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Disciplina: Psicodrama

Professor: Wellington Nonato Borges Sobrinho


Aluno: Erwin Wagner Filho

Janela Indiscreta e Psicanálise: Uma relação entre a obra de Alfred


Hitchcock e a Psicologia

Esse trabalho tem como objetivo principal estabelecer uma relação entre a proposta
temática abordada por Nicaulis Costa Conserva intitulada “Teatro e Psicanálise: uma leitura
da obra de Jacob Levy Moreno” e a Arte cinematográfica de Alfred Hitchcock, intitulada em
“Rear Window” („Janela dos fundos‟), que na versão brasileira adquiriu o tema “Janela
Indiscreta”. O trabalho pretende encontrar na análise entre a abordagem de Conserva (2014) e
o filme supracitado.
Segundo Conserva (2014), a Arte e a Psicanálise têm sua conexão no que tange os
processos criativos e terapêuticos. Porém, esse debate ainda carece de um estudo aprofundado
que esclareça seus caminhos metodológicos. Para a autora, o objetivo de sua pesquisa é
abordar um método que uma teatro e Psicologia, nos termos do Psicodrama.
Nesse sentido, a partir da fundamentação encontrada na obra de Jacob Levy Moreno,
em que o autor, apresenta a possibilidade de um amadurecimento a partir do relacionamento
humano com o meio social, no qual, o psicodrama representa uma “ideia fixa de que uma
pessoa sozinha não tem nenhuma autoridade, que ela deve ser a voz de um grupo. Deve existir
um grupo: a nova palavra deve vir de um grupo. Isto é, [...] procurando amigos, seguidores,
pessoas do bem, [...] ajuda e cura, porque ajudar era mais importante que falar. [...]fazer as
coisas pelo desejo de fazê-las, sem recompensas, sem reconhecimento. [...]de anonimato”.
Foi no período pós-guerra quando os austríacos sofriam com a ausência de líderes
sociais e políticos e na primavera de 1922, que Moreno sugeriu um movimento populacional,
para discutir uma possível estruturação política da Áustria. Porém, o autor nos relata que este
Teatro Público foi um fracasso, no entanto, foi o primeiro momento de vivência
Sociodramática aplicada a problemas políticos e sociais.
Foi a partir daí, que Moreno, considerou-se um psicodramatista, aproximou-se de
pessoas relacionadas ao teatro e criou-se pela primeira vez: o Teatro da Espontaneidade.
Segundo o autor, “as encenações deste teatro eram constituídas de dramatizações das
manchetes dos jornais impressos, chamadas Jornal Vivo, e criações espontâneas a partir de
temas dados”.
Com a falta de aceitação desse teatro espontâneo pelos críticos e população em geral,
Moreno passou a dedicar-se à sua pesquisa científica com ênfase na Sociometria1, Psicodrama
e Psicoterapia de Grupo, (termos por ele criado), os quais buscavam o desenvolvimento dos
indivíduos no grupo e com grupo.
Conhecer cada indivíduo e suas capacidades criativas e expressões de espontaneidade
foram os principais focos do trabalho desenvolvido por Moreno. Pois, para ele, um indivíduo
deve ter suas ações analisadas no e com o grupo. Essa dinâmica foi por ele denominada
Socionomia.
Com a contribuição de Moreno, estabeleceu-se o contato com o Teatro Espontâneo,
que conceitualmente representou “a grande revolução da arte grega, época em que o povo das
cidades gregas começou a contestar as antigas tradições e lendas sobre os deuses. É o período
em que a ciência, e a filosofia se desenvolve o teatro a partir das cerimônias em honra de
Dionísio”.
De forma conceitual temos o teatro convencional, no qual o autor cria todos os
personagens, sua trama e falas, trabalhando através da repetição dos ensaios. Enquanto, no
psicodrama o autor, personagens, roteiro, somos nós mesmos, ou seja, é o teatro da vida.
Nesse mesmo período, com a criação do Teatro Artístico de Moscou, no ano de 1898,
por Constantin Stanislavski - o ator e encenador russo - influenciou com seu trabalho de
preparação do ator, as ideias encontradas em Moreno, principalmente no que se refere a
memória afetiva do ator.
Ao perceber a dificuldade dos atores em fazerem uma entrega emocional exigida pela
cena, Stanislavski desenvolveu uma técnica extremamente relevante à criação e ao
desempenho dos papéis, em que, a partir de algum fato pessoal de sua vida que o comovesse,
essa emoção, era modificada, e levada à cena. Esse impacto emotivo, vivido no passado a
medida que o ator encenava o personagem, ia tornando-se menos efetivo e a memória afetiva
do ator era atualizada constantemente.
Dessa forma o Método Stanislavski, tem sua ligação à Psicologia, o que pode-se
considerar um “psicologismo” de representação. Essa foi a principal aproximação de Moreno
com Stanislavski. A memória afetiva do ator trabalhada no método de Stanislavski podia ser

1
Sociometria - ciência da análise e medida das relações interpessoais. Objetiva relacionar as formas de
aproximação, identificação e/ou rejeições, com as formações e desenvolvimentos dos âmbitos psicológico, social
e biológico.
encontrada tanto no Sociodrama de Moreno, em que os conflitos sociais são representados
numa busca alcançar uma catarse socialmente construída, quanto no Psicodrama que trata
conflitos pessoais e busca alcançar uma catarse pessoal.
O Psicodrama é realizado essencialmente com o grupo, no grupo e pelo grupo
utilizando-se dos ecos da vivência, contada e representada no grupo.
A metodologia psicodramática é uma união de elementos e conceitos das teorias
filosóficas e teatrais e, segundo Moreno, busca desenvolver a espontaneidade e a tomada de
consciência através da ação.
Assim sendo, no Psicodrama encontra-se o desenvolvimento dos papéis
psicodramáticos os quais estão relacionados aos conceitos psicológicos do Eu e correspondem
aos papéis que surgem da atividade criadora do indivíduo, e os papéis sociais, que estão em
relacionados com as funções sociais que o sujeito assume, os quais relacionam-se com o seu
ambiente de pertença e identidade.
O Psicodrama ainda pode ser considerado “como um sistema que habilita as pessoas a
agir e a sentir, a descobrir coisas e a vê-las por si mesmas […] como a ciência que explora a
„verdade‟ por métodos dramáticos”.
Vale ressaltar, segundo nos aponta Conserva, que, as principais ferramentas utilizadas
pelo psicodramatista Moreno, visam evidenciar a Ação Psicodramática. Elas constituem: a) o
palco, como expansão do espaço da vida, mesclado realidade e fantasia, cuja forma circular
permite o emergir dos conflitos e o desenvolvimento da ação; b) o cenário compõe as
características do espaço no qual o sujeito vivenciará a cena; c) o Protagonista, como sujeito
central, é o que expressará sua espontaneidade e assim, expor na cena os seus problemas
cotidianos; d) o diretor, desempenha três funções, o diretor da cena, o terapeuta e o analista; e)
os Ego-auxiliares, são os que auxiliam o protagonista junto ao Diretor, na representação de
personagens reais ou imaginários; f) o auditório, são as pessoas da plateia que podem ou não
auxiliar o protagonista a vivenciar o ator psicodramático na ação.
Segundo Dunker e Rodrigues (2013), há uma relação homóloga entre a prática da
psicanálise e o cinema, que se apoiam principalmente nas “afinidades sociológicas, narrativas,
políticas e semióticas entre cinema e psicanálise, a fundamental, que reúne todas as anteriores,
é de método”. A exemplo disso encontramos na obra Delírios e sonhos na “Gradiva” de
Jensen, Freud reconhecendo a arte como campo de saber com perspectiva de operacionalizar
na lacuna, na qual, a ciência, e também a psicanálise, encontraria obstáculos em seu avanço,
pois, assim como o sonho, a obra de arte teria o caráter de uma solução de compromisso entre
os sistemas inconsciente e pré- consciente-consciente (Dunker & Rodrigues, 2013, p. 24).
No entanto, foi Lacan quem redimensionou a perspectiva freudiana sobre arte,
situando-a como intérprete da psicanálise, como saber que precede o psicanalista, podendo o
artista abrir caminho para os psicanalistas quando essa abertura deixa passagem a um saber
que não se sabe, ou que não se sabe que sabe.
A arte cinematográfica constitui como a mais imaterial das artes e esconde o mais
imaterial dos objetos: o olhar. No qual, o indivíduo vê a partir de um único ponto, podendo
ser olhado de todas as partes. Dessa forma, o olhar, está do lado de fora, e o que determina o
sujeito no campo do visível é justamente esse olhar, ou seja, o fato de ser olhado (Lacan,
1964/1998, p. 104).
Ao analisarmos a obra de Alfred Hitchcock (1954) “Janela Indiscreta”, cujo título
original, “Rear Window” (Janela dos Fundos) baseou-se no livro “Murder from a fixed
viewpoint” (“Assassinato de um ponto de vista fixo”), de Cornell Woolrich, encontramos no
protagonista, Jeff, mais especificamente, no seu olhar, a retirada da onipresença da câmera,
projetada a partir de único ponto, concentrada na atitude de um voyeur, que nas condições de
limitação físicas de locomoção, fica em frente sua janela observando o cotidiano alheio.
O olhar do protagonista enxerga a partir do quadro de sua janela, a Miss Lonelyheart,
uma senhora de meia-idade desesperada por um amor; Miss Torso, a dançarina do outro lado
do pátio que vive no andar de cima de onde mora uma escultora surda que mora em frente a
um músico que está constantemente trabalhando numa composição para piano e que pode
olhar pela janela e ver um casal vizinho que dorme na escada de incêndio, que possui um
cãozinho xereta…
Thorwald tem uma atitude estranha após a outra, e Jeff tem de fazer o impossível para
convencer Lisa, sua namorada linda e elegante – papel da primeira e única Grace Kelly – de
que está certo. Seu antigo companheiro de guerra, agora um detetive, também não acredita
nele, principalmente por conta de todas as evidências que ele encontra e que podem inocentar
Thorwald. Por várias vezes, Jeff procura amparo na lei e é rechaçado pelos fatos e pelo bom
senso, até que seu amigo finalmente lhe diz para deixar de lado e cuidar da própria vida.
Pensar o quadro como janela cumpre com a ideia de que o homem ao olhar sobre o
mundo e saber sobre ele, circunscreve o território do íntimo e o ponto de vista, entendendo-o
como condição desta nova visão da qual goza o sujeito: ver sem ser visto. Para a psicanálise, o
campo do visível está fundamentalmente incompleto, uma só coisa não se vê no que vejo: o
ponto desde onde vejo.
A cada novo olhar nos afazeres privados, em suas reações sutis mais imensamente
satisfatórias quando o assunto é perspectiva, são capazes de servirem como elementos que
mantém uma relação viva e pulsante entre protagonista/público e protagonista/vizinhos.
Com o crescimento da tecnologia e das redes sociais, disponibilizou-se um olho que
lhe olha enquanto o expõe e, assim, os olhos e câmeras se multiplicam, multiplicando as
imagens cada vez mais evanescentes. Ao mesmo tempo em que a crença na imagem como
verdade aumenta, assistimos a um exibicionismo desmedido que culmina nas celebridades
instantâneas da televisão e da internet. Essa exibição sem pudor, no entanto, constitui numa
condição de que o sujeito não se reconheça como tal naquilo que mostra. Esse não
reconhecimento atesta um indivíduo como um produto, que, reduzido ao visível é reduzi-lo ao
seu organismo pensável, como objeto da ciência, ou à sua imagem, objeto evanescente, objeto
nada.
Hitchcock ao colocar o espectador na condição dupla com o personagem de James
Steward como um voyeur, demonstra como Jeff, na janela está no lugar de um espectador
assistindo a um filme. O clímax da observação de Jeff se dá como um espelho, do outro lado
do pátio, no apartamento suspeito, há uma mulher confinada à cama e é seu marido que faz
várias idas e vindas, deixando Jeff cada vez mais curioso e agitado. Ele supõe que a mulher
seja um fardo para esse homem, e que ele vai matá-la. Pede ajuda a um amigo detetive e à sua
noiva Lisa para a investigação, que acompanhará de seu ponto de vista fixo.
Hitchcock mostra a função do olho, bem como operar com o olhar, “brincando” com a
esquize e suas possibilidades, enquanto seu personagem Jeff busca, pela fenda aberta em cada
espaço, pela divisão, o olhar para sempre perdido que, no entanto, garante a imagem e cria as
histórias que lhe servirão de anteparo para o objeto com o qual se identificou.
Nessa condição, a identificação do protagonista reflete suas próprias “esquizes” como
no processo psicodramático, no qual a arte permite o encontro consigo mesmo por meio do
olhar do grupo, consigo e com o outro.
Cabe considerar, que o olhar pode comportar como um olho absoluto, obsceno e
violento da contemporaneidade, que por acreditar que pode ver tudo sem a mediação da
representação, leva o sujeito a um ideal da transparência, ideal de nossos tempos, que conduz
a um exibicionismo orgulhoso de si. O olho obsceno acredita que pode atingir a verdade em
que ver tudo é poder saber tudo, como Édipo um dia acreditou, e que lhe custou os olhos. É
um olho inadvertido da impossibilidade estrutural de um saber sem falhas, de uma visão sem
manchas, de um sujeito sem castração.
Presos ao imaginário e aos ideais unificadores que fazem as pessoas condenadas à
obscuridade e expostos, os sujeitos contemporâneos acreditam nas imagens reconciliadoras,
pacificadoras, sem reconhecê-las como imagens, mas sim como verdades sobre o mundo e
sobre si mesmo. Porém, só haverá visibilidade interditada aquela que, sendo capaz de fundar-
se em nossa subjetividade, distorce o campo do visível, no ato de se constituir a partir de uma
mancha.

REFERÊNCIAS
CONSERVA, Nicaulis Costa. "Teatro E Psicanálise: Uma Leitura Da Obra De Jacob Levy
Moreno." Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente 5.1 (2014): 29-45.
DUNKER, C. & RODRIGUES, A. (2013). Fazer cinema, fazer psicanálise. In: Cinema e
Psicanálise: a criação do desejo. (Vol. 1, pp. 13-27). São Paulo.
FREUD, S. (1996). Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. (J. Salomão, Trad.). In
S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol.
9, pp. 19-95). Rio de Janeiro: Imago. [Trabalho original publicado em 1907]

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