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ARTIGO ARTICLE
Atendimento em voz no Ambulatório de Fonoaudiologia
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
Abstract This study set out to describe the profile Resumo O presente estudo caracterizou o perfil
of the patients with voice complaints and/or al- dos pacientes com queixas e/ou alterações vocais
terations who were attended between July 2003 atendidos de julho de 2003 a dezembro de 2006 no
and December 2006 at the speech therapy outpa- ambulatório de fonoaudiologia do Hospital das
tient unit of “Hospital das Clínicas da Univer- Clínicas da Universidade Federal de Minas Ge-
sidade Federal de Minas Gerais.” This was ana- rais de acordo com as variáveis idade, sexo, pro-
lyzed according to age, sex, profession, schooling, fissão, escolaridade, procedência, tratamento re-
origin, treatment performed and factors that in- alizado e fatores interferentes na evolução do aten-
terfere in medical care evolution. This was a ret- dimento. Trata-se de um estudo retrospectivo ba-
rospective study based on the analysis of the re- seado na análise dos dados dos prontuários, cole-
corded data of the individuals according to a spe- tados de acordo com protocolo especialmente ela-
cifically prepared Protocol. The results showed that borado. Os resultados apontaram que os indiví-
the individuals included in this study were pre- duos estudados eram predominantemente mulhe-
dominantly young women, referred by a specialist res jovens, encaminhadas para o atendimento fo-
from Belo Horizonte, who do not work and also noaudiológico por um médico especialista, proce-
have incomplete elementary school education. dentes de Belo Horizonte, sem uma ocupação pro-
Attendance of those patients was on an individual fissional e com ensino fundamental incompleto.
basis, and almost half of them were discharged by O atendimento fonoaudiológico aconteceu de for-
the speech therapist. The elderly patients, who have ma individual e quase metade dos pacientes rece-
functional or psychogenic dysphonia and a neu- beu alta. Os indivíduos mais idosos, com disfonia
tral or wheezy type of voice, showed a close corre- funcional ou psicogênica e com voz do tipo neu-
lation with the discharge rate by speech therapist. tra ou soprosa apresentaram correlação com alta
The younger individuals with organo-functional fonoaudiológica. Os indivíduos mais jovens e com
dysphonia bore a statistical correlation with aban- disfonia organofuncional tiveram correlação es-
1
Departamento de doning treatment. The individuals who eventual- tatística com o desligamento do serviço. Os sujei-
Fonoaudiologia, Faculdade
ly abandoned treatment did not bear any correla- tos que evoluíram para abandono não apresenta-
de Medicina, Universidade
Federal de Minas Gerais. tion with the crossed variables. ram correlação com as variáveis cruzadas.
Av. Montese 965/302, Santa Key words Voice, Records, Evaluation of health Palavras-chave Voz, Registros, Avaliação de ser-
Branca. 31565-150 Belo
services, Public health. viços de saúde, Saúde coletiva
Horizonte MG.
leticianeiva@click21.com.br
2
Centro de Estudos da Voz.
3120
Menezes LN et al.
tores que pudessem interferir na evolução do formação e informação pode ser o motivo da
atendimento, foram considerados apenas os pro- falta de procura pelos serviços de fonoaudiolo-
tocolos com dados completos de acordo com gia11. Em relação à procedência dos pacientes, as
cada variável. pessoas que residem fora de Belo Horizonte só
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê são encaminhadas para esta cidade se sua cidade
de Ética e Pesquisa do Centro de Estudos da Voz de origem não dispuser do serviço público de
(CEV) sob o número 25/2006 e da UFMG, sob o fonoaudiologia. Assim, observa-se que a maio-
número 354/07. ria das pessoas é de Belo Horizonte, ou seja, da
mesma cidade onde se localiza o ambulatório.
Atualmente, muitas cidades já dispõem de servi-
Resultados e discussão ço público de fonoaudiologia, logo não é neces-
sário que a população dessas cidades seja enca-
Num total de 963 prontuários presentes no ar- minhada para Belo Horizonte para realização de
quivo do ambulatório de fonoaudiologia do tratamento fonoaudiológico. Tal conduta vai ao
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de encontro das diretrizes do SUS de proporcionar
Minas Gerais, 336 representavam indivíduos com serviços de saúde próximos à população. Algu-
queixas e/ou alterações vocais, sendo enquadra- mas pesquisas constataram também que a dis-
dos nos critérios de inclusão do estudo, e por- tância muito grande entre o local de atendimen-
tanto, analisados. Este número representa 34,8% to e a residência dos pacientes, as dificuldades
do total de prontuários. financeiras e a pouca disponibilidade de meios
A população com queixas e/ou alterações de transporte dificulta o acesso10,11.
vocais atendida no ambulatório de fonoaudio-
logia do Hospital das Clínicas da UFMG é com-
posta principalmente por mulheres, com média
de idade de 34,9 anos (Tabela 1). O predomínio Tabela 1. Distribuição de sexo, profissão, escolaridade,
de mulheres parece estar relacionado à caracterís- procedência e encaminhamento.
tica feminina de buscar ajuda mais rapidamente e
com maior frequência para os problemas de saú- Variáveis N %
de do que os homens6. Acredita-se também que Sexo
isso tenha acontecido pelo fato de a disfonia ser Feminino 231 68,8
mais prevalente em mulheres7,8. A média de idade Masculino 105 31,2
observada coincide com o período de maior de- Profissão
manda vocal das pessoas e, por isso, pode acarre- Profissional da voz 68 20,2
tar maior incidência de queixas e alterações rela- Outra ocupação 73 21,7
cionadas à voz6,8,9. Não trabalha 91 27,1
Em relação à profissão, escolaridade e proce- Não informada 104 31,0
Escolaridade
dência, houve predomínio de pessoas que não
Analfabeto 1 0,3
trabalham, com ensino fundamental incomple-
Educação infantil 2 0,6
to e procedentes de Belo Horizonte, respectiva- Ensino fundamental incompleto 41 12,2
mente (Tabela 1). O fato de haver maior quanti- Ensino fundamental completo 5 1,5
dade de pessoas que não trabalham pode sugerir Ensino médio incompleto 13 3,9
que as pessoas que trabalham tenham mais difi- Ensino médio completo 24 7,1
culdade em manter a assiduidade no tratamen- Ensino superior incompleto 10 3,0
to. Um estudo, observou-se que algumas pesso- Ensino superior completo 9 2,7
as, embora necessitassem do tratamento, não ti- Não informada 231 68,8
nham disponibilidade para continuá-lo com pre- Procedência
sença semanal10. Considerando a escolaridade, Belo Horizonte 137 40,8
Grande Belo Horizonte 31 9,2
houve sujeitos em todas as categorias. Como os
Interior de Minas Gerais 2 0,6
pacientes atendidos no ambulatório de fonoau-
Outro estado 0 0,0
diologia do Hospital das Clínicas da Universida- Não informada 166 49,4
de Federal de Minas Gerais vêm obrigatoriamente Encaminhamento
de um encaminhamento do posto de saúde, su- Otorrinolaringologista 181 53,9
põe-se que esse fator não tenha tanta interferên- Fonoaudiólogo 22 6,5
cia no acesso aos serviços fonoaudiológicos. No Outra especialidade 54 16,1
entanto, alguns autores colocam que a falta de Não registrado 79 23,5
3123
ormente levantada de que, como os pacientes aten- grupo é composto por apenas dois indivíduos, o
didos no ambulatório de fonoaudiologia do Hos- que inviabiliza qualquer comparação. Esperava-
pital das Clínicas da Universidade Federal de Mi- se que os indivíduos procedentes da grande Belo
nas Gerais vêm obrigatoriamente de um encami- Horizonte tivessem um índice de abandono mai-
nhamento da UBS, a escolaridade parece ser um or, pela maior dificuldade de acesso ao serviço.
fator que não tenha tanta interferência no acesso No entanto, tal hipótese foi refutada pelos da-
aos serviços fonoaudiológicos da instituição e re- dos, uma vez que os pacientes de outras cidades
futaram a afirmação de que a falta de formação e são encaminhados para Belo Horizonte somente
informação pode ser um motivo para a falta de quando suas cidades de origem não têm serviço
procura pelos serviços de fonoaudiologia11. público de fonoaudiologia. A regionalização dos
Na análise da procedência (Tabela 5), nova- serviços favorece a adesão dos pacientes, pois estes
mente não houve associação estatisticamente sig- não gastam tempo e dinheiro com transporte,
nificante (p=0,215). Observa-se que as porcen- conforme Pereira10.
tagens foram muito similares, exceto para os in- Analisando-se a variável tipo de voz (Tabela
divíduos do interior de Minas Gerais. Porém, esse 5), observa-se que há grande relação com a evo-
Tabela 5. Evolução do atendimento de acordo com profissão, escolaridade, procedência, tipo de voz, grau do
desvio vocal e tipo de disfonia.
Alta
fonoaudiológica Desligamento Abandono Total
Variáveis n % n % n % n % p
Profissão 0,141
Profissional da voz 28 41,2 11 16,2 29 42,6 68 100
Outra ocupação 37 50,7 18 24,7 18 24,7 73 100
Não trabalha 42 46,2 24 26,4 25 27,5 91 100
Escolaridade 0,783
Analfabeto 0 0,0 0 0,0 1 100 1 100
Educação infantil 1 50,0 0 0,0 1 50,0 2 100
EF* incompleto 20 48,8 12 29,2 9 22,0 41 100
EF completo 4 80,0 0 0,0 1 20,0 5 100
EM** incompleto 4 30,8 4 30,8 5 38,5 13 100
EM completo 8 33,3 8 33,3 8 33,3 24 100
ES*** incompleto 3 30, 1 10,0 6 60,0 10 100
ES completo 6 66,7 2 22,2 1 11,1 9 100
Procedência 0,215
Belo Horizonte 58 42,3 29 21,2 50 36,5 137 100
Grande Belo Horizonte 17 54,8 8 25,8 6 19,4 31 100
Interior MG 1 50,0 1 50,0 0 0,0 2 100
Tipo de voz 0,009
Neutra 27 75,0 4 11,1 5 13,9 36 100
Rouca 39 40,6 23 24,0 34 35,4 96 100
Soprosa 6 54,5 2 18,2 3 27,3 11 100
Combinado 54 38,3 33 23,4 54 38,3 141 100
Grau do desvio vocal 0,564
Leve 42 45,2 19 20,4 32 34,4 93 100
Moderado 47 43,5 26 24,1 35 32,4 108 100
Severo 19 35,2 13 24,1 22 40,7 54 100
Tipo de disfonia 0,007
Disfonia funcional 20 80,0 2 8,0 3 12,0 25 100
Disfonia psicogênica 6 85,7 0 0,0 1 14,3 7 100
Disfonia organo funcional 5 35,7 8 57,1 1 7,1 14 100
Disfonia orgânica 2 40,0 1 20,0 2 40,0 5 100
Outro 3 75,0 0 0,0 1 25,0 4 100
*
(EF) Educação Fundamental; ** (EM) Educação Média; *** (ES) Educação Superior.
3127
logista, que não trabalham e têm formação até o mento. Já os indivíduos que evoluíram para aban-
ensino fundamental incompleto. dono não apresentaram correlação com nenhu-
O atendimento realizado a esses pacientes ma das variáveis cruzadas.
aconteceu de forma individual, sendo que quase A caracterização e avaliação de serviços pú-
metade deles recebeu alta fonoaudiológica. O tipo blicos de saúde, como o ambulatório de fonoau-
de voz predominante foi o combinado, especial- diologia do Hospital das Clínicas da Universida-
mente o rouco-soprosa, em grau moderado, e o de Federal de Minas Gerais, mostrou que é pos-
tipo de disfonia mais comum foi a funcional. sível estruturar melhor e assim buscar com mais
Os indivíduos mais idosos, com disfonia fun- eficácia formas de melhoria. Esse fato nos leva a
cional ou psicogênica e com voz do tipo neutra refletir sobre as modificações que devemos pro-
ou soprosa apresentaram a melhor correlação mover para garantir um atendimento à popula-
com a alta fonoaudiológica. Os indivíduos mais ção universal e igualitário, contribuindo assim
jovens e com disfonia organofuncional tiveram para o aprimoramento direcionado a uma prá-
correlação estatística significativa com o desliga- tica profissional de qualidade.
Colaboradores
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