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Engenharia de Sistemas Digitais

O sistema operacional Linux, que surgiu da contribuição voluntária de milhares de pessoas


de todo o mundo, já é uma ameaça ao reinado do Windows da Microsoft
Verônica Bercht

O que é GNU?
GNU's not Unix. (GNU não é Unix)
Mas, o que é GNU?
GNU's not Unix

Essa brincadeira está na origem do software livre. É uma definição recursiva


(volta sempre para o começo), como um comando usado na programação de computadores.
Foi com ela que, em 1983, um grupo de programadores, de várias faculdades e
universidades norte-americanas, definiu o Projeto GNU. Uma iniciativa voltada para o
desenvolvimento de um sistema operacional - o programa central do computador, sem o
qual nenhum outro funciona - compatível com o Unix - sistema operacional criado nas
universidades americanas e muito disseminado nesse ambiente -, mas que fosse construído
com o caráter cooperativo presente nos primórdios da informática, nos anos 70. Qualquer
voluntário munido dos conhecimentos necessários podia participar do projeto
desenvolvendo trechos do sistema que, devidamente aprovados, eram incorporados a ele.
Uma condição essencial é que os códigos gerados por esses colaboradores - as instruções de
programação guiam os computadores na execução das tarefas - permaneçam "abertos", isto
é, acessíveis a outros programadores. O que não é usual na indústria do software,
extremamente zelosa dos direitos autorais, uma vez que é da venda da licença de uso - isto
é, da permissão para utilização do programa - que vivem as empresas do setor. Para garantir
que o programa não seja copiado ou modificado por concorrentes, as empresas produtoras
"fecham" o código e impedem o acesso não-autorizado.

O Projeto GNU, no entanto, levou na brincadeira apenas o nome. De forma


surpreendente acabou gerando um sistema operacional estável, o GNU/Linux, produtivo e
eficiente, comparável aos outros existentes no mercado - como o Windows, de propriedade
da Microsoft - além de uma série de outros programas. Silenciosamente, os softwares livres
se infiltraram no mercado. Com códigos abertos e disponíveis na Internet, provocaram
barulho na discussão sobre propriedade intelectual e, por extensão, na da democratização
do conhecimento.

A designação "livre" não significa só que o software é encontrado na Internet e


qualquer pessoa pode copiá-lo sem pagar um tostão. Para começar, livre não significa
necessariamente grátis. Tem a ver, como define o site do Projeto GNU, primeiro, com "a
liberdade de copiar o programa e dá-lo para seus amigos e colegas de trabalho". Segundo,
"com a liberdade de modificar o programa de acordo com seus desejos, por ter acesso
completo aos códigos". Terceiro, "com a liberdade de distribuir versões modificadas e
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assim ajudar a construir a comunidade". No mesmo site está bem claro que "se você
redistribui software GNU, pode cobrar pelo ato de transferir uma cópia, ou pode dar de
graça".

O III Fórum Internacional de Software Livre, realizado no início de maio em


Porto Alegre, foi como uma vitrine que permitiru enxergar as dimensões atuais desse
movimento. Cerca de 3.000 pessoas participaram de quase 300 horas de atividades, entre
palestras de especialistas nacionais e internacionais, workshops e oficinas. Personalidades
do mundo do software livre como Jon Maddog Hall, presidente da Linux Internacional, e
Robert Chassel, vice-presidente da Free Software Foundation, também estiveram no
evento. Em programação paralela, 24 empresas apresentavam seus produtos baseados em
softwares livres.

Não foi por acaso que o fórum teve sua terceira versão consecutiva realizada em
Porto Alegre. Além de serem promotores do evento, a prefeitura da capital gaúcha e o
governo do Estado do Rio Grande do Sul apóiam e adotam, nas repartições públicas,
autarquias e empresas estatais os softwares livres como instrumentos de democratização e
evolução tecnológica autônoma e auto-sustentável.

A história do Projeto GNU é marcada por uma feliz coincidência. Até o início da
década de 1990, os participantes do projeto haviam escrito milhões de linhas de código.
Faltava, no entanto, uma parte essencial - o núcleo ou, em inglês, kernel, que executa o
gerenciamento das funções mais básicas do sistema operacional. São cerca de dez mil
linhas de instruções, que fazem a máquina executar funções como administração de
memória, partida e encerramento de programas e gerenciamento de tarefas que estão sendo
realizadas ao mesmo tempo. Foi quando o finalandês Linus Torvalds, de 21 anos, produziu
um kernel, também livre, que foi batizado como Linux. O Linux, combinado com os
códigos gerados pelo GNU, resultou num sistema operacional completo.

Desde o surgimento do Linux, o movimento em torno do software livre cresceu. A


revista Information Week, do início de maio, informa que empresas como a maior
produtora mundial de microprocessadores Intel e a fabricante de computadores e periféricos
Hewlett Packard oferecem ou desenvolvem produtos compatíveis com o sistema
operacional GNU/Linux. A IBM, a gigante americana que criou o personal computer (o
PC) há 20 anos, foi além e está "investindo pesado no sistema", diz a revista: em 2001, "o
valor foi de um bilhão de dólares". Além das corporações, também estão envolvidas
empresas menores, responsáveis pela distribuição do Linux, prestação de serviços de
implantação para empresas e suporte para os usuários em geral. No Brasil, um exemplo é a
paranaense Conectiva, que já está na 8ª versão de sua distribuição do sistema operacional.

O crescimento dos softwares livres em geral, inclusive o GNU/Linux, é mundial.


Segundo a revista Exame de janeiro último, o Windows, sistema operacional, de
propriedade da Microsoft, é sem dúvida o mais disseminado. Domina 40% do mercado de
servidores (máquinas que gerenciam redes ,de computadores), enquanto o Linux tem 27%.
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No entanto, de 1999 para 2000, o crescimento do Windows foi de 20,2% enquanto que o do
Linux atingiu 24,4%. Em Porto Alegre, Maddog lembrou, para dar um exemplo do sucesso
do GNU/Linux, que cerca de 80% dos servidores instalados na Polônia utilizam esse
sistema operacional.Os resultados da 13ª Pesquisa Anual de Administração de Recursos de
Informática, coordenada pelo professor Fernando S. Meirelles, vice-diretor da Escola de
Administração da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (Eaesp-FGVS), divulgada pela
Information Week, registram essa tendência também no Brasil, onde houve um aumento
considerável da utilização dos softwares livres em empresas. Hoje o Linux está presente em
8% das máquinas no país, contra 3% no ano passado.

A lista de empresas brasileiras que optaram pelo Linux e outros softwares livres,
como base ou em partes de seus sistemas de informação, inclui a Varig, que está
transferindo tudo que diz respeito à Internet para esses sistemas; o Metrô de São Paulo, que
adotou o StarOffice (conjunto de programas similar ao Microsoft Office); o Banco do
Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), que está implantando o Linux nos 2,5 mil caixas
eletrônicos e terminais de auto-atendimento; e a Vésper, operadora de telefonia fixa que
concorre com a Telefônica em São Paulo, que está substituindo todos os servidores em que
as aplicações permitem a adoção de software livre.

O que motivou essas empresas foi a redução do custo da área de tecnologia de


informação. Para ter o Office da Microsoft em seus 1.450 microcomputadores, o Metrô
paulistano gastaria 200 mil dólares por mês, só com as licenças de uso. No caso da Varig, a
mudança de sistema vai economizar 1,5 milhão de dólares por ano.Apesar dessas
vantagens, ainda há muita prevenção contra o software livre. Um dos argumentos contrários
é que não estão sendo usados em tarefas estratégicas das empresas. "Ainda não se
conhecem casos de grandes empresas que tenham seus sistemas de gestão funcionando num
sistema Linux, por exemplo", diz Sérgio Teixeira Jr., da Exame. Outros, com a visão
centrada nos usuários domésticos, alegam que as pessoas querem um sistema que funciona,
que possa ser adaptado às suas necessidades pelo próprio usuário (geralmente leigo em
informática), mesmo que tenham de pagar pela licença de uso. Há mesmo quem pense que
o movimento do software livre vai morrer na praia, pois será utilizado pela indústria da
informática para desenvolver novos produtos que serão vendidos com a devida cobrança da
licença de uso.O futuro do movimento é motivo de preocupação entre seus próprios
defensores.
Há os que encaram o software livre como uma opção de produto de informática,
como Maddog, e são otimistas. Ele considera que os softwares livres já são um sucesso e o
que resta saber é com que rapidez se difundirão. Outros, como Robert Chassel, que vêem
no software livre a realização de um projeto ideológico, mostram-se apreensivos. "Se os
governos derem liberdade para as empresas [usuárias], o software livre sobreviverá; mas se
ficarem do lado dos monopólios, ele morrerá", diz. Entre os críticos, há também quem diga
que a economia com as licenças de uso não é tão grande como se pretende, porque há os
gastos para manter uma equipe bem preparada, capaz de implantar e manter os sistemas
atualizados e corrigidos. Mas isso também acontece quando se adota um software
proprietário - só que essas despesas estão embutidas no valor pago pela licença de uso.
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Com a desvantagem, em relação ao software livre, que os técnicos em geral não estão
disponíveis para atender às necessidades particulares de seus clientes no momento em que
precisam.

De um ponto de vista dos interesses mais gerais, as vantagens do software livre


são evidentes. A grande maioria das empresas fornecedoras de software proprietário estão
no mundo rico, o que, para um país como o Brasil, que enfrenta dificuldades crônicas no
balanço de pagamentos, é um problema grave: significa que o país tem que gerar dólares
para pagar pelos programas. Com a adoção do software livre e o emprego de especialistas
locais, os recursos envolvidos são em moeda nacional. Uma política voltada nessa direção
poderia, além de economizar dólares, investir os recursos internamente, na forma de
salários de profissionais locais, aumentando o emprego e fomentando a tecnologia nacional.

Mesmo entre os críticos do software livre, no entanto, não há quem não admire a
façanha realizada por esse grupo de programadores voluntários. E o aspecto que talvez seja
mais extraordinário é a forma como o Linux foi desenvolvido. A história da produção de
software tem dois modelos que se sucederam no tempo. Inicialmente, as empresas usuárias
de informática criaram departamentos de sistemas, contrataram programadores e, a partir de
um software pré-existente, construíram, penosamente ao longo dos anos, uma míriade de
pequenos programas, muitas vezes entrelaçados. "Nos últimos 25 anos muitas empresas
fizeram isso", conta Luiz Esmanhoto, vice-presidente de tecnologia da informação da
Vésper. Mas chegou num ponto em que a grande quantidade de programas tornou
impossível administrá-los. Qualquer alteração exigia reuniões intermináveis com os
especialistas da empresa, que muitas vezes já nem se lembravam do código dos programas.

Há cerca de 15 anos houve uma explosão da indústria de informática, com o


advento dos pacotes (como o Microsoft Office), uma forma de agrupar os problemas a
serem resolvidos pelos softwares em classes. Assim as empresas vendedoras desses pacotes
podiam generalizar o uso do software e ainda oferecer seus serviços para adequá-lo às
necessidades do cliente. O advento dos pacotes significou uma divisão do trabalho: a
programação ficava por conta das empresa produtoras de software de consultores
associados e não mais dos departamentos de sistemas das organizações, que demitiram seus
programadores e fecharam seus departamentos.Simples no início, hoje os pacotes são
complexos e caros. E trazem embutidos os mesmos problemas que existiam antigamente.
"Só que agora com um agravante", diz Esmanhoto. "Antigamente, quando você queria
mexer numa parte do código da sua empresa, pelo menos o conhecimento e o poder
estavam ali. Você poderia ter que fazer reuniões intermináveis, mas tudo estava ali à
disposição dos administradores." Com os pacotes, isso não é mais assim. As alterações
ficam na dependência do fornecedor de software ou dos consultores associados, cujas sedes
muitas vezes estão no exterior". Para Esmanhoto, o advento e disseminação do software
livre parece corresponder a uma terceira etapa, em que o software proprietário poderá ser
superado. "O software livre atende às necessidades das empresas, reduz custos e permite
criar ferramentas eficientes. Seu sucesso talvez possa ser atribuído a isso."

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