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LUCIANO COUTINHO NOTAS SOBRE O PROBLEMA DA TRANSFORMACAO Uma Critica a Paul Semuelson baer oF, I — Introdugio wa ré SS ° . A controvérsia em torno da teoria classica (Ricar- diana e Marxista) do valor, iniciada de forma sistematica por Béhm Bawerk em resposta ao O Capital, persiste e Tenova-se até o presente. Os pontos essenciais da critica eo] de Bohm Bawerk vém sendo repetidos sob formas ' diferentes; em resumo eles sao: a y, Fix a) _ O sistema do valor-trabalho é inconsistente e incompativel com 0 sistema de pregos de mercado. b) A “transformagao” do sistema do valor-trabalho no sistema de precos, da forma apresentada em O Capital (volume III) esté errada e é, além disso, impossivel, c) Em face de (a) e (b), todo o sistema tedrico de Marx estaria ameagado. Desde 0 inicio do século XX, as criticas acima resumidas haviam sido plenamente respondidas por Hilferding e depois Bukarin. O aspecto especffico da transformagao foi resolvido desde 1907 por Bortkiewicz e posteriormente desenvolvido por Moskowa. O desenvolvimento da matematica aplicada 4 economia, principalmente da algebra matricial e das tabelas de insumo-produto, ajudou a provar definitivamente que a critica 4 teoria classica do valor carece de qualquer fundamento. Entretanto, 0 reconhecimento da faléncia da critica é recente e de circulacao restrita mesmo entre os economistas, do que decorre muita da confusdo que ainda persiste. O primeiro passo foi dado por Sweezy na sua Teoria do Desenvolvimento Capitalista; todavia, somente depois que Seton (em 1957) recolocou e resolveu de forma inequivoca o “problema matemitico” da transformagao, a teoria do valor-trabalho passou a ser teconhecida pelos economistas ocidentais de formagao tecnocratica. A reabilitagao da teoria cldssica do valor recebeu um grande impulso com a publicagdo em 1960 da obra de Piero Sraffa, Produgao de Mercadorias por meio de Mercadorias. A partir da formulagio de Sraffa outras contribuigdes apareceram, como as de Dobb e Meek. Em 1961, Morishima & Seton resolveram a transformagao inversa, isto é, partindo do sistema de pregos para chegar ao sistema do valor trabalho. Depois desta contribuigao, também caiu por terra a critica de natureza empirico-positivista, que objetava a teoria do valor-tra- balho pela “impossibilidade” de submeté-la ao teste empfrico. Segun- do essa critica, a teoria ndo poderia ser “‘operacionalizada” uma vez que os dados da realidade econdmica so expressos em termos de 7 eee pregos e nao em horas/trabalho. Este tipo de critica, apesar de sua fragilidade metodolégica, era endossado por varios neo-keynesianos, principalmente pela Prof.4 Robinson. O problema metodologico é de importancia fundamental para compreensao da teoria do valor. A posigdo positivista é incapaz de perceber o carter concreto do sistema do valor-trabalho, tentando portanto descarté-la como incompativel com o sistema de precos. O melhor exemplo do mal-entendido e das confusGes originadas da metodologia positivista é 0 recente trabalho de Samuelson (1970). Depois de proceder a uma revisdo da controvérsia em torno da teoria classica do valor, Samuelson conclui que o sistema do valor-trabalho é consistente e que a transformacdo deste no sistema de precos nao pode ser mais classificada como um “problema”. Samuelson reconhe- ce que a transformagao é uma operacéo matematica simples e sua determinacdo se dé unicamente dentro de certas condigdes. Reco- nhece também que a transformagdo, tal como apresentada por Marx no volume III é valida como um caso particular e que Marx também indicou corretamente a dire¢éo em que os precgos se desviariam do valor-trabalho: o prego sendo maior que o valor-trabalho nos setores onde a composigao organica do capital ¢ maior que a média e vice-versa para os setores com composi¢ao organica inferior 4 média. Entretanto, apesar de haver compreendido perfeitamente a me- canica matemitica da transformacao, Samuelson revelou-se incapaz de perceber a natureza concreta (ndo-abstrata), social e histérica do sistema do valor-trabalho. Em varios trechos do citado artigo ele afirma que os dois sistemas sao incompatfveis. Por exemplo, “Contemplem dois sistemas alternativos e discordantes. Escreva um deles. Agora, faca a transformagéo: com uma borracha apague o que escreveu; depois preencha 0 espaco com 0 outro sistema — Voild! vocé acabou de completar o seu algoritmo de transformagao!” A raiz da incapacidade de compreensao talvez esteja ligada 4 ignorancia das diferentes posigdes de Ricardo e Marx; estas podem ser tesumidas em: 1. Posigao inicial de Ricardo — Os pregos sao diretamente propor- cionais aos valores-trabalho — uma generalizag¢do para todos os periodos histéricos do que seria valido apenas para o estdgio “Snicial e rudimentar da sociedade” segundo Adam Smith, quan- do nio existia o capital como relagao social de produga6, caso em que o processo produtivo seria constitufdo exclusivamente pelo dispéndio de trabalho direto. *

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