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m ó d u l o

Ana Maria Serra - Ins titut o de Terapia Cognitiva São Paulo-SP

Objetivo: aprimorar os conhecimentos de estudantes


e profissionais da Psicologia sobre a Terapia Cognitiva.
Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.
ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP

introdução

cognitiva
à terapia
Coordenação: Claudia Stella, Psicóloga Clínica,
Doutora em Educação, Docente em Psicologia e
Editora da revista Psicologia Brasil.
Módulos: oito módulos que serão publicados em
revistas seqüenciais.

Conteúdo dos módulos:

1 Introdução à Terapia Cognitiva

2 Conceitos e preconceitos sobre Terapia Cognitiva

3 Terapia Cognitiva e Depressão


Terapia Cognitiva e Suicídio
Terapia Cognitiva e Intervenção em Crise

4 Terapia Cognitiva e Transtornos de Ansiedade


Tópicos especiais em Terapia Cognitiva aplicada aos
Transtornos de Ansiedade, TOC (Transtorno Obssessivo-
Compulsivo), Fobias, Transtorno de Pânico, TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático), Ansiedade Associada à Saúde

5 Terapia Cognitiva e Dependência Química


Terapia Cognitiva e Transtornos Alimentares
Terapia Cognitiva nas Organizações

6 Terapia Cognitiva com Casais e Famílias


Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes
Terapia Cognitiva e Prevenção de Depressão em
Crianças e Adolescentes

7 Terapia Cognitiva e Transtornos de Personalidade


Terapia Cognitiva e Esquizofrenia
Terapia Cognitiva e Transtorno Bipolar

8 Resistência em Terapia Cognitiva


Terapia Cognitiva com pacientes difíceis
A aliança terapêutica em Terapia Cognitiva
Questões relacionadas a treinamento em Terapia Cognitva
Bases Históricas Em 1977, é lançado o Journal of Cognitive
da Terapia Cognitiva Therapy and Research, o primeiro periódico
Na década de 1950, nos Estados Unidos, os a tratar de Terapia Cognitiva. Em 1985, a
princípios Piagetianos da Epistemotologia palavra “cognição” passa a ser aceita em
Genética e do Construtivismo eram publicações da AABT, Association for the
conhecidos no mundo acadêmico, bem Advancement of Behavior Therapy. Em
como a Psicologia dos Construtos Pessoais 1986 Beck é aceito como membro da
de Kelly. Além disso, devido à emergência mesma AABT. E em 1987, ou seja, apenas
das ciências cognitivas, o contexto dois anos após a AABT aceitar a inclusão
da época já sinalizava uma transição da palavra “cognição” em suas publicações,
generalizada para a perspectiva cognitiva de em uma pesquisa realizada entre membros
processamento de informação, com clínicos da AABT, 69% se identificaram como tendo
defendendo uma abordagem mais cognitiva uma orientação cognitivo-comportamental.
aos transtornos emocionais. Observou-se Estava, portanto, inaugurada a era cognitiva
nessa época uma rara convergência entre na área da psicoterapia, a partir de fatos
psicanalistas e behavioristas em um ponto: que convergiram de forma decisiva para a
sua insatisfação com os próprios modelos emergência de uma perspectiva cognitiva,
de depressão, respectivamente, o modelo que se refletiu na proposição da Terapia
psicanalítico da raiva retroflexa e o modelo Cognitiva como um sistema de psicoterapia,
behaviorista do condicionamento operante. baseado em modelos próprios de
Clínicos apontavam para a validade funcionamento humano e de psicopatologia.
questionável desses modelos como modelos
de depressão clínica.
Aaron Beck
Em decorrência, observou-se nas décadas
de 1960 e 1970 um afastamento da Mas quem é Aaron Beck, o criador da
psicanálise e do behaviorismo radical por Terapia Cognitiva? Beck nasceu em 1921.
vários de seus adeptos. Em 1962, Ellis, Graduou-se em 1942 em Inglês e Ciências
propôs sua Rational Emotive Therapy, Políticas pela Brown University, seguindo
ou Terapia Racional Emotiva, a primeira para a Escola de Medicina da Universidade
psicoterapia contemporânea com clara de Yale, onde completou sua Residência
ênfase cognitiva, tomando os construtos em Neurologia. Em 1953, certificou-se
cognitivos como base dos transtornos em Psiquiatria, e, em 1954, tornou-se
psicológicos. Behavioristas como Bandura, Professor de Psiquiatria da Escola de
Mahoney e Meichembaum publicaram Medicina da Universidade da Pennsylvania
importantes obras em que apontavam em Philadelphia. Nos anos 60, criou e
os processos cognitivos como cruciais na dirigiu o Centro de Terapia Cognitiva da
aquisição e regulação do comportamento, Universidade da Pennsylvania. Em 1995,
propondo a cognição como construto afastou-se do Centro, fundando com sua
mediacional entre o ambiente e o filha Judy Beck o Beck Institute, em Bala
comportamento, bem como estratégias Cynwid, um subúrbio de Philadelphia.
cognitivas e comportamentais para Em 1996, retornou à Universidade da
intervenção sobre variáveis cognitivas. Pennsylvania como Professor Emérito,
Martin Seligman, na mesma época, propôs com um grande financiamento do NIMH
sua Teoria do Desamparo Aprendido, uma – National Institute of Mental Health
teoria essencialmente cognitiva, e suas dos Estados Unidos. Além disso, vem
revisões, como relevante para processos recebendo inúmeros prêmios e honrarias
psicológicos na depressão. de instituições ao redor de todo o mundo.
A Emergência da Terapia Cognitiva indivíduo contra si, o ambiente e o futuro.
Inicialmente, Beck propôs o modelo Com base em suas observações clínicas
cognitivo de depressão, que evoluindo, e experimentos empíricos, Beck propôs
resultou em um novo sistema de sua teoria cognitiva da depressão. A
psicoterapia, que seria chamado de Terapia negatividade geral expressa pelos pacientes
Cognitiva. Fundamentalmente, a influência não era um sintoma de sua depressão, mas
mais importante, e a que deu origem à antes desempenhava uma função central
Terapia Cognitiva, foram os experimentos e na instalação e manutenção da depressão.
observações clínicas do próprio Beck. Além disso, depressivos sistematicamente
Na área de seus experimentos, Beck distorciam a realidade, aplicando um
inicialmente explorou empiricamente o viés negativo em seu processamento de
modelo psicanalítico da depressão como informação. Beck aponta a cognição, e
agressão retroflexa, ou seja, uma agressão não a emoção, como o fator essencial na
do indivíduo contra ele próprio em uma depressão, conceituando-a, portanto, como
tentativa de auto-punição. Através de um transtorno de pensamento e não um
estudos de exploração do conteúdo dos transtorno emocional. Propôs a hipótese
sonhos e de manipulação de humor e de vulnerabilidade cognitiva, como a pedra
desempenho com depressivos, reuniu dados fundamental do novo modelo de depressão,
que contrariaram o modelo motivacional da e a noção de esquemas cognitivos.
psicanálise, e apontaram para a depressão Em 1967, Beck publicou sua primeira
como refletindo simplesmente padrões obra importante, “Depressão: Causas e
negativos de processamento de informação. Tratamento” (1967), à qual seguiu-se uma
Nessa época, Beck e colaboradores série contínua de publicações expressivas
desenvolveram o Beck Depression como “Terapia Cognitiva dos Transtornos
Inventory, medida que se tornaria a escala Emocionais” (1976), obra na qual a terapia
de depressão mais amplamente utilizada cognitiva já é apresentada como um novo
em pesquisa em todo o mundo. A atual sistema de psicoterapia, “Terapia Cognitiva
versão revisada do inventário foi publicada da Depressão” (1979), a obra mais citada
em 1996 (BDI-II), mas não está validada na literatura especializada, além de outras
em Português. obras importantes, em que Beck e seus
Na área de suas observações clínicas, estas colaboradores desenvolvem e expandem os
indicavam direções semelhantes. Beck limites da Terapia Cognitiva, aplicada a uma
observou que, durante a livre-associação, ampla gama de transtornos.
pacientes não estavam relatando um
fluxo de pensamentos automáticos, pré- Características Básicas
conscientes, rápidos, específicos, em um As principais características da
auto-diálogo ininterrupto. Investigando, Terapia Cognitiva, como um sistema de
notou que tais fluxos de pensamentos psicoterapia, são:
eram fundamentais para a conceituação
do transtorno dos pacientes. Funcionavam  Constitui um sistema de psicoterapia
como uma variável mediacional entre integrado. Combina o modelo cognitivo
a ideação do paciente e sua resposta de personalidade e de psicopatologia
emocional e comportamental. Além a um modelo aplicado, que reúne um
disso, no caso dos pacientes depressivos, conjunto de princípios, técnicas e
esses pensamentos expressavam uma estratégias terapêuticas fundamentado
negatividade, ou pessimismo, geral do diretamente em seu modelo teórico.
Conta, ainda, com comprovação empírica ele possa desempenhar seu papel
através de um volume respeitável de como colaborador ativo. Envolve uma
estudos controlados de eficácia. Em relação genuína entre terapeuta
outras palavras, satisfaz os critérios e paciente, baseada em empatia
básicos que lhe conferem o status de terapêutica, em que o terapeuta é
sistema de psicoterapia. amigável, caloroso e genuíno.
 Demonstra aplicabilidade eficaz, segundo  As sessões, bem como o processo
estudos controlados, em várias áreas: terapêutico, são semi-estruturadas,
na área tradicional da Psicologia Clínica, envolvendo tarefas entre as sessões.
em que TC é aplicada à depressão, aos É focal, requerendo uma definição
transtornos de ansiedade (ansiedade concreta e específica dos problemas do
generalizada, fobias, pânico, hipocondria, paciente e das metas terapêuticas.
transtorno obsessivo-compulsivo), à
 Tem um caráter didático, em que o
dependência química, aos transtornos
objetivo não é unicamente ajudar o
alimentares, aos transtornos de stress
paciente com seus problemas, mas dotá-
pós-traumático, aos transtornos de
lo de um novo instrumental cognitivo
personalidade, à terapia com casais e
e comportamental, através de prática
em grupo etc., com adultos, crianças
regular, a fim de que ele possa perceber
e adolescentes. A Terapia Cognitiva
e responder ao real de forma funcional,
padrão, reunindo técnicas e estratégias
sendo o funcional definido como aquilo
terapêuticas destinadas à realização
que concorre para a realização de suas
de seus objetivos básicos, é modificada
metas. Nesse sentido, as intervenções
para aplicação a diferentes áreas de
são explícitas, envolvendo feedback
especialidade, refletindo modelos teóricos
recíproco entre o terapeuta e o paciente.
e aplicados particulares para cada
É um processo terapêutico de tempo
classe de transtorno.
curto e limitado, podendo sua aplicação
 Aplica-se ainda às áreas de educação, variar entre aproximadamente 12 e
esportes e organizações, sendo também 24 sessões, tornando-a apropriada
utilizada com sucesso como coadjuvante ao contexto socioeconômico atual, e
no tratamento de distúrbios orgânicos, possibilitando sua utilização pelo sistema
área em que conta com um grande de saúde público, bem como pelos
volume de estudos científicos. E, no convênios e seguros de saúde.
caso particular das psicoses, as
 Mostra-se eficaz para diferentes
publicações se avolumam nas áreas
populações, independentemente de
de esquizofrenia e transtorno bipolar,
cultura e níveis socioeconômico e
indicando resultados encorajadores.
educacional (Serra et al., 2001).
Representa um processo terapêutico
diretivo e semi-estruturado, orientado à A reunião de todas essas características
resolução de problemas. É colaborativa, seguramente nos permite afirmar que a
ou seja, reflete um processo em Terapia Cognitiva representa uma mudança
que ambos, terapeuta e paciente, de paradigma no campo das psicoterapias.
têm um papel ativo e estabelecem Entretanto, a Terapia Cognitiva parece fácil,
colaborativamente metas terapêuticas, mas não é! A média de trainees que se
as agendas de cada sessão, tarefas tornam proficientes em Terapia Cognitiva
entre sessões etc. Requer a socialização após o primeiro ano de treinamento em
do paciente ao modelo, a fim de que centros internacionais é de apenas 25%,
índice que tende a aumentar a O Princípio Básico da
medida que se prolonga o tempo de Terapia Cognitiva e o Modelo
treinamento, apontando para a Cognitivo de Psicopatologia
relevância do treinamento adequado. O princípio básico da Terapia Cognitiva pode
Recomenda-se, portanto, treinamento ser resumido da seguinte forma: nossas
extenso e formal, com instrutores respostas emocionais e comportamentais,
capacitados na área específica da bem como nossa motivação, não são
Terapia Cognitiva, e supervisão clínica influenciadas diretamente por situações,
prolongada, até que o terapeuta esteja mas sim pela forma como processamos
apto a atender independentemente. essas situações, em outras palavras,
pelas interpretações que fazemos dessas
Intervenção Clínica situações, por nossa representação
em Terapia Cognitiva dessas situações, ou pelo significado
Destacamos diversas fases. Na primeira, que atribuímos a elas. As nossas
enfatiza-se a definição da estratégia de interpretações, representações ou
intervenção, ou seja, a conceituação atribuições de significado, por sua vez,
cognitiva do paciente e de seus problemas, refletem-se no conteúdo de nossos
a definição de metas terapêuticas e do pensamentos automáticos, contidos em
planejamento do processo de intervenção. vários fluxos paralelos de processamento
Na segunda fase, o terapeuta objetiva a cognitivo que ocorrem em nível pré-
normalização das emoções do paciente, consciente. O conteúdo de nossos
a fim de promover a motivação do pensamentos automáticos, pré-conscientes,
paciente para o trabalho terapêutico e sua reflete a ativação de estruturas básicas
vinculação ao processo. Nesse sentido, inconscientes, os esquemas e crenças, e o
o terapeuta prioriza o que podemos significado atribuído pelo sujeito ao real. Um
chamar de intervenção em nível funcional, exemplo simples para ilustrar esse princípio:
concentrando-se no desafio de cognições suponhamos que nos encontremos
disfuncionais, iniciando os primeiros casualmente com um amigo que não nos
esforços em resolução de problemas, cumprimenta. Se pensarmos “ele não
e encorajando o desenvolvimento, pelo quer mais ser meu amigo”, nossa emoção
paciente, de habilidades próprias para a será tristeza e nosso comportamento
resolução de problemas. Na terceira fase, será possivelmente afastarmo-nos
o terapeuta enfatiza a intervenção em do amigo. Se, porém, pensarmos “oh,
nível estrutural, ou seja, o desafio de será que ele está aborrecido comigo?”,
crenças e esquemas disfuncionais, nossa emoção será apreensão e nosso
objetivando promover a reestruturação comportamento será procurar o amigo
cognitiva do paciente. Na quarta fase, de e perguntar o que está havendo. Ou
terminação, promove-se, através de várias ainda, se pensarmos “quem ele pensa
técnicas, a assimilação e generalização que é para não me cumprimentar?
dos ganhos terapêuticos bem como a Ele que me aguarde!”, nossa emoção
prevenção de recaídas. O objetivo último dos poderia ser raiva e o comportamento,
esforços terapêuticos é dotar o paciente de confrontaríamos o amigo. Porém, diante da
estratégias cognitivas e comportamentais, mesma situação, podemos ainda pensar
a fim de capacitá-lo para a promoção e “não me cumprimentou... acho que não
preservação continuadas de uma estrutura me viu”; e, nesse caso, nossas emoções e
cognitiva funcional. comportamentos seguiriam inalterados.
Este exemplo ilustra, portanto, que de nosso comportamento, frente a essa
nossas interpretações, representações, determinada situação.
ou atribuições de significado atuam
Daí decorre que a teoria cognitiva básica
como variável mediacional entre o real
reflete um paradigma de processamento de
e as nossas respostas emocionais e
informação, baseado em esquemas, como
comportamentais. Daí decorre que, para
um modelo de funcionamento humano.
modificar emoções e comportamentos,
Quanto ao sistema de processamento
intervimos sobre a forma do indivíduo
de informação, este envolve estruturas,
processar informações, ou seja, interpretar,
processos e produtos, envolvidos na
representar ou atribuir significado a
representação e transformação de
eventos, em uma tentativa de promover
significado, com base em dados sensoriais
mudanças em seu sistema de esquemas e
derivados do ambiente interno e externo.
crenças. Essas intervenções objetivariam
As estruturas e processos do sistema
uma reestruturação cognitiva do paciente,
atuariam a fim de selecionar, transformar,
o que o levará a processar informação no
classificar, armazenar, evocar e regenerar
futuro de novas formas.
informação, segundo uma forma que faça
O modelo cognitivo de personalidade sentido para o indivíduo em sua adaptação
pode ser resumido como segue. e funcionamento. Central, portanto, para
Através de sua história, e com base em o modelo cognitivo é a capacidade para
experiências relevantes desde a infância, atribuição de significado.
desenvolvemos um sistema de esquemas,
Quanto ao modelo cognitivo de
localizado em nível inconsciente ou,
psicopatologia, de forma semelhante, este
utilizando conceitos da Psicologia cognitiva,
propõe que, durante o desenvolvimento
em nossa memória implícita. Esquemas,
e em vista de regularidades do real
nesse sentido, podem ser definidos como
interno e externo, indivíduos podem
super-estruturas cognitivas, que refletem
gradualmente perder sua flexibilidade
regularidades passadas, conforme
cognitiva, isto é, a capacidade para
percebidas pelo sujeito. Ao processarmos
atualizar continuamente seus esquemas
eventos, os esquemas implicitamente
em vista de novas regularidades. Estes
organizam os elementos da percepção
esquemas enrijecendo-se se tornariam
sensorial, ao mesmo tempo em que são
disfuncionais, predispondo o indivíduo
atualizados por eles, em uma relação
a distorções cognitivas e à resistência
circular. Os esquemas ainda dirigem
ao reconhecimento de interpretações
o foco de nossa atenção. Incorporadas
alternativas, que, em conjunto com
aos esquemas, desenvolvemos crenças
fatores biológicos, motivacionais e sociais,
básicas e pressuposições intermediárias
originariam os transtornos emocionais.
específicas para diferentes classes
Fundamental, portanto, para o modelo
de eventos, as quais são ativadas em
cognitivo de psicopatologia e o modelo
vista de eventos críticos elicitadores.
aplicado de intervenção clínica é a hipótese
A ativação dessas crenças reflete-se
da vulnerabilidade cognitiva, segundo a
em nosso pré-consciente, nos conteúdos
qual indivíduos portadores de transtornos
dos pensamentos automáticos, que
emocionais apresentam uma rigidez, ou
representam nossa interpretação do
uma tendência aumentada a distorcer
evento, ou o significado atribuído a ele.
eventos, no momento de processá-los. E,
Estes, por sua vez, influenciam a qualidade
uma vez feita uma atribuição, resistem
e intensidade de nossa emoção e a forma
ao reconhecimento de interpretações
alternativas. Outra hipótese básica para situação?”, “a cognição ajuda ou atrapalha
o modelo da Terapia Cognitiva refere-se à na realização de sua meta?”, e “qual o
primazia das cognições, segundo a qual as efeito de se crer em uma interpretação
cognições têm primazia sobre as emoções alternativa?”. Utilizamos enfim formas,
e comportamentos, embora não de uma apropriadas à situação, de questionamento
forma rigidamente causal e temporal. socrático, ou seja, formas aparentemente
imparciais, a fim de encorajar nosso
paciente a re-significar ou re-interpretar
Princípios, Técnicas e
a situação, utilizando outras linhas de
Estratégias de Intervenção Clínica
raciocínio e outras perspectivas diante
Para se promover o que classificamos das mesmas classes de eventos. Ao final,
anteriormente de intervenção funcional solicitamos ao paciente que re-avalie agora
sobre o conteúdo das cognições, com seus pensamentos e emoções originais,
o objetivo de possibilitar ao paciente encorajando-o a definir planos de ação para
a modulação de suas emoções, lidar com os mesmos eventos no futuro:
necessitamos primeiramente levá-lo a como pensar, sentir e agir diferentemente?
identificar as cognições pré-conscientes Além dessas técnicas de intervenção
que representam a base das emoções funcionais, podemos utilizar ainda técnicas
adversas, as chamadas “cognições de distanciamento ou deslocamento de
quentes”. As pessoas naturalmente não atenção, visando a normalização das
entram em contato com seus pensamentos emoções, apenas mantendo em mente
automáticos negativos no momento em que tais técnicas promovem apenas
que experienciam emoções adversas. É, alívio emocional temporário, devendo ser
portanto, necessário treinar pacientes para utilizadas com parcimônia e em alternância
identificar seus pensamentos automáticos, com tentativas efetivas de reestruturação
encorajando, através de questionamento, cognitiva.
uma re-encenação mental da situação, até
finalmente fazermos a pergunta-chave: Inicialmente, conduzimos a identificação
“o que estava passando por sua mente, e os desafios de cognições em sessão;
pensamentos e imagens, no momento gradualmente, porém, encorajamos o
em que começou a sentir a emoção?”. É paciente a realizar o mesmo entre as
importante identificarmos pensamentos sessões, utilizando inclusive formulários
ou imagens que correspondam à qualidade para registro e desafio de pensamentos
e intensidade da emoção relatada. automáticos negativos, encontrados em
Identificada a cognição, passamos ao manuais de TC.
seu desafio, avaliando inicialmente o nível Na fase intermediária da terapia, ou seja,
de crença na cognição e a intensidade de intervenção sobre esquemas e crenças,
da emoção associada. Para desafiar a objetivamos a re-estruturação cognitiva do
cognição, podemos buscar evidências que indivíduo, que o levará a processar o real
a apóiem ou a contrariem, interpretações de uma nova forma. Focalizamos, nessa
alternativas, por exemplo, “de que forma fase, a identificação e desafio de crenças
alternativa você poderia pensar?”, ou disfuncionais. Crenças representam
“como outro pensaria diante da mesma os esquemas traduzidos em palavras.
situação?”, ou ainda “como aconselharia São consideradas disfuncionais quando
outro na mesma situação?”. Podemos ainda predispõem a transtornos emocionais.
recorrer a um desafio mais pragmático, Caracterizam-se por refletir rigidez,
perguntando “qual a sua meta nessa estarem associadas a emoções muito
fortes, denotarem um caráter excessivo, Conclusão
supergeneralizado, extremo e irracional, Como vimos, a Terapia Cognitiva surgiu
podendo, muitas delas, ser culturalmente há poucas décadas, e nesse curto
reforçadas. Podem ser inferidas por tempo tornou-se o mais validado e mais
corresponder a temas recorrentes durante reconhecido sistema de psicoterapia, e a
o tratamento, tipos de erros cognitivos abordagem de escolha ao redor do mundo
freqüentes, avaliações globais, por exemplo, para uma ampla gama de transtornos
“sou incapaz”, ou “ninguém me entende”, psicológicos. A originalidade e o valor das
ou ainda “o mundo é cheio de perigos”, idéias iniciais de Beck foram reforçados
e memórias ou ditos familiares, por e expandidos através de um volume
exemplo “tal pai, tal filho” ou “tirar 10 não respeitável de estudos e publicações,
é mais que obrigação”. A identificação de refletindo hoje o que há de melhor no
crenças requer um cuidado maior do que estágio atual do pensamento e da prática
dos pensamentos automáticos, pois, se psicoterápica, um merecido tributo a Beck
abordarmos uma crença precocemente, e seus colaboradores e seguidores, dentre
poderemos ativar a resistência do paciente, os quais inúmeros profissionais no Brasil e
dificultando referências futuras à mesma no mundo têm o privilégio de figurar.
crença. Necessitamos, portanto, através
de esforços consistentes de conceituação
cognitiva, baseados em toda a informação
que conseguirmos coletar, refinar
continuamente as nossas hipóteses de
crenças disfuncionais, abordando-as apenas
quando já se tornaram evidentes para o
indivíduo. Em outras palavras, devemos
abordar as crenças disfuncionais apenas
quando já houver um volume considerável Ana Maria Serra
de evidências, que possibilitem ao paciente PhD em Psicologia e Terapeuta
estar preparado para reconhecê-las como Cognitiva pelo Institute of
disfuncionais e estar motivados a substituí- Psychiatry da Universidade
las por crenças mais funcionais. de Londres, Inglaterra.
Na última fase, de terminação, conforme Presidente Honorária da ABPC
anteriormente indicado, empregamos uma – Associação Brasileira de
variedade de técnicas para promover a Psicoterapia Cognitiva.
generalização das estratégias adquiridas Diretora do ITC – Instituto de
durante o processo clínico e das novas Terapia Cognitiva, que atua nas
formas de perceber e responder ao real, áreas de clínica, pesquisa,
reforçando-se o novo sistema de esquemas consultoria e treinamento
e crenças, em uma tentativa de se prevenir de profissionais, oferecendo
recaídas e garantir a preservação de uma regularmente Cursos e Palestras,
estrutura cognitiva funcional. dentre os quais um Curso de
Especialização em Terapia Cognitiva
credenciado pelo CFP – Conselho
Federal de Psicologia.
E-mail: itc@itc.web.com
Site: www.itc.web.com
© Ana Maria Serra, PhD.
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exclusivamente mediante autorização expressa da autora.

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