Desde que surgiu, em 1895, o cinema conquistou as platéias do mundo inteiro. Sua
evolução técnica foi lenta, mas o sucesso foi imediato. Por cerca de trinta anos, o
cinema mudo reinou absoluto, criando sofisticadas produções e gerando astros e
estrelas, amados e idolatrados por todo o planeta.
No dia 6 de outubro de 1927, o mundo do cinema sofreu um terremoto, fazendo com
que nascesse uma nova linguagem, a do cinema sonoro. Naquele dia estreava em
Nova York “O Cantor de Jazz” (The Jazz Singer), pioneiro no filme com som
sincronizado.
Com ampla publicidade, a Warner Bros anunciava o primeiro filme falado da história.
Um grande número de pessoas lotou o cinema, trazendo uma enorme expectativa
diante da novidade anunciada. Na tela surgia, em gigante, o rosto do ator lituano Al
Jolson, pintado de negro, a extasiar a platéia com o som da sua voz a cantar. O
cinema nunca mais seria o mesmo.
O filme não era totalmente falado, trazendo cenas ainda mudas, mas a voz de Al
Jolson, assim como a banda que o acompanhava, ouvia-se perfeitamente. Trazia uma
história mediana, tão linear que quase se apagou da memória das pessoas. O que
permaneceu para sempre no imaginário, foi o rosto pintado de negro de Al Jolson, e a
sua voz a ecoar pelas salas, a encantar as platéias do mundo inteiro.
“O Cantor de Jazz” foi o maior sucesso daquele ano, salvando a Warner Bros da
falência, inaugurando um novo tipo de cinema, o sonoro. Ganhou um Oscar especial,
o primeiro da história, só não arrebatando o de melhor filme porque os produtores dos
outros estúdios acharam que a concorrência era desleal. Apesar da precariedade
técnica do som, o filme impôs de vez a passagem do cinema mudo para o falado.
Mesmo com a resistência de grandes cineastas, como Charles Chaplin e Serguei
Eisenstein, quase três anos depois, em 1930, 99% dos filmes eram falados.
A nova estética do cinema trouxe grande fôlego aos estúdios, mantendo-os longe da
grande crise econômica gerada pela queda da bolsa de Nova York, em 1929, levando
o mundo à recessão. Na contramão da evolução do cinema sonoro, grandes carreiras
foram dizimadas pela chegada do som. Astros e estrelas apagaram-se, condenados
ao ostracismo por não possuírem voz adequada, como a de Al Jolson, a cantar
sublimemente, mostrando ao mundo a chegada definitiva do som à sétima arte.
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o francês Marey registrou a patente do fonoscópio. Em 1896, a empresa Pathé lançou
o gramofone Berliner, aparelho que sincronizava a imagem de um projetor com o som
de um disco. Em 1899, Auguste Baron, apresentou em Paris o seu filme sonoro,
obtendo sucesso junto à elite da cidade.
Já no início do século XX, em 1901, o alemão Ernst Ruhmer trazia a público a criação
de um aparelho que conseguia reproduzir som em película, chamado de fotografofone.
Em 1904, Eugen Laustre conseguia a mesma proeza de Ruhmer, mostrando que a
imagem e o som eram perfeitamente conciliáveis. Em 1907, Lee deForest
desenvolveu, com sucesso, o trabalho de Laustre através da aplicação do tríodo, uma
válvula que tinha a função de amplificar os sinais eletrônicos.
Ainda em 1907, os irmãos Lumière já haviam conseguido um som mais perfeito do que
os modelos Vitaphone e Movietone iriam apresentar no fim da década de 1920.
Incorporar o som ao filme era possível desde a sua origem, o sucesso do trabalho de
Lee deForest não foi aproveitado pela indústria cinematográfica, visto que o cinema
mudo era sucesso absoluto, e os altos custos que envolviam a sua sonorização,
adiaram o mecanismo por cerca de trinta anos.
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(The Ten Commandments), 1923 e “O Rei dos Reis” (King of Kings), 1927, de Cecil B.
DeMille, que ganhariam versões no cinema sonoro.
O cinema mudo havia alcançado o auge da sua perfeição estética, mas se não
oferecesse novos caminhos, seguiria o caminho da grande depressão econômica que
estava por vir. Para fugir da falência, a Warner Bros decidiu investir no filme sonoro,
técnica que durante décadas foi relegada ao segundo plano.
Em 1925, Sam Warner, presidente da Warner Bros, comprou o modelo Vitaphone,
desenhado nas fábricas da General Eletric. O projeto passou a ser desenvolvido
durante um ano, nos estúdios da Vitaphone Company, formada pelos subsídios da
Warner Bros. Foi testado pela primeira vez no filme “Don Juan”, com John Barrymore,
substituindo a orquestra de fundo por uma trilha sonora própria do filme. O Vitaphone
foi usado em vários curtas-metragens, antes de ser, finalmente usado no mítico “O
Cantor de Jazz”, em 1927.
O Cantor de Jazz
Numa cartada decisiva, para ser salva da falência, a Warner Bros anunciou com
grande pompa e promoção, o primeiro filme totalmente falado da história do cinema,
“O Cantor de Jazz”, com estréia em Nova York, em 6 de outubro de 1927.
Tecnicamente, o filme era quase que um híbrido, com cenas mudas e faladas. Trazia o
básico para o desenvolvimento do cinema sonoro, abrindo uma nova etapa na sétima
arte. Ouvir a voz do ator Al Jolson em seis canções empolgou, encantou e emocionou
as platéias do mundo inteiro.
Vindo dos palcos da Broadway, “O Cantor de Jazz”, dirigido por Alan Crosland,
contava a história de uma família judia, que tinha como tradição os cantores de cultos
litúrgicos. Jakie Rabinowitz (Al Jolson) sonhava vir a ser um grande cantor de jazz,
interrompendo a tradição de cinco gerações da sua família. A determinação do jovem
em ser um cantor de jazz ofendia o pai conservador, culminando com a sua expulsão
de casa. Longe da família, Jakie sobreviveria através da força da sua vocação e do
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grande talento que possuía. Quebraria os estigmas, sofrendo com as conseqüências
de perseguir um sonho que se chocava com a tradição familiar.
Al Jolson, um ator de origem judaica, nascido na Lituânia, migrado com a família para
os Estados Unidos, é quem carrega todo o filme. Inicialmente o papel foi oferecido a
George Jessel, intérprete de Jakie Rabinowitz na Broadway, que pediu um ordenado
muito alto. Eddie Cantor foi a segunda opção, mas Al Jolson foi a escolha definitiva. O
rosto pintado de preto, como um minstrel, tornou-se mítico. A vitalidade do ator, os
gestos enquanto cantava, comoveram o público. O ápice é alcançado, quando o ator
chora com o rosto pintado de negro, numa sensibilidade e carisma que emociona e
prende a platéia.
Anunciado como um filme totalmente falado, “O Cantor de Jazz” tem como base toda
estrutura e estética do cinema mudo. Há apenas um diálogo entre as personagens no
decorrer de todo o filme. Traz ainda, os tradicionais letreiros de diálogos. Seu
diferencial está nas canções diretas da película. Seu sucesso é visceralmente
sustentado pelo carisma de Al Jolson. Outro momento mítico é quando o ator vira para
a tela, e com grande convicção expressiva, diz:
“Acalmem-se, vocês não viram nada ainda”.
Nunca uma frase fora tão profética. A partir de então, o cinema jamais foi o mesmo.
Estava encerrada a era do filme mudo.
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estrela do filme mudo. Entre os que foram legados ao esquecimento, podemos citar
John Gilbert, Glória Swanson, Lillian Gish, Emil Jannings e Douglas Fairbanks. Era o
preço pela chegada do som à sétima arte.
https://jeocaz.wordpress.com/2010/04/20/quando-o-som-chegou-ao-cinema/