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O PSICÓLOGO, A SAÚDE PÚBLICA E O ESFORÇO PREVENTIVO*

Nilce Pinheiro Mejias**

MEJIAS, N. P. O psicólogo, a saúde pública e o esforço preventivo. Rev. Saúde públ., S.


Paulo, 18:155-61,1984.
RESUMO: Foi levada a efeito revisão de vários artigos concernentes aos problemas da in-
fluência do comportamento do indivíduo na manutenção de sua saúde e das relações entre as-
pectos do ambiente, comportamento e saúde. Considerando os pontos de contacto e de diver-
gência entre psicologia clínica e saúde pública, sugere-se que a psicologia da comunidade é a
área da psicologia cujos objetivos mais se aproximam aos da Organização Mundial de Saúde
- uma sugestão ditada por suas preocupações comuns com as relações entre os sistemas de
organização social e o funcionamento individual e com o desenvolvimento de sistemas sociais
condizentes com as necessidades humanas. Tendo em vista a escassez de dados empíricos,
conclui-se que, para uma maior contribuição da psicologia à saúde pública, faz-se necessário
o desenvolvimento mais acelerado de pesquisas que melhor esclareçam as relações entre o
funcionamento individual e os ambientes organizacionais e comunitários.
UNITERMOS: Psicologia. Saúde Pública.

As preocupações que deram origem a esta rican Psychologist. Esses artigos, embora
apresentação têm, em suas raízes, uma ques- ditados por condições vigentes nos Estados
tão fundamental: como tornar o atendimen- Unidos, parecem adequados à nossa realida-
to psicológico mais acessível e útil a uma de social, dada não só a generalidade dos
faixa mais ampla de nossa população, evi- problemas que abordam, como a pertinên-
tando que se restrinja a certos grupos limi- cia do enfoque de alguns no que diz respei-
tados? A proposta de solução aqui apresen- to ao risco de saúde das populações menos
tada é a de atuação comunitária com enfo- favorecidas. Eles tratam da influência do
que preventivo numa perspectiva de saúde comportamento e do ambiente sobre a saúde
pública. (Michael8, 1982), empregam expressões co-
Tendo em vista o tema deste trabalho, po- mo "saúde comportamental" e "psicologia
der-se-ia julgar, à primeira vista, que o im- da saúde"(Matarazzo6,1982;Iscoe5, 1982)
portante a enfatizar nesta definição seria a e encaram os problemas de saúde numa pers-
referência ao bem-estar mental e social. pectiva de estreita colaboração entre psico-
Mas, assim julgando, ignorar-se-iam algumas logia e saúde pública (Michael8, 1982 e Sin-
tendências mais recentes que atribuem, à ger e Krantz 10 , 1982), referindo-se todos à
psicologia, um papel relevante quanto à importância do esforço preventivo.
manutenção da saúde, bem como à preven- O artigo de Michael8 (1982), depois de
ção referentes também a doenças orgânicas. afirmar "concordamos todos que chegou a
É o que nos revela, por exemplo, uma sé- hora da prevenção", fala da necessidade
rie de artigos publicados pela revista Ame- de uma reordenação de prioridades na área

* Trabalho apresentado no Simpósio sobre "A Psicologia Preventiva e a Realidade Brasilei-


ra", durante a 35a Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada
em Belém, PA, em julho de 1983.
**Do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - Cidade Universitária "Arman-
do de Sales Oliveira" - Caixa Postal 11.454 - 05508 - São Paulo, SP.
de saúde, tendo em vista quatro fatores de fluenza) há de se notar que ocorre, ao mes-
maior responsabilidade em termos de causa mo tempo, o aumento de casos de câncer
mortis: a) fatores comportamentais ou esti- de pulmão, de moléstias cardiovasculares, de
lo de vida insalubre; b) riscos ambientais; abuso da droga e do álcool, bem como
c) fatores biológicos humanos e d) inadequa- o de problemas derivados de acidentes de
ções no sistema de cuidados com a saúde, motocicleta e de carro. Há de se notar que
atualmente em vigência. Esse Autor avalia estes últimos estão muitas vezes relacionados
a influência de cada um desses fatores e com ao abuso do álcool e todos eles estão fre-
base em dados de 1979, extraídos do CDC qüentemente ligados aos comportamentos
(Centre for Disease Control), conclui que do indivíduo ou seu estilo de vida. Para Ma-
50% das mortes ocorridas nos Estados Uni- tarazzo6, o levantamento de fatos como es-
dos têm como fator determinante o próprio ses confirmam palavras do médico e filóso-
comportamento do indivíduo ou seu estilo fo social Knowles (citado por Matarazzo6,
de vida. Dos restantes 50%, 20% seriam devi- 1982) para quem "mais de 99% entre nós
dos a fatores ambientais, 20% a fatores bio- nasce saudável e fica doente devido a uma
lógicos e apenas 10% a cuidados inadequados conduta pessoal imprópria e a condições am-
com a saúde. Para Michael8 parece claro bientais". Para ele, a solução dos problemas
que os esforços predominantes para melho- de saúde precária na sociedade americana
rar o estado de saúde dos cidadãos america- envolve, primeiro, a responsabilidade indivi-
nos não se devem dirigir ao tratamento da dual e, segundo, a responsabilidade social,
saúde, mas aos programas de prevenção. e esta última através de uma legislação ade-
Uma prevenção que deverá levá-los a reco- quada e de esforços voluntários privados.
nhecer sua própria responsabilidade nos cui- Entretanto, qual teria sido a contribuição
dados da saúde, concentrando-se, de um la- específica da psicologia quanto a essa res-
do, em mudanças de hábitos e constumes ponsabilidade?
que podem levar à doença (fumar, comer Ainda segundo Matarazzo6, a psicologia
em excesso, por exemplo) e de outro, no não esteve alheia nessa busca de solução.
desenvolvimento de hábitos (como a prática Aliás, seu envolvimento foi de tal ordem,
de exercícios físicos). Mesmo no caso de nas duas últimas décadas, que, em 1978, a
doenças específicas como a diabete, é impor- "American Psychological Association"
tante considerar o tipo de vida e as modali- (APA) criou uma nova divisão, de número
dades de trabalho a que se dedica o diabé- 38, denominada psicologia da saúde.
tico. A conceituação de psicologia da saúde
Idéias semelhantes às apresentadas por adotada pela Divisão de Psicologia da Saú-
Michael8 verificam-se no artigo de Mataraz- de, da APA, é a seguinte:
zo6 (1982), para quem o comportamento "A Psicologia de Saúde é o agregado de
dos indivíduos é um assunto pouco explo- contribuições educacionais, científicas e pro-
rado no estudo e compreensão da saúde. fissionais específicas da Psicologia à promo-
E entre os comportamentos, aparentemente ção e à manutenção da saúde, à prevenção e
mais ligados aos problemas de saúde, men- ao tratamento da doença, à identificação de
ciona o abuso do fumo, do álcool e do sal; correlatos etiológicos e diagnósticos da saúde
a prática deficiente da higiene dental; a falha e da doença e respectivas disfunções. Ela visa
no uso de cintos de segurança nos automó- ainda a análise e o progresso do sistema de
veis entre outros. Aliás, segundo esse Au- assistência à saúde e o desenvolvimento da
tor, se nos últimos 80 anos os conhecimen- política sanitária" (Matarazzo6)
tos relacionados a moléstias infecciosas, imu- No artigo desse mesmo Autor, encontra-
nologia e epidemiologia alteraram de modo mos ainda a expressão saúde comportamen-
marcante os padrões de doença dos america- tal, que corresponde a um campo interdisci-
nos (reduzindo ou mesmo eliminando a tu- plinar, produto de desenvolvimentos mais
berculose, o sarampo, a poliomielite e a in- recentes da medicina e da psicologia. Quanto
ao papel da psicologia, propriamente, fala produto e agente cultural e histórico-social,
dos desafios que a saúde comportamental e e que se vê, por razões de lugar e status so-
a psicologia da saúde representam para a psi- cial e institucional, tanto como causa, como
cologia acadêmica, científica e profissional, efeito cultural — é uma psicologia clínica
parecendo considerar como cerne do pro- mal orientada. Coerentes, pois, com o enfo-
blema a mudança de comportamento do que individual, os psicólogos evitam questões
indivíduo americano. Em outras palavras, relativas à política de saúde, pois as conside-
esse Autor parece concentrar sua atenção na ram fora do domínio científico da psicolo-
alteração de comportamentos relacionados a gia. Aliás, segundo Singer e Krantz 1 0 ,
doenças, como o câncer, moléstias do cora- mesmo ao considerar os grandes grupos, o
ção e outras. E, para chegar a essas altera- psicólogo o faz devido ao impacto que
ções, preconiza a investigação de meios para provocam sobre o comportamento indivi-
evitar o uso do fumo, do álcool, das drogas e dual. E para ilustrar estas considerações apre-
de outras substâncias prejudiciais à saúde; o sentam, como exemplo, as duas maneiras
uso do fio dental; o uso de cintos de seguran- de lidar com o hábito de fumar: enquanto o
ça; exercícios regulares entre outros. psicólogo encara o problema em termos de
O artigo de Singer e Krantz 10 (1982) é de estratégias terapêuticas para a prevenção ou
especial interesse dada sua preocupação com extinção do hábito de fumar, o especialista
problemas de relações entre psicologia em saúde pública enfatiza medidas educacio-
e saúde pública. Para esses Autores, embora nais de amplitude comunitária, levantamen-
as raízes do envolvimento da psicologia com tos de fatores de risco epidemiológicos e
questões de saúde e doença datem de mais mudanças na política de saúde, em ampla
de um século, esse envolvimento está longe escala. A preocupação principal do psicólo-
de ser claro ou esclarecedor para os psicólo- go tem sido, portanto, o desenvolvimento de
gos. Existem pontos de contacto entre as métodos para a solução de problemas quoti-
duas áreas, mas existem, também, divergên- dianos, ao invés da promoção da compreen-
cias, sobretudo no que diz respeito ao enfo- são científica de processos subjacentes à
que do problema. Quais seriam essas diver- mudança do comportamento e promoção
gências? da saúde.
Há de se notar que os aspectos principais Para finalizar o exame destes artigos, pa-
da abordagem da saúde pública incluem o rece importante salientar, ainda com base em
enfoque na prevenção primária, uma orienta- Singer e Krantz 1 0 , as três razões principais
ção no sentido do macro sistema social (a que justificam maior consideração pelo en-
comunidade, a nação e a sociedade), inter- foque social:
venções e preocupações em termos de polí-
tica de saúde e política social. Primeiro: Existem questões cuja solução
Já a Psicologia tende a dar, tradicional- pode estar além do controle individual.
mente, maior atenção a aspectos secundários É o caso, por exemplo, do acúmulo de in-
e terciários dos problemas de saúde (e isto, formações mostrando que a maioria das
talvez, com maior propriedade, se aplique doenças de câncer e das molésticas respirató-
à saúde mental), voltando-se primordialmen- rias estão relacionadas a condições ambien-
te para o indivíduo. Aliás, nesse sentido, pa- tais e poluentes. E há muito já se sabe que o
rece pertinente mencionar aqui as críticas suicídio e assassinato estão relacionados a
de Saranson9 (1981) à psicologia clínica condições econômicas.
como associal e, como tal, com objetivos Segundo: as crenças e valores relacionados
muito estreitos para enfrentar os conflitos à saúde surgem num dado contexto social.
da realidade social da política de saúde. Pa- Nossas próprias possibilidades e mesmo nos-
ra esse autor uma psicologia clínica sem raí- sas habilidades em mudar certas crenças
zes numa psicologia social realista — isto é, existem como parte de um contexto social
uma psicologia social que se considera um mais amplo.
Terceiro: Nossa responsabilidade em rela- as que menos se utilizam das informações
ção a questões de saúde ou ante a contidas em campanhas de saúde. No entan-
mudança de certos comportamentos não é to, são justamente essas as que deveriam
algo individual, mas coletivo. Um exemplo constituir o verdadeiro alvo de uma psico-
desta afirmação é a mudança de enfoque no logia da saúde digna de fé.
interesse da ansiedade para o stress, dentro Relativamente ao aspecto de atuação,
da própria Psicologia. Na verdade, as duas Iscoe5 salienta a necessidade de interação do
expressões referem-se às mesmas situações, psicólogo com outros profissionais da saú-
atribuindo-se, porém, determinantes internos de pública, acrescentando seus conhecimen-
à ansiedade e determinantes externos ao tos aos do grupo, de modo a intensificar os
stress. esforços em comum. Quanto às oportunida-
Por outro lado, o que poderia o psicólogo des de contribuir para a promoção da saú-
oferecer à saúde pública? Estes autores pa- de, esse Autor acredita que elas se apresen-
recem defender o ponto de vista que a maior tam mais viáveis nas Secretarias ou Departa-
contribuição da psicologia é o exame dos mentos de Saúde, na rede escolar e em clí-
mecanismos ligando comportamento e saú- nicas comunitárias. Mas, além disso, acredi-
de. As características do comportamento ta que os psicólogos podem desempenhar
saudável, a manutenção da saúde, as mudan- um importante papel na formulação de uma
ças de estilo de vida são questões que podem política de saúde — um ponto que gostaría-
ser abrangidas pelos princípios gerais de mos de salientar. Entretanto, preocupado
comportamento, que constituem o âmago da ainda com os problemas de atuação do psi-
psicologia. cólogo, esse Autor chama atenção para o fa-
O artigo de Iscoe5 (1982), difere dos an- to de que, embora capacitado para alterar
teriores mudando o enfoque de interesse in- atitudes e pomover condições para a modifi-
dividual para comunitário, dando ênfase cação de comportamento, o psicólogo ra-
especial à psicologia da comunidade. Para ramente apresenta o preparo e a experiên-
ele, a psicologia da saúde deveria adotar uma cia necessários para fazê-lo de uma maneira
perspectiva de comunidade ou saúde públi- que não seja no contacto face a face, indivi-
ca, ao invés do modelo da doença e de tra- dual. A adoção do modelo de saúde públi-
tamento individual. ca é difícil, afirma Iscoe5, pois a prática e os
Além disso, esse mesmo Autor manifesta procedimentos adequados à terapia indivi-
a preocupação em desenvolver uma psicolo- dual ou de grupo podem não ser apropriados
gia da saúde que atinja a comunidade no seu ao desenvolvimento e à aplicação de uma
todo. E, nesse sentido, não como crítica, psicologia da saúde.
mas aviso de alerta (referindo-se, evidemen- Tendo em vista a resenha apresentada e
te, aos Estados Unidos), afirma que as pes- dada nossa realidade social, parece-nos de
soas que se utilizam dos benefícios de cam- especial interesse o artigo de Iscoe5, lem-
panhas de promoção da saúde e têm maior brando que ele propõe uma psicologia da
acesso a informações sobre saúde são geral- saúde que atinja a comunidade no seu todo,
mente aquelas pertencentes à classe média. abrangendo assim, as populações menos fa-
Para ele, o insucesso dos programas de saúde vorecidas, cada vez mais numerosas. E, com
mental (ainda referindo-se aos Estados Uni- base no que diz esse Autor, parece adequa-
dos, naturalmente) deve-se a uma compreen- do tentar buscar na psicologia da comunida-
são insuficiente dos problemas do dia-a-dia de subsídios que mais se coadunem com
e dos valores das pessoas tidas como semi- a abordagem da saúde pública e seu enfoque
qualificadas ou mesmo qualificadas. As na prevenção primária e orientação no sen-
pessoas semi-educadas ou não educadas, tido de uma política de saúde e política
subempregadas ou desempregadas estão cres- social. No entanto, como fazê-lo?
cendo em número, diz ele, e são justamente Antes de mais nada, é interessante verifi-
estas as que correm o maior risco de saúde e car que, muito embora a prestação de ser-
vicos psicológicos à comunidade tenha emer- que a prevenção — seu objetivo último seria o
gido da psicologia clínica, a psicologia da co- desenvolvimento de indivíduos competentes
munidade procurou, desde o início, negar em comunidades competentes, denominan-
suas ligações com a psicologia clínica, pro- do-se comunidades competentes as que têm
curando afirmar-se, não como seu subpro- recursos e poder para satisfazer as suas neces-
duto, mas como uma interação de conheci- sidades. Quanto a estas, seriam definidas pe-
mentos científicos básicos da psicologia, la própria comunidade (Iscoe4, 1974).
com ênfase na psicologia social e na psico- Ora, lembrando que os objetivos mais am-
logia do desenvolvimento (Bennett 1 , 1965). plos da Organização Mundial de Saúde
Aliás, este é um ponto que gostaríamos é promover esforços para que todos os povos
de salientar: não se aplicaria uma tal concep- atinjam o nível mais alto possível de saúde
ção de psicologia da comunidade a todas as e tendo em vista a sua definição de saúde
áreas de aplicação? Não constituiriam essas como o bem estar físico, mental e social e
áreas uma interação de conhecimentos bási- não meramente a ausência de doenças, di-
cos, com ênfase em disciplinas diversas con- ríamos que o enfoque da psicologia da co-
forme seu enfoque? munidade está intimamente ligado ao da
Voltemos, porém, à psicologia da comuni- saúde pública.
dade e suas relações com a psicologia clíni- Entretanto — e aqui chegamos ao ponto
ca. crucial de nosso tema — reconhecer as rela-
Enquanto a psicologia clínica preocupa-se ções entre os sistemas sociais, os níveis de
com problemas individuais de ajustamento à competência interpessoal e o funcionamen-
vida, tendo como nível primordial de análise to social pode ser condição necessária, mas
o indivíduo, a psicologia da comunidade não suficiente para compreendê-los. Assim, o
"entrou no campo do bem-estar humano avanço, os progressos da psicologia da comu-
através de envolvimento direto com siste- nidade, ou melhor, as contribuições da psi-
mas de organização para o controle de des- cologia com enfoque na comunidade, hão
vios de comportamento" e o desenvolvimen- de depender do desenvolvimento de pesqui-
to de sistemas sociais mais condizentes com sas que esclareçam as relações entre o funcio-
as necessidades humanas (Goodstein e San- namento individual e os ambientes organiza-
dier 3 , 1978). E, nesse sentido, sua ênfase cionais e comunitários. Assim, as contribui-
está na prevenção. Aliás, a psicologia da ções da psicologia à saúde pública teriam
comunidade é apresentada na literatura como base o desenvolvimento desse tipo de
(McClure e col. 7 , 1980) como tendo três pesquisa. No entanto, é justamente nesse
características principais: uma perspectiva sentido que parece haver ainda um longo ca-
teórica orientada para a competência e a pre- minho a percorrer.
venção; a preferência por uma intervenção Num levantamento realizado por McClu-
na organização e na comunidade, em nível re e col.7 (1980), sobre os tipos de estudo
ecológico; e a necessidade de se fundamen- mais freqüentes (teórico, correlacional, qua-
tar em pesquisas ecologicamente válidas. se-experimental, experimental e outros),
É preciso notar, porém, que a psicologia publicados de 1973 a 1978, verificou-se que
da comunidade não ignora o indivíduo — a grande maioria dos estudos empíricos en-
"ela apenas reconhece as relações emaranha- volviam uma abordagem tradicional com en-
das entre as dimensões dos sistemas sociais, foque em problemas a nível individual ou de
os níveis de competência interpessoal e o pequeno grupo. As razões para o pequeno
funcionamento social" (Cowen 2 , 1977). número de pesquisas sobre intervenções a
Parece ainda importante mencionar que, nível comunitário, segundo esse Autor, po-
muito embora o enfoque na prevenção e na dem ser atribuídas aos seguintes fatores:
competência seja uma de suas caracterís- a) rejeição do modelo conceitual da psicolo-
ticas principais ou mesmo a primordial, a gia da comunidade; b) falta de conhecimento
psicologia da comunidade ambiciona mais do e de preparo do pesquisador; c) limitações
impostas pelo próprio contexto comunitá- cologia do desenvolvimento estão procuran-
rio-institucional do pesquisador; d) a polí- do ampliar as perspectivas da psicologia, es-
tica governamental em nível municipal, es- tendendo os limites do laboratório e do con-
tadual e federal. sultório para os domínios mais amplos da
Os problemas são, pois, complexos e nu- realidade social e realidade ecológica, bus-
merosos e, na maior parte, de difícil solução. cando novos paradigmas, desenvolvendo
"A psicologia da comunidade anda em crise, novos programas de treino e preparando
pois os psicólogos estão questionando seus novas revistas científicas.
paradigmas, suas pesquisas, seu preparo e Para concluir, diríamos que as possibilida-
suas habilidades para aplicar seus conheci- des de contribuição da psicologia à saúde
mentos à solução de problemas de comuni- pública estão condicionadas aos progressos
dade", afirma Rappaport (citado por Mc- da psicologia da comunidade e, nesse senti-
Clure e col 7 , 1980). Assim sendo, parece do, dependem de um desenvolvimento mais
válido afirmar que as possibilidades de con- acelerado de pesquisas que melhor esclare-
tribuição da psicologia à saúde pública çam as relações entre o funcionamento in-
numa perspectiva de prevenção e em âmbito dividual e os ambientes organizacionais e
comunitário estão, em última análise, vincu- comunitários. Dada, porém, a complexidade
ladas às respostas encontradas a esse questio- dos problemas envolvidos, acreditamos que
namento. Além disso, parece interessante essas pesquisas produzirão resultados mais
considerar ainda com McClure e col.7 que eficazes se inseridas no âmbito de questio-
os psicólogos das áreas de psicologia social, namento a que se refere Rappaport (citado
psicologia clínica e, mais recentemente, psi- por McClure e col.7).

MEJIAS, N. P. [The psychologist in public health - efforts at prevention]. Rev. Saúde públ.,
S. Paulo, 18: 155 - 61, 1984.
ABSTRACT: Focusing on the contributions of psychology to prevention in Public Health,
this paper presents a review of several articles concerning the health behavior of individuals
and the relationships between environmental conditions, behavior and health. On the other
hand, taking into consideration points of contact and divergence between clinical psychology
and Public Health, this review suggests that community psychology should be the area of
psychology whose objectives are closer to those of the World Health Organization - a sugges-
tion based on their common concern with the relationships between organizational systems
and individual behavior, and the development of social systems congruent with human needs.
Still, given the scarcity of available empirical data, this paper ends with the conclusion that a
more effective contribution to Public Health would be attained if a greater number of re-
search projects were developed clarifying the relationships between individual behavior and
organizational and community environments.
UNITERMS: Psychology. Public health. Community health services.

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