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império do Brasil
Alda Azevedo e Fernando Pedro de Carvalho Ono
Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.213/6897
Johann Moritz Rugendas, Retrato de Ludwig Riedel (detalhe), óleo s/ tela, 1846
Imagem divulgação [Wikimedia Commons]
Campo, segundo Bourdieu (10), é compreendido não como um lugar específico, mas
como uma situação atual de um assunto, numa justaposição de sua materialidade e
sociabilidade. Em seu conceito de campo, ele considera a lógica interna dos
objetos culturais, sua estrutura como linguagens, e os grupos que produzem tais
objetos através dos quais eles também preenchem funções. Para tanto, é necessário
utilizar o método relacional para análise do microcosmo social no qual se
produzem obras culturais, como o campo artístico no qual se insere o paisagismo.
Foi, inclusive, neste pensamento que, num dos primeiros atos de D. João com a
vinda da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, foi dada continuidade à política
exploratória, quando criou o então ‘Real Horto’ (1808-1811), e já se encarregava
de receber sementes e mudas para formar sua coleção (17).
Porém seria necessário para isso hum homem hábil, que não somente soubesse
perfeitamente Botânica, mas sobre tudo a arte de jardineiro, a qual não se pode
aprender senão com muita pratica, e em países, em que ella tem chegado a maior
perfeição, como na Belgica, Suissa, França, Inglaterra; [...] (21).
Na Capital do Império, entretanto, a arte paisagística iria demorar para ter sua
importância reconhecida, vindo a surgir principalmente a partir da segunda metade
do século 19, numa relação construída a partir do hábito de cultivar jardins
pela elite em suas chácaras, até formar um gosto que refletiria na constituição
do próprio espaço público. Ressalta-se que a palavra ‘paisagismo’ possivelmente
não existia no Brasil neste momento, pois não é possível identifica-la nos
periódicos correntes da época. Neste período, o termo ‘paisagista’ era dedicado
aos pintores de paisagem (24).
Para sua direção foi indicado em 18 de Abril de 1839 o naturalista Ludwig Riedel,
que então foi nomeado para a função de ‘jardineiro botânico’, conforme Relatório
da repartição de negócios do Império, publicado no jornal “O Brasil”, em 23 de
fevereiro de 1843, onde consta:
“Por vezes vos tem sido ponderada a necessidade de hum Horto Botânico para o
ensino da respectiva sciencia; estaes informados pelo Relatorio, que vos foi
apresentado no princípio da sessão de 1839 [...]; cumpre-me agora dizer-vos que
pelo de 18 de Abril do anno passado se deo realidade ao que até então estava em
simples projecto. Por este decreto foi inteirinamente encarregado da Direcção
do jardim Botânico estabelecido no Passeio Público desta Côrte o hábil, e activo
naturalista Luiz Riedel” (26).
Percebe-se que não cabia a Ludwig Riedel modificar o plano do jardim, que
possivelmente continuou com a mesma constituição estabelecida em sua criação no
século 18. Esta conformação provavelmente permaneceu durante o período da direção
de Riedel, visto não haver registros que mostrem o contrário, de modo que lhe
caberia apenas o cuidado e o plantio da vegetação.
Neste ínterim, de acordo com matéria da Revista Médica Fluminense de1839, Riedel
chegou ao plantio de “[...] mais de 400 espécies de plantas pertencentes a varias
famílias: outras tantas existem em caixas, viveiros e sementeiras” (28). Seu
herbário particular havia sido financiado pelo Imperador da Rússia, e continha
cerca de 396 espécies nativas no ano de 1839.
O Jardim Botânico do Passeio Público passou então a se caracterizar por ser não
apenas um espaço de sociabilidade como jardim de passeio, mas também afirmar sua
vocação como um horto botânico, onde eram realizados estudos com a flora nativa
e exótica. O caráter científico e de passeio foi uma característica que marcou
alguns jardins botânicos do Brasil no século 19, como descreve Segawa (29).
Sendo assim, é compreensível que um jardim dedicado ao passeio também pudesse
conjugar fins botânicos, tal como o Passeio Público.
Formava-se assim uma rede de articulação para atender aos novos gostos, enquanto
Ludwig Riedel foi se ocupar unicamente da Direção dos Jardins da Quinta da Boa
Vista. Para substitui-lo na direção do Jardim Botânico do Passeio Público foi
nomeado o botânico Francisco Gabriel da Rocha Freire, lente de Botânica da
Faculdade de Medicina da Cidade do Rio de Janeiro, segundo informações do jornal
“Brasil Commercial”, de 19 de maio de 1858 (34).
Considerações finais
Na primeira metade do século 19, diferentemente da prática europeia e norte
americana, mais voltada para o recreio burguês e a criação de ‘pulmões verdes’,
a gênese do campo ‘paisagístico’ da cidade do Rio de Janeiro foi legitimada pela
política exploratória do meio ambiente seja por parte do Governo Imperial, seja
pelas outras instituições interessadas em conhecer as potencialidades medicinais
e econômicas da vegetação. Por isso, a prática carioca se distingue pela relação
com os saberes da História Natural, da Agronomia, e da Agricultura. Desta forma,
a atividade não se resumia a um ‘jardinismo’, visto que não só coube aos
naturalistas desta época a preocupação com os cuidados estéticos dos espaços
livres ajardinados, mas principalmente com os conhecimentos botânicos da
vegetação.
Mesmo que não lhe coubesse modificar os ‘riscos’ do Jardim Botânico do Passeio
Público, Riedel contribuiu diretamente para que o paisagismo - enquanto campo
de atividade - pudesse começar se formar a partir da segunda metade do século
19 no Rio de Janeiro: através da participação da gênese da institucionalização
desta prática na Capital Imperial, ao se tornar Diretor de Jardins em 1848. Até
então se acreditava que esse cargo teria sido inicialmente concedido ao
autodenominado ‘horticultor paisagista’ francês Auguste François-Marie Glaziou,
na segunda metade do século 19, como inicialmente descreveram os relatos de
Francisco Agenor de Noronha Santos (35).
Porém, Riedel não só foi o primeiro Diretor de Jardins da Capital Imperial. Ele
e seus contemporâneos na primeira metade do século 19 deram subsídios para que
profissionais que vieram após, como Glaziou, tivessem iniciada uma rede
articulada de elementos para composição paisagística para ser utilizada,
presente em lojas de horticultura, e demonstrada através de catálogos disponíveis
para a população.
Todavia, o paisagismo, até então visto como ‘arte mecânica’ na primeira metade
do século 19, só chegou a ser verdadeiramente reconhecido como atividade
projetual no meio científico e político brasileiro a partir de meados do século
19. Conforme informações sistematizadas do “Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial do Rio de Janeiro”, do período de 1844 -1861, Riedel permaneceu como
Diretor de Jardins até 1861, quando faleceu em 6 de Agosto de 1861, no Rio de
Janeiro (36). De acordo com matéria do “Correio Mercantil”, de 24 de agosto de
1862, conforme depoimento de Glaziou, em seus últimos dias de vida Riedel diria
ao então futuro paisagista do Império:
notas
1
SCARANO, Fabio Rubio. Patrimônio florístico brasileiro: ciência e biodiversidade.
In: MARTINS, Ana Cecília I. (Org). Flora brasileira: história, arte e ciência. Rio
de Janeiro, Casa da Palavra, 2009, p. 68-86.
2
MARQUES, Vera Regina Beltrão. Escola de homens de ciências: a Academia Científica do
Rio de Janeiro, 1772-1779. Educar, n. 25, Curitiba, 2005, p. 39-57.
3
KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de
informações (1780-1810). Revista de História, Ciências e Saúde – Manguinhos, vol.
11, Suplemento 1, 2004, p. 109-129.
4
KURY, Lorelai; SÁ, Magali Romero. Flora brasileira: um percurso histórico. In:
MARTINS, Ana Cecília I. (Org). Flora brasileira: história, arte e ciência. Rio de
Janeiro, Casa da Palavra, 2009, p. 18-57.
5
AUGEL, Moema Parente. Ludwig Riedel, um viajante Alemão no Brasil. Fundação Cultural
do Estado da Bahia, Salvador, 1979.
6
Idem, ibidem.
7
KURY, Lorelai; SÁ, Magali Romero. Op.cit.
8
Idem, ibidem.
9
LAEMMERT, Eduard; LAEMMERT, Heinrich. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial
do Rio de Janeiro. 1844-1859. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional.
10
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, Papirus, 2011.
11
SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins do Brasil. São Paulo, Studio Nobel, 1996.
12
Idem, ibidem, p. 77.
13
PANZINI, Franco. Projetar a natureza: arquitetura da paisagem e dos jardins desde as
origens até a época contemporânea. São Paulo, Senac São Paulo, 2013.
14
Idem, ibidem.
15
SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins do Brasil (op.cit.).
16
DEAN, Warren. A botânica e a política imperial: a introdução e a domesticação de
plantas no Brasil. Estudos Históricos, vol. 4, n. 8, Rio de Janeiro, 1991, p. 220.
17
GASPAR, Cláudia Braga; BARATA, Carlos Eduardo. De engenho a jardim: memórias
históricas do Jardim Botânico. Rio de Janeiro, Capivara, 2008.
18
Idem, ibidem.
19
Idem, ibidem.
20
BEDIAGA, Begonha. Conciliar o útil ao agradável e fazer ciência: Jardim Botânico do
Rio de Janeiro, 1808-1860. História, Ciências e Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro,
v. 14, n. 4, out.-dez. 2007, p. 1131-1157.
21
Artigo comunicado. A aurora fluminense. ago. 1829, n. 223, Acervo da Fundação
Biblioteca Nacional, p. 935.
22
ARAÚJO, Hermetes Reis. Técnica, trabalho e natureza na sociedade escravista. Revista
Brasileira de História, vol. 18, n. 35, São Paulo, 1998.
23
PANZINI, Franco. Op.cit.
24
PEREIRA, Sônia Gomes. Arte brasileira no século XIX. Belo Horizonte, C/Arte, 2008.
25
BRASIL. Regulamento nº 16 de 16 de Abril de 1838. Coleção de Leis do Império do
Brasil. Tomo 1, parte 2, seção 14.
26
Relatório da repartição de negócios do Império. O Brasil. 23/02/1843. Acervo da
Fundação Biblioteca Nacional, p.10.
27
Idem, ibidem.
28
Fetos. Revista Médica Fluminense, n. 5, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional,
1839, p. 205.
29
SEGAWA, Hugo. Os jardins botânicos e a arte de passear. Ciência e Cultura, vol.
62, n.1, São Paulo, 2010, p. 50-53.
30
A propósito da edificação no Morro de Santo Antonio. Novo Correio de Modas. Acervo
da Fundação Biblioteca Nacional, 1852, p. 28.
31
SILVA, Joaquim Norberto de Souza. Um passeio ao Corcovado em 1848. Novo Correio de
Modas, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional, 1852, p. 28.
32
PANZINI, Franco. Op.cit.
33
LAEMMERT, Eduard; LAEMMERT, Heinrich. Op.cit.
34
Notícias diversas. Brasil Commercial, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional, mai.
1858, p. 1.
35
NORONHA SANTOS, Francisco Agenor de. O Parque da República, antigo da
Aclamação. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 8,
Rio de Janeiro, 1944.
36
LAEMMERT, Eduard; LAEMMERT, Heinrich. Op. cit.
37
GLAZIOU, Auguste François-Marie. Agricultura e jardinagem. Correio Mercantil, Acervo
da Fundação Biblioteca Nacional, ago. 1862, p. 2.
sobre os autores
Alda de Azevedo Ferreira é doutoranda do PROARQ-UFRJ. Arquiteta e Urbanista e Mestre
em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Pesquisadora associada do SIPAC-FAU-UFRJ.
FERREIRA, Alda de A.; ONO, Fernando P. C. A institucionalização do ensino de
Arquitetura Paisagística no Rio de Janeiro. In: Paisagem e Ambiente: ensaios. Nº 40.
São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 2017.
Fernando Pedro de Carvalho Ono é mestre pelo PPGAV-EBA-UFRJ. Licenciado em Educação
Artística pela UFRJ. Professor das Redes Municipal e Estadual de Ensino do Rio de
Janeiro. FERREIRA, Alda de A.; ONO, Fernando P. C. A A institucionalização do ensino
de Arquitetura Paisagística no Rio de Janeiro. In: Paisagem e Ambiente: ensaios. Nº
40. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 2017.