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Ludwig Riedel, o primeiro diretor de jardins da capital do

império do Brasil
Alda Azevedo e Fernando Pedro de Carvalho Ono

Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.213/6897


Johann Moritz Rugendas, Retrato de Ludwig Riedel (detalhe), óleo s/ tela, 1846
Imagem divulgação [Wikimedia Commons]

O período demarcado a partir do século 18 na Europa revela uma mudança de atitude


e compreensão da relação “homem-meio ambiente”. Também chamado de Século das
Luzes, é caracterizado pelo advento do Iluminismo, um movimento cultural da
elite intelectual europeia que procurou mobilizar o poder da razão. É a
emergência da ciência moderna, em que a História Natural passou a ser vista como
uma aliada na gestão de riquezas do Reino e do Ultramar, fundamentada pelos
conhecimentos discernidos por Carl von Linné, ou Lineu, considerado ‘pai da
História Natural Moderna’ (1).

Na cidade do Rio de Janeiro, os princípios da ciência moderna começaram a surgir


em fins do século 18, e ao longo do século 19. Como marco tem-se a fundação da
Academia das Ciências e da História Natural do Rio de Janeiro, que era filiada
a Academia de Ciências da Suécia e funcionou de 1772 até 1779, com o objetivo
de estudo dos recursos naturais do país (2). Nas últimas décadas do Setecentos
ocorre um incremento da dinâmica de exploração do meio ambiente tropical por
incentivo de Portugal, com a realização de diversas viagens philosophes. Como
reflexo, tem-se o crescimento da importância dos Jardins Botânicos de Kew, na
Inglaterra, e de Paris, verdadeiros núcleos de sustentação das políticas
iluministas de exploração da natureza colonial (3). As viagens filosóficas
seguiam preceitos iluministas de exatidão, observação minuciosa e espírito
utilitário (4).

Johann Moritz Rugendas, Retrato de Ludwig Riedel, óleo s/ tela, 1846


Imagem divulgação [Wikimedia Commons]

Contudo, no início do século 19, tais viagens assumem caráter diferenciado.


Neste momento, tomam força os ensinamentos de Alexander Von Humboldt, que
indicavam a necessidade do contato direto do naturalista com o meio ambiente.
Corria-se para identificar, catalogar, nomear e assim conquistar o meio tropical,
e valorizava-se o pioneirismo, que seria reconhecido como uma espécie de
“descobridor”.

Neste ínterim, dentre os naturalistas viajantes estrangeiros que se


estabeleceram no Brasil destaca-se Ludwig Riedel (1790-1861). Riedel nasceu na
Alemanha-Prússia, no dia 2 de março de 1790, e era horticultor e coletor.
Principiou sua vida profissional servindo ao exército prussiano (1813-1815), e
em seguida deu inicio à sua prática na coleta de vegetais no sul da França (1816-
1817). O prussiano veio ao Brasil em 1821, integrando uma comissão naturalista
que participou da Expedição Langsdorff, financiada pelo Governo Russo (5).

Nos primeiros anos em território brasileiro, Riedel coletou na Bahia, Rio de


Janeiro e Minas Gerais, a fim de enviar seus achados para a Academia de Ciências
e Jardim Botânico de São Petersburgo, atual Leningrado (6). Com a interrupção
da expedição em 1829, Riedel voltou a São Petersburgo, entre 1830 e 1831, onde
foi generosamente recompensado por seu trabalho, e organizou um herbário com
60.000 exemplares (7).

Em seguida, Ludwig Riedel retornou ao Brasil, e a fazer mais coletas em todo


Rio, São Paulo, Goiás e Minas Gerais, no período de 1831 a 1836. Em 1836,
desligou-se do Governo Russo, e aceitou uma posição permanente no Museu Nacional,
no Rio de Janeiro. Nele, fundou e dirigiu a Sessão de Botânica, Agricultura e
Artes Mecânicas, bem como, dirigiu seu herbário, até 1858. O Museu Nacional
havia sido fundado em 11 de Maio de 1819, e com sua nomeação, Riedel tornou-se
o primeiro estrangeiro a ocupar uma posição permanente no instituto. Além disso,
também fez parte da comissão de Agricultura e foi membro honorário da Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional - SAIN (8).

Em 1839, segundo dados sistematizados do Almanak Administrativo, Mercantil e


Industrial do Rio de Janeiro, de 1844 – 1859 (9), Ludwig Riedel foi nomeado
Diretor do então Jardim Botânico do Passeio Público (1839-1858), e
posteriormente, no ano de 1848, tornou-se o primeiro Diretor de Jardins (1848-
1861). Com isso, ele participou da primeira institucionalização da prática
paisagística na Capital Imperial do Brasil.
Contudo, são escassos os estudos da primeira institucionalização da prática
paisagística no Brasil. Desta forma, o artigo objetiva compreender o início da
formação do campo paisagístico no Brasil através da experiência do trabalho de
Riedel, com ênfase para sua passagem pelo então Jardim Botânico do Passeio
Público (1839-1861), buscando identificar os saberes que contextualizam este
momento. Para tanto, a pesquisa baseou-se em fontes primárias de periódicos da
época, e fundamentou-se no conceito de campo, do filósofo e sociólogo Pierre
Bourdieu.

Campo, segundo Bourdieu (10), é compreendido não como um lugar específico, mas
como uma situação atual de um assunto, numa justaposição de sua materialidade e
sociabilidade. Em seu conceito de campo, ele considera a lógica interna dos
objetos culturais, sua estrutura como linguagens, e os grupos que produzem tais
objetos através dos quais eles também preenchem funções. Para tanto, é necessário
utilizar o método relacional para análise do microcosmo social no qual se
produzem obras culturais, como o campo artístico no qual se insere o paisagismo.

Estes fundamentos teórico-metodológicos se prestam à análise dos mecanismos de


dominação, da produção de ideias, da gênese das condutas. Sendo assim, busca-
se, por meio deles, o desvelamento da articulação do social que levou à primeira
institucionalização do cargo de Diretor de Jardins, concedido ao prussiano Ludwig
Riedel, através das funções que lhes foram atribuídas no Jardim Botânico do
Passeio Público.

O jardim botânico do passeio público


No Brasil, em fins do Setecentos, foram criados alguns hortos ou jardins
botânicos, como em São Paulo em 1779; em Belém, em 1796; e em Salvador e Ouro
Preto depois de 1802. No Rio de Janeiro, neste período, construiu-se seu primeiro
jardim de caráter público, o Passeio Público da Corte, que corresponde ao marco
da gênese do paisagismo no espaço público da cidade carioca (11).
O inicialmente denominado Passeio Público da Corte foi construído entre os anos
de 1779 e 1783, por obra do ‘mestre-de-riscos’ Valentim da Fonseca e Silva,
conhecido como Mestre Valentim. Idealizado pelo 4º Vice-Rei D. Luís de
Vasconcelos e Souza, durante sua regência de 1779 a 1790. Com área de 26.440 m²,
este é o mais antigo dos jardins públicos da cidade do Rio de Janeiro, bem como
um dos primeiros ainda existentes no território brasileiro. Como descreveu o
arquiteto e pesquisador Hugo Segawa, o jardim representa “o mais singular do
ponto de vista urbanístico do Brasil do século 18” (12).

Passeio Público da Corte


MACEDO, Joaquim Manuel. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. [1ª publicação em
1862]. [Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005]

Mestre Valentim era torêuta, e neste momento assumiu a posição de ‘mestre-de


risco’, ao elaborar o ‘projeto’ do jardim. A arte dos jardins desenvolveu-se ao
longo dos séculos, de acordo com as características de cada época. Segundo o
arquiteto paisagista português Francisco Cabral (2003), pode-se dizer que o
fundador da profissão na Europa é o francês André Le Nôtre, sob o título
de ingénieur des jardins, no século 17. A atividade nasceu com a concepção do
jardim particular e do parque, sendo estas as primeiras obras até praticamente
meados do século 19.
O jardim público, segundo Franco Panzini (13), tornou-se popular na Europa no
começo dos Setecentos, e representa uma tipologia de espaço verde inovadora. Os
primeiros espaços verdes públicos estavam ligados à tradição do jardim barroco
francês. Caracterizado pelo traçado retilíneo e pela vegetação rigorosamente
ordenada em topiaria, surgiu na Europa, no século 17, favorecido pelo espírito
da Contra Reforma e pela progressiva afirmação da autoridade monárquica. Neles
as pessoas iam não só para usufruir a beleza do meio ambiente, como também pelo
hábito do passeio elegante, para exibir o luxo e a curiosidade.

Todavia, o século 18 vê surgir através da elite rural inglesa o gosto do chamado


‘estilo paisagístico’ no meio urbano, que contribuiu para o desenvolvimento do
sentimento do naturalismo romântico. O jardim paisagístico surgiu na Inglaterra
no século 18, como imitação da ‘natureza’, e fingia ser natural. Eram recusadas
as árvores e arbustos podados, os setores geometrizados delimitados por passeios
retos. Buscava-se, em contraponto, o contraste entre as matas escuras e as claras
pradarias, os jogos de luz e de sombra. A simplicidade dos campos ingleses é
assim preferida à sofisticação e artificialidade dos projetos de André Le Nôtre,
e o jardim barroco à francesa (14).

Para realização do Passeio Público da Corte, o primeiro jardim público da cidade,


a área que abrigava um charco que originava a Lagoa do Boqueirão da Ajuda foi
aterrada com material proveniente em parte do Morro das Mangueiras, e em parte
do Morro das Marrecas. Sua construção foi destinada a vilegiatura e recreio da
elite no Brasil Colônia (15). Um espaço dedicado à ‘sociabilidade’ carioca, e à
promoção da salubridade da cidade através do aterro da Lagoa do Boqueirão
d’Ajuda.

Passeio Público em sua localização atual no bairro do Centro da Cidade do Rio de


Janeiro (2017)
GoogleMaps

Em suma, o Passeio Público da Corte, estabelecido na Cidade do Rio de Janeiro


no século 18, era uma grande mistura de referências - entre o barroco brasileiro,
o neoclássico e o romântico - que leva a crer que no final das contas ele não
era nem uma coisa nem outra, e sim a proeminência de um modo de ver próprio da
paisagem carioca.

O paisagismo do espaço público carioca assim surgiu como contingencia com a


cultura do lugar aliada às características do meio ambiente, interpretadas
segundo o olhar de Mestre Valentim. Porém, ao mesmo tempo, tratou-se de uma
manifestação de soberania da monarquia portuguesa sobre o domínio exploratório
de sua colônia, através de um jardim de linhas retas e rigorosamente ordenado,
que remete a uma atitude controladora, marcadamente racional. Manifestava-se,
portanto, entre a elite colonial brasileira, a disposição de manter as mesmas
desigualdades da velha Europa.

Posteriormente, o Passeio Público da Corte assumiu importante posição na capital


colonial, reservado não só ao passeio da elite, como também lugar de ensinamentos
botânicos para a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro. Em
1825, Frei Leandro do Sacramento foi nomeado o primeiro Diretor do Passeio
Público. Antes dele, o cargo era atribuído a conservadores, que acumulavam
diversas outras funções. No Passeio Público, Sacramento ministrava suas aulas
de Botânica desde 1815, e para este fim construiu-se nele um edifício oitavado,
situado ao lado esquerdo, próximo à Lapa.

Segundo Warren Dean, o começo do século 18 foi caracterizado pelo surgimento de


“novos e poderosos instrumentos de intercâmbios de espécies tropicais: o jardim
botânico tropical e o herbário” (16). Os herbários europeus possibilitavam o
estudo de espécimes secas enviadas de vários lugares do mundo tropical. Já os
jardins botânicos, se estabeleciam em redes centralizadas nas respectivas
metrópoles, onde eram facilitados o intercâmbio de plantas entre colônias
tropicais e sua aclimatação.

Foi, inclusive, neste pensamento que, num dos primeiros atos de D. João com a
vinda da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, foi dada continuidade à política
exploratória, quando criou o então ‘Real Horto’ (1808-1811), e já se encarregava
de receber sementes e mudas para formar sua coleção (17).

O pensamento de desenvolvimento da Agricultura para o progresso e a promoção da


felicidade pública através da exploração das riquezas que a terra podia oferecer
iria reforçar ainda mais esse encaminhamento. Em 1810, segundo as recomendações
do luso-brasileiro Manuel Arruda da Câmara, a finalidade dos jardins não era
promover o meramente agradável, e tinham como principal fim a utilidade. Ele foi
um grande incentivador da instituição de jardins nas principais Capitanias
brasileiras, com o objetivo de transplantação de vegetais úteis das diversas
partes do mundo (18).

Com a Independência, o Real Jardim Botânico (1811-1822) passou a se chamar Jardim


Botânico da Lagoa de Freitas (1822-1889). A vocação de jardim de aclimatação e
Fábrica de Pólvora permaneceu por longo período, até que em Março de 1824, o
frade carmelita pernambucano Frei Leandro do Sacramento assumiu sua direção,
sendo o terceiro na sucessão desde sua criação, e o seu primeiro Diretor Botânico
(19).

Frei Leandro do Sacramento então introduziu importante visão científica em sua


administração no Jardim Botânico da Lagoa, modificando seu caráter, e ocupando-
o de trabalhos mais sérios de experimentações e estudos, tornando-o assim de
fato um Jardim Botânico, aos moldes europeus. O tratamento paisagístico foi
outro aspecto que mereceu sua atenção. Em sua gestão, ele aumentou a área
cultivada do jardim, aterrou alguns locais, projetou uma cascata, construiu o
lago que tem seu nome – conhecido por alguns pelo nome de Vitória Régia – criou
aleias, construiu um cômoro com a terra retirada da construção do lago, e
edificou a Casa dos Cedros. Além disso, inaugurou o relógio de sol, iniciou a
construção da bacia do repuxo central, e plantou diversas árvores como
mangueiras, nogueiras, longanas, pitombeiras, cravos-da-índia, etc. (20).

Contudo, em fins da terceira década do século 19, publicou-se um comunicado em


que se questionava a real finalidade do Jardim Botânico da Lagoa, criticando seu
difícil acesso para atender o objetivo de instruir os estudantes da Academia
Médico-Cirúrgica, nas cadeiras de Química e Botânica Médica. Sugeria-se que o
jardim deveria deixar de ser botânico, devido aos seus altos custos. Conforme
matéria do periódico “A Aurora Fluminense”, de 7/08/1829, ele deveria tornar-se
um viveiro de plantas “úteis as artes, à medicina, e aos usos domésticos, onde
se aclimatassem tanto as de paízes extrangeiros, como as das províncias do
Brasil”. E, aconselhava a criação de um Jardim Botânico no Passeio Público:

Porém seria necessário para isso hum homem hábil, que não somente soubesse
perfeitamente Botânica, mas sobre tudo a arte de jardineiro, a qual não se pode
aprender senão com muita pratica, e em países, em que ella tem chegado a maior
perfeição, como na Belgica, Suissa, França, Inglaterra; [...] (21).

Indicava-se a busca por um profissional para mantenedor que acumulasse saberes


paisagísticos, através da ‘arte de jardineiro’, além de botânicos, adquiridos
através de experiência acumulada fora do país, nas especifidades tanto da arte
quanto da botânica. Nesta época no Brasil, a jardinagem era considerada uma arte
mecânica, e por isso, de pouca valia.

Segundo o historiador Hermetes Reis de Araújo (22), a aristocracia agrária opunha


as ‘artes liberais’, relacionadas com as faculdades do espírito e inteligência,
e as ‘artes mecânicas’, pautadas na ação prática e no trabalho em geral,
correspondia à realidade da sociedade escravista. Jardineiro era todo individuo
que se ocupava da cultura e do amanho dos jardins e exercia esta ocupação por
ofício. Jardinar era seu emprego e a jardinagem era, portanto, sua arte.

No século 19, o ofício da jardinagem era exercido por grupos de profissionais


conhecidos como ‘jardineiros floristas’. Para receber essa alcunha eles deveriam
ser dotados de ‘gênio’ particular de cultura de flores, e possuir noção geral
das plantas. Os jardineiros se dividiam entre práticos hábeis ou habilitados, e
simples hortelões. Aos jardineiros habilitados cumpria saber alguns
conhecimentos teóricos e de ‘desenho’, ou seja, saber ‘planos de jardins’, compor
e decompor estrumes, os sistemas de regas, a poda das árvores, o aformoseamento
dos arbustos, os cuidados com “moléstias às plantas”, etc. Os planos de jardins,
em geral, eram apresentados através de catálogos, bem como a vegetação disponível
para utilização - quer fossem espécies exóticas, ou nativas - o mobiliário, o
maquinário para conservação dos jardins, etc.

Originalmente, o termo ‘paisagista’ foi criado pelo poeta e jardineiro inglês


William Shenstone em 1754, que foi um dos primeiros teóricos e praticantes da
arte do jardim paisagístico. Todavia, o primeiro profissional a adotá-lo foi o
inglês Humphry Repton, em 1794, considerado o sucessor de Capability Brown.
Durante o século 19 na França, o termo jardineiro paisagista veio a aplicar-se
a pessoas que construíram e projetaram paisagens (23).

Na Capital do Império, entretanto, a arte paisagística iria demorar para ter sua
importância reconhecida, vindo a surgir principalmente a partir da segunda metade
do século 19, numa relação construída a partir do hábito de cultivar jardins
pela elite em suas chácaras, até formar um gosto que refletiria na constituição
do próprio espaço público. Ressalta-se que a palavra ‘paisagismo’ possivelmente
não existia no Brasil neste momento, pois não é possível identifica-la nos
periódicos correntes da época. Neste período, o termo ‘paisagista’ era dedicado
aos pintores de paisagem (24).

Neste contexto, a necessidade de criação de outro Jardim Botânico iria perdurar


por um período, até que em 16 de Abril de 1838, através do Regulamento nº 16,
criou-se um Jardim Botânico no Passeio Público do Rio de Janeiro, conforme Artigo
Único: “Fica creado no Passeio Publico desta Corte hum Jardim Botânico, que será
dirigido pelas Instrucções, que baixarem, assignadas pelo Ministro o Secretario
de Estado da repartição competente” (25).

Para sua direção foi indicado em 18 de Abril de 1839 o naturalista Ludwig Riedel,
que então foi nomeado para a função de ‘jardineiro botânico’, conforme Relatório
da repartição de negócios do Império, publicado no jornal “O Brasil”, em 23 de
fevereiro de 1843, onde consta:

“Por vezes vos tem sido ponderada a necessidade de hum Horto Botânico para o
ensino da respectiva sciencia; estaes informados pelo Relatorio, que vos foi
apresentado no princípio da sessão de 1839 [...]; cumpre-me agora dizer-vos que
pelo de 18 de Abril do anno passado se deo realidade ao que até então estava em
simples projecto. Por este decreto foi inteirinamente encarregado da Direcção
do jardim Botânico estabelecido no Passeio Público desta Côrte o hábil, e activo
naturalista Luiz Riedel” (26).

Seus trabalhos no Jardim Botânico do Passeio Público, ainda segundo o referido


Relatório de 23 de fevereiro de 1843, consistiam em:

“distribuir, e amanhar o terreno, e em adquirir plantas, e sementes, para


o que de quase nenhum auxilio lhe servio o mesmo Passeio, nem o Jardim
Botanico da Lagoa; sendo-lhe, portanto, indispensável empregar ali, com
louvável generosidade, muitas das que cultiva em seu Horto particular,
pertencendo humas a sua própria colleção, e outras à Sociedade Promotora
da Industria Nacional” (27).

Percebe-se que não cabia a Ludwig Riedel modificar o plano do jardim, que
possivelmente continuou com a mesma constituição estabelecida em sua criação no
século 18. Esta conformação provavelmente permaneceu durante o período da direção
de Riedel, visto não haver registros que mostrem o contrário, de modo que lhe
caberia apenas o cuidado e o plantio da vegetação.

Neste ínterim, de acordo com matéria da Revista Médica Fluminense de1839, Riedel
chegou ao plantio de “[...] mais de 400 espécies de plantas pertencentes a varias
famílias: outras tantas existem em caixas, viveiros e sementeiras” (28). Seu
herbário particular havia sido financiado pelo Imperador da Rússia, e continha
cerca de 396 espécies nativas no ano de 1839.
O Jardim Botânico do Passeio Público passou então a se caracterizar por ser não
apenas um espaço de sociabilidade como jardim de passeio, mas também afirmar sua
vocação como um horto botânico, onde eram realizados estudos com a flora nativa
e exótica. O caráter científico e de passeio foi uma característica que marcou
alguns jardins botânicos do Brasil no século 19, como descreve Segawa (29).
Sendo assim, é compreensível que um jardim dedicado ao passeio também pudesse
conjugar fins botânicos, tal como o Passeio Público.

Neste contexto, Ludwig Riedel era filiado às mais importantes instituições


presentes na cidade neste momento, tanto no campo científico e sociocultural com
o cargo no Museu Nacional; como no campo econômico, onde se destacava a Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN). A SAIN foi uma sociedade civil de
direito privado fundada em 19 de outubro de 1827, no Rio de Janeiro, com o
objetivo de fomentar a indústria do Império do Brasil.

Assim, ligado à SAIN, onde integrava a Comissão de Agricultura, e ao ambiente


científico do Rio de Janeiro, Ludwig Riedel, além de se ocupar da Direção do
Passeio Público e a Direção da Seção de Botânica, Agricultura, e Artes Mecânicas
do Museu Nacional, segundo informações constantes no Almanaque Administrativo,
Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, do ano de 1848, tornou-se também
Diretor de Jardins da Capital Imperial.
Ou seja, a partir do labor do naturalista Ludwig Riedel na Direção de Jardins é
institucionalizada pela primeira vez a prática paisagística na capital do Império
do Brasil. Seu caráter na primeira metade do século 19 estava diretamente
associado aos pressupostos Iluministas, com o plantio da vegetação para atender
fins econômicos ou medicinais. Trata-se, portanto, da emergência de um campo de
atividade paisagística, constituído como uma ‘arte mecânica’, e ainda fluido e
permeável na constituição de seus saberes.

A partir de suas filiações, não é de estranhar a indicação de Riedel para estas


funções. É reconhecido, entretanto, seu aporte como ‘jardineiro botânico’, que
às suas custas se empenhava em ornar o jardim. Todavia, mesmo com os esforços
pessoais do naturalista, ainda assim o estado do Jardim Botânico do Passeio
Público encontrava críticas em meio à sociedade carioca. Nos anos 1850, os
cuidados com o jardim começavam a encontrar divergências. Publicamente, ante a
imprecisão de suas funções e atribuições, dizia-se que o Passeio Público nem era
um ‘passeio’, nem era ‘público’. De acordo com matéria do periódico “Novo Correio
de Modas”, de 1852, reclamava-se de seu estado de abandono, com tanques cobertos
de limo e água suja, dito como incompreensível e injustificável devido aos altos
custos de sua manutenção (30).

As modificações ocorridas na cidade de Nova York, por obra de Frederick Law


Olmsted, começavam a repercutir nos anseios dos habitantes para a capital do
Império. À imagem do Central Park e das alamedas arborizadas da cidade
novaiorquina, que ficaram prontas em 1840, solicitava-se que o centro da cidade
do Rio de Janeiro ‘transbordasse’ de seus muros, e unisse os arrabaldes
pitorescos ao Passeio Público. Sugeriam ainda que se ligasse o cais e as praias
através de “uma alameda com cinco, seis, sete linhas de árvores” (31)

Na Europa, a aceleração industrial e o êxodo rural decorrentes das modificações


estruturais na exploração da terra tornaram as cidades superpovoadas, ao mesmo
tempo em que emergia uma burguesia ciente de sua força revolucionária. Os
governantes preocupados com esta situação perigosa intentaram fornecer ao povo
ocupações ‘sadias’, com a finalidade de evitar agitações indesejáveis. Desta
forma, os alemães criaram parques municipais para estimular a sociabilidade. Em
Paris, derrubavam-se as muralhas que a cercavam, e os espaços liberados foram
transformados em jardins, formando um novo cinturão verde ao redor da capital
francesa. Na mesma época, Londres crescia ao redor de parques reais, que foram
abertos à população (32).

Assim, o jardim burguês emergia na periferia da Europa e nos Estados Unidos,


trazendo ao contexto brasileiro, e principalmente à cidade do Rio de Janeiro,
reinvindicações pelo tratamento paisagístico, a fim de acompanhar a moda. Para
atender estas crescentes solicitações provenientes das mudanças dos gostos foram
gradativos os incrementos, de diferentes profissionais que ofereciam seus
serviços para a criação de jardins a partir de meados do século 19, geralmente
de caráter residencial.

Conforme informações sistematizadas do “Almanak Administrativo, Mercantil e


Industrial do Rio de Janeiro”, do período de 1844 – 1859, havia os ditos
‘engenheiros civis’, como Bernardino José dos Santos, João Mamede Junior; havia
também os estabelecimentos hortícolas que se propunham a fornecer elementos para
composição de jardins, como a Loja da China, e a Loja da Flora; além dos
jardineiros autônomos, como Jean Baptiste Binot, Pe. Manoel Thomaz dos Santos,
G. Krieger, dentre outros. Para tanto, os estilos dos ‘jardins antigos’
(clássicos) ou ‘modernos’ (paisagísticos) eram oferecidos como riscos para
composição, que juntamente com a vegetação eram demonstrados através de catálogos
para a escolha do cliente (33).

Formava-se assim uma rede de articulação para atender aos novos gostos, enquanto
Ludwig Riedel foi se ocupar unicamente da Direção dos Jardins da Quinta da Boa
Vista. Para substitui-lo na direção do Jardim Botânico do Passeio Público foi
nomeado o botânico Francisco Gabriel da Rocha Freire, lente de Botânica da
Faculdade de Medicina da Cidade do Rio de Janeiro, segundo informações do jornal
“Brasil Commercial”, de 19 de maio de 1858 (34).

Considerações finais
Na primeira metade do século 19, diferentemente da prática europeia e norte
americana, mais voltada para o recreio burguês e a criação de ‘pulmões verdes’,
a gênese do campo ‘paisagístico’ da cidade do Rio de Janeiro foi legitimada pela
política exploratória do meio ambiente seja por parte do Governo Imperial, seja
pelas outras instituições interessadas em conhecer as potencialidades medicinais
e econômicas da vegetação. Por isso, a prática carioca se distingue pela relação
com os saberes da História Natural, da Agronomia, e da Agricultura. Desta forma,
a atividade não se resumia a um ‘jardinismo’, visto que não só coube aos
naturalistas desta época a preocupação com os cuidados estéticos dos espaços
livres ajardinados, mas principalmente com os conhecimentos botânicos da
vegetação.

Neste jogo de ambivalências, o naturalista prussiano Ludwig Riedel buscou


equilibrar seus motivos científicos e as intenções políticas. Ao passo que
buscava conhecer e identificar a flora e fauna brasileira, ele manteve relações
que incentivaram a exploração da mesma não só pelo Império brasileiro, como
também internacionalmente, sendo por longo período financiado pelo Governo
Russo. Assim, ele foi ator e produto dessas estruturas: as sociedades de caráter
científico das quais fazia parte. Tais relações, aliadas aos seus conhecimentos
científicos, favoreceram as sucessivas posições institucionais por ele ocupadas.

Com isso, Ludwig Riedel incorporou os princípios geradores e organizadores de


sua prática e representação, das suas ações e pensamentos. Tais princípios não
lhes foram exclusivos e é possível vê-los animar a prática de outros naturalistas
deste mesmo período, como Frei Leandro do Sacramento e Manuel Arruda da Câmara.
Apesar da ênfase dada para os saberes da Botânica e da Agronomia, eles eram os
ditos ‘jardineiros botânicos’, que atuavam nos cuidados estéticos da vegetação,
seja nativa ou exótica, mas também cuidando de seus arranjos, da composição de
mobiliário e espelhos d’água, a fim de gerar espaços livres ajardinados, tanto
dedicados ao estudo da vegetação quanto ao passeio elitizado.

Mesmo que não lhe coubesse modificar os ‘riscos’ do Jardim Botânico do Passeio
Público, Riedel contribuiu diretamente para que o paisagismo - enquanto campo
de atividade - pudesse começar se formar a partir da segunda metade do século
19 no Rio de Janeiro: através da participação da gênese da institucionalização
desta prática na Capital Imperial, ao se tornar Diretor de Jardins em 1848. Até
então se acreditava que esse cargo teria sido inicialmente concedido ao
autodenominado ‘horticultor paisagista’ francês Auguste François-Marie Glaziou,
na segunda metade do século 19, como inicialmente descreveram os relatos de
Francisco Agenor de Noronha Santos (35).

Porém, Riedel não só foi o primeiro Diretor de Jardins da Capital Imperial. Ele
e seus contemporâneos na primeira metade do século 19 deram subsídios para que
profissionais que vieram após, como Glaziou, tivessem iniciada uma rede
articulada de elementos para composição paisagística para ser utilizada,
presente em lojas de horticultura, e demonstrada através de catálogos disponíveis
para a população.

Todavia, o paisagismo, até então visto como ‘arte mecânica’ na primeira metade
do século 19, só chegou a ser verdadeiramente reconhecido como atividade
projetual no meio científico e político brasileiro a partir de meados do século
19. Conforme informações sistematizadas do “Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial do Rio de Janeiro”, do período de 1844 -1861, Riedel permaneceu como
Diretor de Jardins até 1861, quando faleceu em 6 de Agosto de 1861, no Rio de
Janeiro (36). De acordo com matéria do “Correio Mercantil”, de 24 de agosto de
1862, conforme depoimento de Glaziou, em seus últimos dias de vida Riedel diria
ao então futuro paisagista do Império:

Passareis vossa vida inteira fascinado pela encantadora vegetação do Brasil, e


morrereis, como eu, em um estado vizinho da miséria temporal, depois de terdes
sacrificado vossa saúde, e provavelmente vosso futuro, a um povo que não saberá,
ainda por muito tempo, conhecer sua primeira necessidade: a inteligente cultura
de seu solo (37).

notas
1
SCARANO, Fabio Rubio. Patrimônio florístico brasileiro: ciência e biodiversidade.
In: MARTINS, Ana Cecília I. (Org). Flora brasileira: história, arte e ciência. Rio
de Janeiro, Casa da Palavra, 2009, p. 68-86.
2
MARQUES, Vera Regina Beltrão. Escola de homens de ciências: a Academia Científica do
Rio de Janeiro, 1772-1779. Educar, n. 25, Curitiba, 2005, p. 39-57.
3
KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de
informações (1780-1810). Revista de História, Ciências e Saúde – Manguinhos, vol.
11, Suplemento 1, 2004, p. 109-129.
4
KURY, Lorelai; SÁ, Magali Romero. Flora brasileira: um percurso histórico. In:
MARTINS, Ana Cecília I. (Org). Flora brasileira: história, arte e ciência. Rio de
Janeiro, Casa da Palavra, 2009, p. 18-57.
5
AUGEL, Moema Parente. Ludwig Riedel, um viajante Alemão no Brasil. Fundação Cultural
do Estado da Bahia, Salvador, 1979.
6
Idem, ibidem.

7
KURY, Lorelai; SÁ, Magali Romero. Op.cit.

8
Idem, ibidem.

9
LAEMMERT, Eduard; LAEMMERT, Heinrich. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial
do Rio de Janeiro. 1844-1859. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional.
10
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, Papirus, 2011.
11
SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins do Brasil. São Paulo, Studio Nobel, 1996.
12
Idem, ibidem, p. 77.

13
PANZINI, Franco. Projetar a natureza: arquitetura da paisagem e dos jardins desde as
origens até a época contemporânea. São Paulo, Senac São Paulo, 2013.
14
Idem, ibidem.

15
SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins do Brasil (op.cit.).
16
DEAN, Warren. A botânica e a política imperial: a introdução e a domesticação de
plantas no Brasil. Estudos Históricos, vol. 4, n. 8, Rio de Janeiro, 1991, p. 220.
17
GASPAR, Cláudia Braga; BARATA, Carlos Eduardo. De engenho a jardim: memórias
históricas do Jardim Botânico. Rio de Janeiro, Capivara, 2008.
18
Idem, ibidem.
19
Idem, ibidem.

20
BEDIAGA, Begonha. Conciliar o útil ao agradável e fazer ciência: Jardim Botânico do
Rio de Janeiro, 1808-1860. História, Ciências e Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro,
v. 14, n. 4, out.-dez. 2007, p. 1131-1157.
21
Artigo comunicado. A aurora fluminense. ago. 1829, n. 223, Acervo da Fundação
Biblioteca Nacional, p. 935.
22
ARAÚJO, Hermetes Reis. Técnica, trabalho e natureza na sociedade escravista. Revista
Brasileira de História, vol. 18, n. 35, São Paulo, 1998.
23
PANZINI, Franco. Op.cit.

24
PEREIRA, Sônia Gomes. Arte brasileira no século XIX. Belo Horizonte, C/Arte, 2008.
25
BRASIL. Regulamento nº 16 de 16 de Abril de 1838. Coleção de Leis do Império do
Brasil. Tomo 1, parte 2, seção 14.
26
Relatório da repartição de negócios do Império. O Brasil. 23/02/1843. Acervo da
Fundação Biblioteca Nacional, p.10.
27
Idem, ibidem.

28
Fetos. Revista Médica Fluminense, n. 5, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional,
1839, p. 205.
29
SEGAWA, Hugo. Os jardins botânicos e a arte de passear. Ciência e Cultura, vol.
62, n.1, São Paulo, 2010, p. 50-53.
30
A propósito da edificação no Morro de Santo Antonio. Novo Correio de Modas. Acervo
da Fundação Biblioteca Nacional, 1852, p. 28.
31
SILVA, Joaquim Norberto de Souza. Um passeio ao Corcovado em 1848. Novo Correio de
Modas, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional, 1852, p. 28.
32
PANZINI, Franco. Op.cit.
33
LAEMMERT, Eduard; LAEMMERT, Heinrich. Op.cit.
34
Notícias diversas. Brasil Commercial, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional, mai.
1858, p. 1.
35
NORONHA SANTOS, Francisco Agenor de. O Parque da República, antigo da
Aclamação. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 8,
Rio de Janeiro, 1944.
36
LAEMMERT, Eduard; LAEMMERT, Heinrich. Op. cit.

37
GLAZIOU, Auguste François-Marie. Agricultura e jardinagem. Correio Mercantil, Acervo
da Fundação Biblioteca Nacional, ago. 1862, p. 2.
sobre os autores
Alda de Azevedo Ferreira é doutoranda do PROARQ-UFRJ. Arquiteta e Urbanista e Mestre
em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Pesquisadora associada do SIPAC-FAU-UFRJ.
FERREIRA, Alda de A.; ONO, Fernando P. C. A institucionalização do ensino de
Arquitetura Paisagística no Rio de Janeiro. In: Paisagem e Ambiente: ensaios. Nº 40.
São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 2017.
Fernando Pedro de Carvalho Ono é mestre pelo PPGAV-EBA-UFRJ. Licenciado em Educação
Artística pela UFRJ. Professor das Redes Municipal e Estadual de Ensino do Rio de
Janeiro. FERREIRA, Alda de A.; ONO, Fernando P. C. A A institucionalização do ensino
de Arquitetura Paisagística no Rio de Janeiro. In: Paisagem e Ambiente: ensaios. Nº
40. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 2017.

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