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ARTIGO ARTICLE
Atendimento em voz no Ambulatório de Fonoaudiologia
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Voice disorder clinic in the speech therapy outpatient unit


at “Hospital das Clínicas da Universidade Federal
de Minas Gerais”

Letícia Neiva de Menezes 1


Mara Behlau 2
1
Ana Cristina Côrtes Gama
Letícia Caldas Teixeira 1

Abstract This study set out to describe the profile Resumo O presente estudo caracterizou o perfil
of the patients with voice complaints and/or al- dos pacientes com queixas e/ou alterações vocais
terations who were attended between July 2003 atendidos de julho de 2003 a dezembro de 2006 no
and December 2006 at the speech therapy outpa- ambulatório de fonoaudiologia do Hospital das
tient unit of “Hospital das Clínicas da Univer- Clínicas da Universidade Federal de Minas Ge-
sidade Federal de Minas Gerais.” This was ana- rais de acordo com as variáveis idade, sexo, pro-
lyzed according to age, sex, profession, schooling, fissão, escolaridade, procedência, tratamento re-
origin, treatment performed and factors that in- alizado e fatores interferentes na evolução do aten-
terfere in medical care evolution. This was a ret- dimento. Trata-se de um estudo retrospectivo ba-
rospective study based on the analysis of the re- seado na análise dos dados dos prontuários, cole-
corded data of the individuals according to a spe- tados de acordo com protocolo especialmente ela-
cifically prepared Protocol. The results showed that borado. Os resultados apontaram que os indiví-
the individuals included in this study were pre- duos estudados eram predominantemente mulhe-
dominantly young women, referred by a specialist res jovens, encaminhadas para o atendimento fo-
from Belo Horizonte, who do not work and also noaudiológico por um médico especialista, proce-
have incomplete elementary school education. dentes de Belo Horizonte, sem uma ocupação pro-
Attendance of those patients was on an individual fissional e com ensino fundamental incompleto.
basis, and almost half of them were discharged by O atendimento fonoaudiológico aconteceu de for-
the speech therapist. The elderly patients, who have ma individual e quase metade dos pacientes rece-
functional or psychogenic dysphonia and a neu- beu alta. Os indivíduos mais idosos, com disfonia
tral or wheezy type of voice, showed a close corre- funcional ou psicogênica e com voz do tipo neu-
lation with the discharge rate by speech therapist. tra ou soprosa apresentaram correlação com alta
The younger individuals with organo-functional fonoaudiológica. Os indivíduos mais jovens e com
dysphonia bore a statistical correlation with aban- disfonia organofuncional tiveram correlação es-
1
Departamento de doning treatment. The individuals who eventual- tatística com o desligamento do serviço. Os sujei-
Fonoaudiologia, Faculdade
ly abandoned treatment did not bear any correla- tos que evoluíram para abandono não apresenta-
de Medicina, Universidade
Federal de Minas Gerais. tion with the crossed variables. ram correlação com as variáveis cruzadas.
Av. Montese 965/302, Santa Key words Voice, Records, Evaluation of health Palavras-chave Voz, Registros, Avaliação de ser-
Branca. 31565-150 Belo
services, Public health. viços de saúde, Saúde coletiva
Horizonte MG.
leticianeiva@click21.com.br
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Centro de Estudos da Voz.
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Menezes LN et al.

Introdução objetivo de agilizar o fluxo dos pacientes e per-


mitir maior acesso aos serviços necessários. Al-
As ações de saúde no Brasil originaram-se da gumas experiências relataram resultados positi-
necessidade de se resolver os problemas de saúde vos com a criação de grupos de orientação a fa-
das classes menos privilegiadas. O Sistema Úni- mílias de crianças com queixas fonoaudiológi-
co de Saúde (SUS) foi criado em 1988, com o cas. O objetivo dos grupos foi manter-se como
objetivo de ser um sistema único e integrado por porta de entrada do sistema de saúde e reduzir a
uma rede regionalizada de ações e serviços, que lista de espera5.
visa a redução de doenças e o acesso universal e Pesquisas no campo da fonoaudiologia co-
igualitário pela população1. munitária ou coletiva tornam-se relevantes para
As três esferas do governo – federal, estadual promover medidas fonoaudiológicas de abran-
e municipal – devem atuar de forma integrada e gência significativa na promoção da saúde da
harmônica, compondo sistemas locais e/ou regi- população e assim também definir melhor o pa-
onais nos quais as ações e os serviços oferecidos pel e o lugar do fonoaudiólogo. Para tanto, os
sejam organizados a partir de uma base de servi- estudos devem coletar e analisar informações dos
ços menos complexa, estabelecendo referências e serviços existentes e promover uma análise críti-
contra-referências. É importante que o SUS ini- ca dos pontos positivos e negativos do serviço.
cie sua organização pelos sistemas locais de saú- Em consonância a estas idéias, acredita-se que a
de para se aproximar da população a qual se formação de futuros profissionais deve incluir,
destina de modo a atender as melhor reais neces- além da educação multidisciplinar, métodos e
sidades diagnosticadas2. técnicas inovadoras, eficientes e de baixo custo
As entidades que regulam e as que oferecem voltadas para a realidade da saúde pública.
serviços de saúde têm demonstrado certa preo- Neste contexto, evidencia-se a importância de
cupação com a qualidade da atenção. O foco já se instrumentalizar programas para otimizar os
não é apenas atender as necessidades básicas, serviços públicos de saúde, especialmente na fono-
mas acrescentar melhorias e resolver buscando audiologia, em que a demanda é cada vez maior e
contemplar integralmente os verdadeiros princí- as experiências anteriores com práticas tradicio-
pios do SUS. Para avaliar se estes princípios es- nais têm demonstrado abrangência limitada e
tão sendo seguidos, alguns enfoques são utiliza- custo elevado. O planejamento e a implementa-
dos na avaliação, dentre os quais destacam-se a ção de programas de educação em saúde devem
estrutura dos locais de atendimento, a atenção fundamentar-se nas necessidades da população
dispensada pelos profissionais e suas consequên- alvo2. Assim, conhecer características da popula-
cias3. Assim, os serviços de saúde devem ser or- ção e o perfil epidemiológico em determinada área
ganizados segundo as prioridades da população é o primeiro passo para se elaborar políticas vol-
que os utiliza, as condições de atendimento da tadas para o atendimento, além de ser uma for-
unidade e as peculiaridades e a dinamicidade do ma útil de se encontrar as deficiências do sistema
local. e as necessidades de melhoria.
Nas décadas de 70 e 80, os fonoaudiólogos O Hospital das Clínicas (HC) de Belo Hori-
foram inseridos nos serviços públicos pelas se- zonte é um hospital universitário, público e geral
cretarias de educação e saúde. O primeiro movi- que realiza atividades de ensino, pesquisa e assis-
mento da área restringiu-se a apenas ocupar um tência, sendo referência no sistema municipal e
lugar físico na saúde pública. O local de atendi- no estadual de saúde, e também no atendimento
mento fonoaudiológico era estruturado como um aos pacientes portadores de patologias de média
consultório particular com o objetivo de reabili- e de alta complexidade. Integrado ao SUS, o HC
tar os pacientes. Entretanto, este tipo de atuação atende a uma clientela universalizada e, sendo uma
acarretava longas filas de espera nos serviços e unidade especial da UFMG, é campo de ensino
mostrou-se insuficiente para suprir a demanda para cursos de medicina, enfermagem, farmácia,
pelos serviços fonoaudiológicos, além de não fa- fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia, nu-
vorecer a intervenção rápida e precoce4. trição e fonoaudiologia. A participação do estu-
Em geral, os serviços de fonoaudiologia em dante no universo hospitalar proporciona um
instituições públicas sustentam-se em triagem, aprendizado de qualidade, principalmente na área
avaliação e tratamento, mas nem sempre tais de saúde pública e assistência, e coloca o HC em
abordagens são suficientes para atender toda a destaque pelas atividades de ensino e pesquisa.
demanda do serviço público. Alguns trabalhos O ambulatório de fonoaudiologia faz parte
propuseram outras formas de atuação com o do complexo do Hospital das Clínicas. O serviço
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iniciou seu funcionamento em julho de 2003 ten- alterações vocais. Assim, os adequados aos crité-
do como funções principais proporcionar a prá- rios de inclusão do estudo foram analisados con-
tica clínica aos acadêmicos do curso de fonoau- forme um protocolo especificamente elaborado.
diologia da UFMG e ampliar a rede de assistên- O protocolo foi desenvolvido considerando os
cia fonoaudiológica pelo sistema público de saú- três aspectos principais a serem avaliados: 1) a
de. Neste local os alunos realizam atendimento identificação dos sujeitos; 2) características do
clínico em todas as áreas da fonoaudiologia: fala, atendimento realizado no ambulatório de fo-
linguagem, motricidade orofacial, audição e voz. noaudiologia; e 3) caracterização vocal dos paci-
Para compreender como o atendimento em entes atendidos que apresentavam queixas e/ou
voz vem acontecendo neste serviço, o presente alterações vocais.
estudo buscou informações sobre o atendimen- A primeira parte do protocolo contém infor-
to dos indivíduos com queixas e/ou alterações mações para a identificação geral do paciente,
vocais atendidos de julho de 2003 a dezembro como idade, sexo, profissão, escolaridade e pro-
2006 no ambulatório de fonoaudiologia do Hos- cedência. A segunda parte foi utilizada para ana-
pital das Clínicas da Universidade Federal de lisar o atendimento fonoaudiológico, buscando
Minas Gerais. Foram consideradas as variáveis: dados acerca da origem do encaminhamento ao
idade, sexo, profissão, escolaridade e procedên- ambulatório, o tipo de atendimento realizado, a
cia. A avaliação vocal e o tratamento realizado evolução, o tempo de atendimento e a quantida-
foraminvestigados, e identificados os fatores que de de sessões realizadas e de terapeutas que assis-
interferiram na evolução do atendimento. tiram o paciente. Quanto à evolução do paciente,
O objetivo do presente trabalho foi compre- buscou-se também o motivo de desligamento ou
ender e caracterizar como essa população é aten- abandono. Na terceira parte do protocolo, ana-
dida de modo a incorporar conhecimentos im- lisou-se os aspectos da avaliação de voz, por meio
portantes para atender integralmente as diretri- dos dados da avaliação perceptivo-auditiva. Os
zes do SUS e exercer de maneira plena o papel dados da caracterização vocal foram retirados
social da fonoaudiologia no serviço público de dos registros da primeira avaliação de voz à qual
saúde. o paciente foi submetido. Foram descritos os di-
ferentes tipos de voz encontrados, o grau do des-
vio vocal, quando presente, e o tipo de disfonia.
Métodos Os dados dos prontuários foram analisados
separadamente a fim de levantar as característi-
O presente estudo teve como base uma análise cas da população com queixas e/ou alterações
retrospectiva dos dados dos prontuários de in- vocais atendida no ambulatório de fonoaudio-
divíduos com queixas e/ou alterações vocais aten- logia. Além disso, algumas variáveis foram cor-
didos no ambulatório de fonoaudiologia do relacionadas, buscando identificar os fatores in-
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de terferentes na evolução do atendimento. A fim
Minas Gerais, cuja primeira avaliação ocorreu de avaliar a associação existente entre duas vari-
no período de julho de 2003 a dezembro de 2006. áveis qualitativas, usou-se o teste de independên-
O ambulatório de fonoaudiologia do Hospi- cia. A hipótese de independência entre variáveis
tal das Clínicas da Universidade Federal de Mi- foi escolhida quando o p-valor encontrado era
nas Gerais está situado em Belo Horizonte e aten- inferior a 5%. Ou seja, se p<0,05, pôde-se dizer
de por meio do SUS. O serviço teve início em que as variáveis foram dependentes e que tive-
julho de 2003, com o objetivo de oferecer estágio ram uma associação entre si. Análises de cruza-
curricular aos acadêmicos em fonoaudiologia da mento verificaram relações entre as variáveis ida-
UFMG e ampliar a rede de atendimento fonoau- de, profissão, escolaridade, procedência, tipo de
diológico pelo sistema público de saúde. Estes voz, grau do desvio vocal e tipo de disfonia e a
são semanais, com 40 minutos de duração e rea- evolução do atendimento. Foram descritos tam-
lizados por alunos do 5o ao 8o períodos, supervi- bém os valores mínimo e máximo da idade e os
sionados por professores do curso de fonoaudio- limites inferior e superior, com intervalo de 95%
logia da UFMG. de confiança para média.
Inicialmente, foram incluídos na coleta dos Em alguns protocolos havia variáveis sem
dados todos os prontuários existentes no ambu- registro, no entanto, esses protocolos não foram
latório de fonoaudiologia no período estipula- descartados a fim de se aproveitar os dados pre-
do. Da coleta inicial, foram excluídos aqueles de sentes, considerando-se os faltantes como não
indivíduos que não apresentavam queixas e/ou informados/não registrados. Na análise dos fa-
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Menezes LN et al.

tores que pudessem interferir na evolução do formação e informação pode ser o motivo da
atendimento, foram considerados apenas os pro- falta de procura pelos serviços de fonoaudiolo-
tocolos com dados completos de acordo com gia11. Em relação à procedência dos pacientes, as
cada variável. pessoas que residem fora de Belo Horizonte só
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê são encaminhadas para esta cidade se sua cidade
de Ética e Pesquisa do Centro de Estudos da Voz de origem não dispuser do serviço público de
(CEV) sob o número 25/2006 e da UFMG, sob o fonoaudiologia. Assim, observa-se que a maio-
número 354/07. ria das pessoas é de Belo Horizonte, ou seja, da
mesma cidade onde se localiza o ambulatório.
Atualmente, muitas cidades já dispõem de servi-
Resultados e discussão ço público de fonoaudiologia, logo não é neces-
sário que a população dessas cidades seja enca-
Num total de 963 prontuários presentes no ar- minhada para Belo Horizonte para realização de
quivo do ambulatório de fonoaudiologia do tratamento fonoaudiológico. Tal conduta vai ao
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de encontro das diretrizes do SUS de proporcionar
Minas Gerais, 336 representavam indivíduos com serviços de saúde próximos à população. Algu-
queixas e/ou alterações vocais, sendo enquadra- mas pesquisas constataram também que a dis-
dos nos critérios de inclusão do estudo, e por- tância muito grande entre o local de atendimen-
tanto, analisados. Este número representa 34,8% to e a residência dos pacientes, as dificuldades
do total de prontuários. financeiras e a pouca disponibilidade de meios
A população com queixas e/ou alterações de transporte dificulta o acesso10,11.
vocais atendida no ambulatório de fonoaudio-
logia do Hospital das Clínicas da UFMG é com-
posta principalmente por mulheres, com média
de idade de 34,9 anos (Tabela 1). O predomínio Tabela 1. Distribuição de sexo, profissão, escolaridade,
de mulheres parece estar relacionado à caracterís- procedência e encaminhamento.
tica feminina de buscar ajuda mais rapidamente e
com maior frequência para os problemas de saú- Variáveis N %
de do que os homens6. Acredita-se também que Sexo
isso tenha acontecido pelo fato de a disfonia ser Feminino 231 68,8
mais prevalente em mulheres7,8. A média de idade Masculino 105 31,2
observada coincide com o período de maior de- Profissão
manda vocal das pessoas e, por isso, pode acarre- Profissional da voz 68 20,2
tar maior incidência de queixas e alterações rela- Outra ocupação 73 21,7
cionadas à voz6,8,9. Não trabalha 91 27,1
Em relação à profissão, escolaridade e proce- Não informada 104 31,0
Escolaridade
dência, houve predomínio de pessoas que não
Analfabeto 1 0,3
trabalham, com ensino fundamental incomple-
Educação infantil 2 0,6
to e procedentes de Belo Horizonte, respectiva- Ensino fundamental incompleto 41 12,2
mente (Tabela 1). O fato de haver maior quanti- Ensino fundamental completo 5 1,5
dade de pessoas que não trabalham pode sugerir Ensino médio incompleto 13 3,9
que as pessoas que trabalham tenham mais difi- Ensino médio completo 24 7,1
culdade em manter a assiduidade no tratamen- Ensino superior incompleto 10 3,0
to. Um estudo, observou-se que algumas pesso- Ensino superior completo 9 2,7
as, embora necessitassem do tratamento, não ti- Não informada 231 68,8
nham disponibilidade para continuá-lo com pre- Procedência
sença semanal10. Considerando a escolaridade, Belo Horizonte 137 40,8
Grande Belo Horizonte 31 9,2
houve sujeitos em todas as categorias. Como os
Interior de Minas Gerais 2 0,6
pacientes atendidos no ambulatório de fonoau-
Outro estado 0 0,0
diologia do Hospital das Clínicas da Universida- Não informada 166 49,4
de Federal de Minas Gerais vêm obrigatoriamente Encaminhamento
de um encaminhamento do posto de saúde, su- Otorrinolaringologista 181 53,9
põe-se que esse fator não tenha tanta interferên- Fonoaudiólogo 22 6,5
cia no acesso aos serviços fonoaudiológicos. No Outra especialidade 54 16,1
entanto, alguns autores colocam que a falta de Não registrado 79 23,5
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Quanto ao encaminhamento, a especialidade O tratamento dos pacientes no ambulatório de
que mais encaminhou pacientes para atendimen- voz é muito dinâmico, otimizando o processo te-
to em voz foi a otorrinolaringologia (Tabela 1). rapêutico e, consequentemente, reduzindo a lista
Acredita-se que este fato esteja relacionado à in- de espera. Em muitos casos, o paciente é convo-
terface comum a estas áreas. Em estudos simila- cado para o atendimento fonoaudiológico sem
res6,8,10-12, observou-se que ambulatórios fonoau- nunca ter se submetido a uma consulta por um
diológicos infantis, que atendem alterações de fala otorrinolaringologista. A falta de um diagnóstico
e escrita, por exemplo, têm maior proximidade otorrinolaringológico limita o resultado da rea-
às escolas; as alterações de motricidade orofacial bilitação vocal. Portanto, a conduta mais adequa-
são predominantemente encaminhadas por or- da nesses casos é o encaminhamento para a reali-
todontistas; enquanto que as disfonias por otor- zação de um exame de laringe, o que aconteceu
rinolaringologistas. em 36,2% do total de pacientes desligados. No
Vários autores4,13,14 colocam que este tipo de ambulatório de fonoaudiologia, o encaminha-
caracterização da população de serviços públi- mento é feito para um profissional da rede públi-
cos, ou seja, da realidade de cada unidade especí- ca de saúde, na qual, em geral, o paciente leva
fica, é de extrema importância para o desenvol- algum tempo para ser atendido. Neste caso, o
vimento de ações que levem em conta a dinami- paciente é desligado temporariamente até que seja
cidade das condições reais e de medidas de con- visto por um otorrinolaringologista. As faltas não
troles necessárias às instituições. O fato de tra- justificadas correspondem ao abandono, ou seja,
balhar a partir de uma situação observada e de os pacientes deixaram de frequentar os atendi-
estabelecer a que ponto se deseja chegar com ins- mentos sem notificar. O desconhecimento a res-
trumentos e técnicas determinadas, possibilita a peito de como é feito o atendimento fonoaudio-
proposição de programas e de projetos melhor lógico, a frequência necessária e a necessidade de
equacionados, permitindo uma avaliação quan- treino em casa, pode ser levantado como hipótese
titativa com base em comportamentos observá- para essa não aderência ao tratamento. A auto-
veis. Além disso, apesar dos programas de ava- percepção de status de saúde pode afetar o com-
liação de dados não responderem a questões so- portamento dos indivíduos, fazendo com que eles
bre a relação causal entre processo e resultado acreditem ou não nas ações desenvolvidas. A va-
do tratamento, podem documentar tendências lorização que o paciente dá à sua saúde, ao estres-
no tratamento de populações extensas9. se, ao custo e à acessibilidade ao cuidado médico
O atendimento foi realizado individualmente
em 97,6% dos pacientes e não houve nenhuma
ocorrência em grupo (Tabela 2). O atendimento
individual é a prática mais utilizada para atendi- Tabela 2. Características do atendimento.
mento fonoaudiológico, sendo reproduzida no
ambiente de clínica-escola e nos serviços públicos Variáveis N %
de saúde. Da amostra total, 47% receberam alta,
Tipo de atendimento
20,5% foram desligados e 32,4% abandonaram o Orientação 8 2,4
tratamento (Tabela 1). A maior ocorrência de alta Individual 328 97,6
fonoaudiológica pode estar relacionada com o Grupo 0 0,0
predomínio de disfonias funcionais e organofun- Evolução do atendimento
cionais, situação nas quais o fonoaudiólogo tem Alta fonoaudiológica 158 47,0
um papel essencial na reabilitação8,15. Um estudo Desligamento 69 20,5
analisou os prontuários de 109 indivíduos com Abandono 109 32,4
disfonia funcional submetidos a fonoterapia e Motivo desligamento
constataram que ao final do tratamento, 82% da Incompatibilidade de horário 15 21,7
Mudança de cidade 4 5,8
amostra apresentou resultados positivos7. Ou-
Encaminhamento 25 36,2
tros autores também estudaram os prontuários
Não aderência 12 17,4
de 21 sujeitos com queixa de disfonia submetidos Outro 8 11,6
a fonoterapia e constataram que 50% dos pacien- Não registrado 5 7,2
tes abandonaram o tratamento8. Motivo abandono
Em relação aos motivos de desligamento, o Falta sem justificativa 68 62,4
mais frequente foi a necessidade de encaminha- Dificuldade financeira 4 3,7
mentos, e o maior motivo de abandono, em 62,4% Outro 9 8,3
dos casos (Tabela 2), foi a falta sem justificativa. Não registrado 28 25,7
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Menezes LN et al.

também influenciam na adesão a recomendações à maior ocorrência de disfonias funcionais. Nes-


médicas, no caso, às orientações fonoaudiológi- sas disfonias, alguns autores colocam que as alte-
cas3. O processo de adoecer, receber e seguir con- rações vocais não são extremas a ponto de impe-
selhos e tratamentos médicos passa por uma sé- dir a transmissão da mensagem15.
rie de estágios e são muitas as chances de não- O tipo de disfonia não foi registrado em 281
adesão, que se manifestam através de diferentes prontuários, os quais correspondem a 83,6% da
comportamentos: retardo em procurar ajuda de amostra (Tabela 3). Tal fato merece atenção, uma
profissional especializado, recusa em participar vez que o diagnóstico do paciente direciona a
de programas de promoção de saúde, compare- conduta terapêutica, podendo ser considerada a
cimento irregular às consultas marcadas, inter- primeira etapa do próprio tratamento. Uma ava-
rupção do seguimento médico com abandono às liação completa e precisa leva a um plano de rea-
consultas e fracasso no seguimento das orienta- bilitação específico e individualizado para o paci-
ções prescritas16. Alguns autores colocam como ente. Alguns autores afirmam que é indiscutível a
causas de abandono desde razões particulares, fi- superioridade de uma avaliação quando o médi-
nanceiras ou greves da universidade a grandes co e o fonoaudiólogo oferecem dados de suas
distâncias entre o serviço e as residências, mu- áreas de conhecimento específico15, 18, 19. Este fato
danças frequentes de endereço e de emprego, as- pode ser explicado, provavelmente, em função
sim como a dificuldade em se ausentar do traba- do aluno-terapeuta centrar mais sua atenção na
lho semanalmente8,10. manifestação vocal do paciente e, a partir desta,
Pereira relata que vários pesquisadores des- elaborar sua atuação terapêutica. Dentre os di-
crevem suas experiências de sucesso com listas agnósticos descritos (n=55), predominou a dis-
de espera e atendimentos em grupo. Os critérios fonia funcional, distúrbio que tem o fonoaudió-
utilizados para formação destes são: faixa etária, logo como profissional de referência na, pois a
patologia e nível/grau de desenvolvimento. Os disfonia decorre do próprio uso da voz e os re-
grupos são dinâmicos, podendo haver uma ro-
tatividade de pacientes de acordo com a evolu-
ção terapêutica. O atendimento teve frequência
semanal10. Tabela 3. Dados da avaliação vocal perceptivo-auditiva.
Numa unidade básica de saúde (UBS), diante
de uma lista de espera em crescimento contínuo, Variáveis N %
duas fonoaudiólogas criaram um grupo de atua- Tipo de voz
ção terapêutica, que procura oferecer um atendi- Neutra 36 10,7
mento inicial à população que busca o serviço e Rouca 96 28,6
que vem funcionando como porta de entrada para Soprosa 11 3,3
o serviço de fonoaudiologia5. Há autores que re- Tensa 1 0,3
lataram a experiência de convocar os pacientes Feminilizada 2 0,6
que estão na lista de espera e seus familiares a Tensa-estrangulada 6 1,8
Sussurrada 4 1,4
cada dois meses para participar de grupos de es-
Trêmula 1 0,3
timulação fonoaudiológica. Acreditam que este
Infantilizada 3 0,9
tipo de trabalho é fundamental para o controle Hipernasal 1 0,3
da demanda17. Em outra situação, foi proposto Virilizada 1 0,3
atendimento em grupo, com duração de oito se- Combinado 141 42,0
manas e sessões semanais de 90 minutos4. Não registrado 33 9,8
O tipo de voz predominante foi o combina- Grau de desvio vocal
do, seguido pelo rouca, sendo que, numa análise Leve 93 31,0
qualitativa, o tipo de voz combinado mais encon- Moderado 108 36,0
trado foi o rouco-soprosa. Nas vozes considera- Severo 54 18,0
das alteradas (n=300), o grau de desvio vocal mais Não se aplica 36 10,7
Não registrado 45 15,0
frequente foi o moderado (Tabela 3). Observa-se
Tipo de disfonia
que na definição do tipo de voz houve uma quan-
Disfonia funcional 25 7,4
tidade significativamente menor de perda de da- Disfonia psicogênica 7 2,1
dos em comparação ao tipo de disfonia. Isso su- Disfonia organofuncional 14 4,2
gere que o aluno-terapeuta prioriza mais a defini- Disfonia orgânica 5 1,5
ção daquele atributo em detrimento deste. O grau Outro 4 1,2
de desvio vocal moderado pode estar relacionado Não registrado 281 83,6
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sultados terapêuticos dependem quase que ex- ço prestado e permitem propor eventuais modi-
clusivamente de um trabalho vocal6,9,15. ficações na atuação.
Alguns autores, considerando as alterações A evolução do atendimento de acordo com a
vocais e laríngeas como distúrbio vocal, descre- idade foi apresentada na Tabela 4. O valor de p
vem a ocorrência de disfonia funcional em 4,76% (0,027) indica que há uma diferença da distribui-
da população8. Já outros, numa pesquisa em 5819 ção da idade dos pacientes entre os tipos de evo-
prontuários, encontraram uma incidência de 38% lução de atendimento. A faixa etária de pacientes
da amostra estudada20. que obtiveram alta fonoaudiológica é superior a
O atendimento em voz realizado com os pa- de pacientes que foram desligados do tratamen-
cientes teve duração média de seis meses, com 15 to ou abandonaram. Tal resultado pode apontar
sessões . Cada um foi atendido por três terapeu- maior compromisso dos pacientes adultos com
tas, em média, que atuaram juntos ou variaram a terapia, pelo fato de necessitarem da voz para
a cada semestre curricular. vida social e profissional e por perceberem com
Segundo alguns autores, a terapia na presen- mais clareza a importância da fonoterapia como
ça de lesões benignas de prega vocal apresenta meio de melhora de sua alteração de voz. Além
evolução evidente nos dois primeiros meses de disso, estudos mostram que, nas crianças, em
tratamento, sendo que quando não há altera- que a frequência e a evolução do tratamento de-
ções estruturais mínimas associadas o resultado pendem fundamentalmente da colaboração dos
pode ser ainda mais rápido21. Um estudo descre- pais e que muitas vezes o encaminhamento é fei-
ve o tempo de terapia para disfonias que, no sexo to pela escola, os pais e os professores são pouco
masculino apresentou a média de atendimento informados a respeito das disfonias infantis e
de quatro meses e meio, enquanto que no sexo tendem a valorizar mais alterações de fala, escri-
feminino, foi de 10 meses8. No entanto, pela ocor- ta e aprendizado10-12.
rência de férias escolares e feriados e pelo fato de A evolução do atendimento de acordo com
o atendimento ser realizado por estudantes, ain- profissão, escolaridade, procedência, tipo de voz,
da com pouca prática de atuação e aplicação dos grau de desvio vocal e tipo de disfonia está dis-
conhecimentos teóricos, o tratamento pode ter posta na Tabela 5. Em relação à profissão, consi-
sido prolongado. derando a maneira como ela foi classificada, não
Após esta análise inicial, determinando as ca- há evidências estatísticas de que esta interfira na
racterísticas predominantes dos pacientes e do evolução do atendimento (p=0,141). A ausência
tratamento realizado, buscou-se identificar os de correlação entre essas variáveis pode estar re-
fatores que podem interferir na evolução do aten- lacionada à homogeneidade das três categorias
dimento fonoaudiológico. As análises feitas com propostas. Além disso, o ambulatório de fonoau-
variáveis em que houve grande perda de dados, diologia atende pessoas independente de seu exer-
como escolaridade, procedência e tipo de disfo- cício profissional, não privilegiando profissionais
nia, têm menos fidedignidade que as demais. Não da voz. Para a escolaridade, também não houve
foram encontrados estudos que levem em consi- influência estatisticamente significante na evolu-
deração o efeito de diferentes variáveis na evolu- ção do atendimento (p=0,783). Vale notar tam-
ção do atendimento do paciente disfônico. En- bém que as únicas categorias da escolaridade que
tretanto, considerou-se tal análise de grande im- apresentam mais de 20 observações são ensino
portância, uma vez que, a discussão a respeito fundamental incompleto e ensino médio comple-
dos fatores que interferem no curso do trata- to, fato este que pode afetar o resultado do teste.
mento traz informações relevantes sobre o servi- Esses resultados confirmaram a hipótese anteri-

Tabela 4. Evolução do atendimento de acordo com a idade.

Evolução do Média Limite Limite Mediana Desvio- Mínimo Máximo


atendimento inferior superior padrão
Alta fonoaudiológica 36,88 33,74 40,03 34 19,66 5 82
Desligamento 29,58 25,09 34,07 26 18,54 4 76
Abandono 34,83 31,61 38,04 32 16,84 4 73
Intervalo de 95% de confiança para a média dos limites inferior e superior; p = 0,027.
3126
Menezes LN et al.

ormente levantada de que, como os pacientes aten- grupo é composto por apenas dois indivíduos, o
didos no ambulatório de fonoaudiologia do Hos- que inviabiliza qualquer comparação. Esperava-
pital das Clínicas da Universidade Federal de Mi- se que os indivíduos procedentes da grande Belo
nas Gerais vêm obrigatoriamente de um encami- Horizonte tivessem um índice de abandono mai-
nhamento da UBS, a escolaridade parece ser um or, pela maior dificuldade de acesso ao serviço.
fator que não tenha tanta interferência no acesso No entanto, tal hipótese foi refutada pelos da-
aos serviços fonoaudiológicos da instituição e re- dos, uma vez que os pacientes de outras cidades
futaram a afirmação de que a falta de formação e são encaminhados para Belo Horizonte somente
informação pode ser um motivo para a falta de quando suas cidades de origem não têm serviço
procura pelos serviços de fonoaudiologia11. público de fonoaudiologia. A regionalização dos
Na análise da procedência (Tabela 5), nova- serviços favorece a adesão dos pacientes, pois estes
mente não houve associação estatisticamente sig- não gastam tempo e dinheiro com transporte,
nificante (p=0,215). Observa-se que as porcen- conforme Pereira10.
tagens foram muito similares, exceto para os in- Analisando-se a variável tipo de voz (Tabela
divíduos do interior de Minas Gerais. Porém, esse 5), observa-se que há grande relação com a evo-

Tabela 5. Evolução do atendimento de acordo com profissão, escolaridade, procedência, tipo de voz, grau do
desvio vocal e tipo de disfonia.
Alta
fonoaudiológica Desligamento Abandono Total
Variáveis n % n % n % n % p
Profissão 0,141
Profissional da voz 28 41,2 11 16,2 29 42,6 68 100
Outra ocupação 37 50,7 18 24,7 18 24,7 73 100
Não trabalha 42 46,2 24 26,4 25 27,5 91 100
Escolaridade 0,783
Analfabeto 0 0,0 0 0,0 1 100 1 100
Educação infantil 1 50,0 0 0,0 1 50,0 2 100
EF* incompleto 20 48,8 12 29,2 9 22,0 41 100
EF completo 4 80,0 0 0,0 1 20,0 5 100
EM** incompleto 4 30,8 4 30,8 5 38,5 13 100
EM completo 8 33,3 8 33,3 8 33,3 24 100
ES*** incompleto 3 30, 1 10,0 6 60,0 10 100
ES completo 6 66,7 2 22,2 1 11,1 9 100
Procedência 0,215
Belo Horizonte 58 42,3 29 21,2 50 36,5 137 100
Grande Belo Horizonte 17 54,8 8 25,8 6 19,4 31 100
Interior MG 1 50,0 1 50,0 0 0,0 2 100
Tipo de voz 0,009
Neutra 27 75,0 4 11,1 5 13,9 36 100
Rouca 39 40,6 23 24,0 34 35,4 96 100
Soprosa 6 54,5 2 18,2 3 27,3 11 100
Combinado 54 38,3 33 23,4 54 38,3 141 100
Grau do desvio vocal 0,564
Leve 42 45,2 19 20,4 32 34,4 93 100
Moderado 47 43,5 26 24,1 35 32,4 108 100
Severo 19 35,2 13 24,1 22 40,7 54 100
Tipo de disfonia 0,007
Disfonia funcional 20 80,0 2 8,0 3 12,0 25 100
Disfonia psicogênica 6 85,7 0 0,0 1 14,3 7 100
Disfonia organo funcional 5 35,7 8 57,1 1 7,1 14 100
Disfonia orgânica 2 40,0 1 20,0 2 40,0 5 100
Outro 3 75,0 0 0,0 1 25,0 4 100
*
(EF) Educação Fundamental; ** (EM) Educação Média; *** (ES) Educação Superior.
3127

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lução do atendimento (p=0,009). Para identificar Segundo Ramos22, tal situação é observada pela
onde estaria a associação entre as duas variáveis, prática arraigada de atender apenas a demanda
a primeira foi dicotomizada e descobriu-se que a que se apresenta nos serviços de saúde.
alta é mais frequente em pacientes que possuem Existem evidências científicas e clínicas de que
tipo de voz neutra e soprosa (p=0,001). Já para o indivíduos disfônicos se beneficiam dos serviços
desligamento (p=0,396) e para o abandono dos fonoaudiólogos. O investimento nas habili-
(p=0,418), não foram encontradas associações sig- dades práticas dos alunos-terapeutas não será
nificativas. É importante citar que a variável “tipo em vão no sentido de formar pessoas capazes de
de voz” está dentre as que possuem amostra de atender à demanda dos pacientes e da sociedade
tamanho maior , permitindo assim conclusões em relação às suas competências profissionais.
mais confiáveis. Os tipos de vozes neutra e sopro- Deve-se incentivar a elaboração e o preenchimen-
sa, geralmente presentes em disfonias funcionais, to completo de um protocolo que constem to-
têm boa evolução com o trabalho fonoaudioló- dos os dados relevantes para identificação do
gico e garantem maior índice de alta terapêutica. paciente e do tratamento realizado. A preocupa-
O grau do desvio vocal, por sua vez, não teve ção com o atendimento da população impulsio-
associação com a evolução do atendimento nou uma articulação mais estreita entre a forma-
(p=0,564). A relação talvez não tenha se evidenci- ção acadêmica e a prestação de serviços, em uma
ado pelo fato de que as classes sejam semelhantes via de mão dupla de trocas e apoios2. Isso fez
nos três tipos de evolução possíveis. com que o fonoaudiólogo assuma seu papel e
Em relação ao tipo de disfonia (Tabela 5), o lugar junto à promoção da saúde da população
pequeno valor de p (0,007) indica uma associa- de maneira reflexiva, responsável e atuante23.
ção estatística com a evolução do atendimento. Apesar de a fonoaudiologia já ter ganho visibi-
Novamente, a variável de evolução do atendi- lidade em diversos segmentos sociais, ainda exis-
mento foi dicotomizada. Os diagnósticos de dis- tem muitos caminhos a serem desbravados e reco-
fonia funcional e disfonia psicogênica são as clas- nhecidos. Dessa forma, vale a pena se pensar na
ses que mais estão associadas com a alta fonoau- orientação das pessoas que estão na lista de espe-
diológica (p=0,026). Por outro lado, o diagnós- ra, não apenas acerca das patologias que apresen-
tico de disfonia organofuncional é o que mais tam, mas também sobre dados referentes a atua-
está ligado ao desligamento (p=0,004). Não há ção fonoaudiológica, frequência desejada e tempo
associação entre o diagnóstico fonoaudiológico estimado, dentre outros aspectos. Ainda hoje, al-
e o abandono do atendimento (p=0,351). Em guns pacientes por total desconhecimento do aten-
geral, a maioria das pessoas não abandona o dimento em fonoaudiologia, mostram-se surpre-
atendimento. É importante ressaltar que essa sos quando informados sobre a frequência e du-
variável foi a que mostrou maior perda de da- ração média do tratamento10. Um dos grandes
dos, assim os resultados devem ser analisados objetivos da promoção da saúde é influenciar
com cautela. Pode-se considerar que esses acha- mudanças nas questões da preservação da saúde
dos se devem ao fato de que as disfonias funcio- e, para isso, é preciso contar com uma população
nais e psicogênicas, quando não apresentam le- que esteja informada e consciente do seu próprio
sões laríngeas de base ou associadas, têm evolu- processo saúde/doença. Neste contexto, a ação
ção terapêutica rápida e satisfatória, favorecen- educativa torna-se fundamental para a estratégia
do a conclusão pelo paciente de todo o processo de promoção da saúde24. Essa educação em saúde
terapêutico até a alta fonoaudiológica. deve estar presente tanto nas salas de aula como
Diante de todos os achados da pesquisa, al- na vivência do aluno como profissional.
guns pontos podem ser refletidos frente às ob-
servações que foram descritas. É preciso modifi-
car o pensamento de atuação tradicional e pen- Conclusões
sar em políticas mais eficientes para os serviços
públicos de saúde, aplicando estudos que objeti- Após a análise de 336 prontuários de indivíduos
vem conhecer as pessoas que utilizam os serviços com queixas e/ou alterações vocais atendidos no
e que proponham formas de atendimento con- ambulatório de fonoaudiologia do Hospital das
dizentes com as reais necessidades. Os serviços Clínicas da Universidade Federal de Minas Ge-
de saúde pública têm privilegiado as ações que rais, no período de julho de 2003 a dezembro de
visam resolver problemas de saúde da popula- 2006, pode-se observar que houve predominân-
ção, ao invés de investirem em programas que cia de mulheres jovens, procedentes de Belo Ho-
favoreçam a prevenção e a promoção da saúde. rizonte, encaminhadas por um otorrinolaringo-
3128
Menezes LN et al.

logista, que não trabalham e têm formação até o mento. Já os indivíduos que evoluíram para aban-
ensino fundamental incompleto. dono não apresentaram correlação com nenhu-
O atendimento realizado a esses pacientes ma das variáveis cruzadas.
aconteceu de forma individual, sendo que quase A caracterização e avaliação de serviços pú-
metade deles recebeu alta fonoaudiológica. O tipo blicos de saúde, como o ambulatório de fonoau-
de voz predominante foi o combinado, especial- diologia do Hospital das Clínicas da Universida-
mente o rouco-soprosa, em grau moderado, e o de Federal de Minas Gerais, mostrou que é pos-
tipo de disfonia mais comum foi a funcional. sível estruturar melhor e assim buscar com mais
Os indivíduos mais idosos, com disfonia fun- eficácia formas de melhoria. Esse fato nos leva a
cional ou psicogênica e com voz do tipo neutra refletir sobre as modificações que devemos pro-
ou soprosa apresentaram a melhor correlação mover para garantir um atendimento à popula-
com a alta fonoaudiológica. Os indivíduos mais ção universal e igualitário, contribuindo assim
jovens e com disfonia organofuncional tiveram para o aprimoramento direcionado a uma prá-
correlação estatística significativa com o desliga- tica profissional de qualidade.

Colaboradores

LN Menezes participou da concepção, delinea-


mento e redação do artigo, análise e interpreta-
ção de dados, e revisão do manuscrito. M Belhau
e ACC Gama colaboraram na orientação geral e
revisão do manuscrito. LC Teixeira trabalhou na
revisão do manuscrito.
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