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26392016 1281
ARTIGO ARTCILE
modelo organizativo-sistêmico do SUS
Lenir Santos 1
Abstract This paper describes a comprehensive Resumo O presente trabalho tem por finalidade
effort to develop studies regarding Brazil’s Unified desenvolver estudos a respeito do Sistema Único
Healthcare System (SUS), as a result of the combi- de Saúde (SUS) em seu formato sistêmico que re-
nation of public services in a network that follows sulta da integração das ações e serviços públicos de
a region-based rationale (tripartite organiza- saúde, em rede regionalizada e hierarquizada. É
tion). The SUS emerges from such an integration dessa integração que nasce o SUS e assim ele deve
and should be organized as such. The intention ser organizado. Pretende-se demonstrar que essa
is to demonstrate that this type of organization is forma organizativa é essencial pelo fato de o país
essential, given that Brazil is organized as a Fed- ser uma Federação e a competência para cuidar
eration, and all three governmental levels are, in da saúde ser dos três entes federativos, de forma
a broad sense, equally responsible for healthcare. igual vista a saúde lato senso. Sendo as ações e os
Healthcare services and actions are a complex set serviços de saúde um conjunto complexo de atos
of activities that are interconnected on behalf of sanitários que se interligam em razão de a saúde
citizen health, which is a global concept that can- da pessoa ser um conceito global que não permite
not be split up. Services must follow this rationale fracionamento, os serviços devem seguir essa lógi-
and be organized as such. Thus, healthcare ser- ca e assim serem organizados. Por isso, os serviços
vices must be systematically organized to serve ev- de saúde devem se organizar sistemicamente para
eryone equally, regardless of where a citizen lives. atender a todos de modo igual, independentemen-
This systemic organization requires permanent te de onde reside o cidadão. Essa organização sis-
interaction between federative units to discuss têmica exige permanente interação entre os entes
and operationalize reference services, funding and federativos para discutir a operacionalização das
other technical and administrative aspects. These referências de serviços, seu financiamento e de-
are the essential elements that make the SUS so mais aspectos sanitários e administrativos. São
complex and demand it be organized regionally, esses aspectos essenciais que tornam o SUS com-
as a network of healthcare services. plexo e exige que seja organizado de modo regio-
Key words Healthcare region, Healthcare net- nalizado, em rede de serviços de atenção à saúde.
1
Instituto de Direito
Sanitário Aplicado. R. José work, Systemic organization Palavras-chave Região de saúde, Rede de aten-
Antônio Marinho 450, ção à saúde, Organização sistêmica
Jardim Santa Genebra.
13084-783 Campinas
SP Brasil.
santoslenir@terra.com.br
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Santos L
nização das reuniões Intergestores, confecção dos Foi o Decreto nº 7.508, de 2011, quem primei-
mapas da saúde; relatórios de gestão regional, ro tratou das comissões Intergestores, instituindo
avaliação e controle e o contrato organizativo de a comissão regional, essencial para a governan-
ação pública da saúde (art. 15 e seguintes; 33 e ça operativa da região de saúde. Antes, somente
seguintes do Decreto nº. 7.508, de 2011). portarias ministeriais trataram dessas comissões,
O decreto, em seu art. 6º, dispõe ser a região nunca tendo sido regulada por decreto ou lei con-
de saúde a referência para as transferências de re- forme ocorreu em 2011. Incumbe às comissões
cursos entre os entes federativos, fazendo nascer o definir, em comum acordo, como as políticas de
planejamento regional, até então não disciplina- saúde serão executadas pelos entes federativos em
do no âmbito do SUS, que deve integrar as neces- suas esferas de governo. As políticas de saúde são
sidades de saúde da população da região, os servi- definidas pelos entes federativos, primeiramente,
ços de todos os entes e os recursos financeiros, ca- e seus planos de saúde aprovados pelos conselhos
bendo ao estado e à União promover a equidade de saúde, pautados pelas necessidades de saúde
regional, minorando as diferenças, transferindo de sua população em consonância com as dire-
recursos para a região em acordo às suas neces- trizes e os objetivos definidos em planos estadual
sidades e características, com vistas à diminuir as e nacional de saúde, orientador das políticas do
assimetrias socioeconômicas e demográficas para SUS, em âmbito estadual e nacional para que a
que os bens públicos deixem de ser exclusividade sua unicidade seja uma realidade nacional, caben-
dos mais bens localizados2. A região de saúde está do a cada ente as suas especificidades local, regio-
imbuída desse forte componente, de garantir ao nal e estadual. O planejamento do SUS deve, ao
cidadão o direito igual às ações e serviços de saú- mesmo tempo em que atende as necessidades de
de próximos de onde sua vida acontece, sendo um saúde locais, respeitar e ser consoante ao planeja-
cidadão completo, independentemente do lugar mento nacional que garante a unicidade política e
onde se encontre e não onerando nenhum ente operativa do sistema público de saúde.
federativo além de suas possibilidades socioeco- Com a edição da Lei nº 12.66, de 2011, que
nômicas, demográficas e espaciais. definiu as competências das comissões Interges-
A região de saúde deve ser, em relação ao SUS tores, garantindo institucionalidade e legalidade
nacional, o microcosmo da realização das neces- ao que vinha sendo praticado há mais de 20 anos,
sidades de saúde do cidadão, o que resulta numa as comissões passaram a ser uma instância rele-
gestão compartilhada, cooperativa, ensejando o vante para a gestão compartilhada do SUS e sua
planejamento integrado, o financiamento regio- governança operativa. Sem retirar poderes dos
nal e uma série de medidas que visem garantir entes federativos no tocante às suas competências
governança na região, a política e a operativa, para definir políticas de saúde, garante que a go-
como os colegiados interfederativos regionais, do vernança da saúde, em seus aspectos operacional,
qual o decreto tratou e que deve ser interpreta- financeiro e administrativo, quando implique em
do em consonância com a lei 12.466, publicada cooperação e compartilhamento, seja realizada
meses depois. As comissões intergestores regio- nessas instâncias interfederativas.
nal podem ser tidas como o espaço deliberativo As comissões Intergestores são essenciais para
de uma região de saúde, cabendo a elas nomear a governança regional em saúde, em razão da
uma diretoria executiva para que se possa, assim, inexistência formal de ente regional e da neces-
garantir governança regional na região de saúde. sidade real de se regionalizar a descentralização,
sem o que o SUS não se realiza de forma integra-
Comissão Intergestores de Saúde da e sistêmica como deve ser. A governança re-
e a governança regional gional, uma ficção jurídica inserida no SUS, exige
instrumental adequado para realizar-se, e um de-
Outro aspecto relevante na organização da les, ou, o maior deles, é a comissão Intergestores
região de saúde são as comissões Intergestores regional, instância que permite serem definidos
da Lei nº 12.466, de 2011, e do Decreto nº 7.508, em comum acordo, relevantes aspectos regionais,
de 2011. A começar pela Comissão Intergestores como as referências, as diretrizes para o plane-
Tripartite, incumbida de decisões cooperativas jamento integrado, a organização das redes de
e solidárias das três esferas de gestão do SUS, a atenção, o controle e a avaliação, dentre outros.
federal, a estadual e a municipal, e assim repro- Se essas instâncias não forem presentes na região
duzida no âmbito estadual e regional. de saúde, relevantes aspectos da cooperação e do
compartilhamento regional não acontecerão.
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Com a regulamentação feita pelo Decreto, insti- conjuntamente definem entre si os regramentos
tucionaliza-se a atenção primária como principal da gestão compartilhada. Eles se auto-ordenam
acesso à rede de atenção à saúde. quanto a essas responsabilidades, de forma con-
A ordenação do acesso impõe aos profissio- sensual, mediante contrato.
nais de saúde a avaliação da gravidade do risco As responsabilidades sanitárias deviam ser
individual e coletivo, que deve preceder a ordem reguladas, todas elas, a priori? Se assim fosse, se-
cronológica (ordem de chegada do cidadão). Em ria fácil tecer a rede de atenção à saúde, sabendo-
situação igual, prevalece a ordem cronológica; se, de antemão, as obrigações de cada um confor-
em situação de risco, prevalece sua gravidade3. me previstas em lei. Mas no SUS sabemos que é
Outro dado relevante é a imposição de que o impossível regular a priori o que cada ente deverá
cidadão tenha assegurado que suas necessidades fazer, ante a infinitude de variáveis próprias das
de saúde devem ser satisfeitas na rede da região desigualdades demográficas, sociais, geográficas,
ou entre regiões. Aqui surge a figura das referên- econômicas, culturais existentes em nosso país,
cias entre serviços (a hierarquização de que fala a conforme explanado neste trabalho. O modelo
Constituição Federal no tocante à complexidade contratual há de ser o mais adequado meio de se
ou densidade tecnológica dos serviços). regular as relações de interdependência dos entes
Quando as referências saem de uma região na rede de atenção à saúde de uma região, por
e adentram em outra ou outras, isso precisa ser ser possível, no contrato, definir, de acordo com
regulado de modo a haver segurança jurídica en- a realidade de cada um, suas necessidades, reali-
tre os entes federativos implicados no tocante à dade econômica, as atribuições no tocante à or-
garantia do atendimento de seu munícipe. Nas ganização das ações e serviços de saúde em rede
referencias inter-regionais que extrapolam o ter- de atenção.
ritório estadual, adentrando em outro, são rele- É pelo contrato que os entes federativos po-
vantes as interações entre estados para definir as derão definir, de acordo às suas realidades e no
referencias. Esses aspectos são importantes para âmbito de suas competências comuns, o papel de
que as referências aconteçam de modo organiza- cada um na rede de atenção à saúde, se autoim-
do e sistêmico. pondo regramentos resultantes de negociação
solidária e responsável no tocante à competência
Contrato Organizativo de Ação Pública comum de cuidar da saúde da população. Trata-
da Saúde (Coaps) se de uma regulação negocial, ajustada mediante
cláusulas e condições contratuais, as quais pas-
O contrato é a forma de os entes federativos sam a exercer o papel que seria previamente re-
na região de saúde se autorregularem, definindo, servado à lei quanto à definição, em minúcias,
eles mesmos, a repartição de competência exe- das competências dos entes na área da saúde, sua
cutiva, orçamentário-financeira e de controle e obrigatoriedade e sanção quando algo for des-
avaliação. cumprido.
O modelo contratual veste como uma luva Estamos diante de um modelo de inter-re-
o modelo do SUS: um sistema único, que ao lações federativas que devem ser construídas
mesmo tempo é descentralizado, regionalizado, permanentemente, em interregnos de tempo, de
hierarquizado, onde se somam entes federativos acordo com objetivos definidos em lei e que de-
bastante desiguais, mas todos com o compromis- vem ser alcançados em nome de um dever cons-
so igual de cuidar da saúde das pessoas; um que- titucional que é o de garantir o direito à saúde.
bra-cabeça de partes desiguais, mas dotados da O contrato, nesse caso, visa minudenciar as
mesma importância para no final formarem um gerais competências constitucionais e legais na
sistema único, igualitário, capaz de realizar da va- área da saúde. Para tanto, é necessário delimitar
cina ao transplante. Esse quebra-cabeça somente espaços territoriais para a construção da rede de
se realiza e forma uma figura completa se o siste- atenção à saúde, regionalizando-se o que a descen-
ma for organizado de modo sistêmico, cooperati- tralização individualizou. Sendo o contrato a úni-
vo e solidário. Nada mais cooperativo e solidário ca forma de os entes federativos, de determinada
do que o SUS nacional, estadual e regional. região de saúde, impor a si mesmos responsabi-
Releva destacar a grande inovação que é o lidades sanitárias, individuais, compartilhadas e
contrato de ação pública da saúde, de natureza solidárias, sua assinatura há de ser obrigatória.
organizativa, ordenatório de atividades públicas Se a interdependência dos entes federativos
compartilhadas. Será por meio de contrato que as na garantia do direito à saúde é intrínseca ao
múltiplas responsabilidades sanitárias, de âmbito SUS, ou seja, é de sua natureza constitucional
regional, serão definidas. Os entes federativos ser um único sistema decorrente da integração
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Os contratos devem ter suas diretrizes con- de saúde; b) por sua prestação ou garantia; c) por
vencionadas de forma colegiada na CIR, CIB e seu financiamento (o próprio e os decorrentes
CIT (Comissão Intergestores Regional, Comissão do rateio federativo), além das responsabilidades
Intergestores Bipartite e Comissão Intergestores pelo controle do gasto, da qualidade, da eficiên-
Tripartite, respectivamente) – nas quais estão cia, desempenho etc.
representados todos os entes federativos implica- No SUS, a colaboração é obrigatória. Pode pa-
dos nos contratos de ação pública da saúde. Essas recer uma contradição em termos, mas não é. O
convenções, que tenho denominado de consensos SUS é um sistema que resulta da colaboração dos
interfederativos1, serão o marco referencial para a entes federativos, a qual não é facultativa. Para
celebração dos contratos, uma forma de regula- garantir o cumprimento do art. 30, VII, da CF,
mentar aspectos da gestão, mediante acordo. que determina que o município cuide da saúde
O contrato organizativo, na área da saúde, se com a cooperação técnica e financeira do estado
define mais que um programa, mas sim a própria e da União, foram editadas leis impondo o repasse
rede de atenção à saúde, o próprio sistema de saú- de recursos da União e dos estados. Assim, a co-
de regional que deve ser organizado em rede. Or- laboração prevista no art. 30, VII, da CF, não é
ganiza-se, na realidade, o sistema de saúde regio- mera faculdade, colaboração. Trata-se de uma
nal; é o meio pelo qual se regulam as relações de obrigação. Os repasses interfederativos da saú-
interdependência dos entes federativos no SUS, de são obrigatórios e não voluntários, por força
com o fim de manter as autonomias federativas. constitucional e legal. Esse também é entendi-
Por isso, defendemos ser o contrato, previsto mento expressado por Silveira9 ao dizer que no
no decreto 7.508, de 2011, obrigatório para todos SUS a cooperação já não se revela como sugestão,
os entes federativos; é obrigatório por ser a forma mas como exigência constitucional.
escolhida pelo decreto para articular as interde- O contrato, por ser uma necessidade quase
pendências na organização da rede de atenção à natural da forma organizativa do SUS e por estar
saúde, definir responsabilidades e equalizar as di- previsto no decreto regulamentando da lei 8.080,
ferenças entre os entes federativos (socioeconômi- de 1990, e de forma mais genérica e abrangente no
cas). O ente federativo deverá se dispor a negociar § 3º do art. 17 da lei complementar 141, de 2012,
e, uma vez obtido o consenso, deverá firmar o con- sua celebração também há de ser obrigatória.
trato como salvaguarda de suas responsabilidades A integração dos serviços dos entes federativos
no provimento da saúde da população brasileira. e a consequente alocação de recursos, definição
Além do mais, o art. 17, § 3º, da Lei Comple- de responsabilidades há de ser instrumentalizada
mentar 141, determina que o Poder Executivo in- pelo contrato, sob pena de não haver como vin-
forme aos conselhos de saúde e tribunais de contas cular os entes federativos de uma região de saúde
montantes de recursos destinados às transferências a esses compromissos. A organização do SUS, por
intergovernamentais pela União, com base no Pla- se pautar na inter-relação e interdependência, en-
no Nacional de Saúde, no termo de compromisso contra no contrato o necessário respaldo jurídico,
de gestão firmado entre os entes federativos. O pri- vinculando os entes federativos signatários.
meiro termo de compromisso de gestão surgiu no
âmbito do Pacto pela Saúde, 2006; contudo, tra-
tava-se de um termo de compromisso unilateral, Conclusões
retratado por um documento encaminhado pelo
estado ou o município ao Ministério da Saúde A região de saúde é essencial para a conforma-
afirmando que se comprometia a realizar deter- ção do SUS nacional, sendo recortes territoriais
minada ação (uma declaração de intenções). Não que aglutinam municípios para ganhar escala e
era um termo multilateral, conforme mencionado densidade tecnológica suficientes para garantir a
no texto legal (LC 141). O termo multilateral é o integralidade da atenção à saúde em pelo menos
contrato organizativo de ação pública disposto no 90% das necessidades das pessoas. A região é ter-
decreto 7.508. Referido contrato é um acordo entre ritório dotado de certas características e serviços;
os entes federativos que, dentre outras responsabi- mas sua essência é territorial face ao cumprimen-
lidades, destaca-se a das transferências interfedera- to de necessidades comuns dos entes municipais.
tivas. Esse dispositivo legal confirma a necessidade A rede, por sua vez, deve conter serviços,
de os compromissos assumidos pelos entes federa- conforme disposto no Decreto nº 7.508, de 2011,
tivos no âmbito do SUS ser formalizado. organizados em níveis de complexidade tecnoló-
É mediante o contrato que se definem as res- gica, a qual se organiza por identidade genética
ponsabilidades: a) pelas ações e serviços na região de suas ações e serviços e permite satisfazer às ne-
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Referências