Faculdade Economia
Dr Agostinho Machava
I
1 Introdução
Informações publicadas pelo Banco De Moçambique (2015) dão contam de que até antes da
recente crise económica, Moçambique vinha registando profundas transformações económicas que
por sua vez permitiram maior robustez ao sistema financeiro em geral, em particular ao sector
bancário. Pese embora a recente crise, registos revelam que o sistema financeiro moçambicano,
nos últimos 15 anos vem registando níveis de crescimento e desenvolvimento significativos, que
se traduzem essencialmente em maior nível de monetarização da mobilização da poupança e do
aumento e diversificação dos operadores, produtos e serviços financeiros, financiamento privado,
embora este último tenha registado uma contração devido a crise. Contudo, conforme reconhecido
universalmente, o papel de instituições bancárias no processo de intermediação financeira tende a
concentrar-se no financiamento de curto e médio prazos, condicionado, em parte, pela natureza e
maturidade dos recursos que estes mobilizam no mercado que, no geral tendem a ser de prazos
mais curtos. Segundo as experiências registadas, o mercado de capitais serve de complemento
importante no processo de crescimento das economias, dada a capacidade deste de mobilizar
poupanças de maturidade mais longa e por isso, capazes de financiar investimento de maior
maturação. Neste sentido, este ensaio tem como objectivo geral avaliar a estratégia a ser usada
pelo mercado de capitas com vista a mobilizar cada vez mais recursos para o investimento, porém
este objectivo é sustentado pelos seguintes objectivos específicos: identificar os constrangimentos
ao desenvolvimento de mercado de capitais nacional, identificar os desafios e perspetivas neste
mercado. Assim este ensaio esta embasado na pesquisa bibliográfica e documental e os artigos
consultados para este trabalho estão devidamente referenciado.
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2 Revisão de literatura
2.1 Conceito de Mercado de Capitais
Uma definição mais abrangente do mercado de capitais é dada pela Bolsa de Valores de São Paulo
citada por Banco De Moçambique (2015), segundo a qual o mercado de capitais é um sistema de
distribuição de valores mobiliários, que tem o propósito de proporcionar liquidez aos títulos de
emissão de empresas e viabilizar seu processo de capitalização. É constituído pelas bolsas de
valores, sociedades corretoras e outras instituições financeiras autorizadas, em que os principais
títulos negociados são os representativos do capital de empresas as acções ou de empréstimos
tomados, via mercado, por empresas que permitem a circulação de capital para custear o
desenvolvimento económico. O mercado de capitais abrange, ainda, as negociações com direitos
e recibos de subscrição de valores mobiliários, certificados de depósitos de acções e demais
derivativos autorizados à negociação.
Uma definição central é dada por Wai e Patrick (1973), segundo a qual mercado de capitais refere-
se a todos os mercados organizados e instituições que lidam com instrumentos de crédito de longo
prazo, incluindo acções, obrigações (do governo e privados), empréstimos a prazo, hipotecas e
outros, em que o foco é a procura e a oferta de recursos de longo prazo.
Para questões de padronização adopta-se a definição de pinheiro que é mais abrangente, (Pinheiro
2006) entende o mercado de capitais como um conjunto de instituições que negoceiam valores
mobiliários, com o objetivo de canalizar os recursos financeiros dos agentes com excesso
(aforradores) para os agentes com necessidades de financiamento que, por regra, se posicionam
como vendedores de títulos. Ou seja, o mercado de capitais representa um sistema de distribuição
de valores mobiliários que tem o propósito de viabilizar a capitalização das empresas e fornecer
liquidez aos títulos emitidos por elas.
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positivamente para a redução da pobreza e distribuição da renda, e portanto, para a estabilidade
macroeconómica Torre e Schmukler (2007).
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Estabilidade Macroeconómica: a volatilidade macroeconómica agrava o problema da
assimetria de informação e torna-se numa fonte de vulnerabilidade para o sistema
financeiro. As medidas comummente usadas para representar a estabilidade são as taxas
de juro e de inflação. Taxas de inflação baixas e previsíveis são mais propensas a
contribuir para o desenvolvimento do mercado accionista e crescimento económico. Os
investidores nacionais e estrangeiros não estarão dispostos a investir num mercado
accionista, onde haja expectativas de inflação elevada;
Nível de Rendimento: o rendimento real tem sido altamente correlacionado com o
tamanho do mercado accionista e considera-se como proxy o PIB per capita. De acordo
com a hipótese demand driven, a expansão da economia irá criar nova procura por
serviços financeiros o que por sua vez irá exercer uma pressão para o estabelecimento de
instituições financeiras maiores e sofisticadas, visando satisfazer a nova procura.
Desenvolvimento do sector bancário: Nas fases iniciais de seu estabelecimento, o
mercado accionista é um complemento ao invés de um substituto para o sector bancário.
Serviços de apoio prestados pelo sistema bancário contribuem significativamente para o
desenvolvimento do mercado de capitais. Entretanto, quando o mercado de capitais está
suficientemente desenvolvido tende a competir com o sector bancário. Muitos estudos
usam como proxy os meios totais de pagamento ou o crédito à economia em relação ao
PIB como medida de aprofundamento do sistema financeiro;
Protecção dos accionistas: La Porta (1999) fornecem evidências da importância da
protecção dos direitos de propriedade por meio dos indicadores de qualidade de protecção
aos accionistas conforme as leis. Eles demonstram que a qualidade da protecção dos
accionistas está correlacionada com a capitalização e a liquidez do mercado accionista
em 49 países e que 19 os países com menor qualidade de normas legais e de aplicação da
lei têm mercados de capitais menos desenvolvidos.
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2.4 Indicadores de desenvolvimento do mercado de capitais
Baixa volatilidade, medida pelo desvio padrão das variáveis relevantes no mercado: uma
característica comum das economias emergentes é a elevada volatilidade, que torna as taxas
de retorno esperadas do investimento demasiado elevadas vis-à-vis altos custos de capital
para as empresas que participam nestes mercados, o que pode levar à fuga de capitais para
outras economias. De acordo com Bekaert (1995), como a lógica dos investidores é a
necessidade de compensar o elevado risco de exposição patente nas economias
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segmentadas com a diversificação da carteira de activos financeiros em economias mais
desenvolvidas, perante elevada volatilidade, o investidor tenderá a querer compensar os
choques negativos de um país com choques positivos do outro.
Mercado Primário, que é onde são criados e emitidos os valores mobiliários (Obrigações
do Tesouro, Obrigações Corporativas, Papel Comercial, novas acções). Tais emissões são
efectuadas através de ofertas públicas ou privadas; e
Mercado Secundário, que é onde são transaccionados os valores mobiliários emitidos no
mercado primário, estando aquele mercado subdividido em mercado de bolsa (onde são
negociados os valores mobiliários admitidos à cotação) e o mercado fora da bolsa (onde se
negoceiam os valores mobiliários não cotados).
Os investidores podem aceder à bolsa por via, quer do mercado de cotações oficiais, destinado às
grandes empresas, quer do segundo mercado, destinado às PMEs.
3.1 Evolução e Funcionamento da Bolsa de Valores de Moçambique
A quando da criação da Bolsa de valores de Moçambique (BVM) o seu funcionamento era
assegurado essencialmente pelo mercado de cotações oficiais, devido aos requisitos foi criado para
grandes empresas, e pela necessidade de abranger as empresas que não reuniam os tais requisito
foi criado o segundo mercado, pelas características das suas exigências este mercado estava
destinado as Pequenas e médias empresas. Embora tenha sido instituído em 2009 este mercado
ainda não realizou nenhuma operação.
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negociados, importa ainda destacar como produtos transaccionáveis na Bolsa de Valores, os títulos
de participação1, e as unidades de participação em Fundos de Investimento.
A instalação de uma rede remota para o acesso, pelos operadores de bolsa, aos sistemas
operacionais a partir das instalações dos próprios, sem necessidade de deslocação às
instalações da bolsa de valores;
O alargamento do número de sessões de bolsa, que passou de duas para três sessões
semanais.
3.2 Estrutura do Mercado de capitais de Moçambique
Até antes da recente crise o mercado de capitais de Moçambique estava estruturado da seguinte
maneira: segundo os registo do Banco De Moçambique (2015) a estrutura do mercado de capitais
não sofreu grandes transformações nos últimos 15 anos, continuando a ser composta
maioritariamente pelas obrigações do tesouro que representam, em termos médios, cerca de 68,8%
do total das obrigações no período de 2000-2015, seguidas das obrigações corporativas com 27,2%
e do papel comercial com 4,0%, o baixo peso das obrigações corporativas na estrutura do mercado
obrigacionista está associado à fraca participação das empresas na BVM. Este fraco nível de
participação das empresas no mercado de capitais é compensado pelas intervenções do Estado
através da emissão de obrigações do tesouro. O peso das obrigações do tesouro no PIB registou
um crescimento de 0.8% do PIB em 2000, para 3.4% do PIB em 2015, seguindo a mesma tendência
as obrigações corporativas que passaram de 0.3% para 1.1% do PIB de 2000 para 2015,
respetivamente. O papel comercial registou um crescimento de 0.24% do PIB em 2011 para 1.21%
do PIB em 2015. Não obstante esta importante dinâmica, a contribuição do mercado de capitais na
economia continua ainda muito fraca.
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Os títulos de participação são valores mobiliários que consistem num empréstimo tendencialmente perpétuo,
concedido a empresas públicas ou às sociedades anónimas, e que conferem ao seu detentor um rendimento com duas
componentes, uma fixa e outra variável. São títulos com características híbridas, na medida em que se aproximam por
um lado das acções e, por outro, das obrigações.
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4 Constrangimentos da Bolsa De Valores De Moçambique
A BVM avaliada pelos indicadores de desenvolvimento do mercado de capitais encontra-se num
estágio de desenvolvimento muito baixo. Existem inúmeros factores que inibem o rápido
desenvolvimento da BVM, com destaque para os seguintes:
O Decreto – Lei nº4/2009, que cria o segundo mercado, contempla o relaxamento dos
requisitos necessários para admissão na bolsa, com destaque para a redução do capital
mínimo para cerca de 7 milhões de meticais, evidenciando uma melhoria importante
tendente a abarcar um número cada vez maior, na perspectiva das PMEs. Entretanto, este
requisito de capital mínimo continua a ser exigente, o que pode retrair as PMEs de
recorrerem a este segmento de mercado para obterem financiamento das suas necessidades.
Actualmente, o segundo mercado não contém nenhuma empresa cotada, existindo, deste
modo, a necessidade de o potenciar, uma vez que as PMEs constituem a alavanca de
crescimento da economia, e são responsáveis pela geração da maior parte do emprego;
Conflito de interesses dos bancos que participam no mercado de capitais, primeiro, como
operadores de bolsa, e segundo, como emissores de valores mobiliários, reflectindo a
conjuntura em que a BVM propiciou a atribuição de licenças provisórias aos bancos
comerciais de modo que estes desempenhassem a função de corretores e assim
assegurassem a viabilização e implantação da mesma, situação que, no entanto, prevalece
até à presente data. Esta situação não permite: (i) o desenvolvimento do mercado
secundário, que poderia tornar os instrumentos da bolsa mais atractivos, (ii) a regularidade
das transacções de títulos (Buy and Hold) e (iii) que a bolsa seja usada como fonte
alternativa de financiamento;
Fraca participação das empresas na BVM;
Fraca regularidade de emissão dos valores mobiliários (acções, obrigações, papel
comercial) e baixo nível de rotatividade, nível que se encontra abaixo de 1%, associado ao
facto dos agentes económicos detentores dos títulos não transaccionarem, ficando à espera
do período de vencimento dos mesmos com vista a obter mais-valias. Portanto, as emissões
menos frequentes e não previsíveis de obrigações, geralmente privadas e com prazos não
diversificados, não facilitam a estruturação de fundos por parte dos aforradores, o que não
permite ordenar as poupanças para investimento através do mercado de capitais, bem como
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não permitem o desenvolvimento do mercado secundário, uma vez que os títulos após
adquiridos pelos agentes, geralmente os bancos não são transaccionados e permanecem
com o comprador primário até a maturidade;
Ausência de cultura das empresas de publicarem as suas contas com regularidade, o que
faz com que não haja sincronização entre os preços dos valores mobiliários e a informação
inerente ao desempenho financeiro das empresas cotadas na BVM, o que leva à
manutenção dos preços dos títulos desde a data da primeira emissão;
Predominância das emissões de obrigações de tesouro e uma fraca emissão das obrigações
corporativas e de acções, o que pode constituir um entrave para o desenvolvimento do
mercado de capitais. Neste contexto, seria relevante diversificar os instrumentos
permitindo a introdução de novos instrumentos com vista a diversificar o risco e introduzir
novas fontes de financiamento e de poupança;
Fraco conhecimento dos benefícios que as empresas podem obter ao utilizarem o mercado
de capitais como uma fonte de financiamento, e que consequentemente reduz as
possibilidades de oferta de títulos na BVM;
Baixo desenvolvimento do mercado secundário que tornaria os instrumentos da bolsa mais
atractivos;
Fraca disseminação dos produtos transaccionados na BVM e das vantagens proporcionadas
por este mercado para os diferentes intervenientes, e o baixo grau de liquidez dos valores
mobiliários;
Os títulos cotados na BVM apresentam um baixo grau de liquidez, associado ao facto dos
investidores não transaccionarem os títulos adquiridos na Bolsa, consequentemente nota-
se maior pressão sobre o sistema bancário na busca de fontes de financiamento, reflectindo-
se nas elevadas taxas de juro;
A emissão da dívida interna colocada no mercado de capitais apresenta maturidades muito
limitadas que compreendem o intervalo de 5 a 10 anos, limitam o financiamento de projetos
estruturantes na economia;
Verifica-se uma certa relutância por parte da maioria das empresas de abrirem o seu capital
para a entrada de novos acionistas, receando a perda de controlo das sociedades.
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5 Desafios enfrentados no mercado de capitais de Moçambique
Com objetivo de tornar o mercado de capitais moçambicano cada vez mais robusto, a BVM em
particular defrontas com vários desafios, dos quais merecem destaque os seguintes:
6 Perspetivas
Segundo o Banco de Moçambique (2015) o mercado de capitais de Moçambique com vista a
melhorar o cenário actual, tem várias perspetivas, das quais merecem destaque as seguintes:
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Disseminar regularmente o calendário de emissões de Obrigações do Tesouro a ser
utilizado durante o exercício económico respeitante, tendo presente que o Ministro que
superintende a área das Finanças fixa, por Diploma, até 31 de Março de cada ano, o
calendário (Decreto nº5/2013, de 22 de Março), com o intuito de aumentar o número de
participantes no mercado de capitais;
A médio prazo, construir e divulgar no fecho de cada sessão, o índice do mercado
bolsista de Maputo e dados relativos ao desempenho das empresas cotadas na bolsa, bem
assim da curva de rendimentos;
Aprimorar os mecanismos para a protecção dos accionistas e pequenos investidores19
No caso específico dos accionistas minoritários (individuais) propõe-se a criação de um
mercado (ou uma secção dentro da BVM), regulado por contratos privados entre a BVM e
as empresas cotadas, o que dispensaria mudanças legislativas. Este mecanismo visa
estabelecer regras que orientem as relações entre as empresas que desejarem ser cotadas
neste mercado específico e seus investidores de forma a conceder-lhes uma maior
protecção. A vantagem de estabelecer contratos privados é que eles são facilmente
ajustados, podendo ser negociados de acordo com a evolução dos problemas.
7 Conclusão e Recomendações
Passados mais de quinze anos desde a sua criação, o mercado de capitais em particular a BVM não
obstante o crescimento registado, sobretudo nos últimos anos, o mercado de capitais mostra-se
ainda incipiente, contando com um número reduzido de empresas cotadas, baixo número e volume
de instrumentos financeiros transacionados e, consequentemente, baixo nível de capitalização
bolsista, aliado a isto o mercado é dominado por títulos emitidos pelo Estado, enquanto o sector
privado é dominado pelos bancos comerciais que desempenham múltiplas funções (tomadores de
fundos e intermediários), levantando-se questões sobre como este segmento de mercado (mercado
de capitais) pode contribuir para o alargamento da base e diversificação dos instrumentos de
poupança e financiamento, principalmente no actual ciclo económico caracterizado pelo início da
exploração dos recursos minerais e pela necessidade de industrialização do sector agrícola. Neste
contexto são dadas a seguir algumas recomendações:
Incentivar o surgimento de operadores independentes de bolsa que não sejam os bancos;
Completar o quadro normativo visando a operacionalidade dos Fundos de Investimento;
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Criar uma entidade independente, à luz da prática internacional, que se encarregue de
cobrir as funções de supervisão e regulamentação do Mercado de Valores Mobiliários
que actualmente se encontram dispersas no Banco de Moçambique e no Ministério de
Economia e Finanças;
Criar incentivos necessários para a existência de fundos e sociedades de capital de risco,
o que permitiria diversificar os instrumentos de gestão e a participação dos accionistas na
bolsa de valores;
Emissão Regular de Obrigações do Tesouro com maturidades longas, independentemente
das necessidades para o financiamento do défice.
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8 Referências Bibliográficas
Banco De Moçambique. 2015. «O PAPEL DO MERCADO DE CAPITAIS NA
DINAMIZAÇÃO DA ECONOMIA NACIONAL».
Torre, Augusto de la, e L Schmukler. 2007. “Emerging Capital Markets and Globalization: The
Latin American Experience.” Stanford University Press and the World Bank.
Wai, U, e Hugh Patrick. 1973. Stock and Bond Issues and Capital Markets in Less Developed
Countries”. Staff Papers - International Monetary Fund, Vol. 20, No. 2 pp. 253-317.
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