repúblicas, municipalidades ou
cantões – possuem autonomia para gerenciar vários aspectos da governabilidade dentro de suas
fronteiras.

32
Estados federais: também conhecidos como federação (do latim foedus, foederis = aliança), os estados federais
são um tipo de Estado soberano caracterizado por uma união de estados ou regiões parcialmente autorregulados e
gerenciados por um governo central (federal). Em uma federação, o regime de autonomia dos estados participantes é
normalmente constitucional e não pode ser alterado por uma decisão unilateral do governo central.
33
Neste caso, deve-se observar a diferença entre Estado (entidade soberana) e estado (unidade federativa): enquanto
no primeiro caso, a grafia da letra E é em letra maiúscula, no segundo caso, a letra e é escrita com letra minúscula.
70
Geopolítica, Regionalização e Integração

Figura 11 – Mapa múndi

É importante ressaltar que uma fronteira nacional não possui poder para fiscalizar, barrar ou proibir
a entrada e a circulação de bens, produtos, pessoas e animais, uma vez que estes estão dentro de um
território de um mesmo governo soberano, salvo em raríssimos casos nos quais as unidades federadas
gozam de um alto grau de autonomia (MACHADO, 2000).

Historicamente, mesmo antes de ser um Estado‑nação, o Brasil já tinha uma configuração territorial
delimitada pelos acordos de 1750 (Tratado de Madri) e de 1777 (Tratado de Santo Ildefonso), que visavam a
separação de terras entre Portugal e Espanha. Cabe lembrar que tais tratados colaboraram sobremaneira
para que, a princípio, não houvesse derramamento de sangue durante o processo de delimitação das
fronteiras brasileiras e de países vizinhos. Os diplomatas brasileiros estabeleceram nossas fronteiras
baseados em documentação cartográfica, no princípio de direito de posse e na história. Esse trabalho foi
concluído em meados do século XIX. Nos primeiros anos do século XX, alguns problemas relacionados à
fronteira surgiram e foram solucionados com grande habilidade pelo Barão de Rio Branco.

Atualmente sob a égide da Divisão de Fronteiras, sediada no Ministério das Relações Exteriores, duas
Comissões são responsáveis pelas atividades elaboradas para a manutenção da fronteira entre o Brasil
e seus vizinhos:

• Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites: sediada na cidade de Belém do Pará,


sua função é tratar das atividades fronteiriças do Brasil com o Peru, a Colômbia, a Venezuela, a
Guiana, o Suriname e a Dependência Francesa;

• Segunda Comissão Brasileira Demarcadora de Limites: sediada no Rio de Janeiro, é encarregada


das atividades entre o Brasil e o Uruguai, a Argentina, o Paraguai e a Bolívia.

6.2 A guerra e a paz de acordo com a geopolítica

Tanto os assuntos de guerra como os assuntos de paz estão extremamente relacionados com o
estudo da geopolítica, uma vez que ambos afetam o desenho político do sistema mundial.

71
Unidade II

Geopolítica e guerra são termos que se integram num processo dinâmico de soberania, sendo o
foco direcionado para o território e seu estabelecimento. Em certas circunstâncias, geopolítica, guerra
e paz sempre foram comparadas a gêmeos siameses ou até mesmo a amantes inseparáveis. Isso pode
ser comprovado por uma análise simples da importância do território e dos fatos históricos para a
compreensão desses conceitos. Além disso, é impossível discutir geopolítica, suas tendências e sua
evolução num único contexto e a partir de um ponto vista estratégico e prático. A gama de fatos
históricos e geográficos que o tema geopolítica inclui exigiria uma enciclopédia. Portanto, é insignificante
pensar e falar dos fenômenos da guerra e da paz sem a inclusão contextual da geopolítica.

Figura 12 – Placa indicativa de onde se localizava o Muro de Berlim

Observação

O Muro de Berlim foi erguido pela República Democrática Alemã


(Alemanha Oriental) durante a Guerra Fria. Esse muro, além de dividir a
cidade de Berlim ao meio, simbolizava a divisão do mundo em dois blocos.
De um lado, a República Federal da Alemanha, que participava do bloco
constituído pelos países capitalistas encabeçados pelos Estados Unidos,
e, de outro, a República Democrática Alemã, constituída pelos países
socialistas simpatizantes do regime soviético. O muro foi erguido no dia 13
de agosto de 1961 e começou a ser derrubado na noite de 9 de novembro de
1989, após 28 anos de existência.

Saiba mais

Visite o site <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/muro.


htm> para ver fotos e saber mais sobre o muro que dividiu a população de
Berlim entre 1961 a 1989.

72
Geopolítica, Regionalização e Integração

6.3 O poder central e o poder local

Nos últimos anos, os governos mundiais passaram por um processo transformador em sua gestão de
poder. Esse processo, conhecido como descentralização, já existia há séculos, embora já estivesse mais
solidificado desde a década de 1990. Nele, o poder central, que concentra as funções administrativas
de um território, delega poderes de decisão para outras entidades dotadas de capacidade jurídica para
administrar certa parte desse território. A intenção dessa delegação é melhorar a eficácia da gestão
governamental de um país.

No Brasil, a noção histórica de poder local está vinculada ao coronelismo, ao patrimonialismo e ao


personalismo no exercício do poder político. Porém, num regime democrático, o poder local deverá ser
visto sob outro ângulo, ou seja, a partir de noções de descentralização e participação da cidadania no
poder político.

Note‑se que essa visão inverte totalmente a dinâmica com a qual a categoria poder local é
analisada, pois agora ela é pautada na sociedade civil, nos movimentos sociais e em sua relação
com a sociedade política. Nesse sentido, num Estado democrático de direito, o poder local se
apresenta como um novo paradigma de exercício do poder político, paradigma esse fundado na
emancipação de uma nova cidadania e afastado das fronteiras burocráticas que separam o Estado
do cidadão. Assim, o poder local recupera o controle do cidadão em seu município por meio da
reconstrução de uma esfera pública comunitária e democrática e da conjugação de práticas de
democracia participativa no lugar da representação tradicional. Desse modo, os cidadãos, agindo
de forma conjunta com o poder público, passarão a ser responsáveis pelo seu destino e pelo destino
de toda a sociedade.

A positivação de mecanismos legitimadores da participação dos cidadãos na gestão da coisa


pública é uma tendência da gestão pública brasileira. Essa positivação pode se tornar um instrumento
eficaz de emancipação da cidadania no que diz respeito ao controle da atuação dos governantes
– verificando se estes estão procedendo de forma responsável em sua gestão – bem como na
definição conjunta das políticas públicas, a fim de que elas realmente reflitam os interesses da
comunidade.

Tendo em vista o divórcio entre as necessidades dos cidadãos e o conteúdo das decisões
sobre desenvolvimento econômico e social, o exercício da função pública e a administração do
dinheiro público têm suscitado amplas discussões. Muitos são os investimentos em projetos que
necessitam de grande dispêndio de dinheiro público e que não representam os interesses da
sociedade.34 Muitas são as obras inacabadas ou superfaturadas que prejudicam a sociedade como
um todo ao fazer o contribuinte arcar com as consequências da má gerência e da má aplicação
dos recursos públicos. Logo, a categoria do poder local mostra‑se eficaz como otimização da
gestão pública nacinal, capaz de aliar democracia representativa com democracia participativa
(SANTIN, 2007).

34
Esses projetos não são apenas de âmbito nacional – como o são o projeto nuclear, os investimentos para o
desenvolvimento da Amazônia e tantos outros, mas são principalmente projetos de âmbito local.
73
Unidade II

6.4 As políticas territoriais

As políticas territoriais podem ser entendidas como o campo das ações emanadas dos poderes
centrais, regionais e locais sobre os diversos territórios. Esse tipo especial de política pública –
que tem recebido um aporte mais tradicional do planejamento regional – está situado em plena
crise do Estado territorial moderno em cenários globais‑regionais, que passam por profundas
transformações. A década de 1990 e a crise dos Estados desenvolvimentistas periféricos
representam rupturas de paradigmas socioeconômicos e políticos com significados e alcances
tão ou mais profundos do que a própria constituição dos Estados nacionais sul‑americanos, no
século XIX.

A política territorial se configura pelo conjunto de enfoques estratégicos a médio e longo


prazo e pelas correspondentes formulações de atuação. Esse conjunto é dirigido a intervir sobre
o território a fim de que assuma as formas que sejam adequadas ao conjunto dos interesses que
controlam o poder político. Entende‑se também que as políticas territoriais extrapolam a noção
dos planos regionais de desenvolvimento. Elas abrangem toda e qualquer atividade que implique,
simultaneamente, uma dada concepção do espaço nacional, uma estratégia de intervenção ao
nível da estrutura territorial e mecanismos concretos que sejam capazes de viabilizar essas
políticas. Como enfoques estratégicos, as políticas territoriais estão submetidas às relações
de poder que supõem assimetrias na posse de meios e nas estratégias para o seu exercício. O
território, por sua vez, é tanto um meio como uma condição de possibilidade de algumas dessas
estratégias (CASTRO, 2005).

Resumo

A denominação geopolítica foi criada pelo cientista político


Rudolf Kjellén, no início do século XX, tendo com inspiração a obra
do alemão Friedrich Ratzel, Politische Geographie (Geografia Política),
de 1897.

Ratzel formulou o conceito de determinismo geográfico, que


está baseado na influência que as condições naturais exercem sobre
a humanidade, ou seja, o meio natural seria uma entidade que define a
sociedade. Sua obra demonstra o conceito de espaço como fonte de
sobrevivência dos Estados.

O sueco Rudolf Kjellén, com base no conceito de Ratzel, apresenta a


geopolítica como uma área de conhecimento que estuda a dominação dos
territórios, dando especial atenção à relação entre os Estados e o espaço
geográfico.

Nesse sentido, destacamos dois outros autores, Mackinder e Haushofen.


Mackinder apresentou teorias sobre a importância dos domínios das
74
Geopolítica, Regionalização e Integração

rotas marítimas e das áreas de influência de um país, principalmente


em relação aos mares e oceanos. Haushofen ofereceu à geopolítica um
sentido militar.

Na unidade, destacamos ainda que a geopolítica considera o


papel político internacional que as nações desempenham em função
das características geográficas delas. Essas características podem ser
mensuradas levando em consideração, por exemplo, o território, a
dimensão territorial, a presença de recursos naturais, o contingente
populacional, entre outras.

A geopolítica é um campo de estudos multidisciplinar, carregado de


ideologia e de estratégias e voltado às relações de poder. Ela se vale de
conhecimentos da geografia, da teoria política e da geologia para basear as
ações políticas dos Estados.

A Guerra Fria foi apresentada como um período histórico de conflitos


estratégicos de ordem política, social, ideológica, tecnológica e militar,
que compreendeu o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção
da União Soviética (1991). Os conflitos em questão foram indiretos e se
deram entre os Estados Unidos e a União Soviética e entre suas zonas de
influência.

Nos aspectos da geopolítica atual, destacamos as fronteiras nacionais


e internacionais que delimitam a área territorial de um Estado. Essas
demarcações físicas precisas de território delimitam a soberania de um
poder nacional. Para que haja um Estado soberano de direito, é necessário
que haja fronteiras estipuladas e respeitadas.

Saiba mais

A seguir, alguns filmes que podem propiciar uma inter‑relação com os


conteúdos da unidade:

IMPÉRIO do Sol. Dir. Steven Spielberg. Estados Unidos. 1987. 154 min.

SOLDADO anônimo. Dir. Sam Mendes. Estados Unidos. 2005. 125 min.

A REVOLUÇÃO não será televisionada. Dir. Kim Bartley e Donnacha


O’Briain. Irlanda. 2003. 74 min.

75
Unidade II

Exercícios

Questão 1. (ABRIL, 2009) Nos anos 1990, as maiores taxas de crescimento demográfico ocorriam
na África e na América Latina. De acordo com a tendência apresentada por diversas nações desses
continentes, pode se afirmar que:

A) Não há relação entre o crescimento natural da população e o nível de desenvolvimento econômico


de um país.

B) As taxas de crescimento natural da população de um país não interferem no seu desenvolvimento


econômico e social.

C) Quanto maior o desenvolvimento econômico de um país, maior será a taxa de crescimento natural
da população em função do melhor poder aquisitivo das famílias.

D) Quanto menor o desenvolvimento econômico de um país, menor será o crescimento natural de


sua população. Isso se dará em função da maior taxa de mortalidade decorrente das precárias
condições de vida.

E) O maior nível de desenvolvimento econômico fará a taxa de crescimento natural da população


diminuir, o que é fruto de melhores condições de saúde e educação.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das alternativas:

Alternativa A: incorreta.

Justificativa: não pode ser uma afirmação correta porque o crescimento populacional e o
desenvolvimento econômico são dois fatores que estão sempre ligados.

Alternativa B: incorreta.

Justificativa: como afirmamos na alternativa anterior, não há maneira de desvincularmos o


crescimento populacional do desenvolvimento econômico. Este, por sua vez, é a principal referência
que temos para as questões sociais de um país.

Alternativa C: incorreta.

Justificativa: quando temos crescimento econômico, temos um aumento na renda do país e uma
melhoria na distribuição dessa renda. O crescimento populacional certamente é um empecilho para essa
distribuição.

76
Geopolítica, Regionalização e Integração

Alternativa D: incorreta.

Justificativa: o menor desenvolvimento ocorrerá exatamente pelo aumento populacional.

Alternativa E: correta.

Justificativa: o crescimento natural da população e o nível de desenvolvimento econômico de


um país estão intimamente relacionados. Ao assegurar um acesso mais fácil aos serviços de saúde e
educação, haverá a melhoria das condições de vida do país. Isso inevitavelmente implicará em redução
das taxas de crescimento demográfico, pois estamos diante de um maior desenvolvimento econômico e
social. Em todas as nações nas quais o IDH melhorou de maneira significativa, o crescimento natural da
população declinou nas décadas subsequentes.

Questão 2. (Enade, 2009, prova de Geografia) Observe a imagem a seguir:

Os dados anteriores se referem à Primavera Árabe, onda de levantes populares que começou na
Tunísia e se espalhou por vários países da região em 2011. Os fatos apontados impactam diretamente a
ordem mundial, levando a um olhar diferenciado na geopolítica do mundo. Nesse contexto, analise as
afirmações a seguir.

I – A instabilidade do mundo árabe representa preocupações para a Europa e há risco de caos


econômico em razão da possibilidade de migração de pessoas para o continente.
77
Unidade II

II – O contexto de instabilidade do mundo árabe, apresentado na figura valoriza a dimensão política


do espaço e do território, o que afeta o cerne dos pressupostos geopolíticos: o Estado e a estrutura
de poder mundial.

III – O fim dos governos de Ben Ali (Tunísia) e Mubarak (Egito), provocado pela Primavera Árabe, não
resultará no fim da ditadura desses países, pois existem interesses dos Estados Unidos em manter
sua hegemonia na região do petróleo.

IV – O contexto de instabilidade do mundo árabe, apresentado anteriormente, compromete a


hegemonia dos Estados Unidos frente à geopolítica mundial. Ainda assim, os Estados Unidos
reagem com prudência e pragmatismo, tentando manter a estabilidade de uma região crucial
para seus interesses e, ao mesmo tempo, apoiar as aspirações democráticas de suas populações.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I e II.

B) II e III.

C) III e IV.

D) I, II e IV.

E) I, III e IV.

Resolução desta questão na Plataforma.

78

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