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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE
ANA ROQUE DANTAS
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE
Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação
DANTAS, Ana Roque, 1975‐
A construção social da felicidade. – (Trilhos ; 4)
ISBN 978‐989‐689‐174‐9
CDU 316
159
Título: A Construção Social da Felicidade
Autora: Ana Roque Dantas
Edição: Edições Colibri
Capa: João Roque
Depósito legal n.º 337 123/11
Lisboa, Novembro de 2012
Ao João e à Francisca,
pela sua importância na minha felicidade.
ÍNDICE
PREFÁCIO ............................................................................................................................ 9
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11
1 FELICIDADE: CONSTRUÇÃO DO OBJECTO SOCIOLÓGICO ....................... 13
3 O CONTEXTO ECONÓMICO E SOCIAL DA FELICIDADE............................. 33
5 A FELICIDADE EM CONSTRUÇÃO: PRÁTICAS E DINÂMICAS
SOCIAIS.......................................................................................................................... 49
PREFÁCIO
Este livro da Ana Roque, A Construção Social da Felicidade, é o ponto de
chegada de um percurso de investigação iniciado há alguns anos no
âmbito do mestrado em Sociologia, da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Ele representa o fim de uma
longa etapa cientificamente muito criativa, à qual se segue um novo
desafio, agora no âmbito do doutoramento ainda em curso.
A questão de partida que a Ana tinha para a sua pesquisa era relati‐
vamente simples: será que a procura de felicidade é uma das condicio‐
nantes maiores da acção dos actores sociais? Se sim, então porque não
procurar estudá‐la de um ponto de vista sociológico?
Apesar do trabalho poder ancorar‐se teórica e metodologicamente
nas reflexões e estudos da equipa do CesNova, a que a Ana pertence,
particularmente os que se situam no âmbito da acção social e das emo‐
ções, o risco continuava a ser grande. Sendo pioneiro na Sociologia, era
ainda incerto como é que este novo tema poderia ser resgatado aos
olhares da Psicologia, da Economia e da Filosofia.
Em tal desafio, a Sociologia era claramente o parente pobre. Falta‐
va‐lhe reflexão teórica específica, conceitos operacionalizáveis empiri‐
camente, modelos de análise e instrumentos metodológicos de observa‐
ção fiáveis para captar dimensões e variáveis que a maior parte das
vezes se situam mais nos “bastidores” do que no “palco” do teatro social,
para utilizar uma metáfora de Erving Goffman.
A ambição da Ana era equivalente à sua determinação em procurar
um fio condutor que lhe permitisse compreender como e porquê a ideia
de felicidade e a sua representação social constituem um forte catalisa‐
dor da acção, fazendo com que um número crescente de actores sociais
nas sociedades ocidentais, pertencentes a estratos sociais médios e ele‐
vados, mudem completamente a sua trajectória de vida no imediato, ou
que permaneçam com essa preocupação como pano de fundo de
mudanças futuras.
Ana Roque foi pioneira em Portugal nesse caminhar sociológico;
fazendo a revisão bibliográfica das várias disciplinas das ciências sociais
que abordaram o tema da felicidade, explicitando conceitos, formulando
hipóteses, construindo um modelo explicativo a partir de variáveis
10 ANA ROQUE DANTAS
socioculturais e validando‐o empiricamente através de um conjunto de
16 entrevistas em profundidade, em cujo conteúdo buscou a compreen‐
são sociológica sobre as representações dos diferentes actores, bem
como dos factores biográficos, socioculturais e de trajectórias de vida
que lhe estão associados.
No plano teórico, a pesquisa situa‐se na confluência das sociologias
das emoções e da acção social. A nível metodológico é notória a influên‐
cia das teorias sistémicas, dando esta dissertação um contributo signifi‐
cativo para futuras abordagens intersistémicas.
A amostra escolhida é constituída por pessoas de estratos sociais
médios, e médios altos, de uma faixa etária surgida com a Revolução de
Abril, onde as expectativas de um futuro risonho marcaram os seus per‐
cursos sociais. Esta foi a sua opção na escolha do campo de observação;
foi o ponto de partida para uma pesquisa com uma maior amplitude
social, sobre o mesmo tema, que agora está a desenvolver no âmbito do
doutoramento e que nos irá trazer novos conhecimentos, também, dos
efeitos da actual crise económico‐financeira nas representações e práti‐
cas dos actores sociais.
Creio estar certo ao afirmar que este trabalho representa também
para a Ana um tempo de transição. De facto, quando nos envolvemos em
estudos desta ambição, cujos contornos são indefiníveis no plano pes‐
soal, até podemos saber como entrámos, mas é incerta a forma como
terminamos. A mudança é sempre uma certeza e a sua intensidade e
amplitude dependem só do grau de inscrição que a viagem provoca em
nós. Fazemo‐nos sociólogos, produzindo Sociologia; sempre incomple‐
tos, porque reflexiva e criticamente vamos continuamente mudando.
Este trabalho da Ana Roque tem mais do que é necessário para que
um novo voo possa ser dado sobre a investigação sociológica da felici‐
dade. Depois desta publicação, ficamos agradavelmente à espera dos
resultados do estudo que tem em curso no âmbito do doutoramento e
que certamente assinalará o tema do seu próximo livro.
Manuel Lisboa
12 de Março de 2011
Algures no espaço aéreo africano – entre a República Centro Africana e a
República Democrática do Congo.
INTRODUÇÃO
A felicidade é hoje um tema que quase todas as semanas preenche uma
parte da imprensa escrita. Este poderia ser um primeiro sinal da sua
importância na estruturação das expectativas e acção dos actores
sociais.
Sendo a felicidade, sem dúvida, um dos motores de acções indivi‐
duais e colectivas será que tem de ficar prisioneira do senso comum
esclarecido e da comunicação social? Não será ela, também, um proble‐
ma passível de análise sociológica? Se sim, como a analisar a partir dos
instrumentos sociológicos?
A manifestação da felicidade extravasa os meros percursos indivi‐
duais e assume uma dimensão de acção colectiva. Constitui um proble‐
ma social na medida em que surgem indicadores de que ela é central na
vida dos actores sociais. É a partir desta centralidade que se pretende
construir o problema sociológico.
Assim, defendemos que a felicidade assume o papel de motor da
acção social, ainda que sob formas diferenciadas. E questionamos de que
forma estas diferentes características se podem observar através das
práticas, dos valores, da relação com o tempo e dos quadros de vida dos
actores sociais.
São estas as principais questões que estruturam a primeira parte
deste trabalho que se inicia com a justificação da importância de uma
abordagem da Sociologia ao tema da felicidade enquanto problema
social – revelado pela sua crescente visibilidade – e a sua constituição
em objecto sociológico. Partindo da reflexão teórica de outros autores,
mostra‐se a pertinência e urgência de uma reflexão sociológica sobre o
tema.
Este trabalho começou como uma exploração de um domínio que
parecia estar fora do âmbito da Sociologia. A sua legitimidade decorre
da própria existência de um problema social e do reconhecimento da
sua relevância temática, transformando um fenómeno da realidade
social num objecto da Sociologia. Estamos conscientes das dificuldades
em abordar um tema como este a partir desta ciência. Por isso, partimos
das poucas contribuições teóricas já existentes para desenvolver uma
proposta de um novo modelo de análise que possa ser observado empi‐
12 ANA ROQUE DANTAS
ricamente. O que se propõe é uma nova janela, um novo olhar sobre um
velho fenómeno: a procura de felicidade1.
1 Este livro apresenta os resultados de uma investigação desenvolvida no âmbito do
Mestrado em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universi‐
dade Nova de Lisboa.
1 FELICIDADE: CONSTRUÇÃO DO OBJECTO SOCIOLÓGICO
1.1 Do problema social ao objecto sociológico
ciação directa e linear1. Como nos diz Layard (2005), nos últimos 50 anos,
não se verificaram acréscimos na felicidade individual mas, ao mesmo
tempo, as pessoas estão mais ricas, trabalham menos, gozam mais férias,
viajam mais, têm maior esperança de vida e são mais saudáveis.
Portugal apresenta, desde 1986, níveis de satisfação com a vida
inferiores à média da União Europeia (enquanto a totalidade dos cida‐
dãos membros apresentou sempre percentagens de satisfação equiva‐
lentes ou superiores a 75%, os portugueses revelaram, para o mesmo
período, uma média de cerca de 66% de satisfeitos) e a distância entre
Portugal e os restantes países da UE tem vindo a acentuar‐se nos últi‐
mos anos. “Se em 1986, a diferença entre a percentagem de cidadãos
nacionais satisfeitos e a média da UE era de 13%, em 2006 situa‐se aci‐
ma dos 22%” (Relatório Eurobarómetro 66, 2006: 5).
No mesmo sentido, e segundo o Inquérito à Ocupação do Tempo
(INE, 1999), num dia médio, um indivíduo ocupa cerca de 8:04 a dormir,
7:37 a trabalhar, 0:56 em trajectos e 3:04 em actividades domésticas,
restando muito pouco tempo para outras actividades. As actividades
realizadas no tempo livre deixado pelas obrigações profissionais, fami‐
liares e voluntariado/participação cívica são essencialmente ler e ver
televisão. Mesmo que destas actividades se retire prazer e satisfação,
questionamos porque é que cerca de metade da população portuguesa
com 15 ou mais anos (54%) sente que anda apressada2. Aliás, o controlo
do tempo tem sido analisado nas suas implicações sobre a felicidade,
sugerindo contradições e desequilíbrios entre as expectativas indivi‐
duais e os constrangimentos sociais a que os indivíduos estão sujeitos.
Uma boa vida não é aquela em que se goza o tempo disponível?
Por um lado, alguns estudos indicam que as pessoas não se conside‐
ram mais felizes do que no passado (Layard, 2003 e 2005; Easterlin,
2001 e 2003); por outro, aumenta a importância da felicidade, resultan‐
do no que alguns autores classificam como paradoxal: as pessoas dedi‐
cam a maior parte da sua vida ao trabalho, na procura de uma vida
melhor e deixam pouco tempo e energia para dela usufruir.
1 Os EUA (Gallup) e a Europa (Eurobarómetro) recolhem sistematicamente infor‐
mação sobre a satisfação autorevelada e expectativas com a vida e a maioria dos
trabalhos sobre felicidade utiliza estes indicadores.
2 Quanto à frequência que o sentimento de falta de tempo assume, 37% dos homens
e 42% das mulheres anda apressado todos os dias e 31% dos homens e 31% das
mulheres com frequência (INE, 1999).
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 15
A civilização de felicidade paradoxal é o conceito proposto por Gilles
Lipovetsky (2006) para descrever a coexistência de princípios contradi‐
tórios nas sociedades ocidentais na actualidade: vivemos até mais tarde,
em melhor forma física e com melhores condições materiais; cada um é
responsável pela conduta da sua vida; os nascimentos são cada vez mais
decididos; os comportamentos sexuais liberalizados; o tempo consagra‐
do ao lazer aumenta constantemente e as festas e incitações ao prazer
invadem a vida quotidiana. A par destas melhorias e mesmo que uma
imensa maioria se declare feliz, aumenta o número de depressões, stress
e ansiedade; vivemos em sociedades cada vez mais ricas mas onde cada
vez mais pessoas têm condições precárias; as solicitações hedonistas
são constantes, mas existem a par de inquietudes, decepções e insegu‐
rança social (Lipovetsky, 2006).
Vários autores que se têm dedicado ao estudo da felicidade lem‐
bram que a cultura ocidental valoriza positivamente o ideal de felicidade
e admira os “felizes”. Satisfação e felicidade são construções sociocultu‐
rais, num modelo em que estas se assumem como um objectivo social –
procuramos ser felizes e que os outros nos reconheçam como felizes
(Veenhoven, 1984; Garhammer, 2003; Rapley, 2003).
Assim, parecem emergir constrangimentos socioculturais que
assumem importância para os actores sociais, como o reconhecimento
social (da felicidade e de todo um quadro de vida que se traduz também
pela posse de bens simbólicos e materiais), a par de uma acção indivi‐
dual hedonista que evita o desagradável e procura o prazer.
Entendemos que há uma solicitação ou apelo social à felicidade, seja
de forma directa, procurando formas individuais de a alcançar, ou indi‐
recta, através da criação de expectativas colectivas que guiam a acção
individual.
Felicidade começa por ser uma palavra que caracteriza uma forma
de sentir que remete para a expressão individual de um estado afectivo
e emocional. Mesmo quando racionalizado, sugere um termo que tem
sido apropriado fundamentalmente pela Psicologia. Por vezes, procu‐
ram‐se algumas manifestações biológicas, mas quase sempre na pers‐
pectiva de que é um termo que se refere à definição de um sentimento
16 ANA ROQUE DANTAS
individual, que se manifesta através de formas de agir, de pensar e de
sentir de actores sociais individuais.
Mas significará isto que não há nada de colectivo neste fenómeno
que interesse à Sociologia? Defendemos neste trabalho que há. Primeiro
porque há grupos sociais que manifestam essas formas de sentir de um
modo semelhante. Segundo porque essa forma de sentir é, também,
produto de uma construção social, o resultado de influências de vários
sistemas que se sobrepõem e interagem, consolidando‐se em represen‐
tações que orientam e condicionam as nossas práticas e modelos de
interpretação, assim como as nossas relações pessoais e colectivas
(Moscovici, 1984; Jodelet; 1999).
Nesse sentido, é possível e desejável a sua abordagem pela Sociolo‐
gia, construindo um corpo teórico orientador e enquadrador, com uma
rigorosa explicitação conceptual e a construção de hipóteses que pos‐
sam ser objecto de validação pela observação empírica.
Machado Pais (2006) defende que, quando nos interrogamos sobre
o significado social de um sentimento, iniciamos só por isso um questio‐
namento sociológico, uma vez que a Sociologia deve procurar objectivar
a dimensão social dos sentimentos sentidos. “… se a Sociologia tem
alguma coisa a dizer sobre tais sentimentos é porque eles se revestem
de profundas marcas sociais apesar de se manifestarem individualmen‐
te…” (Pais, 2006: 14).
O estudo da felicidade tem de centrar‐se nos factores que a condi‐
cionam e na forma como influencia condutas e acções de actores sociais
e não enquanto estado de espírito pessoal ou expressão de um senti‐
mento individual, onde ela é objecto de outras áreas científicas.
Sabemos que cada ciência oferece a sua própria “janela” do mundo,
dando uma versão forçosamente parcial e incompleta da realidade que,
embora singular, pode ser analisada sobre ópticas diferentes (Nohria,
2002; Sedas Nunes, 1977). Aqui preocupar‐nos‐emos essencialmente
com o ponto de vista da Sociologia.
Lembramos Durkheim (1993) e a importância que atribui aos cons‐
trangimentos sociais na orientação das condutas individuais. Da mesma
forma, torna‐se importante reconhecer que construímos e reconstruí‐
mos activamente a estrutura social no decurso das nossas actividades
diárias, incorporando e reproduzindo modelos sociais.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 17
1.2.1 Em torno do sentimento de felicidade
A felicidade é um sentimento ou uma emoção? Quando falamos em
emoção e sentimento referimo‐nos a conceitos distintos ou eles reme‐
tem para a mesma realidade? De que forma os sentimentos e emoções
condicionam a acção social? São estas algumas das questões que guiam
este ponto, onde se procura analisar a distinção entre sentimentos e
emoções e a sua relação com a acção social.
No âmbito da Sociologia das Emoções, Jack Barbalet (1998, 2003)
defende que, qualquer que seja o fenómeno social em análise, a sua
compreensão ganha com a identificação das dimensões emocionais, uma
vez que as emoções são a ligação necessária entre a estrutura social e a
acção social.
Para Carlos Castilla del Pino (2000), à Sociologia não importa o que
são os sentimentos em si, mas o modo como o colectivo os maneja, pois
a Sociologia centra‐se nos indivíduos no plural, indivíduos que são
interdependentes, cujas vidas se transformam e que são significativa‐
mente moldadas e condicionadas por configurações sociais.
Machado Pais (2006), numa obra dedicada à solidão, refere que à
Sociologia interessa compreender os mecanismos que produzem os sen‐
timentos. A propósito da solidão, argumenta que perceber o seu signifi‐
cado é uma via para o entendimento das formas sociais em que os sen‐
timentos são vividos.
Outro importante contributo à temática dos sentimentos e emoções
chega‐nos pela via da Neurobiologia. Damásio considera que “... os sen‐
timentos, bem como os apetites e emoções que os causam, desempe‐
nham um papel decisivo no comportamento social.” (2003: 162). Este
autor defende que a tomada de decisão não depende só dos sentimentos
e emoções mas do conhecimento a eles associado, ou seja, sobre a base
biológica actua o processo social e cultural, abrindo caminho à discussão
do papel dos constrangimentos sociais associados ao processo de sentir
e de regular as emoções. Defende que os sentimentos e as emoções são
importantes porque fazem parte daquilo que somos, pessoal e social‐
mente, e que os indivíduos governam as suas vidas na procura de felici‐
dade, sendo que “… os conhecimentos … sobre emoção e sentimento têm
alguma coisa a dizer sobre a forma como vivemos… [e por isso] são per‐
tinentes ao nível da sociedade.” (2003: 320/321).
Os trabalhos de António Damásio (2003) deram centralidade à
temática dos sentimentos e das emoções, ao defender a sua importância
para a vida em sociedade e para a condição humana, nomeadamente,
como a emoção e o sentimento condicionam o comportamento racional
18 ANA ROQUE DANTAS
e social. O autor mostra como sentimentos e emoções desempenham um
papel na racionalidade e no processo de tomada de decisão e, conse‐
quentemente, nas relações sociais: “... o facto é que as emoções, positivas
ou negativas, bem como os sentimentos que se lhes seguem, se tornam
componentes obrigatórios das nossas experiências sociais.” (2003: 169).
O autor propõe uma distinção entre sentimento e emoção, pois
embora sejam termos utilizados de forma indistinta, têm significados
diferentes. Diz‐nos que a palavra emoção tende a incluir a noção de sen‐
timento mas que “… as emoções e as reacções com elas relacionadas
parecem preceder os sentimentos na história da vida e constituir o ali‐
cerce dos sentimentos.” (2003: 44). Assim, distingue claramente senti‐
mentos e emoções e explica que é através dos sentimentos (que são
dirigidos para o interior e são privados) que as emoções (dirigidas para
o exterior e que são públicas) iniciam o seu impacto na mente. Mas emo‐
ção e sentimento constituem o início e o fim de um processo com meca‐
nismos diferentes em que podemos sentir emoções de forma consciente
(2003: 56). Não há sentimentos sem emoções.
Também Stephen Fineman (2003) esclarece que a diferença entre
emoção e sentimento reside no facto de que a emoção pode afectar
espontaneamente os processos do nosso corpo, enquanto os sentimen‐
tos decorrem da forma como avaliamos e somos avaliados, pois aquilo
que mostramos dos nossos sentimentos é influenciado por convenções
sociais. Apresenta o sentimento como construção social com significado
cultural, social e pessoal.
Numa lógica de continuidade, emoção e sentimento, embora dife‐
rentes, apoiam‐se uma à outra; as emoções constituem‐se como estrutu‐
ras de sentimentos que dão sentido à experiência emocional (Burkitt,
2002).
Se o termo emoção vulgarmente inclui a ideia de sentimento, quan‐
do as emoções são mapeadas mentalmente, representando os estados
dos sistemas do corpo, o resultado é o sentimento (Damásio, 2003:
96/97). António Damásio define sentimento como o estado mental que
suporta a regulação homeoestática. Assim, o sentimento aparece como
uma emoção organizada através de conhecimento e aprendizagem e a
sabedoria associada ao processo de sentir. Os sentimentos surgem como
um indicador da nossa economia interna, da forma como estamos. Estes
sentimentos, enquanto percepções compostas de um determinado esta‐
do do corpo são, também, a reconstrução de memórias com certos
temas. Desta forma, quando nos sentimos felizes surgem‐nos lembran‐
ças de situações felizes. Estas percepções estão ligadas temporalmente
com o objecto que as causa e desencadeia. Sabemos que estamos felizes
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 19
por causa de determinado estímulo que igualmente permite que tenha‐
mos consciência da felicidade e do sofrimento. Explica que o desejo de
felicidade, assim como o de evitar a dor, são fins da condição humana,
pertencem à sua essência, desempenhando um papel crucial no assegu‐
rar da sobrevivência, apesar dos estímulos que o provocam variarem em
cada indivíduo segundo uma forma de personalização da emoção
(Damásio, 2003).
Damásio esclarece ainda que a linha que separa emoções e senti‐
mentos é ténue e que “… os sentimentos levaram à emergência da capa‐
cidade de antecipação e previsão de problemas e à possibilidade de criar
soluções novas…” (2003: 97).
Os referidos contributos esclarecem que os sentimentos incorpo‐
ram conhecimento e sabedoria e suportam a acção; mostram‐nos tam‐
bém que a felicidade é um sentimento e, como tal, tem um papel na
orientação da acção. Assim, à Sociologia importa perceber a importância
que os sentimentos têm para a acção social e de que forma a condicio‐
nam. A este trabalho interessa mostrar como o sentimento de felicidade
motiva a acção dos actores sociais e lhes condiciona as práticas e com‐
portamentos.
1.2.2 As dimensões da felicidade
Recentemente, alguns autores que se dedicam a esta temática des‐
tacam a importância da articulação das componentes individuais com as
sociais (Veenhoven, 1984, 1991; Frey e Stutzer, 2002).
Bruno Frey e Alois Stutzer (2002, 2003, 2004) concluem que a feli‐
cidade não depende só de características biológicas e características
socioculturais, mas também do meio social de pertença. Estes autores
apresentam‐nos a felicidade enquanto construção do indivíduo, por ele
actualizada e dependente do seu contexto social e não como emoção
adquirida e imutável. Assim, o estudo da felicidade não deve situar‐se
apenas na comparação entre níveis de bem‐estar subjectivos, mas tam‐
bém na identificação das suas causas, para assim distinguir modelos de
comportamento.
Com esse objectivo, os referidos autores destacam vários factores
com influência sobre a felicidade, como a personalidade, as característi‐
cas biográficas e económicas, assim como factores contextuais, nomea‐
damente, as condições de trabalho, as relações interpessoais e a saúde.
Referem ainda a importância dos factores institucionais relativos aos
direitos de participação política.
Embora concordando com esta perspectiva, defendemos que o
estudo da felicidade deve ainda incluir reflexão sobre a sua importância
para o comportamento e orientação da acção. E se algumas destas con‐
dições (como a personalidade) são claramente objecto de estudo de
outras áreas, as de natureza social impõem uma abordagem da Sociolo‐
gia.
A felicidade não é apenas um traço de personalidade e, se os indiví‐
duos diferem nas suas capacidades, também os constrangimentos do
meio limitam as suas acções. São as capacidades e a situação que forne‐
cem o contexto objectivo para a avaliação da felicidade (Averill e More,
2000).
Outro contributo importante para o estudo da felicidade é o de Ruut
Veenhoven, cujo trabalho deu visibilidade e importância a este tema.
Este autor procurou identificar as condições que influenciam uma apre‐
ciação positiva da vida. Para tal, reuniu resultados de diversas investiga‐
ções empíricas e procurou relações estatísticas entre vários tipos de
indicadores e felicidade, inventariando os factores que se relacionam
com felicidade. Propõe a seguinte definição de felicidade: “Happiness is
the degree to which an individual judges the overall quality of his life
favourably” (Veenhoven, 1991: 2), que remete para a apreciação indivi‐
dual, para a forma como cada indivíduo avalia a sua vida globalmente.
Veenhoven identifica duas importantes componentes da felicidade:
a satisfação das necessidades universais e o contentamento ou prazer.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 21
Segundo este autor, a apreciação da vida decorre de como nos sentimos
afectivamente. Este nível hedónico depende da gratificação de necessi‐
dades inatas, que são pré‐requisitos biopsicológicos de funcionamento e
que não são ajustáveis. Mas o contentamento e o prazer aparecem
igualmente como componentes da felicidade, num nível cognitivo decor‐
rente das expectativas e da comparação social. Estas, por sua vez, são
construções dependentes da aprendizagem e variam entre culturas e
indivíduos, dificultando a sua avaliação.
Assim, propõe para o seu estudo a consideração de duas fontes dis‐
tintas: como cada um se sente (de uma forma geral), e quão favoravel‐
mente se compara com os vários níveis de sucesso. Veenhoven enuncia
as características do meio social, condições de vida e características
socioculturais que considera terem influência sobre a felicidade.
No domínio social, destaca a riqueza, a qualidade e estabilidade da
economia, e as características políticas, como a democracia, a liberdade
e a existência de paz (tanto no passado como no presente).
Ao nível das condições de vida, distingue a importância da posição
social (avaliada através das características socioculturais do indivíduo,
como a idade, pertença a minorias, rendimento, educação, prestígio da
profissão, ter ou não trabalho, tipo de trabalho), e também a importância
das relações íntimas com cônjuge, filhos, familiares e amigos. A posição
social e as redes de relações definem oportunidades de vida e quadros de
referência, influenciando a representação que cada um faz da felicidade.
Ao nível individual, realça a importância dos traços de personalida‐
de e dos estilos de vida (estilos de vida mais hedonistas e activos do
ponto de vista do lazer), dos recursos disponíveis (físicos, sociabilidade,
níveis de actividade), das convicções (em relação ao prazer, religião e
política) e das motivações face à mudança, ao dinheiro, aos valores, à
família, à saúde e as sociais.
Na sua análise, Veenhoven ignora a importância da evolução e
dinâmica dos sentimentos. A felicidade não é constante, pode suportar
dificuldades, não depende de eventos ou objectos específicos e é compa‐
tível com diferentes actividades (Averill e More, 2000). Da mesma for‐
ma, não se manifesta por um comportamento singular (para alguns, está
mais ligada à alegria e euforia, para outros, à tranquilidade). Assim, ao
longo da trajectória dos indivíduos, o sentimento pode assumir impor‐
tância diferente e sofrer alterações3.
3 Pascal Bruckner (2003) defende que, na sociedade contemporânea, a felicidade se
tornou um dever, mas que a existência não dispensa a dor e o sofrimento.
22 ANA ROQUE DANTAS
Por outro lado, as expectativas e as aspirações são socialmente cons‐
truídas e transformadas ao longo do tempo, criando diferentes represen‐
tações sociais (Moscovici, 1984; Jodelet, 1999). E, se as representações
sociais são determinadas por valores, crenças e experiência de vida, as
condutas e práticas mudam face às representações que se vão criando,
relativizando a importância dada por Veenhoven à comparação social.
Assim, entendemos a felicidade como um conceito subjectivo e com
dimensão temporal, uma vez que os sentimentos e as emoções são
dinâmicos e a sua intensidade pode sofrer variações. O seu estudo deve
centrar‐se nas percepções que os actores sociais desenvolvem sobre a
sua importância e sobre a forma como influencia condutas e práticas
sociais.
Desta forma, temos uma dimensão dinâmica da felicidade, que nos
surge enquanto construção social, enquanto fenómeno social, com
mudanças históricas e temporais, com causas e consequências, pressu‐
pondo que a realidade não existe como um dado exterior às consciências
dos indivíduos; antes é, simultaneamente, produtora e produto dos pro‐
cessos sociais ligados às consciências dos indivíduos (Berger e Luckman,
1999).
Perante a possibilidade de existência de vários modelos de felicida‐
de e de estes sofrerem alterações, questionamo‐nos como se definem e
constroem em cada momento? E como condicionam a acção de actores
sociais?
James Averill e Thomas More (2000) defendem que a investigação
sobre esta temática deve centrar‐se sobre os sistemas de comportamen‐
to, pois a felicidade assim encarada permite a análise dos seus princípios
de organização – combinação e interacção de princípios biológicos,
sociais e psicológicos – que agem para produzir comportamento. Enten‐
dem que cada um dos sistemas considerado individualmente (como a
maioria dos trabalhos faz) é insuficiente, pois nem os constrangimentos
biológicos, nem as práticas sociais podem determinar inteiramente os
nossos comportamentos.
Para estes autores, a felicidade requer a existência de um compro‐
misso entre procuras diferentes e a sua análise exige um quadro teórico
alargado que inclua uma abordagem sistémica e não apenas a mensura‐
ção de experiências subjectivas. A maioria das investigações recentes
apenas tem tido esta preocupação, com o objectivo de a avaliar, pela
comparação da situação actual com algum padrão (gap theories). Argu‐
mentam os mesmos autores que, se a vida é um compromisso, a felici‐
dade nunca pode ser completa, excepto em momentos (breves) de equi‐
líbrio (Averill e More, 2000).
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 23
1.3 Para um modelo de análise de felicidade
1.3.1 A construção do modelo
Todos queremos ser felizes. Mas será que estamos perante uma
expressão de múltiplas individualidades ou podemos encontrar seme‐
lhanças e regularidades no envolvimento que cada um faz na construção
e orientação da sua felicidade? Como é que a procura de felicidade se
reflecte nas práticas e representações dos actores sociais? Quais os indi‐
cadores pelos quais podemos observar a felicidade?
Jack Barbalet (1998) defende que as emoções estão directamente
relacionadas com a transformação que os actores fazem das circunstân‐
cias de que dispõem. Para este autor, as emoções permitem uma avalia‐
ção instantânea das situações e influenciam a disposição do actor, tendo
um papel fundamental na origem e orientação da acção no contexto das
relações sociais.
Tanto as dimensões estruturais, como as sociais e individuais, con‐
correm para a definição de condições de vida que os actores sociais ava‐
liam e transformam em circunstâncias diferenciadas. São várias as reali‐
dades que se interpenetram e que é necessário, ao actor social, incorpo‐
rar e gerir. Diferentes constrangimentos sociais podem conduzir a pro‐
curas de felicidade distintas, determinadas pela apropriação individual
dos modelos disponíveis.
Com base na revisão teórica apresentada, propomos três dimensões
para a análise do objecto de estudo. Considera‐se que estas têm influên‐
cia sobre os processos de percepção e representação da felicidade, pois
contribuem para estruturação de um campo de possibilidades onde se
24 ANA ROQUE DANTAS
4 Embora reconhecendo a importância de várias dimensões, não esquecemos que
este trabalho é realizado no âmbito da Sociologia e, como tal, as dimensões indivi‐
duais de construção da felicidade são apenas analisadas em relação aos aspectos
motivacionais, de aspirações e estilos de vida, direccionando a análise para o sen‐
tido que os actores sociais dão às suas acções, deixando de fora aspectos de per‐
sonalidade e características físicas e psicológicas.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 25
actividades e mesmo novas formas de estar na vida. Perante estas situa‐
ções, questionamos o que influencia tais decisões: a procura de felicida‐
de? Uma diferente valorização da felicidade? Que influência têm as tra‐
jectórias de vida?
Assim, o ponto de partida para a construção da estratégia de opera‐
cionalização é a situação de ruptura. Mas, como uma amostra que con‐
temple apenas situações deste tipo não permite a comparação e limita a
caracterização, propomos que a análise foque diferentes trajectórias
sociais, percursos e valorações de felicidade. Neste sentido, e para res‐
ponder às questões colocadas, propomos dois eixos de análise: impor
tância da felicidade (eixo vertical) e trajectória de vida (eixo horizontal).
É nossa convicção que estes permitem aceder à compreensão de como
diferentes trajectórias de vida se relacionam com a felicidade, enquanto
elemento orientador da acção.
As trajectórias polarizam diferentes percursos (a uns mais conven‐
cionais opõem‐se outros mais radicais, em que a ruptura simboliza a sua
expressão máxima). Por sua vez, a valorização da felicidade oscila entre
dois extremos: ideal e real, e entendendo que o primeiro pode designar
opções que se guiam por “ideais”, por planos de actuação não pragmáti‐
cos e que definem metas de actuação que visam a superação das contin‐
gências dessa mesma realidade; e o realismo por planos de actuação
construídos sob condições objectivas, pragmáticas e determinadas.
A importância da felicidade e a trajectória de vida são observadas
através das condições estruturais existentes, das condições de vida dos
actores sociais e das suas especificidades individuais.
A figura 1 propõe uma expressão visual destes eixos de análise.
Figura 1: Eixos de análise
Real
Eixo 2: Felicidade
Convencional Ruptura
Eixo 1: Trajectórias sociais
Ideal
26 ANA ROQUE DANTAS
5 As balizas destes quatro perfis são tipos‐ideais que não pretendem resumir os
traços comuns mas sim valorizar aquilo que é típico. Não são uma descrição da
realidade mas uma construção mental que incorpora propriedades essenciais de
um fenómeno particular, no sentido de um retrato unilateral que não coincide
exactamente com a realidade singular. Nas palavras de Max Weber: “In order to
give a precise meaning to these terms, it is necessary for sociology to formulate
pure ideal types of the corresponding kind of action which in each case involve
the highest possible degree of logical integration by their complete adequacy of
meaning. But precisely because of its pureness, it is probably seldom if ever that a
real phenomenon can be found which corresponds exactly to one of these ideally
constructed pure types… Theoretical analysis in the field of sociology is possible
only in terms of such pure types” in http://www.ne.jp/asahi/moriyuki/
abukuma/weber/method/basic/basic_concept_frame.html
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 27
esfera profissional e a vida pessoal colocam‐se com acuidade. As férias, o
ginásio e o consumo surgem como momentos de quebra da rotina e de
procura de bem‐estar. Este perfil caracteriza‐se pela necessidade de
posse, do “ter”: ter um bom emprego, ter um bom ordenado, ter uma
carreira, ter uma família…
4. Ruptura: o perfil de ruptura pretende caracterizar indivíduos que
seguem uma lógica vivencial com condutas inovadoras, empreendedo‐
ras e aventureiras. Procuram um sentido para a vida mas vivem para
“gozar o momento”. São pessoas para quem a ruptura (largar tudo e
começar de novo) funciona como um momento propício a novas opções.
Para estes, a questão da posse é secundária, assumindo a acção um
papel estruturador da vivência.
Partindo dos resultados de Baudelot e Gollac (2003) que identifi‐
cam diferenças sociais e de género na identificação dos factores que
assumem importância para a felicidade e separam os respondentes em
dois tipos – felicidade associada à posse, “ter”, e felicidade associada à
acção em que “ser” é “fazer” – admitimos que, em torno dos perfis con‐
vencional e pragmático, a dimensão do “ter ou possuir” assume um
papel preponderante e, ao contrário, para os perfis espiritual e ruptura,
as dimensões do agir, “ser e fazer” assumem maior importância.
1.3.2 Como observar empiricamente as dimensões e variá
veis inerentes aos perfis da felicidade?
Para perceber como se formaliza a ideia de felicidade em diferentes
actores sociais, escolheu‐se um universo para análise constituído por
homens e mulheres, actualmente com idades compreendidas aproxima‐
damente entre os 30 a 45 anos (datas de nascimento entre 1960 e
1975), e com características urbanas (embora possam não residir na
cidade). São indivíduos plenamente inseridos na vida activa, com estilos
de vida já definidos, projectos planeados, assim como expectativas deli‐
neadas. O universo é, ainda, constituído por pessoas que, pela via do
capital escolar ou social, se situam em espaços ou contextos sociais com
possibilidade de escolha, de opção entre diversas alternativas e tipos de
vida.
Beck e Beck‐Gernsheim (1995, 2005) falam‐nos na importância
crescente das biografias de escolha. Defendem que as possibilidades na
vida que não envolvem tomada de decisão estão a diminuir e, ao contrá‐
rio, as oportunidades de decisão e iniciativa individual a aumentar. Se
esta sociedade é caracterizada por formas híbridas, contradições, ambi‐
valências, é também caracterizada pela biografia do faça você mesmo,
28 ANA ROQUE DANTAS
que depende da situação económica, qualificações formais, condições de
vida e situação familiar de cada um.
Assim, a delimitação da faixa etária a observar pretende incluir tan‐
to os que nascem ainda nos anos 60, e numa sociedade marcada essen‐
cialmente por valores tradicionais, mas que vivem a transição para uma
sociedade mais aberta e moderna, e aqueles que nascem no rescaldo do
25 de Abril de 1974 e que são já fruto das mudanças em curso.
De facto, o universo escolhido é fruto das mudanças sociais inicia‐
das em Portugal nos anos 60, com o desenvolvimento das classes
médias, aumento do peso do Estado e alargamento da função pública,
massificação do sistema de ensino, crescimento do sistema de saúde,
aumento da esperança de vida e abertura dos costumes, assim como
aumento das desigualdades sociais (Barreto, 2000). Os mais velhos
vivem o 25 de Abril na infância/adolescência e todos crescem com
liberdades instituídas e com o sistema democrático implementado. A
entrada na União Europeia dá‐se na sua juventude, ao mesmo tempo
que se verifica uma contínua abertura da sociedade às suas influências.
Verifica‐se “… o aumento progressivo e quase constante do bem‐estar
colectivo e individual visto através de indicadores de consumo, de equi‐
pamento doméstico, de conforto, de acesso à educação…” (Barreto,
2000: 62). A massificação do ensino conduz a que esta geração seja a
primeira a encontrar obstáculos no acesso à Universidade e posteriores
dificuldades de inserção na vida activa, depois de uma situação, identifi‐
cada por António Barreto, como de quase pleno emprego, vivida em Por‐
tugal nos anos 70.
Todas estas transformações estruturam as condições de vida de
uma geração e se a ela todas as opções de vida se abrem com campos de
possibilidades vastos e quase infinitos (quando comparada com a gera‐
ção dos seus pais), também sobre ela se canalizam expectativas ilimita‐
das e (talvez) de difícil concretização6. Neste contexto e perante a cres‐
cente valorização e difusão da felicidade, consideramos que, nesta faixa
6 A esse propósito, Beck e Beck‐Gernsheim (2005) referem a luta pelas cada vez
menores oportunidades que as novas gerações enfrentam. As grelhas orientado‐
ras das sociedades modernas incluem um aumento da amplitude das opções dos
indivíduos, assim como da necessidade de decisão e desenvolvimento de acções
individuais de ajustamento, coordenação e integração. Se não querem falhar, os
indivíduos devem ser capazes de planear a longo prazo, ter iniciativa, flexibilidade
e capacidade de adaptação às mudanças. São condicionados a viver biografias do
faça você mesmo e de risco ou incerteza.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 29
etária (actualmente entre os 30 e 45 anos), se encontram projectos de
vida que constituem um espaço privilegiado para o objecto de estudo.
Tendo em conta dimensões de análise já identificadas, a estratégia
de observação centrar‐se‐á na reconstrução das trajectórias de vida
(com o recurso a entrevistas biográficas aprofundadas) a indivíduos de
ambos os sexos, com qualificações de nível superior, essencialmente
urbanos e que desenvolvem uma actividade profissional. Neste sentido,
pretende‐se observar as suas trajectórias para identificar características
que indiquem diferenças e regularidades na construção dos seus projec‐
tos de vida individuais na relação com a felicidade. O objectivo é analisar
e comparar a importância que dão à felicidade, como a percepcionam,
assim como a forma como a procuram no seu quotidiano e nos seus pro‐
jectos futuros.
A opção de analisar trajectórias de vida decorre da necessidade de
conhecer as práticas dos actores sociais na actualidade. Se, por um lado,
as trajectórias de vida se inscrevem em redes de relações sociais vastas
que definem os campos de referência do indivíduo (com os constrangi‐
mentos resultantes da sua participação na estrutura social), por outro
lado, o sujeito tem autonomia para fazer as suas escolhas perante as
várias possibilidades existentes.
Para o objecto de estudo, a reconstrução das trajectórias de vida
permite elucidar sobre os mecanismos de construção social da felicida‐
de, na medida em que esta é experienciada e representada pelos actores
sociais.
Através do estudo das trajectórias sociais, pretende‐se perceber se
as estratégias desenvolvidas – mais pragmáticas ou espirituais, conven‐
cionais ou alternativas –, em relação a diferentes esferas da sua vida, se
traduzem em significados e valorizações distintos de felicidade.
2 BREVES CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
A natureza do objecto de estudo obrigou à adopção de uma metodo‐
logia rigorosa – e não a mera aplicação mecânica de métodos e técnicas
rígidas – mas que permitisse desenvolver uma estratégia de aproxima‐
ção sucessiva, até ser possível observar atitudes, valores, motivações e
expectativas em relação a alguns actos, por vezes de ruptura social e
psicológica, dos seus protagonistas.
O método proposto, e que estrutura a metodologia, articula‐se com
a noção de construção social da realidade, que recusa o corte entre
objectividade e subjectividade, indivíduo e sociedade, tal como propôs
Corcuff (2001).
Jean‐Claude Kaufmann (2006) recorre a uma abordagem com‐
preensiva que considera os entrevistados como informadores, procu‐
rando descortinar as suas categorias de pensamento, tanto para condu‐
zir as entrevistas eficazmente, como para produzir hipóteses explicati‐
vas. A compreensão da maneira de pensar e agir dos actores sociais é
utilizada para pôr em evidência os processos sociais e desenvolver uma
explicação sociológica. No mesmo sentido, Nobert Elias (in Kaufmann,
2006) explica como o indivíduo pode ser considerado como um “con‐
centrado” do mundo social: tem em si, estruturada de forma particular,
toda a sociedade de uma época. É a base explicativa do carácter extraor‐
dinariamente complexo e contraditório do indivíduo, do “eu múltiplo”. O
subjectivo não se opõe ao objectivo, é um momento de construção da
realidade.
Assim, a metodologia desenvolvida neste trabalho organiza‐se em
função dos diferentes níveis de análise decorrentes dos objectivos já
problematizados: uma primeira abordagem de nível macro, com análise
de dados estatísticos nacionais; num segundo momento, o foco de análi‐
se passa a centrar‐se nos actores sociais concretos, procurando elemen‐
tos comuns, estruturadores e condicionadores da acção individual; e,
por último, incide sobre os casos particulares e sobre os discursos dos
actores sociais.
A articulação destas diferentes abordagens pretende responder às
hipóteses e questões formuladas. A saber: como é que o contexto social
influencia as acções individuais; de que elementos sociais se revestem
estas acções individuais; e qual o significado que os actores sociais dão
às suas acções?
32 ANA ROQUE DANTAS
1 Os nomes aqui apresentados são fictícios para preservar o anonimato dos entre‐
vistados.
2 Para conhecer com mais detalhe a metodologia seguida consultar: Dantas, Ana
Roque (2007). Que vida viver? para uma análise sociológica da felicidade enquan‐
to projecto de vida, Dissertação de Mestrado apresentada à FCSH/UNL.
3 O CONTEXTO ECONÓMICO E SOCIAL DA FELICIDADE
1 Entre os países mais satisfeitos, em 2006, destaca‐se a Dinamarca (97%), a Holan‐
da (95%) e a Suécia e Finlândia (94%).
2 Os indicadores utilizados são o grau de satisfação com a vida. Fonte: Eurobaróme‐
tro in http://ec.europa.eu/public_opinion/index_en.htm.
34 ANA ROQUE DANTAS
3 Fonte: População Activa, Recenseamento Geral da População, 2001.
Num contexto em que a taxa bruta de divórcio continua a aumentar (de 0,9 em
1990 para 2,2 em 2004) e, inversamente, a taxa de nupcialidade a descer (de 7,2
em 1990 para 5,1 em 2004) (INE, Anuários estatísticos).
36 ANA ROQUE DANTAS
entre países em que as pessoas se declaram mais “felizes” e o tempo
dedicado ao lazer (actividades sociais e culturais)4.
Mas, em Portugal, as despesas dos agregados familiares (2000) são
sobretudo relativas a produtos alimentares (19%), habitação (20%) e
transportes (15%). Os gastos com lazer, cultura e entretenimento repre‐
sentam apenas 5% das despesas anuais.
A análise das actividades desenvolvidas num dia médio varia em
função do rendimento: os escalões mais baixos dedicam mais tempo ao
sono, trabalhos domésticos, gestão da casa e trabalho profissional, os
intermédios ao trabalho profissional, higiene e cuidados pessoais e ensi
nar crianças e os mais elevados ao trabalho profissional e refeições.
A diferenciação pelo rendimento também pode ser observada nas
actividades de lazer: a menores rendimentos correspondem o desporto e
TV, enquanto nos escalões de rendimento mais elevado se destacam os
passatempos e jogos, o entretenimento e cultura e a leitura de jornais. Há
igualmente diferenças nas actividades desenvolvidas segundo o estado
civil. Os casados dedicam mais tempo aos trabalhos domésticos e cuida
dos à família, ao convívio, leitura e em deslocações, enquanto nos soltei‐
ros se destaca o tempo dedicado ao trabalho profissional, ao estudo, à
vida social, ao entretenimento e ao desporto.
Num cenário de vidas intensamente ocupadas com actividades
obrigatórias e com pouco tempo deixado ao lazer, questionamos como
os indivíduos percepcionam o seu dia‐a‐dia.
O Inquérito à Ocupação do Tempo (1999) contempla questões rela‐
tivas à percepção do tempo. Os resultados mostram que cerca de metade
da população com 15 ou mais anos (54%) sente que anda apressada.
Curiosamente, 55,7% dos que se sentem apressados são mulheres e,
entre estas, 57,3% sente‐se apressada.
Quanto à frequência que o sentimento de falta de tempo assume,
37% dos homens e 42% das mulheres declara que anda apressado todos
os dias e 31% dos homens e 31% das mulheres com frequência.
São os empregados que mais dizem sentir que andam apressados
todos os dias (44%), sendo as mulheres empregadas que mais o decla‐
ram (48%). Até no que concerne à vida particular, a percepção de falta
de tempo é notória, com 23% dos inquiridos a revelar que não tem tem‐
4 Num artigo dedicado à relação entre hedonismo e felicidade, Veenhoven (2003b)
explora a importância do tempo dedicado ao lazer para a felicidade e os resulta‐
dos apontam para uma maior felicidade das pessoas em países que dedicam mais
tempo aos tempos livres.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 37
po para realizar todas as tarefas todos os dias e 29% com frequência.
Apenas 7% declara que nunca sente falta de tempo. Mais uma vez, a falta
de tempo na vida particular é percepcionada principalmente pelas
mulheres (26% não tem tempo para realizar todas as tarefas todos os
dias e 27% com frequência).
Quanto à percepção de tempo no trabalho, cerca de 29% dos inqui‐
ridos refere que só algumas vezes é que não tem tempo para realizar
todas as tarefas. Ao contrário do que se passa na vida particular, a per‐
cepção de falta de tempo no trabalho atinge mais os homens que as
mulheres.
Beck e Beck‐Gernsheim (1995 e 2005) sugerem que homens e
mulheres têm percepções diferentes das suas vidas. Se, cada vez mais, o
processo de construção de biografias se faz através do mercado de tra‐
balho, para as mulheres a esfera familiar participa mais intensamente na
estruturação das suas trajectórias de vida. Esta distinção introduz a pos‐
sibilidade das percepções do tempo serem diferenciadas pelo género e
de existir (para as mulheres) uma distinção entre o tempo pertencente
ao emprego e o seu tempo pessoal. Interrogamos como é vivida e per‐
cepcionada esta separação entre as esferas da vida privada e profissio‐
nal.
4 CONFIGURAÇÕES COLECTIVAS: CONDUTAS, ATITUDES
E VALORES ASSOCIADOS À FELICIDADE
1 As configurações sociais são aqui entendidas como os envolvimentos, jogos e
interacções existentes entre pessoas, tal como o defende Norbert Elias (2004).
40 ANA ROQUE DANTAS
2 O conceito de mundo social reflecte as condutas individuais e os significados atri‐
buídos à acção, bem como as relações relativamente padronizadas que surgem
nas interacções que são coordenadas por práticas comuns e convenções, forne‐
cendo um elo entre diferentes níveis de análise.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 41
Gráfico factorial n.º 1: Características dos perfis
Legenda:
ESP – Perfil espiritual VT1 – Valor do tempo
RUPT – Perfil ruptura VIVE – Viver
PRAG – Perfil pragmático ADIA – Adiar
CONV – Perfil convencional TER1 – Ter
H – Homens S/F – Ser/Fazer
M – Mulheres OUT1 – Valor do colectivo
<=35 – Idade igual ou inferior a 35 anos HED – Hedonismo
>35 – Idade superior a 35 anos FAM – Família
0FIL – Sem filhos TRA – Trabalho
12F – 1 a 2 filhos E/R – Espiritualidade
No gráfico factorial, o perfil pragmático surge associado à impor‐
tância da posse (ter), valor do tempo e pelo adiar de muitas das suas
vivências. Caracteriza‐se também pela proximidade às mulheres, aos
mais jovens (<=35 anos), sem filhos e solteiros.
Perante estes resultados, podemos questionar: adiar o quê? ter
marido, ter filhos, ter uma família? Ou simplesmente concentrar‐se no
quotidiano e na gestão das questões materiais e instrumentais?
42 ANA ROQUE DANTAS
A propósito deste perfil, e no que se refere à sua maior relação com
as mulheres jovens, relembramos Jean‐Claude Kaufmann (2000) quando
diz que a crescente presença das mulheres no mercado de trabalho e em
empregos cada vez mais qualificados está directamente relacionada com
“… as sequências de vida solitária, sobretudo na faixa dos 25/35 anos…”
(2000: 107), pois o sucesso escolar incita à autonomia e o prazer da
eficácia faz passar para segundo plano a tentativa de formação de um
casal. Assim, a “… vida a solo começa frequentemente de um modo mui‐
to pragmático, sem ter sido decidida…” (2000: 35). O autor refere‐se
ainda, a uma “… fome insaciável de futuro…” (2000: 164) hipotecando a
vivência do quotidiano.
Sabemos por diversos estudos (Vianello e Moore, Lipovetsky, Kauf‐
mann) que quanto mais as mulheres investem na sua vida profissional,
maior é a probabilidade de terem uma vida a solo, o que pode revelar
uma conflitualidade entre modelos contraditórios de vida familiar e de
investimento profissional.
Por sua vez, em torno do perfil convencional, destacam‐se os valo‐
res familiares e do trabalho, bem como o valor do tempo. Associa‐se
também à categoria adiar e à importância do ter. Quanto às característi‐
cas biográficas, este perfil destaca‐se entre os que têm filhos (1‐2), são
homens, são casados e têm 35 ou mais anos.
Podemos ensaiar uma explicação para a relação entre as dimensões
que se destacam neste perfil. Tudo aquilo que se deseja ter3: casa, carro,
viagens, sensações (de liberdade, de prazer, de satisfação…) é um objec‐
tivo a concretizar, adiado para o momento possível. O consumo, tanto
material como de sensações ou vivências, traduz o imaginário de uma
vida de bem‐estar (Lipovetsky, 2006) 4.
Neste sentido, prefigura‐se uma vida de investimento no futuro –
primeiro, na educação, formação e, depois, na carreira – em que a segu‐
rança e a estabilidade (especialmente financeiras) são valorizadas, a par
de valores familiares e reconhecimento social. Aliás, a manutenção do
estatuto social é uma forte motivação para a aquisição de prazeres asso‐
ciados ao consumo, em que as rotinas do quotidiano são quebradas com
3 Baudelot e Gollac (2003) indicam que a representação de felicidade associada ao
ter está presente em todos os grupos sociais embora assumindo importância dife‐
renciada.
4 O consumo de sensações tem cada vez mais procura. Como exemplo disso temos a
comercialização e publicitação de um número crescente de “produtos” e experiên‐
cias que prometem bem‐estar e sensações inesquecíveis.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 43
5 Robert Lane (2000) define desenvolvimento pessoal como complexidade cognitiva,
autonomia, auto‐estima e controlo sobre a própria vida.
44 ANA ROQUE DANTAS
mento pessoal, novidades espirituais, guias para felicidade (Lipovetsky,
2006), em que esta é encarada como um dever, como a “ideologia domi‐
nante” nas palavras de Pascal Bruckner (2003), criando o que este autor
designou de paradoxo moderno: somos infelizes porque não somos feli‐
zes, porque vivemos obcecados com a obrigatoriedade de sermos felizes.
Lipovetsky (2006) defende ainda que a mudança de significação social e
individual do universo de consumo acompanha o processo de individua‐
lização das nossas sociedades.
O perfil de ruptura distingue‐se pela valorização do viver, ser/fazer
e hedonismo. Ocorre mais frequentemente em homens, com mais de 35
anos, casados ou divorciados.
A proximidade entre as dimensões hedonistas, o viver e o ser/fazer
sugere, por um lado, estilos de vida em que o prazer adquire um papel
importante e funciona como uma forte motivação à acção e, por outro,
que a satisfação decorre do próprio processo de realização.
Face a este perfil, lembramos a proposta de Baudelot e Gollac
(2003) acerca da concepção de felicidade ser produzida por uma acção
ou disposição para a acção. Nestes casos, a realização é a maior motiva‐
ção. Podemos encontrar esta ideia em Aristóteles, que sugeria uma for‐
ma superior de felicidade associada ao agir, em oposição a concepções
de felicidade associadas à posse, no seu entender ilusórias. Por sua vez,
Lipovetsky (2006) fala‐nos numa passagem de uma valorização do bem‐
‐estar material para um enaltecimento da qualidade de vida, da expres‐
são de si e preocupações relativas ao sentido da vida, a par do desejo de
viver melhor, gozar dos prazeres da vida enquanto comportamentos
legítimos e mesmo finalidades em si.
Se neste perfil se destacam o desejo de liberdade, autonomia e
independência, destacam‐se também o gosto por fazer, em que o ser se
define pela acção, segundo uma ideia de workinprogress que tem de
dar prazer e satisfação.
Face à ruptura – e porque a ruptura é dolorosa – é necessário
encontrar um projecto de vida, se não centrado no prazer, pelo menos
evitando o sofrimento. Aliás, os dados recolhidos sugerem uma associa‐
ção entre o perfil de ruptura e as categorias felicidade e hedonismo.
4.1 Dimensão relacional dos perfis
Verifica‐se uma aproximação (definida pelas características biográ‐
ficas) entre os perfis pragmático e espiritual (mulheres) e entre o perfil
convencional e ruptura (homens). Ao mesmo tempo, verifica‐se a parti‐
lha de valores entre os perfis espiritual e de ruptura (fazer e viver), bem
como entre o pragmático e o convencional (ter e adiar).
A representação gráfica propõe biografias distintas para homens e
mulheres. As mulheres situam‐se entre o perfil pragmático, privilegian‐
do a autonomia e o investimento profissional e adiando a vida familiar, e
o perfil espiritual, focado na realização e desenvolvimento pessoal, mui‐
tas vezes sustentado por valores espirituais que excluem compromissos
familiares e valorizam o indivíduo.
A rápida transformação das biografias das mulheres e dos modelos
tradicionais referida por Beck e Beck‐Gernsheim (2005), conduz ao
esbatimento das referências, obrigando à criação de novas soluções e
formas de comportamento. Os mesmos autores referem ainda que um
número crescente de mulheres expressa insatisfação porque não se sen‐
te preparada para aceitar como normais ou naturais situações de desi‐
gualdade. A divisão do trabalho doméstico tornou‐se uma fonte de ten‐
são frequente e, por vezes, de conflito nas relações. A família ainda tem
um papel importante, mas ao mesmo tempo, o emprego e a carreira tor‐
naram‐se parte dos projectos de vida das mulheres, porque “prometem”
reconhecimento, autonomia financeira e justiça nas relações. As expec‐
tativas de igualdade são interiorizadas e contribuem para a formação da
sua auto‐imagem mas contradizem as experiências de desigualdade no
trabalho e na vida privada.
Para os homens, destaca‐se a relação com o perfil convencional
(com adequação a modelos tradicionais de família e papéis de género) e
o perfil de ruptura (contrariando esta conformidade). Estes resultados
sugerem que, para aqueles que de alguma forma não se adequam ao
perfil tradicional, resta romper e procurar formas de vida distintas, tal
como foi sugerido anteriormente. Podemos perguntar: porquê os
homens? Como hipótese, sugerimos que se deva à sua maior autonomia
financeira e melhor inserção profissional; estarem libertos de obriga‐
ções domésticas e mesmo familiares; terem papéis sociais de género
historicamente associados à iniciativa e à acção, à esfera pública; e os
seus modelos serem mais claros e estáveis, menos contraditórios e
sujeitos a mudanças.
Os resultados de Lígia Amâncio (1994) mostram bem a importância
da categorização baseada no sexo como factor estruturante de auto‐
‐imagens. O masculino aparece associado à dominação e instrumentali‐
dade e o feminino à submissão e expressividade. “Assim, a análise dos
46 ANA ROQUE DANTAS
6 Os resultados de um estudo sobre a participação das mulheres em lugares de
decisão em Portugal sugerem uma diferenciação de esferas de poder e influência
segundo o sexo: as mulheres ligadas a cargos de apoio à decisão; os homens asso‐
ciados ao exercício de poder. Reproduzindo uma estrutura de papéis de género,
que tende a associar o feminino ao suporte da decisão e o masculino ao estratégi‐
co, à iniciativa e à acção. (Lisboa, Frias, Roque e Cerejo, 2006).
7 Os resultados da análise estatística bivariada sustentam igualmente esta hipótese.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 47
Estas interrogações podem sugerir um esgotamento de quadros de
vida convencionais, desencadeando rupturas e daí a procura de novos
caminhos (aspectos partilhados pelo grupo dos mais velhos e homens).
Tal como Beck e Beck‐Gernsheim (1995) explicam, quanto mais depen‐
dentes são as pessoas de instituições e decisões oficiais (família, legisla‐
ção, impostos,…), mais as suas biografias se tornam susceptíveis de crise
e ruptura.
Também Claude Dubar (2000) mostra que a distância aos papéis
sociais (só por si marca de consciência reflexiva) é uma condição para a
construção de uma identidade alternativa; e é um recurso importante
para reconstruir novos projectos, para reinterpretar a história de vida
passada e se envolver subjectivamente numa história pessoal, reinven‐
tada diariamente e que não se reduza a uma mera trajectória social
objectivada.
Por outro lado, o perfil pragmático opõe‐se ao espiritual nos seus
valores estruturadores, destacando‐se ambos no grupo dos mais novos e
mulheres e sugerindo dois caminhos possíveis: viver e ser versus ter e
adiar. Se, no grupo dos mais velhos e homens (convencional e ruptura),
a característica que os distingue é a necessidade de mudança, no segun‐
do (dos mais novos e mulheres), a espiritualidade e as outras dimensões
associadas a este perfil parecem funcionar como uma tentativa de
ensaiar novos modelos ou alternativas.
Assim, os resultados da Análise das Correspondências Múltiplas
mostram claramente que os tipos de felicidade considerados no modelo
elaborado correspondem a práticas e representações de actores sociais
com características biográficas distintas, bem como surgem associados a
diferentes modelos de felicidade.
5 A FELICIDADE EM CONSTRUÇÃO: PRÁTICAS E DINÂMICAS
SOCIAIS
1 A análise compreensiva das entrevistas é, em algumas situações, reforçada com
análise estatística. As principais tabelas que suportam esta análise podem ser
consultadas em anexo.
50 ANA ROQUE DANTAS
5.1 Os percursos de vida e a construção da felicidade
A reconstituição das trajectórias dos actores sociais permite aceder
à compreensão dos processos sociais subjacentes à construção da ideia
de felicidade, captar os valores transversais a cada uma das dimensões
de análise propostas e conhecer as expectativas, sentimentos e signifi‐
cados que orientam a acção no sentido da procura de felicidade.
De um ponto de vista sociológico, as biografias devem ser entendi‐
das como a história singular do indivíduo e como a interpretação de
uma trajectória social objectiva (Dubar, 1998). Também Beck e Beck‐
‐Gernsheim (2005) defendem a importância de investigar os motivos
das pessoas envolvidas, os seus desejos, objectivos e concepções de vida.
São dezasseis entrevistados, nove mulheres e sete homens, com
idades compreendidas entre 29 e 43 anos, com diferentes estados civis,
com e sem filhos e profissões variadas: secretária, designer gráfico,
director marketing, professora, formador, astrólogo(a), administrador,
gerente livraria, doméstica, director criativo, quadro directivo banco,
2 A pesquisa biográfica trata da interpretação subjectiva da trajectória de vida do
indivíduo e foca não apenas os acontecimentos, mas também a opinião, os moti‐
vos, os planos para o futuro, assim como a percepção e interpretação do passado.
O estudo biográfico fornece uma representação do que se é, donde se está e do
que poderá vir a ser e permite, por isso, um contexto de compreensão dos aconte‐
cimentos (Rimé, 2005).
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 51
5.2 Os contextos da felicidade
5.2.1 As relações interpessoais
A vida familiar é apontada por Argyle (2001) como uma importante
fonte de felicidade dos indivíduos. Diz‐nos o autor que a importância das
relações familiares (pais, amigos e cônjuge) varia consoante a fase da
vida e que a satisfação retirada das relações familiares deriva da ajuda
instrumental, do apoio emocional e do companheirismo e intimidade.
Neste trabalho, questionamos a importância que as relações inter‐
pessoais (incluindo a família e/ou modelos familiares) assumem para a
felicidade destes actores sociais. Nomeadamente, que tipo de relações
interpessoais estabelecem e de que forma lhes influência as vivências e
a procura de felicidade.
Lembramos Beck e Beck‐Gernsheim (2005) quando defendem que
já não é possível explicar de forma inequívoca o que significa família. Tal
como casamento ou maternidade, sexualidade ou amor, família é um
conceito que varia na sua substância, tem excepções, depende de nor‐
mas sociais, bem como da moralidade dos indivíduos3. Os autores rela‐
tam uma nova tendência relativamente à constituição de família que se
apresenta como uma estratégia preventiva, evitando o modelo de vida
familiar tradicional e procurando alternativas com menos trabalho e
responsabilidades domésticas, contornando assim os conflitos em torno
das divisões do trabalho. Face a estas mutações, questionamos se as
relações interpessoais são percepcionadas pelos entrevistados como
espaço ou fonte de felicidade e de que forma.
Na categoria família, analisam‐se todas as referências directas que
lhe foram feitas no decurso das entrevistas, bem como os condiciona‐
lismos, as influências e os valores associados. Nos dados analisados, a
família está presente em 16,4% dos discursos, reforçando a sua centra‐
lidade nos esquemas de vida dos entrevistados. Esta categoria destaca‐
‐se entre os perfis pragmático e convencional (37,6% e 27,5% das ocor‐
rências), e ao contrário, tem menos expressão entre os entrevistados
espirituais e de ruptura (17, 8% e 17,1%, respectivamente). A análise
3 Também Claude Dubar (2000) lembra que o modelo de instalação na vida, da
família “estável” e dos papéis imutáveis está em crise. Explica que estas mudanças
acompanham o processo de emancipação das mulheres que transformou profun‐
damente a instituição familiar.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 53
revela também que os valores de família estão mais presentes entre os
entrevistados com 35 ou menos anos, casados ou em união de facto e
com filhos. Recorde‐se que os resultados do Inquérito à Ocupação do
Tempo apresentados apontam para diferenças na utilização do tempo
relacionadas com o estado civil (os casados dedicam mais tempo a tra‐
balhos domésticos e cuidados à família).
Os resultados indicam uma forte associação positiva desta categoria
com o perfil pragmático e negativa com os perfis espiritual e de ruptura.
Mostram ainda que a categoria família está também relacionada com
valores de posse (ter), explicados pela necessidade de segurança e esta‐
bilidade económica que a constituição de família acarreta. Estão tam‐
bém associados à família, a valorização do tempo e a categoria adiar,
revelando vidas em que os compromissos familiares consomem tempo,
obrigando ao adiamento das vivências4.
Assim sendo, a família tem um papel importante mas surge a par de
outros valores, como a autonomia, independência e espaço pessoal que
também ocupam o discurso dos entrevistados.
Propomos analisar três dimensões da família: na relação com os
pais, na conjugalidade e com os filhos. A primeira dimensão em análise
procura perceber como a relação com os pais é percepcionada pelos
entrevistados, nomeadamente enquanto fonte de felicidade. Assenta na
hipótese de que diferentes socializações e investimentos dos pais podem
conduzir a percepções e vivências de felicidade diferenciadas. Quanto à
conjugalidade, questionamos de que forma esta contribui para a felici‐
dade dos entrevistados e, ao mesmo tempo, como a vivem e idealizam:
reforçando a sua individualidade e seguindo novas alternativas ou
reproduzindo o modelo idealizado. Que recompensas procuram nas
relações: afectivas ou materiais; partilha ou oficialização? Igualmente,
procura‐se perceber como são percepcionados os filhos: como se
enquadram no quadro de vida definido e de que forma condicionam
e/ou contribuem para a felicidade dos entrevistados.
4 O cruzamento da categoria família com o valor ter apresenta valores que indicam
uma associação entre as duas categorias. Ao contrário, a família associa‐se negati‐
vamente com valores de ser/fazer. Igualmente, família associa‐se positivamente à
categoria adiar e negativamente a viver e hedonismo. Estes resultados podem ser
consultados em DANTAS, Ana Roque (2007). Que vida viver? Para uma análise
sociológica da felicidade enquanto projecto de vida. Dissertação de Mestrado apre‐
sentada à FCSH/UNL.
54 ANA ROQUE DANTAS
5.2.1.1 Os pais
O foco de análise nos pais deve‐se ao seu papel fundamental
enquanto agentes de socialização. O objectivo deste ponto é procurar as
manifestações que tal processo teve sobre a forma como os entrevista‐
dos encaram a felicidade.
A análise compreensiva dos discursos revela que os entrevistados
sentem que os seus pais os apoiaram e que tal contribui para a sua feli‐
cidade. Mas este apoio assume, ora formas mais instrumentais, ora mais
emocionais. Nos discursos, a imagem dos pais surge umas vezes asso‐
ciada à percepção de uma enorme liberdade e respeito pelas opções,
noutras procurando orientar e/ou condicionar o caminho dos filhos, no
sentido de que estes cumpram as suas expectativas.
Vejamos como exprimem a relação entre o investimento dos pais e
a sua procura e vivência de felicidade.
“… apoio total… não tanto de sucesso, eu tenho uma mãe… muito
especial nesse sentido, ela sempre… me incitou a eu ser eu própria.”
(Mónica)
“… sinto que fui muito apoiada, fui muito respeitada nos meus gos‐
tos, nos meus valores… sempre [me] respeitaram por mais estranhos
que fossem os meus gostos. Sinto que tive muita liberdade.” (Marga‐
rida)
“Bem, quanto à minha mãe foi excepcional, sempre fez de tudo para
me dar a melhor formação, deu‐me sempre liberdade para eu esco‐
lher aquilo que eu gostava,… e ela sempre me deu total liberdade: tu, é
que sabes, tu é que hásde descobrir o teu caminho.” (Andreia)
“… sempre puseram tudo ao meu dispor para fazer o que quisesse.
Sempre tive essa vantagem. Mas agora condições, mesmo, não me
condicionaram nada, fiz sempre o que quis.” (António)
A análise dos discursos revela que algumas ousadias nas escolhas e
opções de vida são possíveis pelo suporte emocional e financeiro dos
pais; o que esclarece a importância que o apoio dos pais pode assumir
na concretização de projectos de vida.
Por outro lado, nem sempre as opções de vida vão de encontro às
expectativas dos pais; a não coincidência entre os percursos dos entre‐
vistados e os planos dos pais, assume momentos de tensão e conflito.
“… o investimento dos meus pais era para que eu fosse sempre uma
pessoa que tivesse a sua estabilidade assegurada, porque para eles
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 55
isso é importante e é importante no dia‐a‐dia, como a questão normal
ou banal de ter as contas pagas ao fim do mês e eu fui‐me derivan‐
do…” (Afonso)
“… apesar deles a partir de certa altura da minha vida não com‐
preenderem – agora se calhar já compreendem melhor – mas de não
aceitarem muito as escolhas que eu fiz… se calhar para eles eu não
estava a investir… A investir no caminho certo, a investir num futu‐
ro… houve alturas que só faltava tentarem abrir‐me a cabeça para me
dizer que eu estava errado nas minhas decisões…” (Zé)
“Pois, os meus pais não foram muito perspicazes… portanto, não
tive nunca alguém por trás a segurar‐me, mesmo quando eu precisa‐
va, quando podia cair ou qualquer coisa, não tinha alguém a dizer‐
‐me: Boa! Força, etc, etc... Tive a grande sorte de viver grande parte
da minha vida em muita liberdade…” (Rui)
Mas é também possível perceber que alguns entrevistados sentiram
que os pais não os pressionaram ou influenciaram porque estavam
satisfeitos, porque os filhos não davam “problemas” (nomeadamente, de
sucesso escolar).
“… não sei avaliar, porque eu sempre me saí bem, com facilidade…
E, de certa forma, a partir do momento em que eles estavam satisfei‐
tos…” (Leonor)
“Eu acho que, sobretudo, aquilo que eles se pautavam sempre, era
na parte da educação. Aquilo era assim: Este é o teu trabalho, não é
outra coisa. Portanto, foi banalizar: Não fizeste mais do que a tua obri
gação. Mas aquilo que eles fomentaram sempre foi a educação… nun‐
ca me “exigiram” Ai tens que ganhar o teu próprio dinheiro, se queres
ser assim, se queres ser assado, se quiseres ter mais qualquer coisa, não,
quer dizer, pelo contrário, os estudos sempre em primeiro lugar. Foi
sempre essa a base deles.” (Alexandra)
“De facto, apoiaram‐me com explicações para eu poder estar mais
bem preparada para o exame… mas eu tinha notas regulares, médias,
altas, talvez por isso eles nunca se preocuparam muito mais. Mas
também, de facto, não foram pessoas que eu sentisse que me acom‐
panhassem muito, nem que puxassem por mim…” (Sofia)
56 ANA ROQUE DANTAS
“Claro que o facto de não ser bom aluno – eu sou muito distraído –…
não me ajudava muito, mas não me chatearam muito na minha vida…
mais as minhas opções na altura … obviamente não agradavam... E
lembro‐me perfeitamente da conversa do Não vás para a universidade
tirar esse curso porque não serve para nada, tira lá antes Engenharia
ou coisa assim do género.” (Tiago)
“… nunca foram muito exigentes em relação aos nossos estudos.
Nem muito nem pouco, acho que não foram nada exigentes. Foram
até muito despreocupados.” (Constança)
5.2.1.2 A conjugalidade e o casamento
Procurámos saber em que medida as estratégias preventivas face
ao modelo de família tradicional (como o viver só, viver juntos, separa‐
damente, aumento da idade no casamento, adiar o ter filhos ou decidir
não ter filhos), identificadas por Beck e Beck‐Gernsheim (2005), bem
como a procura de outras alternativas, estão presentes nos discursos
analisados e como se relacionam com a procura de felicidade.
Neste contexto, questionamos de que forma os entrevistados vivem
e idealizam a conjugalidade: enquanto partilha de sentimentos e emo‐
ções, ou como a oficialização de um compromisso em que o “ter alguém”
completa uma vida idealizada.
Vimos anteriormente que os discursos dos entrevistados se polari‐
zam em torno de diferentes tipos de vivência e relação com a felicidade.
A análise compreensiva dos discursos reforça as diferenças entre os
vários perfis‐tipo considerados. Entre os entrevistados de perfil espiri‐
tual, a análise revela a importância dada à vivência da relação e dos sen‐
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 57
timentos. Ao contrário, nos discursos mais convencionais e pragmáticos,
o casamento é assumido como um fim, um objectivo a cumprir.
“… eu tenho neste momento uma relação muito importante à dis‐
tância… e eu estou a pensar ir viver em comunidade… Para mim casar
não é uma sociedade.” (Mónica)
“À conjugalidade atribuo importância, ao casamento no sentido ofi‐
cial, institucional, não atribuo importância…” (Afonso)
“Bem, ao casamento, pouca,… Mas à relação, imensa. … E, de repen‐
te, surgiu esta mulher e acho que me apaixonei pela primeira vez.”
(Rui)
“Ao casamento não atribuo nenhuma [importância] porque senão já
o tinha feito.” (Constança)
Estes excertos revelam a importância que os sentimentos e a parti‐
lha de emoções assumem para os entrevistados enquanto manutenção e
construção da sua própria identidade e individualidade. A relação ou,
mais especificamente, a partilha de emoções, é assumida como um com‐
plemento ao indivíduo, do seu projecto de vida.
Vários autores (Veenhoven, 1984; Argyle, 2001) consideram a qua‐
lidade das redes íntimas determinantes para a felicidade do indivíduo. E
Beck e Beck‐Gernsheim (2005) sugerem que a vida familiar com concen‐
tração de sentimentos e compromissos contrapõe e compensa as incer‐
tezas sociais. Nesta perspectiva, as relações íntimas e de confiança dão
protecção emocional. E se a estabilidade emocional e mental depende do
apoio próximo de outros, então o amor adquire um significado especial.
Também Aboim (2006) defende que o amor é um dos meios de que o
indivíduo dispõe para afirmar a sua unicidade e individualidade.
“É uma dimensão da vida, é uma dimensão importante. Para mim
não é A dimensão, ou seja, não é um objectivo de vida estar casado e
ter filhos não é, mas acho que é algo…, apesar de não ser o objectivo
da vida, faz parte da vida.” (Marta)
“Sou solteiríssima … é uma área em que eu sou muito liberal, eu sou
muito open minded, talvez demais. Nunca atribuí, nunca atribuí
importância a apegos, tento trabalhar sempre os desapegos, eu tenho,
pronto eu tenho de me considerar uma pessoa que estou a tentar
incutir em mim a viver um caminho espiritual. E o que é que é este
caminho espiritual? É usufruir sem apegos. E tento na minha vida
fazer isso em tudo, em todas as áreas, mental, emocional, física e
espiritual. E claro que o casamento para mim é um apego…. E eu acho
58 ANA ROQUE DANTAS
A propósito dos desapegos, Machado Pais (2006) retoma Scott Lash
para lembrar que o processo de protecção da intimidade levanta barrei‐
ras às emoções e à incómoda exibição de sentimentos ou de símbolos de
sentimentalidade, salvaguardando uma imagem e reputação.
Encontramos também outros discursos em que a conjugalidade
apresenta formas mais convencionais. A ideia de que o casamento é um
fim está ainda bem patente nalguns entrevistados (principalmente de
sexo feminino e estado civil solteiro).
No livro de Kaufmann (2000) sobre a vida a solo (de mulheres), o
autor apresenta os condicionalismos a que as mulheres estão sujeitas,
nomeadamente, a suspeita de defeitos ou desumanidades que se cria em
torno da mulher só.
Os discursos aqui trabalhados reflectem também uma imagem
socialmente idealizada, onde o quadro de vida só fica completo seguindo
o modelo de casamento, casa, filhos.
“Estive praticamente para me casar, não é? Tinha já adquirido casa,
carro, essas coisas todas… O passo seguinte seria esse… Continua a
ser um objectivo, mas… continuo a viver com os meus pais …” (Ale‐
xandra)
“… constituir uma família, sem dúvida, é um sonho… dou muito
valor… gostava que acontecesse e gostava de acreditar que pudesse
ser real e … perfeito … estar bem e ter filhos.” (Andreia)
“Tentei toda a minha vida constituir família, portanto, casamento,
família e já vim de dois casamentos e vou para o terceiro agora.”
(Filipe)
A análise revela também posições em que o casamento é assumido
enquanto oficialização de um compromisso (amoroso, financeiro,…).
Nestes excertos, a conjugalidade adopta claramente uma finalidade ins‐
trumental, de resolução de um constrangimento social: o passo certo a
dar. Sobressai a importância formal da relação, num padrão de conjuga‐
lidade “perfeita” e de difícil concretização. Nesta perspectiva, a felicida‐
de assume a dimensão de ideal, uma imagem a que é possível chegar se
cumprirmos algumas das regras ou condições necessárias. Na imagem
perfeita, existe amor perfeito, companheirismo, paixão, entendimento e
também felicidade e realização. O que fazer quando a realidade fica
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 59
aquém das expectativas? Beck e Beck‐Gernsheim (1995) vão mais longe
ao afirmar que as pessoas procuram uma perspectiva de felicidade, não
objectivos de vida comum, mas o(a) parceiro(a) “certo(a)” e perfeito(a).
“O que é que me levou a casar? Oh pá, eu tive um casamento muito
longo – 15 anos – portanto tive uma relação muito longa e foi uma
relação que teve tantas facetas que só me faltava casar, tás a ver…
tínhamos vivido juntos, separados, separados/juntos, casas… acho
que já tínhamos mais ou menos percorrido todos os padrões, enfim,
assim possíveis de conjugalidade que só faltava um, que era um
casamento tal e qual e pronto casámos.” (Marta)
5.2.1.3 Os filhos
A análise das entrevistas revela a importância da maternidade e
paternidade na procura de felicidade.
Lembramos a tese de Phillipe Ariés (1981) sobre a concentração da
família na criança. Segundo este autor, os filhos absorvem progressiva‐
mente o casal e cristalizam a vida familiar. Da mesma forma, Aboim
(2006) refere a diferença que a existência de filhos marca na situação
face ao casamento: por um lado, a fase do casal sem filhos, mais permeá‐
vel à informalidade do vínculo conjugal e, por outro lado, a fase do casal
com filhos, mais propensa à institucionalização do laço. Vimos ante‐
riormente que uma das características diferenciadoras dos entrevista‐
dos era a existência de filhos. Neste contexto, questionamos como os
entrevistados vivem e interpretam a maternidade/paternidade, nomea‐
damente, se os filhos são sentidos como fonte de felicidade.
Os dados do conteúdo das entrevistas mostram que existe uma
relação entre a idade dos entrevistados (os mais velhos) e a existência
de filhos. É também mais comum entre os solteiros ou divorciados não
existirem filhos e os casados ou em união de facto terem filhos, o que
vem reforçar a tese apresentada. Os filhos completam a imagem ideal:
casar e ter filhos, cumprindo o modelo, como fica traduzido nos discur‐
sos.
“Eu hoje sei, sei perfeitamente, que para mim, [a felicidade] se
calhar … passa por ter filhos ou coisa assim do género.” (Alexandra)
“É assim, neste momento não tenho filhos, se não os tive é porque
não os tive e se os vou ter logo se verá,… porque eu sempre achei que
os filhos não são um objectivo em si…” (Marta)
“Não penso nisso… e tento trabalhar sempre os desapegos…” (Mar‐
garida)
“Não tenho filhos. Não pretendo ter filhos… porque sinto que a nível
das minhas prioridades de desenvolvimento pessoal e sobretudo de
expressão social … eu julgo que não me darão energia e tempo, ou
melhor, serão um projecto muito importante mas que ao qual teria
tendência a dedicar‐me muito e acho, tenho a percepção de que não
conseguiria… criar filhos seria um bocado incompatível. À partida é a
minha percepção.” (Afonso)
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 61
Estas posições são reveladoras da existência de barreiras à presen‐
ça de filhos e decorrem de um desejo de ter uma vida só para si. Não há
da parte destes entrevistados uma “rejeição” a crianças, mas um desejo
de desenvolvimento pessoal que, associado a uma crescente e exigente
responsabilização dos pais em relação aos seus filhos, torna cada vez
mais difícil a decisão de ser pai.
Sabemos que, actualmente, ter um filho é algo que necessita de uma
atenção especial e dedicação adequada. Deixou de ser um acto natural
para passar a ser uma decisão reflectida, planeada, “monitorizada”. E se
todos os que consideram ter filhos vivem a ansiedade de tomar as deci‐
sões certas pelas razões certas, procuram também optimizar as suas
circunstâncias e planear a sua chegada. Deixou de ser um acto espontâ‐
neo, pois é necessário ter e criar condições financeiras – para pagar as
escolas, actividades desportivas, extracurriculares, férias – profissionais
(estabilidade, boa posição), bem como disponibilidade emocional (Beck,
Beck‐Gernsheim, 1995).
Também Claude Dubar (2000) fala nas crises identitárias decorren‐
tes da multiplicidade de papéis: mãe, pai, filho, estatuto profissional,
dificuldades na conquista e inserção no mercado de trabalho.
Os excertos que se seguem revelam o aumento das responsabilida‐
des associadas à maternidade/paternidade e a alteração das prioridades
e objectivos de vida, obrigando a um descentramento de si para os
filhos.
“Antigamente não tinha que ter horas para nada, podia combinar
tudo o que quisesse com os meus amigos, podia sair à noite sempre
que me apetecesse, não tinha a responsabilidade que tenho hoje…
que eu sinto que tenho hoje.” (António)
“… só comecei a trabalhar quando o mais venho tinha quatro anos.
Depois deixei de trabalhar quando tive a minha terceira filha, exac‐
tamente para viver… não para viver em função deles, mas porque
acho que é importante estar com eles.” (Constança)
“Vou ter [filhos], não com a minha namorada, com outra mulher,
vou engravidá‐la… ela, mais a parceira dela é que irão assumir toda a
parentidade, digamos assim…” (Rui)
62 ANA ROQUE DANTAS
Apesar da maioria dos entrevistados não ter filhos (11), a análise
compreensiva revela que estes assumem uma grande importância nos
discursos: enquanto ideal a atingir (perfil pragmático) ou assumindo
uma posição mais individualista (perfil espiritual). Entre os entrevista‐
dos que já têm filhos (5), destaca‐se a intensificação dos sentimentos a
par da alteração de hábitos, sentimentos, rotinas, prioridades e de todo
o quadro de vida.
5.2.1.4 As relações de amizade
A amizade e as relações interpessoais são apontadas por Argyle
(1992), Veenhoven (1984) e Myers (1993) como dimensões importan‐
tes para a construção da felicidade dos indivíduos. Aliás, Argyle explica
que as pessoas são mais felizes com amigos devido a uma necessidade
de intimidade, companheirismo e afiliação, a par de outras necessidades
sociais como a ajuda instrumental e apoio emocional. Diz‐nos este autor
da Psicologia que as relações sociais afectam todos os aspectos do bem‐
‐estar e que a amizade é uma fonte de satisfação, porque induz “humo‐
res positivos”.
A categoria amizade está presente em 6,8% dos 1817 parágrafos
analisados. Mas o que representam as relações de amizade para os
entrevistados?
Em alguns discursos, a amizade assume uma grande importância e
é realçado o apoio dos amigos. Noutros, as relações de amizade são
caracterizadas pela mudança, com o afastamento dos antigos amigos e
as novas amizades. Mas podemos também encontrar discursos a desva‐
lorizar a importância da amizade ou a situá‐la meramente no plano pro‐
fissional.
Verifica‐se uma relação entre a amizade e o perfil pragmático e, ao
contrário, a menor presença desta categoria entre os entrevistados con
vencionais. A categoria amizade relaciona‐se ainda com as mulheres, os
solteiros e sem filhos. Também Anthony Giddens no seu trabalho dedica‐
do à intimidade, destaca a relação entre a intimidade e o sexo feminino,
referindo a dificuldade que os homens têm em nomear um amigo ínti‐
mo: “O que os homens tendem a reprimir e a repetir, não é a capacidade
para amar, mas uma autonomia emocional importante para a manuten‐
ção da intimidade.” (1995: 87).
Kaufmann lembra que, quando o indivíduo se inscreve numa reali‐
dade familiar forte, esta contribui para a revelação do eu, mas se a inser‐
ção familiar é mais ligeira, descobrem‐se substitutos à família em grupos
de referência: os amigos. “Os grupos de amigas de hoje em dia … incluem
uma acção muito moderna de apoio identitário. Na sua origem o grupo
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 63
constitui‐se segundo circunstâncias ocasionais, a partir de uma vivência
colectiva… o trabalho de amizade consiste em reduzir as diferenças… e
reconhecer os pontos comuns.” (Kaufmann, 2000: 45‐46).
O papel de apoio, companheirismo e enquanto referência identitá‐
ria dos amigos é bem claro nos discursos, mas adopta contornos dife‐
renciados. Por vezes, surge enquanto suporte incondicional e inquestio‐
nável, acompanhando os indivíduos no seus percursos.
“Os meus amigos também são uma das minhas plataformas de
apoio…” (Mónica)
“Os amigos para mim são importantíssimos e têm um peso brutal.”
(Andreia)
“… os amigos são uma estranha alteração na minha vida, porque há
muitas coisas que quando se muda uma coisa, muda‐se tudo, é verda‐
de e … assim amigos daqueles que eu tinha, … tenho poucos, tenho
muito poucos … isto tem sido um processo, porque tenho conhecido
pessoas novas e diferentes, … e é uma forma de encarar a vida e de
estar na vida que muda, e as amizades mudam também, ou pelo
menos a proximidade com algumas amizades muda, às vezes não o
deixar de ser amigo ou não, é a intensidade e a proximidade … e
demora muito tempo até surgirem…” (Marta)
“Naturalmente, há pessoas que me pareceram que eram muito ami‐
gas e depois percebi que não… Mas eu entendo isso com muita natu‐
ralidade, porque eu sei que as pessoas têm fases diferentes das suas
vidas e, às vezes, o facto de eu ter agora uma família … nem me con‐
vidam. E, portanto é natural que os caminhos se separem.” (António)
“É uma característica, de facto, da minha vida. E mesmo hoje em dia
que já tenho mais alguma maturidade, já sou um adulto, vejo que não
é da minha natureza ter… [amigos]. Ter laços… profundos e, muito
menos, ter redes, networks… Tenho dois ou três amigos que quando
eu preciso de celebrar alguma coisa, quando tenho um grande insu‐
64 ANA ROQUE DANTAS
cesso, quando estou triste, tenho duas ou três pessoas espectaculares,
que me preenchem profundamente já há muitos anos…” (Rui)
Argyle (2001) explica que a razão porque as relações com pais,
amigos e cônjuges assumem diferentes importâncias nas diversas fases
da vida se deve ao crescimento e evolução dos indivíduos. Os amigos
têm um papel fundamental na construção identitária e no processo da
juventude, mas iniciada a inserção no mercado de trabalho, a saída de
casa dos pais, a construção de uma família, facilmente se percebe a difi‐
culdade em alimentar relações de amizade. Os acontecimentos da vida
também não acontecem em paralelo a todo um grupo de amigos, provo‐
cando inevitáveis afastamentos e redução de investimento. Mas, inde‐
pendentemente da natureza das relações de amizade, os entrevistados
assumem que os amigos têm importância na sua vida.
5.3 A felicidade na relação com o trabalho
O valor social do trabalho adquire uma particular importância com
o desenvolvimento do capitalismo industrial. Diversos autores lembram
o seu papel na organização social e na estruturação da vida dos indiví‐
duos (Whitehead, 2002), bem como a influência que tem na felicidade
(Veenhoven, 1984, Baudelot e Gollac, 2003).
O estudo das relações entre trabalho e felicidade não é recente e
centra‐se na procura de associações entre o estar ocupado e o ser feliz,
exaltando as virtudes do trabalho enquanto disciplina de vida. A sua
existência ou ausência, assim como, o tipo é identificado como um dos
factores que influencia e determina a felicidade dos indivíduos (Veen‐
nhoven, 1984; Frey e Stutzer, 2002).
Também Whitehead (2002) lembra que, nas sociedades ocidentais,
o trabalho remunerado é mais do que uma simples forma de obter con‐
forto material; é também um veículo importante para a construção do
self e para a localização no mundo social. No mesmo sentido, Claude
Dubar (1998) explica que, nas sociedades contemporâneas, a trilogia
formação/emprego/trabalho é a mais estruturante dos "espaços‐
‐tempos" individuais e da maneira segundo a qual os actores sociais –
especialmente os homens – "narram a sua vida" e categorizam as suas
situações sucessivas quando solicitadas para fins de pesquisa.
Baudelot e Gollac (2003) estudam as relações entre o trabalho e a
felicidade e defendem que o primeiro ocupa uma posição central na vida
social, tanto pela sua utilidade económica, como pelas suas capacidades
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 65
morais. Os seus resultados destacam um elevado investimento no traba‐
lho e na actividade profissional, a par de diferentes formas de relação
com o trabalho – dependendo do estrato social, do tipo de trabalho e do
perfil sociocultural do indivíduo – e de graus diferenciados de empe‐
nhamento pessoal. O tipo de investimento parece derivar do estatuto
social e das características objectivas da actividade, fazendo correspon‐
der a categorias com capitais económicos e culturais mais elevados, a
procura de satisfação e a categorias mais baixas, a resolução de questões
económicas. O mesmo estudo revela ainda uma distinção de género: o
trabalho assume um papel estruturador para os homens, ao passo que
as mulheres privilegiam mais as dimensões afectivas e familiares. Apon‐
ta ainda para as diferentes considerações que mulheres e homens têm
do trabalho (dependendo também das suas trajectórias sociais): entre
as mulheres destaca‐se maior satisfação, bem como a valorização da
realização pessoal e importância da execução.
Os resultados alcançados mostram o posicionamento transversal da
categoria trabalho nos gráficos factoriais realizados, o que claramente
revela a sua importância para todos os perfis considerados. Da mesma
forma, o trabalho está presente em 29,1% das 1817 unidades de contex‐
to analisadas. A análise dos resultados destaca uma associação entre
trabalho e o perfil convencional e, ao contrário, uma menor importância
desta categoria entre os entrevistados de perfil de ruptura e espiritual.
Face aos resultados referidos, e considerando que o trabalho é
estruturador de estilos e projectos de vida dos entrevistados, questio‐
namos se a sua importância está ligada ao que este permite obter e
alcançar, ou ao que permite ser, definindo‐se o indivíduo pelas suas
acções e pelo prazer que delas retira.
São várias as profissões ou actividades existentes neste universo de
entrevistados, associadas também a diferentes percursos, formações,
motivações e investimentos. Neste sentido, a análise das situações pro‐
fissionais é conjugada com a das disposições dos actores sociais face à
actividade que desempenham e posições ocupadas. A questão que estru‐
tura a análise prende‐se com a compreensão da forma como o trabalho
pode condicionar a felicidade dos indivíduos, bem como com a tentativa
de decifrar o significado que adquire na vida dos entrevistados. O seu
valor assume destaque em todas as entrevistas realizadas, aspecto reve‐
lado tanto pela análise estatística como pela análise compreensiva.
Para Kaufmann (2000), o trabalho dá uma disciplina de vida, um
quadro de socialização, um universo vivo e fechado que envolve e man‐
tém. À falta de outros pólos de identificação, o essencial concentra‐se no
trabalho.
Mas os resultados da análise estatística apontam para duas posi‐
ções distintas face ao trabalho5: lógica instrumental (carreira, posição,
prestígio, sucesso) e enquanto forma de realização pessoal.
Assim, os resultados mostram uma clara e forte associação estatís‐
tica entre a categoria trabalho e valores de posse, bem como, e ainda de
forma mais vincada, com valores de realização e acção (ser).
Uma análise aprofundada das entrevistas mostra que o discurso em
torno da importância da realização pessoal penetrou as expectativas
profissionais dos entrevistados. Por um lado, encontramos entrevista‐
dos para quem o trabalho tem uma função assumidamente instrumental
e enquanto condição necessária para obter outros bens essenciais, como
um meio para atingir outros fins. Mas aqui também está presente a
importância da realização pessoal. Distingue‐se porque a realização se
associa à posse e ao reconhecimento social. Por outro lado, temos entre‐
vistados que procuram intensamente a realização pessoal, no que fazem
e no que são. Esta valorização da acção obrigou, em alguns casos, a rup‐
turas profissionais a que também se associam conflitos ou tensões fami‐
liares e pessoais.
Como hipótese explicativa, sugerimos que o significado da activida‐
de e a capacidade de encontrar novos significados, possam ser factores
distintivos entre os entrevistados, para além da procura de realização
no trabalho que está presente em todos os discursos6. O prazer na exe‐
cução do seu trabalho e a procura de realização profissional surge mes‐
mo em perfis marcados pela continuidade e estabilidade, nomeadamen‐
te financeira.
5 Esta diferença na relação com o trabalho tem sido apresentada por outros autores
(Baudelot e Gollac, 2003; Torres, 2004c).
6 Frey e Stutzer (2002) distinguem factores intrínsecos e extrínsecos de satisfação
com o trabalho. Os primeiros são decorrentes da oportunidade de controlo pes‐
soal, da possibilidade de utilizar capacidades, variedade de tarefas, supervisão de
controlo ou apoio e oportunidade para contactos pessoais. Os extrínsecos relacio‐
nam‐se com as remunerações, incluindo benefícios, as condições de trabalho, a
segurança no trabalho, a segurança física e o status ou prestígio social associado à
actividade.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 67
“O que é que me motiva? Não sei… ser professor é… quando se gosta
daquilo que se faz, eu costumo dizer, quando há uma boa relação com
os grupos todos, com diferentes perfis, se consegue dar bem com eles,
é muito gratificante … gosto mesmo de dar aulas.” (Leonor)
“Eu sou designer gráfica e web designer. É tentar fazer o trabalho o
melhor possível, lançar desafios a mim própria e ao produto final e,
obviamente, ser recompensada por isso, porque é assim que me sus‐
tento. Portanto, há um misto de compromisso nesses objectivos… Eu
chego à conclusão que, realmente, gosto daquilo que faço…” (Sofia)
A análise das entrevistas revela alguns percursos profissionais con‐
turbados, entre uma multiplicidade de actividades e empresas, em que a
incerteza face ao futuro parece facilitar rupturas e a procura de novos
estímulos e significados. Claude Dubar (1995) lembra que assistimos à
crescente diversificação das formas de emprego, das organizações de
trabalho e dos conteúdos das actividades. Refere igualmente, a recom‐
posição dos ciclos da vida profissional com o alongamento do período de
inserção, a multiplicação das actividades, a mudança de actividade no
curso de vida activa que também diminui a sua duração e tem um esta‐
tuto mais incerto e ambivalente.
“… eu sempre trabalhei desde os 13 anos, nas férias para ter o meu
dinheiro, para ter a minha independência… depois enquanto fiz a
Universidade trabalhei em parttime como operadora de Call Center,
depois acabei o curso e fui estagiar… Depois tive uma empresa… e foi
uma prisão para mim... [actualmente] sou coach,… o coach incita as
pessoas… a descobrirem talentos que têm…” (Mónica)
“Estou a desempenhar a função de designer gráfico num gabinete
de comunicação, sou criativa… dou imensa importância [ao trabalho]
até porque como eu disse quando fui para Londres as coisas não cor‐
rerem muito bem e eu… tive que me desenrascar,… e acabas por dar
muito valor àquilo que realmente gostas de fazer… neste momento eu
estou bem por isso, porque é isto que eu gosto de fazer… portanto
neste momento estou a 100%. É isto que me dá prazer”. (Andreia)
“…Portanto, saí de casa dos meus pais,… as coisas não estavam a ser
fáceis, pedi um empréstimo de 25.000 Euros… era para investir na
empresa e depois acabei por viajar e isso ajudou‐me a poder fazer
essas viagens, a formar‐me, a fazer aquilo que eu gosto, porque não
tinha que me preocupar em ter que pagar as contas ao final do mês.
Alguns meses até conseguia, outros ia à conta buscar o dinheiro,
quando dei por mim, o dinheiro acabou. Mas nessa altura do cam‐
peonato, já eu estava tão bom naquilo que eu estava a fazer, que já
68 ANA ROQUE DANTAS
Este padrão de ruptura está presente em diversas entrevistas, reve‐
lando que para alguns dos entrevistados, o prazer de execução, a procu‐
ra de significado e o estímulo que daí decorre se sobrepõem às necessi‐
dades materiais e à procura de estabilidade profissional.
“Comecei a trabalhar como terapeuta… há quatro anos… adorei tra‐
balhar em publicidade no tempo que trabalhei, adorei ter feito o per‐
curso que fiz a nível das agências… cheguei onde eu acho que é o meu
limite… onde curti sempre, diverti‐me sempre e pronto. E depois,
porque eu acho que isso aí tem que ser denominador, ter prazer e
paixão pelo que se faz…” (Marta)
“Porque deixou de ser uma coisa profunda, passou a ser uma coisa
muito superficial, porque nós organizávamos eventos e… deixou de
fazer sentido, já não me puxava, já não me incentivava, já não me
estimulava.” (Margarida)
“Bem, fiz o 12.º como toda a gente e tal. Entrei na Faculdade… e
depois estive até ao segundo ano em Economia, até depois perceber
que a minha vida não era por ali. Também não sabia por onde é que
seria… não é que eu não sentisse facilidade em aprender, até tive
boas notas, não era por aí… Neste momento… eu vivo a vida, tento
viver o presente e tenho consciência que se eu quisesse poderia ter
uma vida muito mais acelerada, podia ter um emprego fixo,… Mas,
como eu te disse, eu gosto de ter tempo para mim…” (Zé)
comecei a estudar Publicidade… É um estímulo constante para mim.
É um desafio e um estímulo constante.” (António)
5.4 Os valores orientadores das práticas e condutas
5.4.1 O colectivo e o individual
“…vi um anúncio no jornal e dizia assim: Africa needs you, e eu cho‐
rei baba e ranho durante um dia, porque eu tomei a decisão e nessa
72 ANA ROQUE DANTAS
altura é obvio que mais uma vez a minha vida mudou. E fui… e adorei.
Tem muito a ver comigo. … E foi basicamente isso, passar do pensa‐
mento à acção, … já tinha acabado o curso, estava em início de carrei‐
ra e estava tudo a encaminhar‐se, mas não fazia sentido, eu tinha
tudo, aquela ideia de sucesso, de carreira, … Faltava algo, havia um
vazio. Talvez essa consciência de que …, OK, vais viver uma vida de
plástico, mas há tanta coisa aí a acontecer pelo mundo, não podes
ficar só aqui… E sou voluntária em várias associações…” (Mónica)
“Para mim a parte de voluntariado sempre foi uma parte muito
importante, eu sinto‐me uma pessoa inútil se não tiver a fazer algo
pelos outros. É uma componente que eu acho que, se calhar foi atra‐
vés um bocadinho dos escuteiros que fomentou isso… todas estive‐
ram ligadas um bocado à Igreja. Pronto, é sempre um meio primor‐
dial, quer dizer a gente pensa sempre que está associado ao bem‐
‐estar também dos outros, não é?” (Alexandra)
“… acções comunitárias basicamente é o [meu] trabalho…” (Afonso)
“[Tenho] várias áreas de trabalho, uma delas é social e comunitária,
que é esta da [associação], actualmente. Mas já há dez anos que traba‐
lho na área social. Já trabalhei com miúdos … toxicodependentes, já
trabalhei com deficientes, graves, mentais, cegos, surdos, já trabalhei
com grávidas adolescentes… públicos‐alvo muito distintos, directa‐
mente com as pessoas durante muitos anos. E já trabalhei também
com públicos banais, jovens quaisquer ou adultos quaisquer, etc, mas
na área social.” (Rui)
“[Esta é] a primeira associação a surgir na área de desenvolvimento
pessoal em Portugal. Associação, porquê? Porque é não lucrativa, por‐
que o que nós estamos a tentar fazer é oferecer à sociedade portu‐
guesa um desafio, que é: se ser feliz é uma decisão ou não. Se não é,
ok. (Rui)
De facto, ser um indivíduo não exclui o apoio aos outros. Viver
numa cultura altamente individualizada significa ter de ser socialmente
sensível e, simultaneamente, ter capacidade de se relacionar com os
outros, de forma a gerir e organizar o quotidiano. Pensar em si e nos
outros ao mesmo tempo foi considerado contraditório mas revela uma
conexão interna substantiva, defendem Beck e Beck‐Gernsheim (2005).
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 73
Esta nova ética combina a liberdade pessoal com o compromisso com os
outros num individualismo altruísta e cooperativo.
5.4.2 Espiritualidade
Relembramos a hipótese anteriormente formulada das concepções
de felicidade poderem estar balizadas por valores religiosos ou espiri‐
tuais. Por exemplo, Layard (2005) questiona em que medida a felicidade
é hoje mais valorizada pela ausência de normatividade religiosa.
Por outro lado, para Machado Pais, “…os indivíduos desenvolvem
formas de reelaboração dos símbolos religiosos que lhes são fornecidos
pela religião institucionalizada, dando‐lhes sentidos mais alinhados com
os seus interesses. Os significados das representações religiosas cada vez
mais radicam no modo personalizado como são interpretados e valori‐
zados. Por exemplo, a representação de sacralidade é ampliada para que
nela tenham cabimento não apenas os santinhos ou os curandeiros, mas
também os astrólogos…”. Sobre esta “religiosidade fluida”, o autor assi‐
nala uma “… religiosidade intimista, centrada no indivíduo, talvez mais
espiritualidade que religiosidade…” (Pais, 2006: 235).
Na dimensão espiritualidade, integramos todas as menções espiri‐
tuais ou religiosas contidas nos discursos e podemos verificar que esta
categoria ocupa cerca de 6,4% dos 1817 parágrafos considerados. Con‐
tudo, é importante referir que esta categoria não está presente em todos
os entrevistados. Destaca‐se entre os de perfil espiritual mas existe tam‐
bém noutros discursos enquanto valor orientador de práticas e condu‐
tas. Assim, a espiritualidade enquanto valor, aparece associada ao perfil
espiritual e ao de ruptura, mas tem uma expressão quase nula no perfil
convencional. É também significativa a sua presença entre os mais
novos, os solteiros e as mulheres.
Encontramos também diferentes sentidos nos discursos sobre espi‐
ritualidade. Ora assumem formas mais próximas da religiosidade fluida
de que nos fala Machado Pais, ora adquirem contornos mais religiosos
ou tradicionais.
Uns apresentam a sua espiritualidade como forma de autoconheci‐
mento, vivida através da meditação e da procura de equilíbrio entre as
várias dimensões da vida. Este tipo de espiritualidade está mais centra‐
da no indivíduo.
“Eu sou uma pessoa muito espiritual… estou numa fase de mudan‐
ça, porque eu indo viver para a comunidade, vou estar muito mais em
contacto com o meu lado espiritual… o que é que nós queremos real
mente ser, o que é que nos dá verdadeiro prazer na vida, o que é que
74 ANA ROQUE DANTAS
nós queremos, o que é que andamos aqui a fazer,… É o que eu acredito
e é o que eu sinto, sobretudo! É eu estar bem, eu estar no caminho
certo, ter uma visão alargada das coisas, ver o que é que se passa,
seguir a minha intuição…” (Mónica)
“… eu tenho de me considerar uma pessoa que estou a tentar incutir
em mim a viver um caminho espiritual … faço uma actividade religio‐
sa se é que se pode chamar ou um retiro, ou por exemplo, os cami‐
nhos de Santiago tirar dias de meditação e retiro, ir para a natureza
fazer várias actividades ligadas à natureza” (Margarida)
“… é mesmo uma força interior, tem de ser uma força interior. Creio
que em todas as acções que tive, sim… que todas estiveram ligadas
um bocado à Igreja… é sempre um meio primordial, quer dizer, a gen‐
te pensa sempre que está sempre associado ao bem‐estar também
dos outros, não é. Temos um bocado essa ideia e para mim é impor‐
tante, porque senão não me sinto bem comigo própria, é mesmo.”
(Alexandra)
“… estou inspirado no Osho, também poderia dizer que estou inspi‐
rado em Jesus ou em Buda, são, de facto, seres espirituais, de luz, não
é. Portanto, falam do coração e falam de uma sabedoria espiritual
muito profunda.” (Rui)
O que é comum é a valorização da espiritualidade enquanto sentido
de vida, procura de desenvolvimento pessoal e autoconhecimento que
permita harmonia e equilíbrio entre as diferentes dimensões da vida.
“… então comecei a desenvolver uma parte mais de cuidado com a
alimentação, o gosto também por coisas que poderiam ajudar na
manutenção do meu equilíbrio físico, psicológico, emocional, etc. Mas
acho que foi mais aí que eu comecei a desenvolver um gosto pelo
corpo e pelo mundo que é o tu conheceres‐te a ti mesmo, o teu corpo.
Bem, isto leva a outras vertentes mais espirituais, também… do
domínio espiritual.” (Zé)
“Tranquilamente, mas em paz com toda a gente… digamos que há
um lado meu que é muito mais espiritual do que material. Mas é que é
mesmo. Mas não é ao nível do pensamento, como eu vejo as pessoas,
têm teses, têm grandes ideologias, não tem nada a ver com isso. É
mesmo uma maneira de estar, de viver. E muito desligada de acumu‐
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 75
lar muitas coisas, de querer ter coisas. Pronto, o que é visível, mas
que é muito… não me diz grande coisa: ter muito dinheiro, ter mui‐
to…” (Leonor)
5.4.3 Hedonismo
A procura de uma relação entre hedonismo e felicidade não é recen‐
te. Desde a Antiguidade que se discute se o hedonismo conduz à felici‐
dade ou se, pelo contrário, pode levar ao “desespero”7. Estudos recentes
apresentam resultados indicativos da importância que o prazer tem em
algumas formas e estilos de vida. Utilizando as actividades de lazer
como indicadoras do hedonismo, concluem que nos “países felizes”, os
indivíduos gozam de maior número de programas sociais e culturais,
bem como de tempo dedicado aos amigos (Veenhoven, 2003b).
Nesta análise, o hedonismo inclui as referências aos prazeres – físi‐
cos e sensoriais –, ao bem‐estar, à harmonia e à tranquilidade ou paz. No
nosso estudo, foi possível encontrar referências hedonísticas em 17,9%
(um dos valores que tem maior prevalência) dos discursos dos entrevis‐
tados, mostrando a importância que esta dimensão assume nas suas
vidas, particularmente importante entre os entrevistados que revelaram
perfis de ruptura e espiritual. Está também associada de forma intensa
às categorias felicidade e viver.
A análise dos discursos sugere estilos de vida em que a busca de
prazer é uma constante, através de pequenos gestos quotidianos, procu‐
rando equilíbrio e bem‐estar sensorial e físico e acreditando que uma
vida com prazer é uma vida preenchida, com objectivos e sentido.
“… eu faço questão de ter essas duas horas para mim, para sair… o
objectivo é sempre… descobrirmo‐nos a nós próprios.” (Mónica)
7 Lembramos que hedonismo é uma doutrina filosófica que afirma ser o prazer o
supremo bem da vida humana.
76 ANA ROQUE DANTAS
No mesmo sentido, destaca‐se a valorização do prazer nas rotinas e
nas actividades desenvolvidas; gostar do que se faz e ter liberdade para
agir. Noutro plano, encontramos também entrevistados que tendem a
associar prazer a trabalho.
“… tento passar pelo menos metade do dia na natureza, a fazer uma
caminhada… pronto estar na natureza que é uma coisa que me dá
muita força e me dá imenso prazer…” (Margarida)
“… cheguei, onde eu acho que é o meu limite… onde curti sempre,
diverti‐me sempre e pronto. E depois, porque eu acho que isso aí tem
que ser denominador, ter prazer e paixão mesmo pelo que se faz…”
(Marta)
“A minha vida são autenticamente umas férias. Eh pá! E depois faço
aquilo que me apetece… É das maiores vantagens no meu estilo de
vida, é a liberdade que eu tenho a todos os níveis.” (Rui)
“… depois começo a pensar: “Mas porque é que eu heide me privar
de ir a um bom restaurante ou de umas boas férias?…” (Tiago)
“É um bocado o que me dá prazer… Porque trabalhar para mim dá‐
‐me prazer…” (Alexandra)
“… passados tantos meses de sacrifício consegui finalmente arranjar
um trabalho na minha área e naquilo que eu gosto de fazer, portanto
neste momento estou a 100%... É isto que me dá prazer.” (Andreia)
Destacam‐se posições diferenciadas face ao prazer. Embora presen‐
te em quase todos os discursos, assume, por vezes, estilos e projectos de
vida mais hedonistas, no sentido em que a vida deve ser um prazer em
todas as suas dimensões e momentos. Para outros, a existência de
momentos de prazer surgem sob a forma de escape ou reequilíbrio, ou
ainda, centrando‐se apenas na dimensão profissional.
O tema do prazer surge nas entrevistas a par dos momentos em que
se fala de felicidade, reforçando a importância que tem na vida dos acto‐
res sociais.
5.4.4 Ter ou ser
“… eu não sou nada, creio que materialista… consumista… acho que
zero … cada vez menos… eu acho que sempre fui uma pessoa muito
controlada … Eu acho que sou do estilo Tio Patinhas, eu gosto de ver
o dinheiro a crescer… É, eu sou assim estilo ratinho que guardo tudo,
tudo, tudo, tudo, se calhar tenho mais prazer nisto do que propria‐
mente em ter coisas e em gastá‐lo… Eu gosto dessa estabilidade.”
(Alexandra)
“… não faço grandes planos a nível futuro… vou levando a vida dia à
dia… [mas]… é muito importante fazer aquilo que gosto e a nível
emocional, pessoal, ter alguém… constituir uma família sem dúvida é
um sonho… gostava que acontecesse e gostava de acreditar que pode
ser real e que é possível porque dou muito valor à família portanto
obviamente gostava de constituir uma…. estar bem e ter filhos.”
(Andreia)
“É assim, eu tenho uma qualidade de vida extraordinária aqui,
esquecendo a parte profissional,… eu tenho uma qualidade de vida
extraordinária.” (Cristina)
Por sua vez, a categoria ser/fazer refere‐se a uma concepção de feli‐
cidade ligada a um estado interior, produzida por uma acção, ou dispo‐
sição para a acção, associando‐se assim à realização enquanto motiva‐
ção (fazer o que dá prazer).
No corpus analisado, esta categoria expressa‐se por referências à
importância do autoconhecimento, do desenvolvimento e realização
pessoal, da aprendizagem, do bem‐estar, do gostar do que se faz, da des‐
crição de como se é, e em saber o que não se quer fazer; ou seja, por pro‐
cura de adequação entre as disposições interiores e o modo de vida.
Quanto à sua frequência, a categoria ser/fazer destaca‐se em 28%
dos casos, reforçando a importância que os entrevistados dão à acção e à
concretização. Esta categoria está fortemente associada aos perfis espi‐
ritual e ruptura. Está também relacionada com as categorias viver, traba
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 79
lho, hedonismo, colectivo, espiritualidade e felicidade. Destaca‐se entre os
homens de estado civil união de facto.
Alguns autores da área económica, como Bruno Frey e Alois Stutzer
(2003), defendem a importância do estudo do bem‐estar para a com‐
preensão das preferências subjacentes a diferentes modelos de compor‐
tamento. Lembram‐nos que os indivíduos valorizam não só os resulta‐
dos, mas também as condições e os processos que conduzem aos resul‐
tados. Propõem o conceito de procedural utility, para distinguir os pra‐
zeres não instrumentais dos processos, aqueles que se obtêm por se
retirar satisfação da realização e não apenas da concretização de
objectivos. Ou seja, este conceito procura incluir aspectos motivacio‐
nais associados à prossecução e não apenas à materialização de um
objectivo.
Neste sentido, encontrámos discursos em que a realização está afas‐
tada de todo o tipo de posses e centrada no prazer da acção. Estas
expressam posições, formas de estar na vida ligadas ao autoconheci‐
mento e desenvolvimento pessoal e projectos de vida centrados no
fazer.
“… eu tinha Visa e deixei de ter, tinha uma série de coisas supérfluas
na minha vida e estou a tirar ao máximo… porque eu tomei a decisão
e nessa altura é obvio que mais uma vez a minha vida mudou…”
(Mónica)
“… tem a ver com as fases da vida, não é, agora estou a pensar, estes
dois últimos anos estou muito mais desligada” (Margarida)
“É mesmo uma maneira de estar, de viver… muito desligada de
acumular muitas coisas, de querer ter coisas. Pronto, o que é visível…
não me diz grande coisa: ter muito dinheiro, ter muito…” (Leonor)
“... eu vivo a vida, tento viver o presente…” (Zé)
Noutras entrevistas, percebe‐se claramente a importância da reali‐
zação pessoal, mas que deve ser acompanhada pela recompensa mate‐
rial, misturando o prazer da acção com a necessidade de reconhecimen‐
to social e profissional.
“Eu sou muito meticuloso com tudo. E, portanto, não gosto de fazer
coisas más ou mais ou menos. Quero fazer coisas sempre boas! É um
desafio e um estímulo constante. Não só que capte a atenção das pes‐
soas, mas também que transmita alguma coisa, tenha um conceito
agarrado, um conceito criativo.” (António)
80 ANA ROQUE DANTAS
São vários os autores (Myers, 1993; Layard, 2005) que nos lem‐
bram que a felicidade decorre menos dos grandes objectivos planeados
e alcançados e mais das vivências quotidianas, dos prazeres dos proces‐
sos. Na literatura económica, surgem referências a um paradoxo resul‐
tante da desadequação entre o elevado número de horas de trabalho e
investimento no bem‐estar material e a falta de tempo para dele usu‐
fruir. Igualmente, segundo o princípio da felicidade máxima proposto
por Layard (2005), não somos felizes por procurar a felicidade mas por
desenvolvermos actividades que nos satisfaçam.
5.4.5 Materialidade
“… há sempre um espírito de aumentar património e empreender e
passar isso às crianças, que é importante.” (Constança)
“… a minha forma de poupar é investindo … Também sei que tenho
coisas para herdar, tenho… quer dizer, isso também dá um conforto.”
(Filipe)
“… digamos que é eu ser muito conservadora no que respeita ao
dinheiro é uma característica minha, não é. E depois acabo por impor,
8 Lembramos Layard (2005) e o patamar a partir do qual o aumento dos rendimen‐
tos deixa de contribuir para o aumento da felicidade dos actores sociais.
9 É importante referir que, no decorrer das entrevistas, não foi possível perceber se
algum dos entrevistados vive dificuldades financeiras.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 81
não é, estratégias em casa que acabam por convergir para isso [pou‐
par].” (Leonor)
“… eu acho que sempre fui uma pessoa muito controlada… eu acho
que sou uma pessoa bastante correcta… a verdade é que se eu não me
sentisse equilibrada financeiramente estava mal. Aí estaria mal. Não
me gosto de ver sem dinheiro. Essa sensação de não ter faz‐me muita
confusão… faz‐me confusão as pessoas que andam sempre com a
corda ao pescoço. Não, porque nunca senti isso, nunca passei por
isso… acho que tenho a noção que nós temos sempre de poupar, tam‐
bém um bocado fruto da educação que tive, também.” (Alexandra)
“Eu tenho uma casa de empréstimo… É minha. É do banco. É
emprestada! Eu não faço grandes investimentos, não gosto de viver
na corda bamba… pois! É o meu handycap. Geralmente não costumo
guardar, mas quando preciso tenho sempre, porque realmente tenho
sempre objectivos de aprender mais qualquer coisa…” (Margarida)
Por um lado, temos discursos que realçam a importância do equilí‐
brio financeiro nas suas vidas e, por outro lado, temos posturas de vida
em que se vive no limite das condições materiais, usufruindo de tudo o
que o dinheiro permite consumir.
“… num equilíbrio muito instável… mas vivo tranquilo. Mas sinto a
importância… [que] a parte material tem… É uma parte que eu dou
valor. Ou seja, eu não faço… para mim não faz muito sentido, actual‐
mente como estão as coisas, ter dinheiro no banco a render num
depósito a prazo… vamos ter uma maquia de parte, justamente, para
poder aguentar‐me seis meses, se for despedido… independentemen‐
te de estar a receber por ser despedido, subsídio de desemprego,
tinha lá aquele dinheirinho para aguentar a minha família seis meses
tranquilamente. Portanto, é esse o objectivo. Agora, poupanças, não
vamos fazer mais nada.” (António)
“Visas, American Express, tenho tudo!… digamos que não vivo acima
das minhas possibilidades, por vezes vou um bocadinho abaixo, mas
sei que recupero passados dois meses, portanto, não tenho é grandes
poupanças, isso não tenho… Oh pá! E eu sinto que tem que haver
outras coisas, sabes? Então … se me apetecer ir passar um fim‐de‐
‐semana a Londres, vou.” (Tiago)
“… Eu sou muito pragmática, muito racional, gosto de ter as coisas
resolvidas e gosto de ter o controlo das situações, … não faço grandes
projectos para o futuro, gosto de o gastar num bom jantar com os
amigos, oferecer alguma coisa à minha mãe, de comprar alguma coisa
82 ANA ROQUE DANTAS
para mim, não faço grandes planos a nível futuro por isso, se calhar é
porque não junto, porque não me preocupo muito com isso, vou
levando a vida dia‐a‐dia.” (Andreia)
Encontramos ainda discursos em que transparece a importância da
segurança económica, pois é esta que permite perseguir objectivos, e ter
a liberdade de fazer o que se gosta, como se gosta.
“… tinha alguma segurança quando decidi fazer isto. Tinha alguma
segurança e algum dinheiro de parte e isso tudo… É assim, não vivo
disto!” (Cristina)
“Só devo a hipoteca da casa para já… eu não consigo propriamente
poupar porque sou freelancer e, apesar de também trabalhar num
parttime, mas para já ainda tudo depende muito de mim em termos
de fase de arranque e de fase de angariação. Portanto, o meu objecti‐
vo no futuro é, realmente, tentar estabelecer uma base mais sólida,
não é. Mas neste momento sinto que tenho o suficiente para poder
pagar as minhas contas, o que já é quase muito bom, mas quero evo‐
luir um pouco mais.” (Sofia)
“… eu ganhava imenso dinheiro porque trabalhava num meio onde
se devia ganhar dinheiro…” (Marta)
“Por isso, neste momento, a minha prioridade não é poupar dinhei‐
ro… não é propriamente a ideia de poupar dinheiro que as pessoas
têm para um futuro, para não sei quê.” (Zé)
“Nunca quis ter casa, nem tenho, e o meu carro é sempre o mais
barato que há no jornal, para ir de A a B, mas nada de empréstimos.
Um desequilíbrio total! Como é que me organizo? Bem, eu não sei se
organizo é a palavra ideal, porque eu não me organizo. Como é que
sobrevivo?” (Rui)
Os discursos apresentados permitem conhecer posturas diferencia‐
das face ao papel que as condições materiais assumem na vida dos
entrevistados. Fica bem expressa a importância que a segurança finan‐
ceira assume para alguns entrevistados, bem como o objectivo de acu‐
mulação de riqueza. Temos ainda posições em que o consumo de bens
se associa à ideia de recompensa: eu mereço! Percebemos igualmente
que, para outros entrevistados, o objectivo hipotético de segurança eco‐
nómica é deixado de lado, para viver o projecto em que se acredita (pelo
menos enquanto este não permitir sustentabilidade).
5.4.6 Felicidade
Sendo a felicidade o tema central do trabalho, procuramos conhecer
como esta dimensão transparece nos discursos dos entrevistados. Con‐
sideramos que, tal como defendem Baudelot e Gollac (2003), a felicidade
é um sentimento penetrado por normas sociais e pelas representações
das suas formas legítimas e, desta forma, com óbvios reflexos sobre a
forma como os actores sociais organizam as suas vidas e o seu quotidia‐
no, assim como, com consequências para a organização da sociedade.
Jack Barbalet (1998) defende que as emoções constituem a base da
acção porque têm um papel na constituição de relações, instituições e
processos sociais. Para este autor, os padrões das experiências emocio‐
nais diferem em sociedades distintas e assim a emoção pode ser consi‐
derada um resultado ou um efeito de processos sociais10.
Interessa estudar os sentimentos para entender os próprios princí‐
pios do comportamento social, uma vez que são as interacções sociais
que determinam as expectativas emocionais e as experiências particula‐
10 A relação entre sentimentos e emoções foi discutida no primeiro capítulo deste
trabalho, mas lembramos que, apesar de diferentes, estão associadas e não exis‐
tem separadamente.
84 ANA ROQUE DANTAS
res que, por sua vez, determinam a inclinação para determinados rumos
da acção, integrando a construção das histórias individuais.
As emoções e os sentimentos participam activamente na construção
identitária, na medida em que os sujeitos emocionais se entendem e
produzem reflexões sobre eles mesmos com base nessas emoções e sen‐
timentos. Os significados e os valores não são estáveis e fixos; estão num
constante processo de mudança e modificação, de tal forma que as pes‐
soas podem não ter ideias claras sobre a forma como mudam, mas sen‐
tem‐nas nas suas relações sociais (Barros, 2006). Assim, as estruturas
de sentimento adquirem relevância como orientadoras da acção no con‐
texto das relações sociais.
A análise das entrevistas revela que 4,8% dos 1817 parágrafos ana‐
lisados tem menções directas à felicidade11, apesar das práticas dos
actores sociais serem orientadas para a mesma.
A análise estatística realizada mostra que a categoria felicidade tem
uma relação com o perfil ruptura. Parece‐nos compreensível que sejam
os entrevistados de perfil de ruptura que mais falam de felicidade, uma
vez que a sua acção de “ruptura” e de procura de novas formas de vida
decorre da formalização racional da importância de serem felizes, facili‐
tando a verbalização da ideia de felicidade. Aliás, os resultados da análi‐
se estatística mostram claramente associações entre a categoria felici
dade e o viver, ser, valorizar o colectivo e hedonismo. Refira‐se também
que as menções à felicidade são mais comuns entre as mulheres e sem
filhos.
Quando focamos os discursos, encontramos algumas semelhanças
na expressão da felicidade. Para alguns entrevistados, é um ideal a atin‐
gir ou uma meta a alcançar. Ao contrário, noutros discursos, ressalta a
ideia de que felicidade é aproveitar a vida no seu dia‐a‐dia, intensamen‐
te, fazer o que se gosta, viver em tranquilidade, equilibrar as diferentes
dimensões da vida. Neste sentido, vemos que a principal semelhança nos
discursos reside na importância do sentimento de felicidade para a sua
acção, condicionando as práticas e comportamentos dos actores sociais
entrevistados.
11 Embora contrariando as indicações dos manuais de investigação sociológica, os
entrevistados não foram previamente informados de que o tema da entrevista
era a felicidade. O que se pretendia era conhecer a importância da felicidade
enquanto impulsionadora da acção e no decorrer da entrevista procurou‐se per‐
ceber como a questão da felicidade se relacionava com as opções, projectos e
expectativas dos entrevistados.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 85
“… eu por regra quando não estou feliz … ou quando não estou bem
numa situação, seja ela qual for, pessoal ou profissional, eu abandono
e vou à procura de outra coisa, à procura dessa tal felicidade, mas
nunca me acomodo e deixo estar quando não estou bem. Eu diria que
a felicidade para mim é a essência e há‐de ser sempre o meu ponto de
referência.” (Andreia)
“… eu acho que a felicidade é tão efémera. Eu acho que a felicidade,
sobretudo, é feita de alguns momentos… é feita de momentos … Eu
hoje sei, sei perfeitamente, que para mim, se calhar está em ter crian‐
ças ou coisa assim … E, se calhar, passa por ter filhos ou coisa assim
do género… já tomei decisões que me fizeram infeliz e que me custa‐
ram, mas sabia que o plano a seguir iria ser melhor… não era aquilo…
era uma felicidade medíocre… ou pelo menos, tapada, mascarada… E,
então, querer ir mais além. Então, decidir eu, eu própria, indo contra
tudo e contra todos. E isso eu sei que sou capaz de fazer, mas isso
depende muito da motivação interior e da pessoa querer fazer! Não
sei o que nos faz o clique, mas é… clique.” (Alexandra)
“… tomei decisões com vista à felicidade e tive a sorte de ter logo
muitos sinais a partir do momento em que eu tomei coragem… para
ter cortado com a pseudoestabilidade financeira mas tive logo
recompensas dias a seguir, grandes recompensas e de modo que não
me arrependo depois do que aconteceu a seguir…” (Afonso)
“… eu sempre senti essa coisa, eu sempre senti essa ansiedade, essa
necessidade de mudar. Isso é algo que essencial na minha vida. Traz a
minha felicidade mudar… Não fui atrás de nada… nunca fiz nada para
ser feliz, a não ser mudar. Quer dizer, fiz por querer mudar e senti
necessidade de mudar. Se isso é para ser feliz, então foi isso.” (Antó‐
nio)
“… eu acho que a felicidade foi… sempre o meu guia,… tu sabes que
está certo para ti, não é, há um código em ti, há um código físico tam‐
bém, e este código físico pode vir por sonhos, pode vir por uma série
de coisas, não é … podes acordar e dizes isto não está certo!, isto que
eu estou a fazer não está certo e no entanto o facto de tu teres pensa‐
do naquilo naquele minuto, o processo não foi naquele minuto, ele
ganha ali uma expressão e uma forma, mas tu andaste ali num pro‐
cesso, pronto.” (Marta)
“Foi porque eu não estive disposto a negociar a minha felicidade
que tomei todas as opções de vida que tomei. Todas, todas. Quase
todas, que ainda me lembre. Portanto, estudei Economia até ao
3.º ano, depois apercebi‐me: “Isto é uma merda! Não estou feliz.” E a
partir desse dia, nunca mais.” (Rui)
86 ANA ROQUE DANTAS
“… é viver em paz. Para mim o ideal de vida é viver… Tranquilamen‐
te, mas em paz com toda a gente… É mesmo uma maneira de estar, de
viver.” (Leonor)
“E eu, para mim acho que aquilo que eu faço neste momento é aqui‐
lo que me dá maior prazer, é total, … é a disponibilidade total, que é
uma experiência muito interessante, tu estares disponível para
alguém e não contares com um retorno por aí além e dar sensações e
formas de estar realmente inacreditáveis … e estás a contribuir para
um bem, não estás a lixar alguém, não estás a chatear ninguém, é uma
coisa de útil. …” (Marta)
“… a base da felicidade somos nós, portanto, o fundamental sou eu e
eu estar equilibrada, utilizando uma palavra mais espiritual, conecta
da, a partir daí as coisas acontecem naturalmente. É o que eu acredito
e é o que eu sinto, sobretudo! É eu estar bem, eu estar no caminho
certo, ter uma visão alargada das coisas, ver o que é que se passa,
seguir a minha intuição… então, acho que dá para perceber, não é?
Sou uma pessoa livre. Eu posso fazer aquilo que eu queira, para ser
feliz!” (Mónica)
“… a liberdade… a vários níveis, não é. A nível de fazer aquilo que
gosto, a nível de estar aberto à novidade, de ter disponibilidade para
os outros e de ser feliz. Isso para mim é que é o mais importante, é
ser feliz. E essa felicidade advém, imperativamente, de ter disponibi‐
lidade para os outros também, de estar em comunhão com a nature‐
za, estar a fazer aquilo que gosto, acho é por aí.” (Zé)
“Para a minha felicidade, a partilha, a partilha de tudo, de experiên‐
cias, a partilha… o abrir o coração, o estar com as pessoas e elas abri‐
rem o coração, serem honestas… é: sermos flexíveis, aceitarmos aquilo
que nos vai acontecendo, porque acontece, há sempre uma razão maior
e trabalharmos o nosso auto conhecimento. A felicidade? Eu acho que
a felicidade sempre esteve lá. Eu acho que a felicidade sempre esteve
lá, a busca e a procura e o que me fazia vibrar nessas situações e que
me dava força era a necessidade que eu tinha de ir mais fundo e mais
longe e de me conhecer melhor era sempre uma descoberta maior de
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 87
mim própria e das minhas capacidades e de conseguir perceber se eu
conseguia lidar com aquela situação é quase como se fossem metas e
objectivos, a felicidade está sempre lá, eu sou feliz a partir do
momento que eu fizer a minha disciplina interior…” (Margarida)
“… bem, eu espero … uma resposta diferente a isso todos os dias,
isso já seria muito brutal. Liberdade é muito importante, sem dúvida
nenhuma, muito importante. Ah… cada vez estar melhor comigo pró‐
prio, gostar de mim e conhecer‐me, oh pá! Atingir o meu potencial, oh
pá! Que é tremendo, é imenso! E quanto mais trabalho com as pes‐
soas eu percebo que todos nós temos um potencial catastroficamente,
incrivelmente enorme!!!! E andamos feitos mongos, às vezes, a viver
uma vida a 2%, nem digo 10%. E, então, faz‐me ficar feliz quando me
apercebo que estou a pôr o meu potencial em acção.” (Rui)
A expressão da felicidade está bem presente em todos os excertos
enquanto referência real, concretizada e construída todos os dias e
transmitindo a ideia de que é preciso viver para ser feliz. Estes resulta‐
dos assemelham‐se aos de outros estudos. Martin Seligman (2004) iden‐
tificou três componentes de felicidade: tirar prazer da vida, ter envolvi‐
mento no que se faz e procurar o significado das actividades. O conceito
de fluxo referido anteriormente também remete para a importância da
vivência e do prazer, envolvimento e significado dessa vivência.
Já William James (in McMahon, 2006) declarava que a felicidade tal‐
vez seja, terá sido e será, o objectivo final de todos os tempos e espaços.
5.5 Projectos de vida
António Damásio em Ao encontro de Espinosa, diz que “… o indiví‐
duo deve procurar viver de tal maneira que a perfeição da alegria seja
atingida com frequência e faça, por isso, com que a vida que valha a pena
ser vivida” (Damásio, 2003: 309).
Partindo desta ideia, sugerimos por hipótese, que a concretização
dos projectos de vida dos entrevistados pode ser vivida com diferente
intensidade e que tal pode ter influência sobre a felicidade. Neste senti‐
do, questionamos como se estruturam os discursos dos mesmos em tor‐
no da urgência em viver a vida e que práticas se revelam entre os pólos
de possibilidades de viver ou adiar e, também, como é valorizado o tem‐
po nas suas vidas.
De acordo com Bernard Rimé (2005), o esquema de vida fornece
uma representação do que se é, donde se está e do que se poderá vir a
88 ANA ROQUE DANTAS
ser. Igualmente, dota o indivíduo da compreensão do contexto dos acon‐
tecimentos que lhe permite inferir sobre as consequências dos seus
actos. Este esquema ou projecto dá ao indivíduo a apreensão da sua
finalidade, da sua razão de ser e quando as alterações de sentido o afec‐
tam, modifica‐se o significado e a estrutura da existência em si, com a
reorganização das prioridades, mudança da visão do eu e da vida. Tam‐
bém Machado Pais (2006) nos diz que os quadros de vida escrevem e
inscrevem gestos, sentimentos e expectativas que corporizam modos e
projectos de vida.
Nesta perspectiva, interrogamos como é que a procura de felicidade
se insere e organiza nos projectos de vida dos entrevistados?
5.5.1 A importância do tempo
O tempo e o espaço são dimensões fundamentais da constituição de
todas as interacções sociais (Giddens, 1991). Desde Durkheim que o
tempo é entendido como construção social, no sentido em que cada
sociedade (e dentro dela cada segmento social), constrói o seu tempo.
Uma das hipóteses deste trabalho propõe caracterizar o aparente
paradoxo dos usos do tempo na sua relação com a felicidade. É nesse
sentido que questionamos como os entrevistados expressam a sua utili‐
zação do tempo; como é que o tempo é valorizado?
Garhammer (2003) diz‐nos que os indivíduos mais felizes são os
que gozam de mais tempo e que os novos conceitos de qualidade de vida
incluem indicadores de usos de tempo. Os que têm tempo para tudo são
“certamente” mais organizados e mais competentes. No entanto, tam‐
bém o não ter tempo pode ser visto como um símbolo de status, pois,
quem tem o tempo preenchido, está ocupado e tem uma vida social mais
intensa.
Também Beck e Beck‐Gernsheim lembram que o controlo sobre o
próprio tempo pessoal é cada vez mais valorizado e que “… everyday life
is concerned primarily with: the temporal order of things…” (2005: 6).
Igualmente, David Myers (1993) destaca a importância do controlo do
tempo para a felicidade dos indivíduos. Assim, o tempo é uma dimensão
fundamental na estruturação das sociedades modernas e da acção dos
seus actores sociais. Esta ideia é corroborada por Brian Roberts (2006)
ao considerá‐lo uma parte fundamental da existência humana e que con‐
tribui para a criação do seu significado.
Sendo as opções de vida dos actores sociais marcadas por esta
dimensão, interessava conhecer o significado e o sentido que lhe é atri‐
buído.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 89
A referência a esta categoria está presente em cerca de 8,9% dos
parágrafos analisados e a sua referência é mais frequente entre os
entrevistados de perfil pragmático (29,6% das ocorrências) e menor
entre os de perfil espiritual (19,1%). Esta categoria está associada com
hedonismo. Note‐se ainda que encontramos mais referências ao tempo
entre as mulheres e com 3 ou mais filhos.
É importante referir que o tempo adquire sentidos diferenciados: a
sua valorização ocupa 5,9% dos parágrafos, enquanto a falta de tempo
emerge em 2,6% dos casos. As associações que estabelecem com outras
categorias são também diferenciadas. Há também uma associação esta‐
tística entre a valorização do tempo e a presença de hedonismo. Uma
explicação possível será a de que ter tempo é um prazer.
Já quando analisamos as menções ao tempo com conotação negati‐
va, percebemos que se destaca entre os entrevistados mais jovens, com 2
filhos e a par de associações estatísticas com valores familiares.
A análise compreensiva dos discursos reforça esta diferente valori‐
zação do tempo e sugere diferentes utilizações do tempo. Por um lado,
encontramos rotinas organizadas em torno do trabalho e da família, com
a valorização do tempo livre do fim‐de‐semana para as actividades de
lazer enquanto “escape” para semanas demasiado longas ou intensas.
Por outro lado, os discursos revelam vivências que articulam a medita‐
ção, o relaxamento, o aproveitamento do tempo livre e de trabalho
numa procura de equilíbrio holístico.
“O que é que eu faço? … há dias em que eu faço meditação matinal,
… vou trabalhar, tenho 2 horas de almoço, geralmente, e vou almoçar
fora, gosto muito, isso é muito importante para mim ... Segundas e
quartas tenho teatro … eventualmente vou jantar com amigos ou
venho para aqui porque também é importante ter o meu espaço…
relaxar, ouvir música, não vejo televisão. Leio, estudo, … tenho Yoga…
vou para a natação às 8h30… às sextas‐feiras, geralmente é espaço
livre à noite, ou vou sair ou fico também aqui ou então parto de fim‐
‐de‐semana. Eu vou passar muitos fins‐de‐semana fora.” (Mónica)
“Levanto‐me de manhã,… vou à ginástica… chego a casa, faço medi‐
tação durante uma hora, depois cozinho o meu almoço, vou para as
consultas… chego a casa… como e preparo o dia seguinte ou então
deito‐me. É mais ou menos isto… geralmente tiro a 5.ª ou 6.ª feira e
esse dia que eu tiro, tento passar pelo menos metade do dia na natu‐
reza, a fazer uma caminhada … pronto, estar na natureza que é uma
coisa que me dá muita força e me dá imenso prazer mas pronto estu‐
do muito também e também tiro muitas horas para estudar…” (Mar‐
garida)
90 ANA ROQUE DANTAS
“De manhã faço uma introspecção… cerca de uma hora…. Depois,
provavelmente, dependendo dos dias,… ou venho para aqui [jardim]
relaxar um bocadinho, ou ler ou… outros dias tenho consultas para
fazer…” (Zé)
“… leio, descontraio muito, tenho muitos momentos de relaxamen‐
to, em que não faço nada, meditação ou dormir, ou relax. Não tenho
televisão e coisas assim, portanto, não é por aí … Deitar‐me na relva
no jardim, quando me lembro… faço aquilo que me apetece.” (Rui)
“Ah, saio daqui, vou para casa, chego a casa, tento jantar (o que não
é fácil por causa do trânsito) com os miúdos. Gosto de fazer o quê? Ou
vou à Internet ou vejo televisão. Mas eu, para mim, o ver televisão é
tipo para desligar, é tipo quase hipnótico, aquilo não é que eu esteja
ali a olhar muito para o que é que eu estou a fazer. No fim‐de‐semana
o que eu gosto é estar em casa… eu se pudesse ficava no sofá a não
fazer nada!” (Tiago)
“… essa parte tem estado um bocado desorganizada, também estou
há pouco tempo aqui … e então está ainda meio baralhado. Nunca
perdi tempo a deslocar‐me para trabalho e faz‐me confusão agora
uma hora ou quase só com estas coisas de… pronto. Depois, o dia de
trabalho.” (Manuel)
“… acordo bastante cedo, não é… pronto, depois é arranjar‐me, vir
para o trabalho, chegar a casa. … E gosto muito dos horários. Sim,
gosto, gosto… essa sensação é boa pronto, … É uma coisa que me
seduz muito é estar a ler nos transportes… Ter tempo para isso, é
bom. E, sobretudo, tempo mental, eu acho.” (Alexandra)
“Levanto‐me de manhã, tomo um pequeno‐almoço antes de sair de
casa, … apanho o autocarro, venho para o meu trabalho, para o meu
emprego, passo o dia basicamente no emprego, ao fim do dia vou
para casa, geralmente estou muito cansada para fazer outro tipo de
programa, portanto geralmente fico mesmo em casa. …” (Andreia)
“E, pronto, e fico a trabalhar normalmente até às sete da tarde.
Normalmente. Porque acontece frequentemente ficar até bastante
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 91
mais tarde. E depois vou para casa, vou jantar com a família ou vou
jantar e é isso.” (António)
São diferentes valorizações e utilizações do tempo que nos sugerem
diferentes vivências e intensidades de procura de felicidade.
5.5.2 Viver ou Adiar
Em seguida, focalizamo‐nos na análise das práticas dos entrevista‐
dos em torno do pólo de possibilidades, viver ou adiar. Pensamos que a
intensidade com que se vive o quotidiano pode ser um bom indicador da
forma como os actores sociais condicionam as suas vivências em torno
da felicidade.
A categoria viver traduz rupturas, fortes sentidos de vida, bem como
procura e vivência de liberdade. Ao contrário, a categoria adiar remete
para projectos de vida protelados, para vivências preenchidas com com‐
promissos que se podem ir adiando, rotinas esmagadoras fortemente
condicionadas. Tal como a categoria viver, indica um projecto, no entan‐
to este distingue‐se pela urgência de concretização que assume. Ou seja,
por um lado, temos projectos vividos imediatamente, por outro, temos
vidas projectadas. Assim, viver e adiar resultam do grau de urgência que
os actores sociais põem na sua vivência do quotidiano e na concretiza‐
ção dos seus projectos de vida.
A análise dos resultados revela que as referências que cabem na
categoria viver representam cerca de 21,1% do material analisado,
enquanto a categoria adiar ocupa 6,2% dos 1817 parágrafos considera‐
dos. Face à sua importância no discurso dos entrevistados, surge a ques‐
tão: será que estes valores traduzem diferentes vivências ou, talvez,
procuras de felicidade diferenciadas?
Verifica‐se ainda uma maior probabilidade dos discursos de ruptu‐
ra e espiritual terem referências à categoria viver. Esta categoria desta‐
ca‐se entre os entrevistados solteiros e sem filhos.
A categoria viver está também fortemente associada a valores de
acção, de hedonismo (45,6% das ocorrências) e de felicidade. Estabelece
ainda uma relação estatística com espiritualidade e valores de colectivo.
A expressão desta urgência em viver a vida é individual, mas nestes
discursos é comum a vontade de viver experiências novas, ter liberdade
para gozar a vida e as múltiplas possibilidades que esta oferece.
“Eu há dois anos morava com uma pessoa… morava na casa dele e
nós tínhamos uma relação espectacular e eu decidi que queria viver a
minha vida, já não queria morar com ele, já não queria viver… numa
92 ANA ROQUE DANTAS
relação… E foi uma decisão, eu sinto que foi uma decisão muito forte,
muito importante e… é quase como se eu tenho dentro de mim um
bichinho a obrigar‐me a viver experiências novas, e o facto de eu ter
montado a minha casa, ter começado a viver sozinha, mesmo sozinha,
a construir as minhas coisas, a fazer as minhas conquistas, fez‐me
acreditar mais em mim, ganhei uma força muito grande nestes dois
anos…” (Margarida)
“É das maiores vantagens no meu estilo de vida, é a liberdade que
eu tenho a todos os níveis. Só por isto não mudava, só por isto não
mudava. E é liberdade a todos os níveis, a todos os níveis.” (Rui)
“… o facto de ter podido viajar muito, ... fartei‐me de viajar pelo
mundo inteiro, foi óptimo porque abri a cabeça de uma maneira, que
até aí não tinha tido possibilidade de abrir. Aquele tipo de experiên‐
cias foi fantástico. Conheci muitos artistas, muita gente com um pen‐
samento totalmente diferente…” (António)
“… quando eu larguei a Economia, há muitos anos atrás, … na ver‐
dade, eu não procurava nada eu só sabia – isto aconteceu‐me várias
vezes no meu percurso – que é não saber aquilo que queria, mas
sabia aquilo que não queria. Agora a questão passava por outros
lados que era o aprender a pensar por mim próprio.” (Zé)
“Eu não tenho problemas com a incerteza, eu tenho mais problemas
com a certeza, porque para mim, a certeza, é quatro paredes. E eu não
consigo! Então é um quadro com muitas flores!” (Mónica)
A par destes discursos em que se destaca a importância da vivência
diária para ser feliz, surgem outros que revelam a idealização de um
futuro hipotético.
Assim, quando analisamos a categoria adiar, verificamos a sua asso‐
ciação estatística com os perfis pragmático e convencional.
Em torno da categoria adiar estabelecem‐se algumas associações
específicas. A sua presença surge a par de valores de posse (categoria ter
com 56,3% das ocorrências), familiares (26,8%), de trabalho (43,5%) e
também de felicidade. Uma hipótese explicativa para estas relações esta‐
tísticas poderá ser o facto de que a importância da posse e os constran‐
gimentos da família e trabalho obriguem a adiamentos tendo em vista a
felicidade. Os discursos apontam nesse sentido. Falam‐nos da necessi‐
dade de reunir as condições ideais para se ser feliz. E o que são essas
condições ideais? Família, emprego, ultrapassar situações dolorosas…
“Estive praticamente para me casar, não é? Tinha já adquirido
casa, carro, essas coisas todas, contudo… O passo seguinte seria
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 93
esse… Agora, se calhar, a minha insatisfação, que possa existir, não
tem a ver com isto, tem a ver com uma insatisfação interior. Se
calhar, é aquela parte do casamento e isso tudo, sobretudo os
filhos.” (Alexandra)
“… não vejo que seja assim o marco da minha vida, ... não foi assim
uma coisa de repente: “Ai, tenho que mudar de vida!”, quase tipo a sal‐
vação. Acho que as pessoas são todas um bocado hoje muito drásticas
e fatalistas, não é. Pronto, eu não vejo nada disso nesse sentido, acho
que foram uma série de circunstâncias que se juntaram e que propor‐
cionaram isso… Não estava à espera de encontrar assim nada tipo
diferente e que fosse não sei quê...” (Cristina)
“… eu houve uma altura em que acho que aplicava as minhas forças
no sobreviver, não é, no dia‐a‐dia, é um facto, mas pronto, isso era da
fragilidade. Neste momento, acho que já estou numa fase, que acho
que é “boa”, entre aspas, … tenho de reestruturar algumas coisas,
balizar determinadas coisas, acho que basicamente é isto. Tenho de
pôr alguns pontos nos iis de algumas coisas, compreender‐me e des‐
culpar‐me de algumas coisas, acho eu. … o grande problema é que a
gente autoflagela‐se constantemente. Eu, pelo menos, sempre fui
muito assim…” (Alexandra)
“… eu tento ver as coisas pelo lado positivo e dessas experiências
que marcam negativamente tento sempre tirar o positivo e tento
sempre crescer e passar um bocadinho por cima, não pensar, não
ficar com mágoas, não estar a pensar muito nas coisas é andar para a
frente.” (Andreia)
“Neste momento, a felicidade dos meus filhos; dos meus filhos e da
família, evidentemente… E ultimamente ando muito aqui, na rotina…”
(António)
“Eu diria que a felicidade para mim é a essência e há‐de ser sempre
o meu ponto de referência… neste momento ainda estou a estruturá‐
‐la, portanto para mim é complicado estar a avaliar o estado da minha
vida,… a nível de emprego, estou a começar mas estou a gostar muito,
a nível pessoal nem por isso, porque estou num ambiente novo ainda
estou a descobrir muita coisa, não será tão bom, [mas] melhor do que
estava à seis meses atrás, não estava nada feliz, estou muito melhor.”
(Andreia)
Assim, por um lado, encontramos posturas de vida abertas à novi‐
dade, à experiência e à mudança, e mais do que isso, desejosas de viver
as suas possibilidades. Por outro, deparamos com algumas posições que
idealizam e esperam um futuro melhor e esperam o desenrolar dos
94 ANA ROQUE DANTAS
acontecimentos da vida. O que nos leva a questionar a forma como os
entrevistados constroem os seus projectos de vida: se em torno da
necessidade de concretização ou segundo promessas adiadas de realiza‐
ção.
A análise das entrevistas permite perceber que, para uns, o projecto
de vida constitui‐se por planos e reestruturações, pequenas mudanças
que permitem continuar e, ao contrário, para outros, significa a abertura
a novas experiências, prazer na realização e acção, equilíbrio entre as
várias dimensões da vida e sentido para a vida.
“… eu sou, sou feliz. Gosto da minha vida. Sempre fui bastante…
positivo. Tenho fases, tenho tipo um dia ou meio dia em que estou
deprimido e depois no dia a seguir já estou novo! Espectáculo!”
(António)
“… uma necessidade imensa de ir procurar mais qualquer coisa,
viver outras experiências … e lá está, tento encontrar uma disciplina
que me faz sentir forte e bem para eu depois poder lidar com outras
coisas que gosto menos…” (Margarida)
“… o meu projecto de vida é um projecto, alucinado… em muitos
aspectos de risco e ao mesmo tempo com cabeça, na minha opinião, e
que eu sinto que eu sinto que estou no projecto correcto, não sinto
que devia estar a fazer outra coisa, sinto que estou no caminho certo.”
(Afonso)
“[projecto de vida?] Em trânsito! … sem dúvida que me interessam
projectos com pessoas e interessa‐me ensinar, interessa‐me aprender
mas interessa‐me ensinar, mas interessa‐me este processo todo, é
muito interessante porque é assim, aquilo que eu fazia em publicida‐
de continua a ser aquilo eu faço aqui, só que com outra matiz… com
outra vida, com outras ferramentas, com outra intenção,… mas esta
coisa mágica das pessoas e das ligações, continua a ser aquilo que me
move, que são as pessoas nas várias vertentes que elas têm… que é o
amor ao fim ao cabo, que é um estado de amor, isso sem dúvida é o
que me move. É, os vários níveis de leitura do amor, é o mais impor‐
tante.” (Marta)
“Portanto, eu divido a vida em quatro dimensões: físico, emocional,
mental e espiritual. … há um grande equilíbrio, sinto‐me muito bem.
Há uns meses atrás não poderia dizer isso, a nível emocional, hoje em
dia, sinto uma grande vida interior, porque apaixonei‐me profunda‐
mente, e eu não tinha permitido que isso acontecesse até agora. … Eu
acho que há doze áreas de vida: dinheiro, emprego, saúde, família,
amigos, relação amorosa, tempo livre, desenvolvimento pessoal,
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 95
Em síntese, o projecto de vida faz‐se vivendo: equilibrando as várias
dimensões da vida segundo as prioridades individuais. A felicidade não
é o resultado entre o somatório de alegrias subtraindo os maus aconte‐
cimentos. A felicidade vai e vem, defende Pascal Bruckner (2003).
António Damásio (2003) explica que qualquer projecto capaz de
tornar uma vida examinada numa vida feliz deve incluir meios para
resistir à angústia causada pelo sofrimento e pela morte, meios para
suprimir a tristeza e para a fazer substituir pela alegria. “Não parece
haver aqui qualquer equívoco: devemos procurar a alegria, por decreto
assente na razão, mesmo que a procura pareça tola e pouco realista.”
(Damásio, 2003:303).
Assim, um projecto de vida deve estar equilibrado, ser significativo
e, mais do que isso, vivido, reflectido e permanentemente negociado e
reavaliado.
6 CONCLUSÃO
A felicidade é entendida enquanto sentimento, sujeito a evoluções,
transformações e flutuações e que está relacionado e condicionado pelas
várias dimensões da vida dos actores sociais. Estas dimensões são as
relações familiares, o trabalho, a situação financeira, os amigos e os esti‐
los de vida, assim como outras de natureza biológica e psicológica, e que
não entraram neste trabalho; depende igualmente da apreciação e refle‐
xividade que os actores sociais fazem das suas condições e circunstân‐
cias de vida. A análise destas várias dimensões nas trajectórias sociais
dos actores sociais permitiu captar os valores transversais a cada uma,
assim como as expectativas individuais e os sentimentos que constituem
os seus projectos de vida na sua relação com a felicidade.
As trajectórias sociais analisadas apresentam percursos em que a
importância da felicidade se situa entre dois extremos: ideal e real. É a
partir desta polarização que se criam diferentes estruturações que
caracterizam os quatro perfis‐tipo sugeridos: pragmático, espiritual,
convencional e ruptura. Os resultados reforçam o modelo proposto e
revelam uma tipologia relacional de valores e práticas, aproximando e
afastando diferentes perfis e destacando as características mais estrutu‐
radoras destas proximidades e oposições.
O perfil pragmático caracteriza‐se pela importância da posse (ter),
valor do tempo e pelo adiar das suas vivências. Distingue‐se pela lógica
instrumental do trabalho, embora o valor da realização pessoal este‐
ja presente nos discursos. Ter e possuir assumem um importante
significado: ter saúde, ter emprego, ter família. A felicidade é uma
imagem que se pretende atingir. Este perfil é particularmente visível
entre as mulheres, mais jovens, sem filhos e de estado civil solteiro.
O perfil espiritual valoriza a acção (ser/fazer), a importância do
viver, hedonismo, valores de espiritualidade e de cooperação e apoio aos
outros. São actores sociais que encaram a vida com ideais espirituais,
de procura de um sentido para a vida, procurando a realização pes‐
soal em todas as dimensões da vida, que é estruturada em torno da
procura de equilíbrio e bem‐estar ou prazer. Partilha algumas caracte‐
rísticas com o perfil pragmático, nomeadamente destacar‐se entre os
solteiros, sem filhos, com idades inferiores a 35 anos e as mulheres.
98 ANA ROQUE DANTAS
Por sua vez, no perfil convencional destacam‐se os valores familia
res, do trabalho, bem como o valor do tempo. Este perfil liga‐se também
à categoria adiar e à importância do ter: ter um bom emprego, ter um
bom ordenado, ter uma carreira, ter uma família e ter felicidade. Surge
entre os entrevistados com filhos, homens, com mais de 35 anos, casa‐
dos ou a viver em união de facto.
Ao contrário, o perfil de ruptura distingue‐se pela valorização do
viver, da acção e do hedonismo. Está presente entre os homens, com ida‐
des superiores a 35 anos, casados ou divorciados. Estas associações
sugerem vivências intensas, com urgência de concretização, indicando
vidas em que o prazer é uma motivação à acção. São pessoas para quem
a ruptura (largar tudo e começar de novo) impulsionou ou permitiu
novas opções de vida. Aqui a questão da posse é secundária, assumindo
a acção um papel estruturador da vivência: viver a vida imediatamente.
Se, para uns “ter felicidade” é um objectivo, para outros “viver a
felicidade” estrutura um quadro de vida expresso pelo gostar do que se
faz e ter tempo e disponibilidade para si e para os outros. Assim, por um
lado, encontramos actores sociais a organizar as suas vidas em torno do
futuro, adiado ou projectado, que privilegiam a posse; e outros, a valori‐
zar o ser/fazer e a realização quotidiana.
Deste modo, os resultados reforçam a hipótese de análise que estru‐
turou este trabalho e organizam‐se em pólos vivenciais: viver ou adiar e
ter ou ser, indicativos da forma como os indivíduos idealizam e vivem as
suas vidas.
A reconstrução das trajectórias de vida facilitou a análise com‐
preensiva dos mecanismos da construção social da felicidade, na medida
em que esta é experienciada e representada pelos actores sociais, e
permitiu ao mesmo tempo, identificar regularidades na construção dos
seus projectos de vida individuais na relação com a felicidade.
Os actores sociais observados desenvolvem diferentes graus de
reflexividade sobre a felicidade. A felicidade adquire diferentes signifi‐
cados sociais e traduz‐se em diferentes necessidades de concretização.
Em relação ao primeiro aspecto, se, para alguns actores sociais, é uma
dimensão estruturadora da sua vida, para outros, é um objectivo a atin‐
gir. Quanto à sua prática, uns optam por viver uma vida “feliz”, outros
esperam ou planeiam o dia em que serão “felizes”.
No mesmo sentido, a análise do conteúdo das entrevistas, através
das práticas, valores e dinâmicas dos actores sociais, revela claramente
que a representação de felicidade e a forma como ela condiciona a acção
é produto de uma construção social, diferenciada em função do sexo,
idade, processos de socialização e trajectórias sociais, e revelando dife‐
rentes graus de reflexividade da ideia de felicidade.
ANEXOS
Quadro n.º 1: Unidades de contexto
N.º Entrevista Unidades de Contexto
1 145
2 172
3 95
4 129
5 62
6 80
7 159
8 113
9 131
10 117
11 68
12 43
13 66
14 201
15 155
16 81
Total Unidades de Contexto 1817
Quadro n.º 2: Distribuição das unidades de contexto segundo o perfil‐tipo
Valores % % Válida % Acumulada
Observados
Espiritual 446 24,5 24,5 24,5
Ruptura 441 24,3 24,3 48,8
Pragmático 333 18,3 18,3 67,1
Convencional 597 32,9 32,9 100
Total 1817 100 100
100 ANA ROQUE DANTAS
Quadro n.º 3: Características biográficas
N.º Nome PERFIL SEXO IDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO FILHOS
2 Alexandra Pragmático Feminino 33 Solteiro(a) Secretária 0
3 Andreia Pragmático Feminino 30 Solteiro(a) Designer gráfico 0
15 Manuel Pragmático Masculino 32 União de facto Director marketing 2
13 Leonor Pragmático Feminino 39 Casado(a) Professora 1
1 Mónica Espiritual Feminino 32 Solteiro(a) Formador 0
5 Margarida Espiritual Feminino 32 Solteiro(a) Astróloga 0
6 Afonso Espiritual Masculino 30 União de facto Astrólogo 0
7 Rui Espiritual Masculino 29 União de facto Formador/administrador 0
10 Cristina Convencional Feminino 32 Divorciada Gerente livraria 1
12 Constança Convencional Feminino 34 União de facto Doméstica 3
14 Tiago Convencional Masculino 42 União de facto Director criativo 2
16 Filipe Convencional Masculino 43 Divorciado Quadro directivo banco 0
Quadro n.º 4: Família
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Família Presente N 53 51 112 82 298
% linha 17,8% 17,1% 37,6% 27,5% 100,0%
% coluna 11,9% 11,6% 23,0% 18,6% 16,4%
Res. Aj. St. ‐3,0 ‐3,2 4,6 1,4
Ausente N 393 390 376 360 1.519
% linha 25,9% 25,7% 24,8% 23,7% 100,0%
% coluna 88,1% 88,4% 77,0% 81,4% 83,6%
Res. Aj. St. 3,0 3,2 ‐4,6 ‐1,4
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 101
Quadro n.º 5: Amizade
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Amizade Presente N 29 31 46 18 124
% linha 23,4% 25,0% 37,1% 14,5% 100,0%
% coluna 6,5% 7,0% 9,4% 4,1% 6,8%
Res. Aj. St. ‐0,3 0,2 2,7 ‐2,6
Ausente N 417 410 442 424 1.693
% linha 24,6% 24,2% 26,1% 25,0% 100,0%
% coluna 93,5% 93,0% 90,6% 95,9% 93,2%
Res. Aj. St. 0,3 ‐0,2 ‐2,7 2,6
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Quadro n.º 6: Trabalho
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Trabalho Presente N 110 124 128 166 528
% linha 20,8% 23,5% 24,2% 31,4% 100,0%
% coluna 24,7% 28,1% 26,2% 37,6% 29,1%
Res. Aj. St. ‐2,4 ‐0,5 ‐1,6 4,5
Ausente N 336 317 360 276 1.289
% linha 26,1% 24,6% 27,9% 21,4% 100,0%
% coluna 75,3% 71,9% 73,8% 62,4% 70,9%
Res. Aj. St. 2,4 0,5 1,6 ‐4,5
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
102 ANA ROQUE DANTAS
Quadro n.º 7: Importância dos outros
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Colectivo Presente N 60 20 18 4 102
% linha 58,8% 19,6% 17,6% 3,9% 100,0%
% coluna 13,5% 4,5% 3,7% 0,9% 5,6%
Res. Aj. e St. 8,3 ‐1,1 ‐2,2 ‐4,9
Ausente N 386 421 470 438 1.715
% linha 22,5% 24,5% 27,4% 25,5% 100,0%
% coluna 86,5% 95,5% 96,3% 99,1% 94,4%
Res. Aj. e St. ‐8,3 1,1 2,2 4,9
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Quadro n.º 8: Espiritualidade
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Espiritualidade Presente N 67 37 11 1 116
% linha 57,8% 31,9% 9,5% 0,9% 100,0%
% coluna 15,0% 8,4% 2,3% 0,2% 6,4%
Res. Aj. St. 8,6 2,0 ‐4,4 ‐6,1
Ausente N 379 404 477 441 1.701
% linha 22,3% 23,8% 28,0% 25,9% 100,0%
% coluna 85,0% 91,6% 97,7% 99,8% 93,6%
Res. Aj. St. ‐8,6 ‐2,0 4,4 6,1
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 103
Quadro n.º 9: Hedonismo
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Hedonismo Presente N 109 114 52 50 325
% linha 33,5% 35,1% 16,0% 15,4% 100,0%
% coluna 24,4% 25,9% 10,7% 11,3% 17,9%
Res. Aj. St. 4,2 5,0 ‐4,9 ‐4,1
Ausente N 337 327 436 392 1.492
% linha 22,6% 21,9% 29,2% 26,3% 100,0%
% coluna 75,6% 74,1% 89,3% 88,7% 82,1%
Res. Aj. St. ‐4,2 ‐5,0 4,9 4,1
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Quadro n.º 10: Ter
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
TER Presente N 126 106 180 172 584
% linha 21,6% 18,2% 30,8% 29,5% 100,0%
% coluna 28,3% 24,0% 36,9% 38,9% 32,1%
Res. Aj. St. ‐2,0 ‐4,2 2,6 3,5
Ausente N 320 335 308 270 1.233
% linha 26,0% 27,2% 25,0% 21,9% 100,0%
% coluna 71,7% 76,0% 63,1% 61,1% 67,9%
Res. Aj. St. 2,0 4,2 ‐2,6 ‐3,5
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
104 ANA ROQUE DANTAS
Quadro n.º 11: Ser
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
SER/Fazer Presente N 192 165 65 86 508
% linha 37,8% 32,5% 12,8% 16,9% 100,0%
% coluna 43,0% 37,4% 13,3% 19,5% 28,0%
Res. Aj. St. 8,2 5,1 ‐8,4 ‐4,6
Ausente N 254 276 423 356 1.309
% linha 19,4% 21,1% 32,3% 27,2% 100,0%
% coluna 57,0% 62,6% 86,7% 80,5% 72,0%
Res. Aj. St. ‐8,2 ‐5,1 8,4 4,6
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Quadro n.º 12: Felicidade
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Felicidade Presente N 26 32 20 10 88
% linha 29,5% 36,4% 22,7% 11,4% 100,0%
% coluna 5,8% 7,3% 4,1% 2,3% 4,8%
Res. Aj. St. 1,1 2,7 ‐0,9 ‐2,9
Ausente N 420 409 468 432 1.729
% linha 24,3% 23,7% 27,1% 25,0% 100,0%
% coluna 94,2% 92,7% 95,9% 97,7% 95,2%
Res. Aj. St. ‐1,1 ‐2,7 0,9 2,9
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FELICIDADE 105
Quadro n.º 13: Valor do tempo
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Valor do Presente N 31 41 48 42 162
Tempo % linha 19,1% 25,3% 29,6% 25,9% 100,0%
% coluna 7,0% 9,3% 9,8% 9,5% 8,9%
Res. Aj. St. ‐1,7 0,3 0,8 0,5
Ausente N 415 400 440 400 1.655
% linha 25,1% 24,2% 26,6% 24,2% 100,0%
% coluna 93,0% 90,7% 90,2% 90,5% 91,1%
Res. Aj. St. 1,7 ‐0,3 ‐0,8 ‐0,5
Total N 446 446 441 488 442
% linha 24,5% 24,5% 24,3% 26,9% 24,3%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Quadro n.º 14: Viver
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Viver Presente N 140 153 53 38 384
% linha 36,5% 39,8% 13,8% 9,9% 100,0%
% coluna 31,4% 34,7% 10,9% 8,6% 21,1%
Res. Aj. St. 6,1 8,0 ‐6,5 ‐7,4
Ausente N 306 288 435 404 1.433
% linha 21,4% 20,1% 30,4% 28,2% 100,0%
% coluna 68,6% 65,3% 89,1% 91,4% 78,9%
Res. Aj. St. ‐6,1 ‐8,0 6,5 7,4
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
106 ANA ROQUE DANTAS
Quadro n.º 15: Adiar
PERFIL
ESPIRITUAL RUPTURA PRAGMÁTICO CONVENCIONAL Total
Adiar Presente N 11 8 57 36 112
% linha 9,8% 7,1% 50,9% 32,1% 100,0%
% coluna 2,5% 1,8% 11,7% 8,1% 6,2%
Res. Aj. St. ‐3,7 ‐4,4 5,9 2,0
Ausente N 435 433 431 406 1.705
% linha 25,5% 25,4% 25,3% 23,8% 100,0%
% coluna 97,5% 98,2% 88,3% 91,9% 93,8%
Res. Aj. St. 3,7 4,4 ‐5,9 ‐2,0
Total N 446 441 488 442 1.817
% linha 24,5% 24,3% 26,9% 24,3% 100,0%
% coluna 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
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