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3 O GRANDE DESPERTAR Grivia, séculos VIEa Va. Foi nos ofsis dos grandes desertos, onde o sol queima implacavelmente, € ‘onde somente o solo itrigado pelos rios fornece alimento, que surgiram os iis antigos estilos de arte, sob 0 dominio de déspotas orienta, ¢ esses estlos permaneceram quase inalterados por milhares de anos. As condigSes cram muito diferentes nos climas mais temperados do mar com que esses jmpérios confinavam, nas miéitiplas ilhas, grandes e pequenas, do Meditersineo oriental ¢ nas costas recortadas por intmeras enseadas das peninsulas da Grécia e da Asia Menor. Essas regides mio estavam submetidas a um Gnico senhor. Eram os esconderijos de ousados ‘marinheiros, de reis-piratas que cruzavamn 0s mares lésa lés a0 longo dos seus limites conhecidos, ¢ acumulavam grandes riquezas em scus castelos © portos de abrigo, produtos do comércio e de pilhagem maritima. O principal centro dessas reas foi originalmente a ilha de Creta, cujos reis ram, algumas vezes, suficientemente ticos e poderosos pata enviar embaixadas ao Egito, e cuja arte causou profinda impressio até na corte faradnica (p. 68) Ignora-se qual era exatamente 0 povo que reinava em Creta, ¢ cua arte fi copiada no continente grego, sobretudo em Micenas. Descobertas recentes levam a aceitar a probabilidade de que os cretenses falavam uma forma primitiva de grego, Mais tarde, cerca de 1004) a.C., wma nova onda de tribos guerreinis provenientes da Europa penetrou tia montanhosa peninsula da Grécia, avangou até o litoral da Asia Menor, combateu & derrotou os antigos habitantes. Somente mas canes que narram essas ‘batalhas sobrevive algo do esplendor e beleza da arte que foi destrufda nessas guertas prolongadas, pois essas'cangdes ou raps6dias comstituem os poemas homéricos; ¢ entre os recém-chegados estavam as tribos gregas que ‘eonhecemos da historia. [Nos primeiros séculos do seu domfnio sobre a Grécia, a arte dessas tibos cra bastante rude, desgraciosa e primitiva, Nada existe nessas obras que Jembre, mesmo de longe, o alegre movimento do estilo cretense; pareciam ‘mais superar até 0s egipcios em rigidez. Sua cerimica era decorada com padroes geométricos simples, e, quando queriam representar uma cena, esta fazia parte do desenho austero ¢ rigoroso. Por exemplo, a Fig. 46 representa a lamentagio por um morto. Este jaz em seu esquife, enquanto as carpideiras & direita e & esquerda levam as miios 3 cabega no pranto ritual que & um costume de quase todas as sociedades primitivas ‘Algo dessa simplicidade e desse arranjo claro e esquemitico parece ter contribuido para o estilo de construcio que os gregos introduziram nesses primeiros tempos ¢ que, por estranho que parega, ainda perdura em nossas ‘idades ¢ aldeias. A Fig. 50 mostra um templo grego do antigo estilo, o gual recebeu a designagio de dérico em atengio 3 tribo do mesmo nome, Ena esta a tribo a que pertenciam os espartanos, célebres por sua austeridade, Com efeito, nada existe de desnecessério nesses edificios, nada, pelo menos, de que no vejamos ou pensemos ver a finalidade. Provavelmente, os mais antigos desses templos foram construidos de madeira e consistiam em pouco mais do que um cubculo murado para guardar a imagem do deus, ¢ tendo ao redor s6lidos esteios que sustentavam 0 peso do telhado. Por volta do ano 600 a.C., 0s gregos ‘comegaram 8 imitar em pedra essas estraturas simples. Aos esteios de ‘madeira que escoravam os telhados sucederam as colunas gue sustentavam, robustas vigas transversais de pedra. Estas vigns transversais ram chamadas arquitraves, ¢ toda a unidade assente nas coluinas recebeut 0 nome de entablamento. Podemos observar reminiscéneias da construgio de madeira nia parte superior, como se estivessem expostas as extremidades das vigas. Estas extremidades cram usualmente marcadas com trés sulcos, ¢ foram, por isso, designadas pela palavta grega “triglifo”, que significa “erés sulcos”. O espaco do friso entre esses omatos chama-se amétopa. O aspecto surpreendente nesses primeiros templos, que imitam de um modo tio claro as antiga construgdes de madeira, & a simplicidade ¢ a harmonia do conjunto. Se os constratores tivessem usado simples pilares quadrados ou cilindricos, os templos poderiam eventualmente parecer pesados e feios. Entretanto, pelo contririo, eles preferiram modelat as colunas de modo que hhouvesse uma leve protuberincia na parte central e um afiselamento em direcio 20 topo. O resultado & que as colunas dricas ganham wma aparéncia quase elistica, como se 0 peso do telhado as estivesse comprimindo ligeiramente sem, no entanto, chegir a deforms. “Transmitem remotamente a ideia de eviarnras viventes sustentando suas ‘eargas sem esforco. Embora alguns desses templos sejam vastos © imponentes, nio atingem as colossais dimensdes das construcdes egipcis. Sente-se que foram edificados por seres humanos, ¢ para seres humanos, De fato, no existia um governante divino imperando sobre 0s gregos que pudesse forcar — ow tivese forgado — todo um povo a trabalhar como escravo pata ele. As tribes gregas tinham-se instalado em virias cidades pequenas e em portos de abrigo a0 longo da costa. Havia muita rivalidade & atrizos entre essas comunidades, mas nenhuma delas conseguiu dominat todas as outs. Tentre esas cidades-estado gregas, Atenas, na Atica, tomou-se de longe a mais famosa ¢ a mais importante na historia da arte. Foi af, sobretudo, que a maior ¢ mais surpreendente revolugio em toda a histéria da arte produziu seus frutos. E dificil dizer quando ¢ onde essa revolucio comegou — talvez por volta da época em que 0s primeiros templos de pedra estavam sendo construidos na Grécia, no século VI a.C. Sabemos que antes desse period ‘os artistas dos antigos impérios orientais tinham-se empenhado em obter um tipo peculiar de perfti¢io. Procuravam emular a arte dos seus antepassados tio fielmente quanto possfvel ¢ aderirestritamente as regras sagradas que haviam aprendido. Quando os artistas gregos comecaramn @ fazer estituas de pedra, partram do ponto em que egipcios e asstios tinham parado. A Fig, 47 mostra-nos’que eles estudaram e imitaram modelos, egipcios, dos quais aprenderam como reproduzir a figura de um jovem de , Como marcar as divis6es do corpo eos mnisculos que © mantém unido. ‘Mas também nos mostra que © artista que fez essas estituas nio se limitou a obedecer a formulas fixas por melhor que elas fossem, e comecou na pritica suas proprias experiéncias, Estava obviamente interessado em descobrir que aspecto 0s joelhos realmente tém. Talver nio lograsse um éxito completo: talver 0s joelhos de suas estas seam até menos convincentes do que os dos exemplos egipcios; mas 0 ponto importante é que ele se decidira a investigar por conta propria, em vez de seguir a velha prescricio. Ji nlo se ‘ratava de uma questio de aprender uma formula consagrada para representar 0 corpo humano. Todos os escultores gregos quiseram saber como iriam representar um determinado corpo, Os egipcios tinham, bbaseado sua arte no conhecimento. Os gregos comecaram a usar 0s proprios olhos. Uma ver iniciada essa revolugio, nada mais a sustaria. Os ‘scultores em suas oficinas ensaiaram novas ideias e novos modos de representario da figura humana, e cada inovagio era avidamente adotada por outros, que adicionavam as suas préprias descobertas. Um aprendeu como cinzelar 0 tronco, outro conclu que uma estitua vai parecer muito ‘mais viva se ambos os pés nfo estiverem firmemente plantados no chi, Outro ainda descobriria ser possivel animar um rosto recurvando simplesmente a boca para cima, de modo a criar uma impressio de sortiso. E clato, © método egipcio eta, sob muitos aspectos, mais seguro. As experigneias dos artistas gregos fharam algumas vezes. O sorriso poderia, resultar mam esgar embaragado, ou a postura menos rigida era passivel de ctiar a impressio de filsidade. Mas os artistas gregos no se atemorizavam facilmente diante dessas dificuldades. Eles tinham enveredado por um caminho sem retomo. ‘Os pintores seyuiram em sua esteira, Sabemos pouco a respeito do trabalho defes, exceto 0 que os autores gregos nos contam, mas & importante compreender que muitos pintores gregos eram até mais fimosos naquicle tempo do que seus colegas escultores. A tinica maneira que temos para formar uma vaga ideia sobre a pintura grega antiga € observando as decoragdes em cerimica. Esses recipientes pintados, conhecidos pelo nome genérico de vasos, destinavam-se mais amidide a conter vinho ou azeite do que flores. A pintura desses vasos tomnou-se uma importante indéstria em. ‘Atenas, ¢ 0s humildes artifices empregados nessas oficinas estavam tio vidos quanto os demais artistas por introduzir ay mais recentes descobertas em seus trabalhos. Nos primeiros vasos, pintados no século VI a.C., ainda Polis de Ar (Onis Clos © Bion, Ponedos de Argos ms ‘hive = . =m oe = fe ry oR Pee Z Seceng Apu a jggnda ms B40 a encontramos vestigios dos métodos egipcios (Fig. 48). Vemos 05 dois herdis de Homero, ‘Aquiles ¢ Ajax, jogando damas em sua tenda, Anubas as figuras ainda slo rigorosamente mostradas de perfil Seus olhos ainda parecem ser vistos de frente. Mas 0s corpos jf no sio desenhados & maneira egipcia, neni os bragos mios estio dispostos com a mesma clareza e rigide? antigas. O pintor tinka tentado, ‘obviamente, imaginar qual seria, na realidade, © aspecto de duas pessoas colocadas frente a frente, debrucadas sobre esse jogo. Ja nio receava mostrar apenas uma pequena parte da mio esquerda de Aquiles, deixando 0 resto escondido atris do ombro. Jé nfo pensava ‘que tudo o que ele sabia estar ali tinha forcosamente que ser mostrado, Quebrada ssa antiga regra, uma vez que © artista comecout a apreender 0 que seus olhos realmente viam, desencadeou-se uma vverdadeira avalancha, Os pintores fizeram a inaior de todas as descobertas — a descoberta do, escorco, Foi um momento assombroso na historia da arte quando, talvez um pourco antes de 500 a.C., 0s artistas se atreveram pela primeira vez na historia a pintar um pe tal como é visto de frente. Nas milhares de cobras egipeias e assrias que chegaram a jamais acontecera algo assim. Um vaso grego (Fig, 49) mostra com aque orgulho essa descoberta foi adotada, Vemnos um jovem guerreito yestindo uma armadura para a batalha. Seus pais, que, em cada um dos lados, o ajudam ¢ provavelmente Ihe dio bons conselhos, ainda sio representados em rigido perfil. A cabeca do joven no centro também se ‘mostra de perfil, e podemos observar que o pintor teve alguma dificuldade em ajustar a cabeca a0 corpo, que é visto de frente, Também © pé direito ainda foi desenhado da maneira “padronizada”, mas © exquerdo ji esti “escorcado”; vemos os cinco dedos dispostos como uma fileira de cinco pequenos efculos. Podera parecer exagerado nos alongarmos tanto nesse pequeno detalhe, mas ele realmente significou que a velha arte estava morta e sendo enterrada. Significou que o artista dcixara de tera pretensio de juntar tudo na pintura em sua forma mais claramiente explicita, passando a levar em conta o Angulo de onde ele via 6 objeto. Bem 20 lado do pé, demonstrou o que pretendia, Desenhou o escudo do jovem, nio na forma como poderiamos vé-lo em nossa imaginacio, ou seja, um objeto redondo, mas visto de lado, encostado numa pared ‘Mas, 20 observar essa pintura, ¢ também a anterior, nos apercebemios de que as ligdes de arte egipcia nio tinham sido simplesmente descartadas, de uuma vez, Os artistas gregos ainda procuravam fazer suas figuras com os mais nitidos contomnos ¢ incluir tantos conhecimentos sobre 0 corpo humano quantos coubessem na pintura sem violentar a sua aparéncia, Ainda eram amantes das linhas fimmes e do plano equilibrado. Ainda nio se dispunham a todos os relances fortuitos da natureza, tal como 0s viam, A velha formula, © tipo de formas humanas que st desenvolvera ao longo de tantos culos, continuava sendo o seu ponto de partida. S6 que jé ndo as consideravam {Go sagradas como antes em cada detalhe. A grande revolucio da arte grega, a descoberta de formas naturais ¢ do escorgo, ocorren numa época gue é, certamente, 0 mais assomibroso period da histéria huanana, £ a época em que © povo das cidade gregas comerou a contestar as antigas tradigdes e lendas sobre os deuses, ea investigar sem preconceitos a natureza das coisas. E 0 periodo em que a cigneia, tal como hoje entendemos o termo, ¢ a flosofia despertam pela primeira vez entre os homens, ¢ desenvolvendo-se o teatro a partie das ceriménias em honra a Dioniso, Nio devemos imaginar, porém, que os artistas dessa época estavam entre as classes intelectual. Os grevos ricos que administravam os negécios da sua cidade, gastando seu tempo em interminaveis discussdes na praca do mercado, e talver até mesmo os poetas € fildsofos, olhavam com sobranceria para os esculcores e pintores, a quem consideravam pessoas de classe inferior. Os artistas trabalhavam com as proprias miios — e trabalhavam para viver. Passavam os dias labutando em suas forjas, cobertos de suor e fuligem, ou como operirios comuns em pedreiras e canteiros, ¢ por iso ndo eram considerados membros da clase refinada, Contudo, sua participagio na vida da cidade eta infinitame: superior i de um artifice egiprio ou assirio, porque a miaioria das cidades sgregas, Atenas em particular, era de democracias em que a esses humldes breiros, alvos do destlém dos esniobes abastados, cra consentido, no centanto, participarem em certa medida dos assuntos de governo, Foi no periodo em que a democracia ateniense atingiu o seu mais elevado nivel que a arte grega chegou 20 apogeu. Depois de Atenas frustrar a invasio pers, o povo, sob a lideranga de Péricles, comegou a reconstruir © que os persas haviam destraido. Em 480 a.C., os templos situados no rochedo grado de Atenas, a Acrépole, tinham sido incendiados e saqueadlos pelos persas, Seriam agora construidos em marmiore ¢ com um splendor e nobreza jamais vistos (Fig, 50). Péricles no era emobe. Os autores antigos deixam entrever que ele craton os artists do seu tempo como iguais. © homem a quem ele confiow o planejamento e o tracado dos templos foi 0 arquiteto Tetino, e 0 escultor que itia modelar as figuras dos deuses ¢ supervisionar a decoragio dos templos foi Fidias. A fama de Fidias baseava-se em obras que ji mio existem mais. Mas é importante, porém, tentar imaginar como elas seriam, pois esquecemos com excessiva facilidade a qual objetivo, nessa Spoca, servia a arte greg Lemos na Biblia como oy profetas investiam contra a adoragio de idolos, Ietine © Pennon, Aiple Ata, 7-324 C zmas em geral ni relacionamos essas palavras a fatos c -mnuitas passagens como a seguinte, de Jeremias (X, 3-5) (0s costumes das povs so vaidades a mo de atists cert wm made do bogue, com 0 madhad, Adomase com prat © our fst som pregoee martes, para nia se desonjnter. Os ioe «90 ‘eto como as palo, ns i fam € preciso ome, pore nso anda, Ni os temas pis no pedem fazer male tamponca poem fazer bom. (© que Jeremias descrevia eram os fdolos da Mesopotimia,feitos de madeira metas preciosos. Mas suas palavras aplicar-se-iam quase exatamente as obras de Fidias, produzidas apenas alguns séculos apés a vida do profeta. Quando visitamos as flas de estituas de mérmore branco da antiguidade classica nos grandes museus, esquecemos muitas vezes que entre elas se encontram os idolos de que a Biblia fila; gue as pessoas oravam iante delas, que sacrficios Ihes eram oferecidos em meio a encantamentos, que milhares ¢ dezenas de milhares de adoradores delas se aproximavam com esperanga e medo em seus coragies — interrogando-se, como diz 0 profeta, sobre se aquelas estituas ¢ fdolos no seriam realmente os proprios deuses. De fato, a razio pela qual quase todas as estituas famosas do mundo antigo desapareceram foi gue, apés a vit6ria do cristianismo, considerava-se piedoso dever destruir estituas dos deuses pagiios. As esculturas em nosos ‘muscus sio, na sua maioria, reprodugdes feitas no periodo romano para viajantes ¢ colecionadores, levadas como sourenins ¢ decoragdes para jartins ou banhos piiblicos. Devemos set muito gratos por esas réplicas, porque pelo menos nos proporcionam uma palida ideia das famosas obras-primas da arte grega; entretanto, se nio usarmos a imaginago, esas fracas imitagdes também podem causar muito dano. Elis si0 responsiveis, em grande parte, pela ideia generalizada de que a arte grega era inanimada, fia, insipida, © de que as estituas gregas tinham aqucla aparéncia pilida e 0 olhar vazio que nos Jembram obsoletas aulas de desenho. A c6pia romana do grande idolo de Palas Atena, por exemplo, que Fidias realizara para o| seu santuirio no Partenon (Fig. 51), dificilmente causari forte impress. Devemos recorrer a antigas descrigGes ¢ tentar imaginar como realmente seria: uma gigantesca imagem de madeira, com uns 11 metros de altura, tio alta quanto uma arvore, toda coberta de materiais preciosos — a armadura a8 vestes de ouro, a pele de marfim. Havia também grande profusio de cores fortes e brilhantes no escudo e em outras partes da armada, sem, esquecer os olhos, que eram feitos de pedras coloridas. © elmo dourado da eusa era encimado por grifos, ¢ os olhos de uma enorme serpente enroscada dentro do escudo também cram destacados, sem divida, por refalgentes gemas. Devia ser uma visio fantistica, inspiradora de profundo temor e reveréncia, quando alguém entrava no templo e, de sibito, via-se ddiante dessa estitua enorme. Havia, por certo, um tom meio primitivo € selvagem em algumas de suas caracteristicas, algo que ainda ligava um idolo dessa espécie as antigas superstigdes contra as quais o profeta Jeremias Iangava suas invetivas. Mas essas ideas primitivas sobre os deuses como tha Pats, araszac deménios terriveis-que habitavam nas estitmas tinham deixado de sera caracteristica principal. Palas Atena, tal como Fidias a concebeu ¢ modelou, cra mais do que a mera imagem de um deménio. Pelas descrigdes que conhecemos, a estitua tinha uma dignidade que transmitia ao povo uma ideia especial sobze o carter o significado de seus deuses. A Arena de Fidias era como um grande ser humano. Seu poder residia menos em poderes migicos do que na sua beleza. As pessoas por certo, ‘compreenderam, na época, que a arte de Fidias outorgara ao povo da Grécia uma nova concep¢io do divino. : ‘As duas grandes obras de Fidias, a Palas Atena ¢ a sua famosa estétua de Zeus em Olimpia, perderam-se irremediavelmente, mas os templos onde estavam ainda existem, e, neles, algumas das decoragdes feitas na época de Fidias. O templo em Olimpia € 0 mais antigo: foi iniciado, supde-se, por volta de 470 a.C. ¢ concluido antes de 457 a.C. Nos intervalos quadrados (métopas) sobre a arquitrave estavam representadas as faganhas de Hércules. A Fig. 52 mostra o episddio em que ele foi enviado a cother os frutos das Hespéridas. Era uma tarefa que nem mesmo Hércules podia executar. Por isso rogou a Atlas, que sustentava os céus em seus ombros, para realizé-la por ele, ¢ Atlas concordou, sob a condigio de que, nesse meio tempo, Hercules carregasse o seu fardo. Neste relevo, Atlas regressou com as mags douradas ¢ as entrega a Hércules, a quem vemos retesado sob sua carga sggantesca. Atena, a ardilosa assstente de Hércules em todos 0s seus trabalhos, coloca uma almofida no ombro dele para suavizar a penosa tarefa, Em sua mio direita, ela manteve outrora uma langa de metal. A historia € contada com maravilhosa simplicidade ¢ clareza, Sentinios que 0 artista ainda preferia mostrar 2s figuras em atitudes s6brias, de frente ou de Jado. Atena esti olbando diretamente para nés, embora sta eabeca esteja voltada para Hércules. Nao € dificil pressentir nesses figuras a Tonga influéncia das regras que regeram a arte egipcia, Mas sentimos que & sgrandeza, a calma e a forca majestosa da escultura grega também se deve 4 observineia de antigas regras, embora elas entio tivessem deixado de consticuir Go grande obsticulo, cerceando a liberdade do artista. A velha ideia de que era importante mostrar toda a estrutura do corpo — suas principais articulagses, por assim dizer, para fazer entender como 0 Conjunto se mantinha unido ¢ coeso — instigou 0 artista a continuat explorando a anatomia dos ossos e mésculos, e a formar uma imagem convincente da figura humana, a qual permanece visivel mesmo sob o ondulado das roupagens. De fito, a maneira como os artistas gregos usaraim a8 roupagens para marcar as principais divisdes da anatomia do corpo denuncia a importincia que eles atribufam ao conhecimento da forma. ‘esse equilibrio entre a adesio as regras a liberdade de criagio apesar delas que faz com que a arte grega continue tio admirada em séculos subsequentes. E é essa a razio pela qual os artistas retornam sistematicameente 4s obras-primas da arte grega em busca de orientagio € inspiragio. O tipo de trabalho que os artistas _gregos eram frequentemente solicitados a realizar pode té-los ajudado a aperfeicoar seus conhecimentos do corpo humano em movimento, Um templo como 0 de ‘Olimpia estava sempre cercado de cestituas de atletas vitoriosos dedicadas aos deuses. Para nés, isso talvez parega um estranho costume, pois no esperamos, por mais populares que sj 0s 0380s campedes, ver as suas imagens oferecidas, a uma igreja como agradecimento por tuma vit6ria obtida, Mas as grandes reunides esportivas dos gregos, das quais 0s Jogos Olimpicos exam, evidentemente, cos mais célebres, tinham caracteristicas ito diferentes das nossas modernas competigdes. Estavam muito mais intimamente ligadas 3s erencas religiosas © a8 ritos do povo. Os que participavam de tais jogos no eram simples esportistas amadores ou profisionais —, mas membros das prineipais familias da Grécia, ¢ os vencedores cram olhados com reveréncia, quem os deuses tinham favorecido com o dom da invencibilidade. Era para descobrir sobre quem ess béngio da vitéria recaira que se celebravam originakmente 0s jogos, e era para comemorar ¢ talvez perpetuar esses sinais de graga divina que os vencedores encomendavam suas estituas aos mais, famosos artistas do seu tempo, Escavagées em Olimpia puseram a descoberto um grande néimero de pedestais em que clas deviam estar assentadas, mas as estituas desapareceram, Sendo em sua matoria feitas de bronze, o mais provivel & aque fossem derretidas quando esse metal se tomou escasso na Idade Média. Somente em Delfos foi enconerada uma desses estituas, a figura de wm auriga (Fig. 53), cuja cabeca mostramos na Fig, 54. Surpreende como ela & diferente da ideia que em geral logo formamos ao observar as cOpias de que dispomos. Os olhos, que com tanta frequéncia parecem vazios ¢ inexpressivos nas estituas de marmore ou sio cegos nas cabecas de bronze, sio destacados com pedras coloridas — como sempre eram naquela época. (Os cabelos, olhios e libios sio levemente dourados, o que transmite 2 todo 0 rosto vivacidade e calor. F, no entanto, tal eabega nunca patecia rebuscada ou vulgar. Podemos concluir que o artista tinha a inten¢ao de imitar um rosto real, com todas as suas imperfeigdes, mas a modelava a partir dos seus conhecimentos sobre a forma hunrana. Ignoramos se o auriga constitu um bor retrato — talvez no “parega” realmente wm auriga real, no sentido em que entendemos hoje a palavra “pareceniga”. omo homens a Mas é a imagem convincente de um ser humano, de maravilhosa simplicidade e beleza. Obras como essa, que niio sio sequer mencionadas pelos autores gregos lissicos, lembram-nos o que devemos ter perdido na mais famosa dessas estituas de atleta, como 0 “Discdbolo”, do escultor ateniense Myron, que provavelmente pertenceu 4 mesma gera¢ao de Fidias. Foram encontradas virias cOpias dessa obra, 0 que nos permite, pelo menos, formar uma ideia geral de como ela seria (Fig. 53). O jovem atlema é representado no instante cm que esti prestes a langar 0 pesado disco. Ele dobra 0 corpo para adiante € projeta o braco para tris de modo a poder langi-lo com mais forga. No momento seguinte, vai girar ¢ soltar 0 disco, sustentando 0 langamento com uma rotacio do corpo. A atitude € tio convincente que os atleas ‘modemos a adotaram como modelo e com ela procuram aprender 0 exato estilo grego de langamento do disco. Mas isso se toma menos ficil do que seria de esperar. Eles se esquecem de que a estitua de Myron nio 0 congelamento de uma cena de documentirio cinematogrifico de esportes, mas uma obra de arte grega. De fito, se a observarmos mais cuidadosamente, descobriremos que Myron logrou esse extraordinirio feito de movimento através, sobretudo, de uma nova adaptagio de métodos artisticos muito antigos. Se nos colocarmos diante da estitua e nos concentrarmos apenas em seus contornos, subitamente nos daremos conta da sua relagio com a tradigio da arte egipcia. A semelhanga dos pintores egipcios, Myron deu-nos tronco em vista frontal, as pernas e os bragos em vista lateral; tal como aqueles, também compés 2 imagem do corpo de um homem segundo os planos visuais mais caracteristicos de suas partes. ‘Mas, em suas mios, essa velha e gasta formula torou-se algo inteiramente diferente. Em vez de combinar esses planos visusis na representagio inconvincente de uma pose rigida, pediu a. um modelo real que posasse naquela atitude e adaptou-o de tal modo que nos di a impressio de sera representagio exata de um corpo em movimento. Se isso corresponde ou no ao movimento perfeito, mais adequado e eficaz para langar o disco, pouca importincia tem. O que importa é que Myron conquistou o movimento, tal como os pintores do seu tempo conquistaram 0 espago. De todos os otiginais gregos que chegaram até nés, as esculturas do Partenon talvez reflitam essa nova liberdade da mancira mais digna de admiragio. O Partenon (Fig. 30) foi completado uns vinte anos depois do templo de Olimpia, e, nesse breve espaco de tempo, os artistas tinham adquitido desenvoltura ¢ facilidade cada vez maiores na resolugio de problemas de representacio convincente. Ignoramos quem foram 0s autores das decoragdes do templo, mas, como Fidias foi o autor da estitua de Atena no santuirio, parece provavel que a sua oficina também tenha fomnecido as outras esculturas. As Figs. 56 e 57 mostram fragmentos do extenso ffiso que corria em toda a volta da parte superior interna do edificio e representava o desile anual durante a festa solene da deusa. Havia sempre jogos ¢ exibigdes esportivas no curso dessas festividades; uma das provas consistia na perigosa Dhue, 450 se A5 ac. proeza de conduzir um carto e sitar para fora para dentro dele com os quatro cavalos a pleno galope. Essa é a prova que se mostra na Fig. 56. No comego, o observador poderi ter dificuldade em orientar-se nesse primeiro fragmento, pois o relevo esti seriamente danificado. Nao sé uma pare da superficie esta quebrada, mas desapareceu toda a cor, 0 que provavelmente fazia as figuras se destacarem de forma brilhante contra um fundo intensamente colorido, Para nés, 2 cor e a textura do marmore fino sio algo tio maravillioso que jamais desejariamos cobri-lo de tinta, mas os sgregos pintevam até seus templos com fortes cores contrastantes, como vermetho e azul. Mas, por muito pouco que tena restado do trabalho original, vale sempre a pena, no caso de esculturas gregas, esquecer 0 que desapareceu em troca da pura alegria de descobrir 0 que sobrou. A primeira coisa que vemos em nosso fragmento so os cavalos, em mimero de quatro, todos emparclhados. As cabegas e patas estio suficientemente bem preservadas para nos darem uma ideia da mestria com que o artista logrou mostrar a estrutura de oss0s € miisculos sem que o conjunto parecese rigido ou drido, Logo percebemos que deve ser também esse 0 caso das figuras humanas. Podemios imaginar, pelos vestigios que restaram, com que liberdade elas se movimentavam e com que clareza se destacavam os aisculos de seus corpos. O escorgo ji no apresentava grandes problemas ah... saan Wadia = para o artista, O brago com o escudo & desenhado com perfeita desenvoltura, assim como 0 penacho esvoagante do elmo e a capa enfuunada pelo vento. Mas todas essas novas descobertas nao ““descontrolaram” 0 artista, Por mais que o entusiasmasse essa conqquista do espago ¢ do movimento, nio sentimos que ele estivesse ansioso por exibir tudo 0 que cera capaz de fazer, Ainda que os grupos tivessem adquisido vida e animacio, nem por isso deixaram de ajustar-se bem ao arranjo de um desfile solene que marcha ao longo da parede do edificio. © artista ainda eteve algo da sabedoria do arranjo que a arte grega derivou dos egipcios © do treinamento em padres geomeétricos que tinha precedido o Grande Despertar. & essa seguranga manual que torna tio liicido e “certo” eada detalhe do fiiso do Partenon. ‘Todas as obras gregas desse grande periodo mostram essa sabedoria € habilidade na distribuigao das figuras, mas os gregos de entzo valorizavam ainda mais 0 fito de que a recém-adquirida liberdade para representar 0 corpo humano em qualquer posicio ou movimento podia ser utilizada para refletir a vida interior das figuras representadas. Sabemos por um dos seus discipulos ser iso 0 que o grande filésofo Sécrates, que fora ele mesmo treinado como escultor, exortava os artistas a fizer, Deviam representar a “atividade da alma”, observando minuciosamente © modo como “os sentimentos afetam 0 corpo em a¢i0”, ‘Uma vez mais, os artifices que pintavam vasos tentaram manter-se a par desas descobertas dos grandes mestres cujas obras se perderam. A Fig. 58 representa um comovente episédio da histéria de Ulisses: 0 heréi volta para casa aps dezenove anos de auséncia, disfargado de mendigo, com um bordio, alforje ¢ tigela, ¢ & reconhecido por sua velha ama, que descobre na pert dele a cicatsiz de um velho ferimento quando Ihe Tavava os pés. O artista deve ter ilustrado uma versio algo diversa da de Homero (onde a ama tem um nome diferente do inscrito no vaso e Eumaios, 0 guardador de porcos, nio esti presente); talvez ele tivesse visto uma representagio tcatral em que essa cena era interpretada, pois lembramos ter sido também nese século que os dramaturgos gregos criaram a arte do Teatro. Mas nto. precisamos do texto exato para sentir que algo dramitico e comovente esti acontecendo, pois a troca de alhares entre a ama e o her6i quase nos dir mais do que as palavras poderiam dizer. De fato, os artistas gregos tinham. dominado os meios de transmitir um pouco dos sentimentos mudos, existentes entre as pessoas essa capacidade de nos revelar “a atividade da alma” na postura do corpo que converte mma simples lipide como a da Fig. 59 numa grande obra de arte. O relevo mostra Hegeso, que esti sepultada sob a Lipide, tal como era em vida. Uma jovem serva, em pé, diante dela, oferece-lhe um extajo, do qual Hegeso parece escolher uma jéia. F uma cena tranquila que poderiamos comparar com a representagio egépcia de Tutankhamon em. Seu trono, coma esposa ajustando-lhe a gola (p. 69, Fig, 42). Também a obra egipcia ¢ maravilhosamente clara em seus contomos, mas, apesar do Ci ron sa cha ame, seule Vac fato de datar de um periodo excepcional da arte egipcia, é bastante rigida e afetada, O relevo grego desfez-se das embaragosaslimitagBes mas reteve a Iucider ¢ a beleza do arranjo, o qual deixou de ser geométrico ¢ angular para se tomar livre e descontraido, © modo como a metade superior € emoldurada pela curva dos bragos das duas mulheres, a maneiea como esas linhas sio replicadas pelas curvas do escabelo, o método simples pela qual a bela milo de Hegeso converte-se no centro de atengio, 0 ondear das vestes que envolvem as formas do corpo, to expressivas de um momento de calma — tudo se combina, enfim, para produzir aquela harmonia simples que 86 veio ao mundo com a arte grega do século V. Pode nada Hein IN

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