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MULTICULTURALISMO

E
EDUCAÇÃO

MIRIAM MITY NISHIMOTO

Editora

1a Edição / Setembro/ 2011


Impressão em São Paulo - SP
MULTICULTURALISMO Revisão Ortográf i ca
E EDUCAÇÃO Célia Ferreira Pinto

Coordenação Geral Coordenadora Peda-


Nelson Boni gógica de Cursos EaD
Esp. Maria de Lourdes Araujo

Coordenação de
1ª Edição: Setembro
Projetos
Leandro Lousada de 2011
Impressão em São Paulo/SP

Professor Copyright © EaD KnowHow


Responsável 2011
Miriam Mity Nishimoto Nenhuma parte dessa publica-
ção pode ser reproduzida por
qualquer meio sem a prévia au-
Projeto Gráf ico, torização desta instituição.
Diagramação e Capa
Anne Cardoso Mango

N724m Nishimoto, Miriam Mity.


Multiculturalismo e educação. / Miriam Mity
Nishimoto. – São Paulo : Know How, 2011.
138 p. : 21 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8065-100-3

1. Multiculturalismo. 2. Educação. 3. Globalização


I. Título.
CDD – 370.117

Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353


Apresentação

Caro (a) leitor (a)


Ao iniciarmos nossos estudos sobre “Multi-
culturalismo e Educação”, compreendemos a impor-
tância de dirigir um olhar arguto para a presença da di-
versidade de culturas existentes na sociedade na qual
estamos inseridos, sobretudo, porque essa diversidade
manifesta-se no campo educacional com tamanha in-
tensidade que reclama ser reconhecida, em particular,
no meio escolar.
Já de início, gostaríamos de chamar-lhe a
atenção para a presença de fortes valores na con-
temporaneidade, que buscam inculcar uma cultura
dominante como única verdade e modelo a ser se-
guido, desafiando a capacidade dos agentes sociais
de perceber as tensões e conflitos presentes em nos-
so cotidiano frente ao diverso.
São situações que, muitas vezes, velam as
particularidades e reproduzem visões que desconhe-
cem e desconsideram as identidades, fomentam o
desrespeito e até mesmo as práticas de intolerância
e discriminação do outro. Nossa postura é sem dú-
vida, a de não concordar com o arbitrário cultural
e ao contrário, devemos colaborar com práticas de
reações discricionárias.
Nesta disciplina, propomos traçar um estudo
sobre o homem e a sociedade a fim de percebemos
que não nos constituímos “do nada”, mas, ao contrá-
rio, somos história e a história de muitos outros, pois
estamos interligados numa teia de relações, que nos
ligam à vida em sociedade.
Com o foco na luta de grupos minoritários
que, progressivamente, reivindicam seus direitos e a li-
berdade de livre expressão de sua cultura e identidade,
discutimos o Multiculturalismo e a Educação no con-
texto de uma sociedade pautada na lógica capitalista,
principalmente, por meio da leitura teórica de Pierre
Bourdieu e interlocutores.
Para além das tendências de homogeneização
cultural, nosso objetivo é promover um conhecimen-
to de superação ao senso comum, contribuindo com
algumas discussões, que visam provocar questiona-
mentos sobre a realidade que o cerca. Se ao final des-
sa disciplina, você for capaz de refletir sua vida e suas
posturas, analisar o espaço onde trabalha, o meio em
que vive, com um novo olhar atento acerca da diversi-
dade cultural, daremos por cumprido o nosso trabalho.

A autora
SUMÁRIO
Plano de Estudos 9

UNIDADE 1 – O Homem:
um Ser Histórico e Social 11
1.1 Para Início de Conversa... 13
1.2 Somos Construtores de Nossa Própria
História e da História de Outros 14
1.3 Um Pouco de História para Compreender o
Processo de Construções Humanas 18
1.4 O Avanço dos Tempos Modernos 22

UNIDADE 2 – Globalização,
Multiculturalismo e Educação 33
2.1 Para Início de Conversa... 35
2.2 Noções de Globalização 36
2.3 O Multiculturalismo e Educação no
Contexto da Sociedade da Globalizaçâo 43

UNIDADE 3 – Diversidade Cultural,


Identidade e Diferença no
Contexto Brasileiro 53
3.1 Para Início de Conversa... 55
3.2 Diversidade Cultural Como Parte do
Processo Histórico 56
3.3 Identidade e Diferença 61
UNIDADE 4 – Diálogos com a Teoria de
Pierre Bourdieu para Entender o Multicul-
turalismo no Contexto Educacional 71
4.1 Para Início de Conversa... 73
4.2 Pierre Bourdieu: A Vida do
Investigador da Desigualdade 74
4.3 Principais Conceitos de Pierre Bourdieu para
Compreender o Multiculturalismo no
Contexto Educacional 77

UNIDADE 5 – A Presença Multicultural no


Espaço Escolar: Desafi os para as
Práticas Pedagógicas 91
5.1 Para Início de Conversa... 93
5.2 Temas Antigos e Discussões Contemporâneas:
Temas a Serem Ampliados no Contexto Escolar 94
Pluralidade Cultural 96
Questões Étnicas no Espaço Escolar 100
Diversidade de Gênero 106
Diversidade Religiosa 108
Reflexões Sobre o Atendimento
Educacional Especializado 110

UNIDADE 6 – Reconstruindo
Olhares e Posturas 117
6.1 Para Início de Conversa... 119
6.2 Um Pouco do que Já Foi Visto 120

Gabarito 127
Referências 133
Plano de Estudos

Ementa
Mostrar como o sujeito do século XXI é
um produto de várias condutas sociais de perío-
dos anteriores. A produção social da identidade e
da diferença. As concepções de Pierre Bourdieu
sobre a realidade social: o capital econômico, cul-
tural, simbólico e social. Multiculturalismo, glo-
balização e a escola.

Competências
 Aprofundar a compreensão das relações entre ho-
mem, cultura e sociedade por meio de apontamentos
históricos e sociais.
 Compreender as dimensões do Multiculturalismo,
Globalização, Educação e seus respectivos diálogos.
 Entender o processo de constituição da identidade
por meio das relações de diferença, alteridade e senti-
mento de pertença, a fim de reconhecer as múltiplas
identidades no espaço social.
 Conceber os conceitos de: realidade social, campo,
agente, capitais, hábitos e violência simbólica, à luz
da teoria de Pierre Bourdieu e interlocutores, para
posicionar-se, criticamente, frente aos mecanismos de

9
homogeneização cultural.
 Refletir sobre as manifestações do Multiculturalismo
no espaço escolar e questionar a escola como campo
capaz dereproduzir desigualdades sociais.
 Refletir sobre si mesmo e o meio social para fo-
mentar uma postura de reação às práticas de intole-
rância, preconceito, discriminação e violência sim-
bólica, na sociedade e nas diversos campos sociais,
em especial, na escola.

Habilidades
 Identificar as concepções de homem, cultura, socie-
dade e seu processo relacional.
 Articular as noções de Globalização, Multicultura-
lismo e Educação.
 Captar conexões entre o singular e o universal como
processo dialético constituintes de identidades.
 Destacar as incidências macrocósmicas regulado-
ras da vida em sociedade e igualmente, reconhecer-se
como agente e construtor da sociedade.
 Fomentar práticas de respeito, tolerância e for-
mular estratégias de reações discricionárias no
âmbito educacional.

Carga Horária: 30 horas

10
O Homem: um Ser
Histórico e Social
Nesta primeira unidade, ini-
ciamos nossos estudos com um
olhar para as relações do homem
e a sociedade, a fim de suscitar in-
terrogações críticas sobre si mes-
mo e o meio que o cerca. Logo,
você perceberá a capacidade de
construirmos nossa própria histó-
ria e as de muitos outros.
Este é um convite para mer-
gulharmos na história, que impli-
ca refl exões de longo alcance.
1.1 Para Início de Conversa...

Nessa unidade, propomos iniciar nossos es-


tudos traçando um caminho teórico que transita, prin-
cipalmente, nos campos da História, da Sociologia e
da Antropologia. A finalidade é suscitar reflexões de
como se constituem os valores, visões, concepções e
modos de vida diferenciados, que dão contorno à cul-
tura e das quais remetem às identidades constituídas
no âmago da sociedade humana.
É nessa perspectiva que o primeiro tópico:
“Somos construtores de nossa própria história e da
história dos outros”, levanta algumas discussões sobre
como reconhecemos a constituição das singularidades,
mas não desconsideramos que também somos a ex-
pressão do universal, tal como destacou Valente (1999).
Num segundo momento, apresentamos no
segundo tópico - “Um pouco de História para com-
preender o processo de construções humanas” - para
se entender as formas de organização social, os valores
imbricados no espaço social brasileiro que colabora-
ram com a configuração da sociedade contemporânea.
Por fim, essa unidade busca chamar sua aten-
ção para refletir quem é o homem contemporâneo,
a partir da noção de que o momento, em que vive-
mos, suscita pensar que não viemos do nada, mas ao
contrário, nos constituímos e nos transformamos por
meio do fazer e pensar humanos, ao longo de uma
trajetória histórica e social.

13
1.2 Somos construtores
de nossa própria história e
da história de outros

“Cada um de nós compõe a sua história. E cada ser


em si carrega o dom de ser capaz [...]” (Tocando em
frente. Renato Teixeira e Almir Sater).

Ao afirmar que somos construtores de nos-


sa própria história e da história de outros, entendemos
que o percurso de cada trajetória de vida se constitui
numa teia de relações dialéticas, que conectam um indi-
víduo e o meio social, e que ambos são necessários para
pensarmos a constituição do homem e da sociedade.
Longe da interpretação de que esse processo
favorece a uma forma padronizada de pensar a si mes-
mo e a sociedade, no sentido de que todos possuem
os mesmos valores, visões, modos de vida e cultura,
ressaltamos que a constituição de ambos, depende de
uma análise apurada para a complexidade, que cerca
a realidade social, cujas “fronteiras” (se esse termo
ajuda-nos a entender melhor) entre o singular e o uni-
versal, nem sempre se apresentam tão evidentes.
O que queremos dizer é que o processo re-
lacional é o fator preponderante quando tratamos da
constituição de cada indivíduo. Diferenciar-se e igua-
lar-se ao outro depende do diálogo entre o singular e
o universal, cujas dimensões serão dissociadas, segun-

14
do Valente (1999, p. 22), por meio de mediações que
consideram “... o processo histórico e a funcionalidade
que, por exemplo, possa ter no presente, uma manifes-
tação cultural do passado, preservada pela tradição”.
Certamente, cada indivíduo produz cultura e
disso depende da experiência conquistada ao longo de
uma história para a promoção do conhecimento, ten-
do em vista a necessidade de sobrevivência, adaptação
e existência no mundo. Isso significa que as transfor-
mações sociais implicam em um processo cultural e
consequentemente, de um processo educacional na
transmissão da cultura.

Na interação com outros homens, com o meio e na


reflexão sobre a própria vida, o homem tem como
condição e produto de sua “natureza humana” a
capacidade de transformar-se, transformando o
meio, de criar símbolos e de transmitir o conheci-
mento produzido e acumulado aos seus descenden-
tes. (VALENTE, 1999, p. 14)

Compreende-se aqui, a noção de cultura


como concepção ampla, de valores, visões, modos
de vida que regulam a vida humana, capaz de cons-
tituir sistemas simbólicos, que atribuem significado
a cada indivíduo e a capacidade de linguagem e ex-
pressão humana.
Tal colocação é necessária, visto que Trinda-
de e Sodré (2000) chamam-nos a atenção para não

15
compreender a cultura de forma limitada, registrada
somente nos monumentos do passado, os arquivos, as
construções, pois, embora, estas também constituam
elementos da cultura como formação de riquezas, ain-
da assim é preciso ampliar nossa concepção.
Também é fato, que a noção de cultura envol-
ve mais implicativos e discussões, que não nos cabe
aprofundar e esgotar nesse momento, sobretudo,
quando analisados sob uma óptica contemporânea
cerceadas pela complexidade do espaço social. O que
nos cabe é perceber a sua presença e a forma como ela
orienta as ações do homem.
A apreensão da cultura, no sentido amplo do
termo, implica compreender a vida em sociedade, a
qual favorece o pensamento de que cada indivíduo é
socializado a partir de um conjunto de mecanismos,
onde os indivíduos realizarão a aprendizagem das re-
lações sociais entre si, e assim assimilar as normas,
valores e crenças presentes na sociedade ou de uma
coletividade. (BONNEWITZ, 2003)
Dessa forma, concordamos que as socieda-
des humanas funcionam a partir de uma lógica de
normas construídas pelo próprio homem, que regu-
lam a vida na coletividade e orientam ações sociais,
traduzidas em maneiras de ser e pensar, recaindo em
comportamentos e atitudes condizentes com o grupo
social ou de uma determinada sociedade.
Em face do exposto, você já deve ter obser-
vado que o homem do qual estamos nos referindo
desprende-se de concepções, que concebem os valo-

16
res humanos como algo constituído de uma hora para
outra, e reiteramos ainda, que também, nos distancia-
mos de determinações biológicas e geográficas.
Isso significa que o homem não é detentor
de uma cultura homogênia, facilmente explicada
por fatores genéticos, que regulam a vida em so-
ciedade, tampouco que o ambiente físico, no qual
nos inserimos, é fator determinante nos modos de
pensar e fazer humanos.
Como explicou Laraia (2009, p. 24), sem dúvi-
da, a natureza humana favorece a produção da cultura
pela sua capacidade cognitiva, mas: “As diferenças exis-
tentes entre os homens, portanto não podem ser expli-
cadas em termos das limitações, que lhes são impostas
pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente.”
Ainda segundo o autor, é pode-se perceber a
existência de culturas diversas num mesmo ambiente
físico e por esse motivo, não é possível afirmar que as-
pectos naturais de um espaço geográfico determinem
a vida social. Ao contrário, é preciso argumentar o que
expôs Valente (1999), ao salientar que o homem assim
se constitui e diferencia-se dos demais seres vivos pela
capacidade de interação com os outros homens e com
o meio que o cerca.
Esse raciocínio pautado no relacional deixa-
-nos claro que a experiência e o conhecimento adqui-
rido por meio desta, é decisivo na transformação do
homem, ou seja, em suas concepções e visão, ao pas-
so que, também, é decisivo para que a sociedade se
transforme ao longo do tempo. Como reforça Valente

17
(1999, p. 18): “... o homem em diferentes meios tem
necessidades diferenciadas e busca soluções diversas
para atendê-las, que resultam em experiências e co-
nhecimentos singulares.”
Em síntese, compartilhamos dos argumentos
dessa autora de que os diálogos, que o homem estabele-
ce com outros homens e a sociedade mais abrangente,
conformam um processo cultural que por ser comum a
todos, é universal, e igualmente o conhecimento por ser
aprendizado, define-se por processo educacional.

1.3 Um Pouco de História


para Compreender o
Processo de Construções
Humanas
Uma vez, compreendido que o homem é por
excelência um ser histórico e social, capaz de produzir
cultura e ser produzido por esta, e assim, transfor-
mar a si mesmo, como também transformar o espaço
social em que vive, proporemos fomentar uma dis-
cussão, através de um olhar para o passado, a fim de
conhecermos o processo de construções humanas.
Trata-se de conhecer um pouco mais so-
bre nossa História e as contribuições dos diferentes
grupos sociais que colaboraram com a constituição
da sociedade brasileira. Consideramos que esse es-
tudo é importante para reconhecermos que muito

18
do que somos, hoje, têm estreita relação com os
modos de organização social, ou seja, as formas de
pensar e agir de nossos ancestrais.
Conforme discutido anteriormente, nossa
capacidade de experienciar a vida, produzir conheci-
mento e deixá-lo como um legado para as novas ge-
rações, faz-nos seres únicos e diferentes, de qualquer
outro ser vivo. É a partir dessa lógica que tudo o que
somos, na atualidade, está pautado nas necessidades
do homem, cada qual há seu tempo.
Valente (1999) mostra-nos, por exemplo,
como o homem primitivo fez de sua vida um labo-
ratório de descobertas e produção de conhecimen-
to, ao criar formas de linguagem e da descoberta do
fogo. Um instrumento para outras novas descober-
tas o que, consequentemente, mudou suas necessida-
des e seu modo de vida.
Essa ilustração faz-nos pensar como os pri-
mórdios e suas construções humanas vão transmitindo
seus valores e aprendizados às gerações que seguem,
transformando suas necessidades e novas buscas por
conhecimentos para sua existência no mundo.
Com o tempo, as formas de organização so-
cial passam a assumir contornos cada vez mais lógicos
com a realidade que vivemos. Sem dúvida, a Histó-
ria Brasileira relaciona-se com o desenvolvimento do
plano econômico, que levou o homem a vislumbrar
na navegação um meio para a descoberta de novos
territórios, em busca de matéria-prima que não mais
se encontrava disponível na Europa.

19
Segundo Valente (1999), a busca pelo conhe-
cimento, levou, ainda, o homem a procurar explica-
ções na razão, por meio da Ciência, no período do
Renascimento, e a contestar a hegemonia da Igreja
Católica na Europa Oriental e Central, através da Re-
forma Protestante, a partir do interesse da burguesia.
Nesse contexto, surgem as monarquias
nacionais como uma forma de centralização do
poder político. A burguesia apóia-se no poder real
para favorecimento próprio e o sistema político-
-absolutista soberano expressa os interesses na-
cionais. (VALENTE, 1999)
Os desenhos da organização sociocultural
europeia passaram a mostrar interesses cada vez mais
latentes, na busca de maior fortalecimento econômico
e contornos do capitalismo, situação que se entrela-
çou com a nossa História, uma vez que é por meio do
processo de colonização europeia, que uma nova face
da História Brasileira emergiu.
Certamente, a visão e valores europeus tive-
ram influência considerável sobre o Brasil, sobretudo,
de forma a universalizar as singularidades. Isso por-
que a lógica da colonização operou a partir da utiliza-
ção da mão de obra escrava, como destacou Valente
(1999, p. 27): “... o escravagismo não é uma alternati-
va, mas uma decorrência lógica da colonização.”
Em que pese às inúmeras formas com as
quais os colonizadores tentaram dominar os ne-
gros sob duras penas, importa ressaltar que no
plano cultural, as relações destes com outros ho-

20
mens não deixaram de estabelecer trocas cultu-
rais, conforme lembram Gonçalves e Silva (2006,
p. 19), sobre a entrada dos escravos no Brasil e as
novas configurações sociais:

Oriundos das mais diversas etnias são forçados a se


integrarem no mundo colonial, na condição de escravos.
Com eles chegam experiências culturais que, embora
arrancadas violentamente de seus contextos históricos
de origem, vão sendo aos poucos (re) elaboradas nas
Américas por meio do contato com outros grupos não-
-africanos, dando início a novas formas culturais.


Frente aos interesses político-econômicos,
o processo de colonização sustentou a ordem eco-
nômica e expansão comercial nas novas terras, sob
égide do domínio humano dos negro-africanos e
indígenas, sob formas diferenciadas. Já no século
XVII, discutiu-se o trabalho indígena a partir de
autoridades eclesiásticas que argumentavam a defe-
sa dos nativos, cuja atuação do clero desempenhou
outra forma de domínio da singularidade.
A estratégia de civilização e pacificação huma-
na é fortemente evidenciada nesse período por meio da
catequização e orientação religiosa. A educação serviu
como instrumento a serviço do universalismo europeu,
que rogava uma doutrina para formar o “bom trabalha-
dor”. Tratava-se de um meio mais eficaz de legitimar os
ideais e a cultura do grupo dominante.

21
É fato que na História do Brasil, a submis-
são dos negros e indígenas foi essencial para a so-
brevivência, mas não deixou de apresentar resistên-
cias e contraposição às opressões europeias, pois,
assim, como destacou Valente (1999, p. 32): “O que
não quer dizer que a submissão anule a resistência,
que pode ser manifestada sob inúmeras formas, in-
clusive com o silêncio.”

1.4 O avanço dos


tempos modernos
Iniciamos esse novo tópico, explicando o ter-
mo “avanço”, o qual se apresenta no título. Quando uti-
lizamos esse termo tudo parece ser o sinônimo de cres-
cimento vertical, no sentido qualitativo e que embora
sua posição crítica possa caminhar nesse sentido, não é,
necessariamente, nossa intenção tedenciar essa posição.
O uso desse termo tem o objetivo de, sim-
plesmente, mostrar como nossa sociedade vai cami-
nhando a partir de marcos históricos importantes
que, processualmente, passaram a transformar a vi-
são de mundo e como sempre, como a sociedade
passa a transformar-se.
Nesse caminhar, o Capitalismo desenhado no
período mercantilista a partir da chegada dos coloni-
zadores, passou a ganhar proporções cada vez maio-
res ao longo do tempo e com isso, assumiu contornos
mais acentuados de um universo pautado no modo

22
de produção, o que, consideravelmente, fomentou as
ameaças aos diferentes modos de vida na sua singula-
ridade, ao inculcar seus moldes a partir do capital.
A consolidação do poder político-econômico
e da burguesia, durante o século XVII e XIX, marcou
a hegemonia do Capitalismo a partir da Revolução
Industrial e da Revolução Francesa, cujas tendências
estenderam-se de forma universalizada e com tendên-
cias civilizatórias da sociedade.
Com força, a Revolução Industrial iniciou-
-se na Inglaterra durante o século XVIII, marcando
a transição do modo de trabalho artesanal e manufa-
tureiro para o trabalho industrial, e com isso, trans-
formando o cenário social rural para um cenário
com características urbanas.
A égide capitalista ancorado no objetivo de
obtenção de lucro acarretou em técnicas de produ-
ção especializadas, a fim de visar o maior aproveita-
mento possível de acúmulo de capital. Não obstante,
a produção capitalista desejava cada vez mais forne-
cedores de matéria-prima e, sobretudo, de consumi-
dores, os quais foram mantidos e sustentados de tal
maneira a regular o sistema.
É fato que o Capitalismo transformou as
concepções de trabalho e mão de obra, das quais
não mais necessitava depositar esforços, para man-
ter o escravagismo, constituindo-se inclusive como
um empecilho aos interesses ingleses para o acesso
a todos os mercados.
É por esse motivo que a Inglaterra passa a

23
discursar a favor da abolição da escravatura, sobre-
tudo, no Brasil, que neste momento, já abrigava nú-
mero alto de escravos e que acabou por disseminar
muitos deles, após o envio para a Guerra do Para-
guai, constituindo um problema, tendo em vista as
dificuldades de reposição.
Segundo Valente (1999), a tomada de poder
pela burguesia durante a Revolução Francesa repercu-
tiu na Europa e mesmo após a vitória inglesa na ba-
talha de Waterloo, as ideais libertárias espalharam-se
na Europa e no âmbito latino-americano, acarretando
na Independência do Brasil, em 1822, sob o apoio da
Inglaterra e dos Estados Unidos.
Desde o Renascimento, o poder da razão
humana, capaz de interpretar a natureza, toma novo
fôlego com o movimento Iluminista, ao destacar con-
cepções culturais e educacionais constituídas a partir
de condições econômicas e culturais. Personalidades
como: Adam Smith, Diderot, Rousseau, Montes-
quieu, Voltaire, dentre outros, passaram a expressar
suas ideias que se contrapunham à religião.
Esse distanciamento da religião manifestou-
-se no campo educacional, propondo um modelo de
escola laica, isto é, ausentes de doutrinas religiosas e
alheio ao compromisso de classe. Um caráter naciona-
lista passou a refletir no campo educacional, passando
a responsabilidade ao Estado, ao oferecer um ensino
obrigatório e gratuito.
Para Valente (1999, p. 36): “A escola e a
educação desempenharam um papel central na

24
constituição da identidade e na sua reprodução... o
ensino torna-se um elemento fundamental nas es-
tratégias políticas.”
Essa empreitada, no campo educacional im-
plantado pelo ideário burguês, simbolizava a eficaz
estratégia de oferecer educação para todos como um
meio de formar uma sociedade civilizada que contem-
plasse a formação de bons trabalhadores ou como
acrescentou Valente (1999, p. 36), constituía um meio
de instaurar: “... diferentes escolas para atender a uma
clientela cujo acesso à riqueza material é diferenciado.”
Durante o século XX, a hegemonia da socie-
dade capitalista ganhou traços monopólicos, concen-
trando o poder nas mãos de associações capitalistas.
Surgem inovações tecnológicas que acabam por cola-
borar com a sofisticação do processo produtivo. Com
isso, a sociedade passa a produzir excedente e necessi-
ta desempregar trabalhadores.
Ao esperar a reintegração no mercado de
trabalho, considerável quantidade de trabalhadores
passou a elevar o número de miseráveis e ociosos,
juntando-se àqueles não ligados ao processo de
produção, mas que acabavam por serem consumi-
dores de mercadorias.
A sociedade passa a constituir-se como um
círculo. Compete a cada indivíduo assumir o seu
lugar e desempenhar uma determinada função no
meio, com a finalidade de, obrigatoriamente, susten-
tar o sistema capitalista.
Mas, a progressiva substituição da mão de

25
obra pelas máquinas e a exploração daqueles que se
encontravam empregados, também geravam um efeito
reverso. Como manter consumidores numa sociedade
marcada pelo desigual acúmulo de lucros?
O que parece ter fim ao sistema capitalista,
nem se aproxima de tal ideia, ao contrário, ao longo da
História observa-se que muitos são os momentos de
enfraquecimento e fortalecimento, e entre esses po-
los, constata-se, ainda, mais latente as estratégias que
continuam a sustentá-la.
Com a eclosão da 1ª (1914-1918) e 2ª Guer-
ra Mundial (1919-1938), o cenário mundial passa
por mudanças e reordenações internacionais no pla-
no político e econômico. O Capitalismo passa por
crise e “... a superprodução e outras contradições
do Capitalismo promovem crises, que levam os tra-
balhadores a se organizarem contra os interesses da
burguesia.” (VALENTE, 1999, p. 39)
Essa configuração mundial impulsiona uma
contraposição de trabalhadores descontentes, que
reivindicavam melhores salários e condições de vida,
em face ao domínio burguês. No mesmo sentido,
Valente (1999) coloca que os movimentos nazifas-
cistas simbolizavam a reação da classe dominante,
tomando como alvo um adversário “racial”, como
aconteceu na Alemanha, ao atribuir aos judeus e to-
dos os considerados diferentes, as dificuldades eco-
nômicas pelos quais o país passava.
Com as perdas materiais e humanas, muitos
países europeus sofreram as consequências das guer-

26
ras e com isso, a hegemonia europeia declinou, dando
margem à ascensão dos Estados Unidos e da União
Soviética, como potências mundiais.
A partir da “guerra fria”, o mundo passa
por profundas mudanças e, inevitavelmente, há um
considerável crescimento industrial, uma vez que
muitos países passam por adaptações ao novo tem-
po, dentre eles, o Brasil que passou a produzir e
diversificar mercadorias.
Rapidamente, a Europa reestruturou-se com
a ajuda dos Estados Unidos e mais tarde, nos anos de
1950, passa a viver o auge do Capitalismo desenvol-
vido com a produção de massa fordista, possibilitan-
do o consumo de bens e serviços em massa. Muitos
desempregados e migrantes passaram a beneficiar-se
com a modernização, deslocando-se de áreas rurais e
regiões mais pobres para localidades mais ricas.
Com o constante avanço industrial, as po-
líticas capitalistas tendem a investir em melhorias
sociais para o controle e manutenção do sistema,
tais como o investimento em emprego, saúde pú-
blica, previdência social, melhorias habitacionais e
educacionais. Tais medidas visam o alívio e apazi-
guam a tensão dos trabalhadores; são políticas que
configuram o Estado do bem-estar social.

Sempre que algum desequilíbrio ocorre na econo-


mia, relativo à produção, consumo, emprego, salá-
rios, os Estados, representados por esses governos,
intervêm para restabelecer o controle da situação.

27
Por meio de impostos, fiscalizam a circulação de mo-
edas, estimulam a produção num determinado setor
e evitam a superprodução em outro. Essas políticas
sociais ganham o nome de Welfare State, ou seja, o
Estado do bem-estar. (VALENTE, 1999, p. 44)

Ao longo do tempo, desenvolve-se a cultura


de massa, facilitado pelo aperfeiçoamento tecnológi-
co, os meios de comunicação mais desenvolvidos, que
favorecem a aproximação entre os homens e inculca-
ção de modelos e padrões culturais homogeneizantes,
a favor do consumo de bens da cultura dominante e
reafirmação da indústria cultural.
É certo, que nem tudo caminha de forma
pacífica e de submissão, pois o mundo, em que vi-
vemos, permite pensarmos de formas diferentes.
Nesse sentido, a contracultura constituiu-se como
reação às amarras da cultura dominante, assim
como Valente (1999) destacou, o movimento hip-
pie e os skinheads. Expressavam ideias avessas à
indústria cultural, como recusa ao consumo e as leis
dominantes impostas à sociedade.
Como se pode observar até o momento,
muito que diz respeito à nossa forma de pensar e
viver relaciona-se com questões de ordem política,
econômica e social, que extrapolam os aconteci-
mentos histórico-nacionais. Trata-se de uma cadeia
complexa de organização social criada pelo homem
e mais do que nunca, é possível perceber como essa

28
organização regula a ação dos sujeitos, sem que nos
demos conta dessas incidências na singularidade.
Sem dúvida, tudo o que nos rodeia tem re-
lação com o grupo onde nos inserimos, com a socie-
dade brasileira e amplamente com o mundo. Você já
parou para pensar de onde vieram as roupas que usa?
Por que mantemos nossas casas com móveis e ele-
trodomésticos específicos e quais utilidades têm para
nossa vida? Já parou para pensar o tipo de trabalho
que desenvolve e porque ele é essencial para a nossa
sobrevivência? Por que adotamos certos comporta-
mentos e atitudes perante o outro?
São tipos de questionamentos que podería-
mos estender infinitamente, mas a única certeza é que
nossa forma de viver, nossos valores e visões relacio-
nam-se a um contexto histórico, que admite profun-
das e incansáveis análises sociológicas.
Notamos, ainda, que o percurso do Capita-
lismo na sociedade aproxima-se, e muito, da realidade
contemporânea na qual fazemos parte, cujo sistema
só existe por seus agentes sociais, ou seja, nós mes-
mos. Mas, é possível ponderar que em meio a esse
alicerce de valores dominantes, encontram-se as múl-
tiplas expressões das singularidades, onde cada indiví-
duo recria e reinventa sua identidade, suas formas de
transparecer a cultura e as várias faces que ela assume.
Tanto é verdade que, ao contrário, não po-
deríamos reconhecer na História, os momentos de
tensões e conflitos ocasionados por uma contracul-
tura, frente às diferentes formas de manifestação do

29
pensar, dos diferentes povos e grupos sociais.
Ao pensarmos na História Brasileira, não há
como desconsiderar as influências europeias e a ten-
dência universalizante da singularidade no período
de colonização, que presenciou as manifestações dos
povos indígenas e negros. E ainda, nessa trajetória, é
possível observar como aos poucos a configuração da
diversidade cultural é marcada pela chegada gradativa
de migrantes, oriundos dos diversos deslocamentos
do território brasileiro, bem como de outros países.
É claro que esses grupos não resumem a
multiplicidade de formas para se pensar a diversi-
dade cultural brasileira, pois em termos atuais, tan-
tos outros se somam, decorrentes das diferenças
de gênero, classe social, religião, opção sexual etc.
São questões que reiteram nossa afirmação de que
a sociedade em que vivemos não é marcada pela
homogeneização cultural.

Exercício Proposto
1) O episódio 2 do documentário: “Pantanal- O Pan-
taneiro” refere-se a um espaço específico, como o
próprio nome sugere. Ao sugerir esse vídeo curto,
pretendemos que você seja capaz de refletir sobre as
muitas formas de pensar o homem, a cultura e a so-
ciedade, nos mais diversos espaços brasileiros. Nes-
se sentido, assista ao documentário e comente quais

30
articulações são possíveis de realizar com a unidade
estudada e o filme? É possível realizar críticas ao fil-
me? Quais?

Ficha técnica

Pantanal - O Pantaneiro (episódio 2)

Produção: VBC.

Patrocinado: Petrobrás e Governo Federal.

Disponível em: http://www.planetapantanal.com/


planeta - pantanal-tv.php? id.18&t=1

31
Globalização,
Multiculturalismo
e Educação
Nesta unidade, elencamos al-
guns elementos acerca das noções
de Globalização e Multiculturalismo,
articulando-os com o campo da
Educação, área de nosso interesse.
Tais discussões são essenciais
para a promoção de um conheci-
mento que reconheça a diversida-
de cultural e fomente práticas de
reação aos mecanismos de ho-
mogeneização, que insistem em
desaf i ar o meio escolar.
2.1 Para Início de Conversa...

Para afirmar a integração dialética entre Globali-


zação e identidade/s cultural/ais, é preciso apontar
para a construção de uma Globalização que seja soli-
dária e integre, no plano continental e mundial, uma
visão particularmente atenta às diferentes culturas
e às áreas mais vulneráveis do planeta, procurando
afirmar, de forma permanente, a igualdade, a dife-
rença e a justiça. (CANDAU, 2000, p. 34)

Nesta unidade, buscamos estender a dis-


cussão iniciada na unidade 1, apresentando a noção
de Globalização e Multiculturalismo, uma vez que
não se pode analisar a existência da diversidade cul-
tural sem refletir sobre os valores imbricados no
contexto contemporâneo.
Do mesmo modo, como pensar a Educação
e especialmente o meio escolar, sem questionar as
estruturas sociais que cerceiam a vida social e ma-
nifestam-se no campo educacional? Esses aponta-
mentos têm o objetivo de chamar a sua atenção para
os valores e padrões de comportamento inculcados
por uma cultura, que hoje se apresenta na socieda-
de, sustentados a partir da lógica fundamentada pelo
Capitalismo ou como muitos preferem referirem-se,
valores da era da Globalização.
Parece que a Globalização é algo recente,

35
devido o tom atribuído nas discussões da atualidade,
mas como você observará, trata-se de um processo
construído, historicamente, que, progressivamente,
continua a se desenvolver e digno de nota: nós, agen-
tes sociais, somos os protagonistas.
Nesse contexto, não basta compreender que
o mundo está em constante transformação, pois, além
disso, é preciso construir uma visão crítica acerca do
que está mudando. Quais os reflexos em nossas vidas,
nosso cotidiano enfim, no meio social. Em síntese,
é necessário desvencilhar-se de concepções confor-
madas de que somos alheios ao mundo, uma vez que
toda atividade humana implica na produção de uma
história individual e coletiva.
Enfim, essa discussão visa colaborar com
novas reflexões, a fim de reiterar as palavras de Can-
dau (2000) na epígrafe, ou seja, promover ideias
acerca de uma sociedade mais democrática, escapan-
do de concepções utópicas do termo, para compre-
ender a emergência de uma sociedade globalizada
que considera, e é solidária às diferenças culturais,
sobretudo, em âmbito escolar.

2.2 A Noção de
Globalização
As discussões em torno do avanço tecnoló-
gico e científico em suas várias faces são aspectos,
visivelmente, perceptíveis das aceleradas e abran-

36
gentes transformações da sociedade contemporâ-
nea, suscetíveis a buscar compreensões do chama-
do fenômeno de Globalização.
Conforme citamos, anteriormente, a Globali-
zação tem se apresentado com argumentos de caráter
doutrinário ou discutido como algo novo, mas suas
concepções encontram respaldo no Capitalismo, tal
como reforça Valente (1999, p. 51), trata-se de reco-
nhecer que: “O que está mudando é o nosso “velho
conhecido” Capitalismo, cujas tendências fundamen-
tais, porém, continuam as mesmas.”
Por esse motivo, coloca-se em questão na
atualidade a significância do termo “Globalização”
ou se o termo correto poderia ser traduzido como
“mundialização do capitalismo” (SANTOS, 2001),
tendo em vista, que estudiosos concordam que se
trata de um processo de dimensão do Capitalismo
ou ainda, que “Globalização” incute a ideia de en-
globar, universalizar, homogeneizar.
É certo, que é inviável aprofundar essa dis-
cussão, pois o nosso objetivo é realizar uma aborda-
gem acerca do assunto e apresentar elementos essen-
ciais para o estudo da então chamada “Globalização”,
chamando a atenção para conceitos que têm estreita
relação com as transformações do Capitalismo.
Embora, os pilares de sustentação do Capita-
lismo seja, fundamentalmente, uma ordem econômi-
ca, concordamos com Candau (2000), pois é impres-
cindível compreender sua multidimensionalidade, isto
é, seus valores manifestos nas variadas esferas sociais

37
e de diferentes formas, extravasando as questões eco-
nômicas em face do seu dinamismo.
Mas, afinal, qual o conceito de Globaliza-
ção? Com base em Pereira (2000), constitui pela ex-
pansão do Capitalismo no mundo a partir das deter-
minações de ordem econômica, que se manifestam
sobre os Estados Nacionais. Intrínseco ao Capitalis-
mo, a Globalização também é chamada por Valente
(1999) de Capitalismo contemporâneo, de posse dos
seguintes aspectos:

a) o desemprego tornou-se estrutural, uma vez que o


Capitalismo opera, hoje por exclusão; b) o controle é
assegurado pelo capital financeiro; c) a terceirização é
hoje estrutural, com fragmentação e a dispersão de to-
das as esferas da produção; d) a Ciência e a tecnologia
tornaram-se forças produtivas, agentes de acumulação
de capital. O monopólio dos conhecimentos e da infor-
mação passa a ser uma força capitalista; e) o Capita-
lismo rejeita a presença estatal no mercado e nas po-
líticas sociais, gerando a privatização estrutural; f) a
transnacionalização da economia torna desnecessária
a figura do Estado nacional e o centro econômico e po-
lítico encontra-se no FMI e no Banco Mundial; g) a
diferença entre países de Primeiro e Terceiro Mundo
tende a ser substituída pela existência em cada país
de bolsões de riqueza absoluta e pobreza absoluta.
(VALENTE, 1999, p. 52)

38
Pereira (2000) informa-nos que, do ponto de
vista histórico, a integração dos mercados mundiais res-
taura a segunda metade do século XIX, vigorando a
economia aberta, com a ajuda da comunicação ágil de
longa distância, além de transportes industrializados.
É notório como o avanço tecnológico possi-
bilitou a expansão capitalista, e passou a fazer investi-
mentos elevados na Ciência, sabendo da fonte de for-
ças de sua empreitada. Valente (1999) esclarece-nos
que em dado momento da História, vislumbrou-se o
que muitos chamaram de revolução tecnológica, que
permitiu a facilidade de comunicação global e, além
disso, “... a utilização de recursos da informática e das
microciências para a produção em alta escala, e até
mesmo para a criação de uma “natureza artificial...”
(VALENTE, 1999, p. 54-55)
A partir da década de 70, as discussões
em torno da Globalização intensificaram-se, so-
bretudo, pelas consideráveis mudanças no plano
econômico e na sociedade que, consequentemen-
te, favoreceram a liberdade para que o capital se
movimentasse internacionalmente.
Já, a partir da década de 80, surgem corpora-
ções globais definidas como empresas transnacionais,
capazes de instalar cadeias produtivas em diversos pa-
íses e controlar suas atividades e produções da forma
mais vantajosa possível.
Durante esse período, identifica-se também a
instauração de blocos econômicos de caráter regional,

39
como: Nafta, Mercosul e União Europeia, os quais
propunham a integração e fortalecimento de determi-
nados Estados nacionais, com políticas sociais, cultu-
rais e educacionais voltadas ao interesses desses Es-
tado; aspectos que acabaram por colaborar com uma
posição contrária à Globalização.
Ainda, a partir da década de 80, importa su-
blinhar a ascensão do neoliberalismo, cujo prefixo
“neo” atribui o sentido de “novo” para explicar uma
fase do pensamento liberal, mas cuja essência já se
apresentava em períodos anteriores. Trata-se de um
conceito que abarcam correntes e posições, que Va-
lente (1999, p. 57) explora:

Ao conjunto de condições materiais que caracte-


rizam o Capitalismo, [...] acompanha a constru-
ção de uma ideologia ou de um imaginário social
que busca justificá-la como racionais e legitimá-las
como corretas. Isso, na verdade, dissimula o fato
de serem formas contemporâneas da exploração e
da dominação. A essa construção ideológica corres-
ponde o que vem sendo chamado de neoliberalismo.

O neoliberalismo emerge a partir de con-


cepções filosóficas sustentadas por mais de dois
séculos, visto que desde o século XVIII apresenta
características como:

40
[...] a liberdade da empresa e do indivíduo e a não
intervenção do Estado no processo de livre concorrên-
cia, propondo a redução dos seus poderes. A defesa
da liberdade individual sustenta-se na crença de que
todos os homens, sendo iguais, têm as mesmas opor-
tunidades de acesso à riqueza material e espiritual.
(VALENTE, 1999, p. 57)

O que soa romantizado e ideal não é o que


parece, pois, é importante destacar o modo sutil como
o neoliberalismo, com efeito, age na sociedade, uma
vez que com base em Valente (1999), ainda assim, os
alicerces do Capitalismo continuam a se sustentar a
favor da dominação e exploração, camuflando as re-
lações sociais (econômicas, culturais, políticas, educa-
cionais etc.) desiguais e dispondo de uma ideia enga-
nosa de livre concorrência.
Dessa forma, a Globalização tem o ancora-
douro no neoliberalismo e como observamos, essa
junção busca perpassar fronteiras para o favorecimen-
to econômico, isto é, o livre comércio e escoamento
da produção cunhada nos ideários capitalistas e por
esse motivo, dispensa-se o controle estatal. A partir
dessa lógica, torna-se evidente que tal favorecimento
acaba por desencadear as desigualdades sociais.
Especificamente, em se tratando da Histó-
ria Brasileira, você já parou para pensar que, desde
a colonização convivemos e estamos imersos numa
sociedade marcada pelos valores capitalistas? É certo

41
que seus contornos manifestam-se na vida social de
formas diferenciadas, de acordo com determinados
períodos da História, mas não deixa de suscitar um
questionamento de fundo.
Como destacado no início, as características
mencionadas não deixam em essência, de disseminar
um ideário já conhecido, ganhando proporções em
escala planetária e ressaltando os conflitos e tensões
das diferentes camadas da sociedade, a qual nos de-
safia a pensar nas mudanças sociais, “... nos sistemas
de produção, nas relações internacionais, nas menta-
lidades, nos estilos de vida, nos valores das pessoas e
grupos sociais, na vida cotidiana de cada um de nós.”
(CANDAU, 2000, p. 25)
Nessa caminhada de estudos, notamos que do
ponto de vista social, seus agentes pagam um preço
alto para a sustentação da sociedade capitalista, pois
como colocou Candau (2000, p. 26), presencia-se: “A
pobreza, a exclusão, o desemprego, a crise de valores, o
caos econômico, a destruição do meio ambiente e das
culturas, entre outros problemas do nosso mundo e de
nossos países...” Sobre isso, comentaremos a seguir.

42
2.3 O Multiculturalismo e
Educação no contexto da
Sociedade da Globalização

Ao expor algumas discussões sobre a Globa-


lização, você já constatou que as possíveis vantagens
capitalistas, contradizem com uma sociedade demo-
crática e justa do ponto de vista social, e como afirma
Santos (2001, p.171):

[...] os “integrados” no mundo globalizado são aque-


les que conseguem incorporar atitudes, valores e novos
padrões de comportamentos mais adequados ao usu-
fruto das oportunidades que as sociedades capitalis-
tas oferecem a todos os seus cidadãos. (SANTOS,
2001, p. 171)

Dessa forma, é inevitável pensarmos na exis-


tência da diversidade cultural no contexto da socie-
dade de Globalização, sem deixar de considerar as
fortes incidências da cultura do grupo dominante na
sociedade, o qual imbrica valores e comportamentos
como padrão a ser seguido. Esses são aspectos que
buscamos discutir por meio do Multiculturalismo.
Compartilhamos dos objetivos de Gonçalves
e Silva (2004), ao destacar o estudo do Multicultura-
lismo como uma possibilidade, dentre outras, para
colocar em pauta a discussão da existência da diversi-
dade cultural e a constituições de políticas culturais no
mundo contemporâneo.

43
Na atualidade, o Multiculturalismo divide
opiniões que inviabilizam um consenso. Por um
lado, destacam-se argumentos de uma política ingê-
nua e leviana, a partir de uma falsa consciência que
envolve os reais problemas culturais e por outro
lado, defende-se um meio de incentivo à fragmenta-
ção da vida social e desintegração nacional. (SILVA;
GONÇALVES, 2004)
No mesmo sentido, a própria terminologia
também é discutida. Segundo Canen (2007), dis-
cute-se, atualmente, o termo “Multiculturalismo”
como sentido que reconhece apenas a presença das
múltiplas culturas, sem englobar questões impor-
tantes, tais como: os embates, os choques e situ-
ações conflituosas decorrentes de suas interações.
Ao passo que, a defesa do termo “interculturalis-
mo” torna-se mais apropriado para adentrar em
discussões sobre as relações entre diferentes cultu-
ras e seus implicativos.
Essas colocações são significativas para se
pensar que conceitualmente, é imprescindível consi-
derar o processo relacional como eixo central para se
entender a presença da diversidade cultural no espaço
social e as muitas formas de reivindicação do direito
de expressar a identidade.
Do ponto de vista histórico, informa Gon-
çalves e Silva (2004), que o Multiculturalismo tem seu
bojo em países em que a diversidade cultural é um
problema, quando o que está em voga é a construção
de uma unidade nacional, isto é, quando as diferen-

44
ças ameaçam as políticas que visam à homogeneização
cultural à mercê dos interesses dos grupos dominantes.
Com base nos mesmos autores, desde sem-
pre, o Multiculturalismo configurou-se como princí-
pio ético que orienta a ação de grupos contra o pro-
cesso de homogeneização, ou seja, a contracultura dos
grupos culturalmente dominados, que reivindicam
seus direitos de expressão cultural que lhes foram ne-
gados e com isso, suscetíveis ao surgimento de movi-
mentos sociais e multiculturalistas.
Mas, quem ou qual (is) grupo (s) compõe(m)
esses movimentos avessos à cultura do grupo domi-
nante? Inicialmente, são grupos étnicos que se con-
trapõem ao arbitrário cultural, e a partir da segunda
metade deste século, juntam-se a estes, outros grupos
minoritários na mesma condição de dominação, para
reagir e reivindicar seus direitos civis. Certamente, são
muitas as situações ausentes de passividade, mas sim
de embates conflituosos.
Lembremos do período de colonização
brasileira, em que os colonizadores buscaram incul-
car valores do universalismo europeu, constatando-
-se momentos de choque e tentativa autoritária e
violenta de dominação dos índios e negros trazidos
na condição de escravo.
Como já discutido, presencia-se ao longo
dessa História, a reação desses grupos dominados, ao
recordar dos momentos de lutas e combates violen-
tos, fugas e formação de quilombos que configurava a
resposta a não aceitação da dominação europeia, tan-

45
to do ponto de vista físico, como simbólico.
Com a chegada dos imigrantes europeus e
asiáticos ao Brasil, os resquícios de uma trajetória
marcada pela busca de dominação do corpo e da alma
continuaram a pairar no Brasil, acrescentando ações de
xenofobia e aversão ao imigrante, ou ainda, o desprezo
ao estrangeiro envolto ao sentimento de rejeição.
Como notamos a História Brasileira não
registra apenas o sentimento e ação de desconheci-
mento ou desconsideração à existência da diversidade
cultural, mas, a fundo, identifica-se o sentimento de
exterminar o diferente, de hierarquizar a cultura, uma
como superior e a outra na subalternidade.

O preconceito se remete à dominação e, quando é o


caso, à proposta de eliminação do desconhecido para
se manter aquilo que já é conhecido. É a reação às
mudanças, querem individuais, querem sociais, pa-
radoxalmente manifestadas tanto por aqueles que se
beneficiam da situação, quanto por aqueles que não
têm os seus interesses racionais mais imediatos aten-
didos por ela. (CROCHICK, 1997, p. 101)

Sem atribuir menor importância, as formas


de desconsiderar o outro, também, manifestam-se de
forma escamoteada, como que em entrelinhas, reali-
zam-se as práticas de desrespeito e de intolerância às
diferenças, ao impor valores com base no etnocentris-
mo, ou seja, uma forma de ver o outro tomando como

46
referências seus próprios valores, concepção que alar-
ga a preocupação e colabora com a desigualdade.
Além disso, a visão naturalizada também
contribui com a desconsideração das particularidades,
uma vez que aquilo que é considerado “normal”, cor-
riqueiro e sem importância, acaba por ser conivente
com atitudes de desrespeito de forma velada, de into-
lerância, preconceito e discriminação.
Ambas as situações não fogem ao que Bour-
dieu (2008) tanto discutiu sobre a violência simbólica,
amplamente difundida e articulada ao analisar o espa-
ço social, os campos e em especial o educacional.
O respectivo autor oferece-nos elementos
para realizar-se a leitura do enfoque que delimita-
mos que é o Multiculturalismo, e que, embora, bus-
caremos explorar adiante, cabe-nos adiantar que a
concepção de violência simbólica traz novos subsí-
dios para se entender que a cultura dominante ten-
de a operar a partir de um arbitrário cultural, que
nem sempre são perceptíveis, mas podem deixar
marcas profundas na subjetividade.
Há, portanto, uma relação de poder, que
mais do nunca é identificada na sociedade contem-
porânea, visto que sua lógica suscita refletir sobre a
diversidade do gênero humano, que existe e se mani-
festa em nosso cotidiano, cuja convivência entre os
indivíduos: “... é marcado por conflitos dramáticos,
motivados por preconceitos e discriminações étni-
cas, de gênero, de preferências sexuais, de gerações e
outros.” (CANDAU, 2006, p. 22)

47
Em se tratando de tempos atuais, é impor-
tante que se diga que a perspectiva multiculturalista
arrasta opiniões diversas, que advogam em defesa ou
contrária aos estudos propostos por esse assunto, to-
davia consideramos que assim como a sociedade da
Globalização, o Multiculturalismo também deve ser
analisado sob a óptica da transformação.
Sem dúvida, as relações com o outro implicam
numa relação dialética entre o individual e o universal
e nesse processo, fogem às tendências que recaem
sob dois polos: o universalismo e o relativismo, isto
é, não se pode conceber a diversidade cultural a
partir da constituição de valores, unicamente, uni-
versais e tampouco, de forma unitária e isolada de
seu meio. (CANEN, 2000)

[...] a cultura no interior de uma realidade hu-


mana é sempre dinâmica, não é fechada e cris-
talizada como um patrimônio de raízes fixas e
permanentes. A cultura possui fronteiras móveis
e em constante expansão. Tampouco é conjugada
no singular, já que é plural, marcada por inten-
sas trocas e muitas contradições nas relações entre
grupos culturais diversos e mesmo no interior do
mesmo grupo. (GUSMÃO, 2003, p.91)

O queremos dizer é que há um jogo de di-


ferenças e identificações entre os indivíduos, e no
meio igualmente, e que esses diálogos promovem

48
respostas diversificadas desses indivíduos, as quais
são constituídas da subjetividade. Em suma, cada
qual carrega particularidades, mas não deixam de
ser a expressão do universal.
Sendo assim, como transportar essas refle-
xões para o campo da Educação? Nossos argumen-
tos ancoram-se numa Educação que promova a cida-
dania e a democracia.
Para isso, partilhamos das ideias de Sacavino
(2000), ao explicitar que os processos de democratiza-
ção desenvolvem-se na atualidade, com maior ou me-
nor êxito, sob a orientação de uma ou outra visão da
democracia, constituindo um marco de ação e de vi-
gência, e realização dos direitos humanos. Complemen-
ta ainda: “Esses processos democráticos atualmente se
desenvolvem dentro dum marco ideológico hegemoni-
camente neoliberal.” (SACAVINO, 2000, p. 37)
A noção de democracia e democratização
relacionam-se, porém definem-se de formas dife-
rentes. Segundo Sacavino (2000), a democracia en-
globa um valor que constitui num discurso analítico,
conceitual e teórico, capaz de orientar processos de
construção política. Já, a democratização envolve
um processo histórico, social e político que postu-
lam, na prática, o valor da democracia.

Dessa forma, quanto mais desenvolvida está a de-


mocracia, mais inclusiva e abrangente será a socie-
dade desde o ponto de vista da igualdade e vigência
dos direitos, assim como do acesso à cidadania e

49
à qualidade de vida. Algumas das características
dessas democracias desde o ponto de vista dos di-
reitos são os sufrágios universais e a luta contra as
exclusões de gênero, classe, educação, étnica, favore-
cida por políticas de empoderamento dos sujeitos e
grupos. (SACAVINO, 2000, p. 39)

Acontece que, o neoliberalismo conquistou


importantes aliados, tais como os vários setores da
sociedade e as elites políticas, os quais não vislum-
bram outra alternativa, que não seja em suas bases de
sustentação. Essas bases acarretam em: “... reformas,
privatizações, enfraquecimento e colocação dos prin-
cipais direitos sociais na esfera do mercado, acentuam
e aumentam na esfera social as diferentes formas de
exclusão, polarização social, violência e marginaliza-
ção.” (SACAVINO, 2000, p. 37)
Nesse sentido, o neoliberalismo engloba rela-
ções de poder, estimula a competitividade, é altamente
seletivo e age a partir de uma lógica de dominação que
incute padrão de valores a serem seguidos, o que se
contrapõe à democracia, cuja essência está pautada na
negociação e nos interesses coletivos.
No campo educacional, é cada vez mais
emergencial promover uma Educação pautada nos
direitos humanos em processo de democratização
alheio à ideologia neoliberal, implicando em efetiva
participação de agentes preocupados com a constru-
ção da democracia.

50
A respeito disso, afirma Sacavino (2000) que a
Educação voltada para a democracia precisa potenciar
grupos ou pessoas silenciadas e submetidos à domi-
nação por meio de um empoderamento, que promova
e desenvolva as dimensões individuais e sociais. Em
síntese, uma Educação para “o nunca mais”.
Por fim, partilhamos das ideias de Gus-
mão (2003) de olhar a Educação com a atenção
para a diversidade, é um desafio, que precisa ana-
lisar indivíduos ou grupos no âmbito de um con-
texto abrangente e social.

Exercício Proposto
1) Assista ao filme e relacione com a noção de Multi-
culturalismo e Globalização, procurando estabelecer
paralelos com a Educação. Produza um texto de no
mínimo 10 linhas.

Crash: No Limite
Ano: 2004
Duração: 113 min.
Título Original: Crash
Diretor: Paul Haggis
Elenco: Karina Arroyave, Dato Bakhtadze, Sandra
Bullock, Don Cheadle, Art Chudabala
Produção: Don Cheadle, Paul Haggis, Mark R. Harris,
Cathy Schulman e Bob Yari.

51
Sinopse

Jean Cabot (Sandra Bullock) é uma mulher rica e mi-


mada, casada com um promotor de uma cidade no
sul da California. Ela tem seu carro roubado por dois
assaltantes negros, o roubo acaba em um acidente que
aproxima habitantes de diversas etnias e classes so-
ciais de Los Angeles. Um policial veterano e racista,
um detetive negro e seu irmão traficante de drogas,
um bem-sucedido diretor de cinema e sua esposa e
um imigrante iraniano e sua filha.

52

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