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As Funções Hiperbólicas

Sônia Pinto de Carvalho

1 Introdução
Quando fiz o curso de Cálculo I fui apresentada às funções hiperbólicas através de sua definição exponen-
cial. Lembro-me que, na época, achei muito engraçado pensar-se em juntar duas palavras como seno e
x −x
hipérbole para nomear um e −e 2
.
Muito tempo depois, já professora, me foi designada uma turma de Cálculo I. Ao chegar ao capı́tulo
sobre exponencial, as velhas questões, não respondidas, sobre as tais funções hiperbólicas voltaram. Uma
feliz coincidência me fêz encontrar o livrinho do Shervatov [2] na Biblioteca Central. Daı́ surgiu uma aula.
A boa aceitação pelos alunos e a força que me deram Márcia Fusaro Pinto, Maria da Penha Lopes e
Susana Fornari fizeram com que esta aula se transformasse num texto, publicado em 1988 nos Informes do
Departamento de Matemática. Ele foi digitado à máquina e os desenhos feitos à mão por Denise Fioravante.
Agora, em 2005, retomei o texto original, preparando-o para esta versão eletrônica. Fiz pequenas
correções, só pelo prazer de torná-lo mais lisı́vel, e anexei novas informações e figuras. Infelizmente, os
belos desenhos feitos à mão foram substituidos por desenhos no computador. Porém, no grosso, continua
com a mesma estrutura do anterior.
Começamos definindo ângulo hiperbólico e, comparando com as funções trigonométricas usuais, defi-
nimos as funções hiperbólicas. Trabalhamos com estas funções do ponto de vista do Cálculo I (derivadas,
gráficos, integrais, definições das inversas), damos o problema do cabo suspenso como exemplo de aplicação
e apresentamos alguns usos práticos.

2 Medidas de ângulos sobre a hipérbole

y
X
Y
No plano consideremos dois pares de eixos coordenados: os M
Q
eixos usuais x e y e dois novos eixos, X e Y , obtidos fazendo F D
uma rotação de π/4 nos eixos x e y.
xy= __
1
Seja M um ponto sobre a hipérbole xy = 12 . Ele terá coorde- 2

nadas O P E x

x = OP, y = OQ, X = OD e Y = M D

1
Ora,

π π 2
x = OP = OE − P E = OD cos − M D sen = (X − Y ) (1)
4 4 √2
π π 2
y = OQ = OF + F Q = OD sen + M D cos = (X + Y )
4 4 2
Logo, √ √
1 2 2 1
= xy = (X − Y ) (X + Y ) = (X 2 − Y 2 ).
2 2 2 2
1 2 2
Assim, à hipérbole xy = 2 corresponde X − Y = 1.

M Sabemos como definir a medida de um ângulo num cı́rculo de raio 1, em radi-


1
θ anos. Um ângulo mede θ radianos se o arco circular subentendido por ele mede
θ
θ unidades de comprimento. Mas poderı́amos ter definido de outra maneira pois
1 A sabemos que um ângulo de θ radianos subentende um setor circular de área θ/2,
no cı́rculo de raio 1. Assim, podemos dizer que um ângulo mede θ radianos se o
setor subentendido por ele mede θ/2 unidades de área.
É desta maneira que definimos medidas de ângulos na hipérbole. Um ponto M
Y
sobre a hipérbole X 2 − Y 2 = 1 define um setor AOM e um ângulo AÔM.
M
Dizemos que o ângulo AÔM mede θ se a área do setor AOM vale θ/2 unidades
de área.
O A
Observe que estamos “inventando” uma outra maneira de medir Y

X
ângulos e que, para um mesmo ângulo desenhado, achamos me- M

didas diferentes, pois a área do setor circular é menor (ou igual,O A X

num único caso) à área do setor hiperbólico definido pelo mesmo


ângulo.
Para medir ângulos, precisamos calcular a área do setor hiperbólico
subentendido. Mas como calcular essa área?
Voltemos aos eixos x e y, com a hipérbole xy = 12 . y
Sejam M e N dois pontos quaisquer num mesmo ramo da hipérbole.
O ponto M tem coordenadas x = OP e y = OQ.
O ponto N tem coordenadas x = OR e y = OS.
M
A área do retângulo OP M Q é dada por Q

1
AOP M Q = OP × OQ = xy = . T N
2 S
A área do retângulo ORN S é dada por xy=a

1 O P R x
AORN S = OR × OS = .
2
Logo AOP M Q = AORN S e assim AST M Q = AP RN T .

2
Y
y
Para calcular a área do setor OAM , vamos rodar a figura de π/4 e tomar a
hipérbole X 2 − Y 2 = 1. Observemos que: 2 2
X −Y =1
1 1 Q
AOP M = AOP M Q = AOBAC = AOBA C M
2 2
AOBAM = AOP M + AP BAM = AOAM + AOBA O A X
P
E logo, B

AOAM = AP BAM .
Um raciocı́nio análogo nos leva a AOAM = AQCAM = AP BAM .
x

Assim, o que precisamos é calcular a área de P BAM . Ora, voltando aos eixos x, y e à hipérbole
1
xy = 21 , a área de P BAM é a área sob o gráfico de y = 2x , compreendida entre x = OP e x = OB. Logo
Z
OB 1 1 1 OB
AP BAM = dx = | ln OB − ln OP | = | ln |

OP 2x 2 2 OP
y
ou seja

M
• se M está à esquerda de A então
Q
1 OB
A AP BAM = ln
C 2 OP
xy= __
1
2
• se M está à direita de A então
O P B x 1 OP
AP BAM = ln
2 OB
1
Analogamente, podemos calcular AQCAM integrando a função x = 2y .
Observe que se M = A então AP BAM = 0 e se M 6= A então AP BAM > 0.
Quando M se afasta de A pela direita, o segmento OP cresce indefinidamente. Assim, como o tamanho
OB está fixo, AP BAM = 12 (ln OP − ln OB) cresce indefinidamente.
Se M se afasta de A pela esquerda, o segmento OP tende a zero e ln OP decresce indefinidamente.
Assim, AP BAM = 21 (ln OB − ln OP ) também cresce indefinidamente.
Logo, AOAM = AP BAM varia de 0 a +∞. Y
y
Coloquemos a seguinte convenção:
- se o ponto M está acima do eixo dos X’s, o ângulo que ele define terá medida X −Y =1
2 2

positiva.
M
- se o ponto M está abaixo do eixo dos X’s, o ângulo que ele define terá medida
negativa. O A X
Assim, um ângulo hiperbólico, tendo medida ± 12 AOAM , asumirá valores entre
−∞ e +∞.
Lembre-se que esta é a medida nova, definida na hipérbole. Se os mesmos
ângulos fôssem medidos no cı́rculo, seus valores estariam entre − π4 e π4 . x

3
3 Definição das Funções Hiperbólicas
As funções hiperbólicas são definidas da mesma maneira que as funções trigonométricas (circulares). Por
isso vamos construı́-las comparando-as. Colocaremos os resultados sobre o cı́rculo na coluna à esquerda e
sobre a hipérbole, na da direita.
X2 + Y 2 = 1 X2 − Y 2 = 1
Y Y
R M
M
R

O N A X O A N X

Seja M um ponto sobre a curva de modo que Seja M um ponto sobre a curva de modo que
ˆ
o setor OAM tenha área θ/2. O ângulo AOM ˆ
o setor OAM tenha área θ/2. O ângulo AOM
tem medida θ. tem medida θ.
Seja AR a reta tangente à curva em A. Seja AR a reta tangente à curva em A.
Definimos Definimos
ON = cos θ ON = cosh θ
N M = sen θ N M = senh θ
AR = tg θ AR = tgh θ
Temos Temos
1) para o ponto M 1) para o ponto M

X 2 + Y 2 = ON 2 + N M 2 = 1 X 2 − Y 2 = ON 2 − N M 2 = 1

e logo e logo
2 2
cos θ + sen θ = 1 cosh2 θ − senh2 θ = 1

2) ∆ON M ∼ ∆OAR e logo 2) ∆ON M ∼ ∆OAR e logo


AR NM AR NM
= =
1 ON 1 ON
ou seja ou seja
sen θ senh θ
tg θ = tgh θ =
cos θ cosh θ

4
3) Como cos2 θ + sen2 θ = 1 então 3) Como cosh2 θ − senh2 θ = 1 então
sen2 θ 1 senh2 θ 1
1+ 2
= 1− =
cos θ cos2 θ 2
cosh θ cosh2 θ
ou seja ou seja
1 + tg2 θ = sec2 θ 1 − tgh2 θ = sech2 θ
Ainda Ainda
cos2 θ 1 cosh2 θ 1
+1= 2 −1=
2
sen θ sen2 θ senh θ senh2 θ
ou seja ou seja
2
cotg θ + 1 = cossec θ 2 cotgh2 θ − 1 = cossech2 θ
Apesar da grande semelhança na definição, as funções trigonométricas circulares e as hiperbólicas têm
grandes diferenças.
A primeira grande diferença é que as funções trigonométricas (circulares) sen θ e cos θ são periódicas
com perı́odo 2π, enquanto que as funções hiperbólicas senh θ e cosh θ não são periódicas.
A função sen θ é limitada, com −1 ≤ sen θ ≤ 1. A função senh θ varia de −∞ até +∞. Observe que
senh θ > 0 se θ > 0, senh θ < 0 se θ < 0 e senh(0) = 0.
Já cosh(0) = 1 e cosh θ ≥ 1 para todo valor de θ. Assim, enquanto cos θ varia entre -1 e 1, cosh θ varia
de 1 a +∞.
Nas hiperbólicas é a tangente que fica limitada. Temos −1 < tgh θ < 1, por causa das diretrizes da
hipérbole, enquanto que a tangente circular pode assumir qualquer valor entre −∞ e +∞.

4 Fórmulas para senh θ e cosh θ


Seja M um ponto sobre a hipérbole X 2 − Y 2 = 1 tal que AOAM = 2θ , ou
seja, um ponto que determina um ângulo com medida hiperbólica θ.
O ponto M tem coordenadas X = ON = cosh θ, Y = N M = senh θ Y y
nos eixos X, Y e coordenadas x = OP e y = OQ nos eixos x, y. Como
Q
vimos na seção 2, as fórmulas (1), que relacionam as coordenadas (x, y)
M
com (X, Y ), nos dão

√ √ C
2 2
OP = x = (X − Y ) = (cosh θ − senh θ)
√2 √2 O
P
A N
X
2 2
OQ = y = (X + Y ) = (cosh θ + senh θ) B
2 2
O ponto A tem coordenadas X = 1, Y = 0 e x = OB, y = OC. Temos
que √ √ x
2 2
OB = OC =
2 2

5
Temos então que

2
1 OB 1 2 1
AP BAM = ln = ln √ = − ln(cosh θ − senh θ)
2 OP 2 2
(cosh θ − senh θ) 2
2

2
1 OQ 1 2
(cosh θ + senh θ) 1
AQCAM = ln = ln √ = ln(cosh θ + senh θ)
2 OC 2 2 2
2
Como AOAM = AP BAM temos
θ 1
= − ln(cosh θ − senh θ)
2 2
e como AOAM = AQCAM temos
θ 1
= ln(cosh θ + senh θ).
2 2
Logo

e−θ = cosh θ − senh θ


eθ = cosh θ + senh θ

Somando estas duas equações obtemos

eθ + e−θ
cosh θ =
2
e subtraindo obtemos
eθ − e−θ
senh θ = .
2
Usando as relações entre elas podemos mostrar que:

senh θ eθ − e−θ e2θ − 1


tgh θ = = θ =
cosh θ e + e−θ e2θ + 1
1 e2θ + 1
cotgh θ = = 2θ
tgh θ e −1
1 2
sech θ = = θ
cosh θ e + e−θ
1 2
cossech θ = = θ
senh θ e − e−θ

5 Estudo das funções hiperbólicas


Para −∞ < x < +∞ podemos definir as funções

ex − e−x ex + e−x
y = senh x = e y = cosh x = .
2 2

6
Suas derivadas são fáceis de calcular e temos:
ex − e−x ex + e−x
!
d d
(senh x) = = = cosh x
dx dx 2 2
e
ex + e−x ex − e−x
!
d d
(cosh x) = = = senh x.
dx dx 2 2
Daı́ concluimos que
d2 d2
(senh x) = senh x e (cosh x) = cosh x.
dx2 dx2
Obtemos também imediatamente que:

d  cosh2 x − senh2 x
 1
(tgh x) = d
dx
senh x
cosh x
= 2 = 2 = sech2 x
dx cosh x cosh x
2
d   sech x
d
(cotgh x) = dx 1
= − = − cossech2 x
dx tgh x
tgh2 x
d d

1
 senh x
(sech x) = dx = − = − sech x tgh x
dx cosh x
cosh2 x
d d

1
 cosh x
(cossech x) = dx = − = − cossech x cotgh x
dx senh x
senh2 x
e ainda
Z
R
senh x dx = cosh x + C cosh x dx = senh x + C
Z
sech2 x dx = tgh x + C cossech2 x dx = − cotgh x + C
R

Z
sech x tgh x dx = − sech x + C cossech x cotgh x dx = − cossech x + C
R

Para entendermos o comportamento e esboçarmos o gráfico de y = senh x observemos que


• senh 0 = 0.
e−x − e−(−x)
• senh(−x) = = − senh x, isto é, y = senh x é uma função ı́mpar. Logo, se conhecer-
2
mos seu gráfico para x > 0 bastar tomar o simétrico em relação à origem para completá-lo para
x < 0.
d ex + e−x
• (senh x) = cosh x = > 0 para todo x, ou seja, y = senh x é uma função estritamente
dx 2
crescente. Logo, se x > 0, então senh x > senh 0 = 0 e, se x < 0, então senh x < senh 0 = 0.
d2
• (senh x) = senh x e a análise de sinais que acabamos de fazer nos diz que y = senh x é côncava
dx2
para cima se x > 0 e côncava para baixo se x < 0.
ex − e−x
• lim senh x = lim = +∞ e lim senh x = −∞, ou seja, a imagem da função
x→+∞ x→+∞ 2 x→−∞
y = senh x é todo o intervalo (−∞, +∞).

7
e−x ex
• Como ex > 0, e−x > 0 para todo x então −e−x < ex − e−x < ex . Logo − < senh x < .
2 2
ex e−x e−x ex
  !
• lim senh x − = lim − = 0− e lim senh x + = lim = 0+ . Estas
x→+∞ 2 x→+∞ 2 x→−∞ 2 x→−∞ 2
ex
propriedades nos contam que y = senh x se aproxima de y = quando x cresce, vindo por baixo,
2
e−x
e se aproxima de y = − quando x decresce, vindo por cima.
2
ex −x
Na figura abaixo colocamos, no mesmo par de eixos, os gráficos de y = senh x, y = 2
e y = −e2 .

y 2

–2 –1 1 2
x

–1

–2

–3

Para entendermos o comportamento e esboçarmos o gráfico de y = cosh x observemos que


• cosh 0 = 1.
e−x + e−(−x)
• cosh(−x) = = cosh x, isto é, y = cosh x é uma função par. Assim, seu gráfico é
2
simétrico em relação ao eixo dos y’s.

8
d d
• (cosh x) = senh x > 0 se x > 0 e (cosh x) = senh x < 0 se x < 0. y = cosh x é decrescente
dx dx
se x < 0, crescente se x > 0 e tem um mı́nimo global em x = 0. Logo, cosh x ≥ 1.
d2
• (cosh x) = cosh x ≥ 1 e logo y = cosh x é sempre côncava para cima.
dx2
• lim cosh x = lim cosh x = +∞ e a imagem da função é o intervalo [1, +∞).
x→+∞ x→−∞

ex e−x e−x ex
  !
• lim cosh x −
= lim = 0+ e lim cosh x − = lim = 0+ . Estas pro-
x→+∞ 2x→+∞ 2 x→−∞ 2 x→−∞ 2
ex
priedades nos contam que y = cosh x se aproxima de y = quando x cresce e se aproxima de
2
e−x
y= quando x decresce, mas é sempre maior do que elas.
2
ex e−x
Na figura abaixo colocamos, no mesmo par de eixos, os gráficos de y = cosh x, y = 2
ey= 2
.

3.5

2.5

2
y

1.5

0.5

–2 –1 0 1 2
x

Estudemos agora a função y = tgh x, que pode ser escrita como:


senh x ex − e−x e2x − 1 1 − e−2x
tgh x = = x = = .
cosh x e + e−x e2x + 1 1 + e−2x
Observemos que
• tgh 0 = 0.
senh(−x) − senh x
• tgh(−x) = = = − tgh x, ou seja, é uma função ı́mpar.
cosh(−x) cosh x
• ex − e−x < ex + e−x para todo x. Logo −1 < tgh x < 1.

9
d 1
• (tgh x) = > 0, ou seja, y = tgh x é estritamente crescente.
dx cosh2 x
• lim tgh x = 1 e lim tgh x = −1.
x→+∞ x→−∞

Na figura abaixo esboçamos o gráfico de y = tgh x.


1

y0.5

–2 –1 0 1 2
x
–0.5

–1

6 As funções hiperbólicas inversas


A função y = senh x é estritamente crescente e tem como domı́nio
e imagem o intervalo (−∞, +∞). Logo, para cada y ∈ (−∞, +∞)
y
existe um único x para o qual senh x = y.
ex − e−x
Ora, se y = senh x = então e2x − 2yex − 1 = 0. Assim, x
2 x
dado um y queremos determinar um x tal que e é uma raiz positiva
de z 2 − 2yz − 1 = 0. √
2y ± 4y 2 + 4 q √
As raı́zes deste polinômio são = y ± y 2 + 1. Como |y| < y 2 + 1, a única raiz
√ √2 √
positiva é y + y 2 + 1. Logo ex = y + y 2 + 1 ou x = ln(y + y 2 + √1).
A função inversa de y = senh x é então y = senh−1 x = ln(x + x2 + 1), definida para todo x. Seu
gráfico é fácil de ser esboçado, pois basta tomarmos o simétrico do gráfico da direta (y = senh x) em
relação à diagonal y = x.
Sua derivada também pode ser facilmente encontrada usando-se a definição ou usando a derivada da
função inversa, isto é
d 1 1
(senh−1 x) = d =
dx dy
senh y cosh y
onde y = senh−1 x ou x = senh y.
Como√cosh2 y − senh2 y = 1 temos que cosh2 y = 1 + x2 . E lembrando que cosh y ≥ 1 então
cosh y = 1 + x2 e
d 1
(senh−1 x) = √ .
dx 1 + x2
Obtemos também imediatamente que
Z
dx −1

√ = senh x + C = ln(x + 1 + x2 ) + C
1 + x2

10
Já para y = cosh x, a definição da função inversa dá um pouquinho mais de trabalho. Primeiramente,
cosh x ≥ 1, ou seja, se dermos um y < 1 não há nenhum x tal que y = cosh x. Já para y > 1 existem dois
valores de x para os quais y = cosh x.
y O cálulo destes valores de x segue a mesma idéia anterior.
Se y = cosh x então ex é raiz de z 2 − 2yz + 1 = 0.√ Mas se y > 1,
2
√ 2são positivas e teremos x = ln(y + y − 1) > 0 ou
ambas as raı́zes
x = ln(y − y − 1) < 0. Para definir a função inversa temos que
escolher qual dos dois√ valores tomar. A escolha feita foi pelo x > 0,
2
ou seja, x = ln(y + y − 1).
x? x? √
Temos então a função inversa y = cosh−1 x = ln(x + x2 − 1), definida para x ∈ [1, +∞) e com
imagem y ∈ [0, +∞).
Sua derivada também pode ser facilmente encontrada usando-se a definição ou usando a derivada da
função inversa, isto é
d 1 1
(cosh−1 x) = d =
dx dy
cosh y senh y
onde y = cosh−1 x ou x = cosh y.
Como cosh2 y − senh2 y = 1 temos que senh2 y = x√ 2
− 1. E lembrando que escolhemos a determinação
que nos dá y > 0 teremos senh y > 0 ou seja senh y = x2 − 1. Então
d 1
(cosh−1 x) = √ 2 .
dx x −1
Obtemos também imediatamente que
Z
dx −1

√ = cosh x + C = ln(x + x2 − 1) + C
2
x −1

Nas figuras abaixo apresentamos, em traço contı́nuo, os gráficos de y = senh−1 x, à direita, e y =


cosh−1 x, à esquerda. Apresentamos também, em linha tracejada, os gráficos das funções diretas y = senh x
e y = cosh x e da diagonal y = x.

3 3

2 2
y y

1 1

–3 –2 –1 1 2 3 –3 –2 –1 1 2 3
x x

–1 –1

–2 –2

–3 –3

11
7 O Cabo Suspenso
Um cabo flexı́vel homogêneo é suspenso por suas extremidades em dois pontos de altura igual e a única
força atuando sobre ele é seu próprio peso. É claro que o cabo descreve uma curva, como mostra a figura
abaixo, obtida no sı́tio: http://teachers.sduhsd.k12.ca.us/Activities/Matching/answers/Catenary.htm. Qual a
equação desta curva?

Galileu (1564-1642) achava que era uma parábola. Jungius, em 1669, argumenta que Galileu estava
errado. Mas só em 1691 é que Leibniz, Huyghens e Johann Bernoulli dão sua equação, respondendo a
um desafio colocado por Jacob Bernoulli. Leibniz a chama de catenária (do latim catena que quer dizer
corrente).
Para determinar sua equação denotemos por M0 o ponto mais baixo y
T
do cabo e por b sua altura. Coloquemos o eixo coordenado x paralelo
M ϕ
ao solo e o eixo y perpendicular ao x e tal que M0 = (0, b).
H
Seja M = (x, y) um outro ponto do cabo. Sobre o pedaço M0 M M0
atuam três forças: a tensão T em M , a tensão H em M0 e o peso P P
do pedaço M0 M . x
Seja γ a densidade de massa do cabo, s o comprimento do pedaço M0 M e g a aceleração da gravidade.
Então P = γsg.
Seja ϕ o ângulo que a tensão T , em M , faz com a horizontal. Como o sistema está em equilı́brio temos:
γg
T cos ϕ = H, T sen ϕ = P = γsg e logo tg ϕ = s.
H
Suponhamos que a curva descrita pelo cabo seja o gráfico de uma função y = f (x). No ponto M0
df
teremos f (0) = b e (0) = 0.
dx
Num ponto M = (x, f (x)) temos

df γg d2 f γg ds
= tg ϕ = s e 2
= .
dx H dx H dx
Ora, o comprimento do pedaço M0 M é dado por
v
u !2
Z x u df
s= 1+
t
dt
0 dt

12
e logo v
u !2
ds u df
= t1 + .
dx dx
A curva y = f (x) descrita pelo cabo tem então que satisfazer à equação
v
!2
2
u
df df1u H
2
= 1+ t
onde a =
dx a dx γg
df
e às condições f (0) = b, dx
(0) = 0.
Temos então que
1 d2 f 1
r  2 dx2 = a
df
1+ dx

e logo
Z
1 d2 f Z
1 x
r  2 dx2 dx = a
dx = + c1 .
a
df
1+ dx

df
A substituição u = na primeira integral nos dá
dx
d2 f
!
Z
1 Z
1 df
r  2 dx2 dx = √ du = senh−1 u + c2 = senh−1 + c2 .
df 1+u 2 dx
1+ dx

Logo !
−1 df x
senh = + c1 − c2
dx a
ou seja
df x
 
= senh + c1 − c2 .
dx a
A condição na derivada diz que
df
(0) = senh (c1 − c2 ) = 0 ou seja c1 − c2 = 0.
dx
Temos então
df x x
   
= senh ⇒ f (x) = a cosh + C.
dx a a
Finalmente, como f (0) = b temos

f (0) = a cosh (0) + C = b ou seja C = b − a.

A catenária, que é a curva descrita pelo cabo suspenso, é então o gráfico do cosseno hiperbólico
x H
 
f (x) = a cosh +b−a onde a = .
a γg

13
xn
Lembremos que a função exponencial tem a Série de Taylor ex =
P
n!
. Então
x x
x e a + e− a
 
a cosh +b−a = a +b−a=
a 2
a X xn n x
n 
 X
= b−a+ + (−1) n =
2 an n! a n!
X x2n
= b−a+a =
a2n (2n)!
x2 x4 x6
= b+ + + + ...
2a 24a3 720a5
  2
Então, para x ≈ 0, a cosh xa + b − a ≈ b + x2a ou seja, num pedacinho muito pequeno, perto do
mı́nimo, a catenária é bem aproximada por uma parábola. Mas claramente, Galileu estava errado para
pedaços grandes da curva. Na figura abaixo desenhamos os gráficos da catenária (em traço contı́nuo) e da
parábola (tracejada) para a = b = 1.

3.5

2.5
y

1.5

–2 –1 0 1x 2

8 Fios, arcos, pontes, cadeiras e muito mais


A catenária é então a curva que equilibra a tensão interna no cabo com o seu peso e é a curva que forma,
por exemplo, o fio entre dois postes, na rua.
E é exatamente por equilibrar a tensão interna com o peso que a catenária invertida se torna a maneira
mais eficiente de construir arcos. E, além de eficiente, dá belı́ssimas construções, como o Gateway Arch,
em Saint Louis, nos Estados Unidos, a Bası́lica da Sagrada Famı́lia, em Barcelona, na Espanha e a Ponte
de Lupu, em Xangai, na China 1 .

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fotos extraı́das dos sı́tios www.nps.gov/jeff, en.wikipedia.org/wiki/Catenary e www.chinapage.org/bridge/lupu.html

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Suas propriedades a tornam boa para a construção de fornos para cerâmica que não se deformam com al-
tas variações de temperatura, de colméias com formatos inovadores ou de barracas de camping que resistem
a fortes ventos, mostrados nas fotos a seguir 2 .

Sua elegância e funcionalidade inspiram tanto o design do mobiliário modernista - como nas cadeiras
e mesa de centro abaixo - quanto projetos arquitetônicos contemporâneos, como as casas de uma fazenda
orgânica no deserto de Thar, na Índia 3 .

Referências
[1] H. Anton: Cálculo, um novo horizonte, Bookman (2000)

[2] V.G. Shervatov: Hyperbolic Functions, D.C. Heath, Boston (1963).

2
fotos extraı́das dos sı́tios www.tarptent.com, homepages.ihug.co.nz/ fbates/beepics.html e en.wikipedia.org/wiki/Catenary
3
fotos extraı́das dos sı́tios www.architonic.com/web/nMuseum, www.novoambiente.com/popup.php?dId=18 e
www.worldchanging.com/archives/001266.html

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