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132. * A LATERATURA PORTUGUESA AEPISTOLOGRAFIA Durante o século XVII, a epistolografia ganhou fisionomia literaria autOnoma. "Nao se trata da epistola em verso, tdo remota quanto Horacio, seu criador, mas da carta viva, em prosa, com fungi especfica de informar acerca da vida pes- soal ou alheia, ¢ fazer comentarios, a modo de cronica ou reportagem da vida diaria. Embora desde o Renascimento ja se escrevam cartas desse tipo (por exemplo, as cinco de Camdes e as nove de Jeronimo Osorio, intituladas Cartas Portuguesas), €s6 no decurso do Barroco que aparecem numa profusio e com uma categoria poucas vezes atingidas, antes ou depois. grande modelo no tempo € Madame de Sévigné, com seus oito volumes de Lettres, escritas a partir de 1671 e apenas publicadas no século XVIII. No ‘caso, a carta faz as vezes do jornal, entdo ainda taro mesmo nas mais adianta- das metrépoles européias, Aos poucos a carta se foi tornando exercicio litera io, chegando até a prescindir de destinatario certo; o epistolografo imaginava tum qualquer ou dirigia-se a uma audieneiaficticia ‘A moda foi seguida em Portugal por escritores de nomeada, entre os quais ‘Padre Antonio Vieira, D. Francisco Manuel de Melo, Frei Antonio das Chagas, Cavaleiro de Oliveira e, de modo muito especial, Soror Mariana Alcoforado, SOROR MARIANA ALCOFORADO Nasceu em Beja, em 1640, Cedo professa no Convento de Nossa Senhora da Conceigao em sua cidade natal. Em 1663, conhece Chamilly, oficial francés servindo em Portugal durante as guerras da Restauracao. Enamoram-se. Um dia, porém, o militar regressa a Franca, impelido por chamado superior. Estd- se em 1667, Teriam trocado cartas, das quais 56 fcaram as escrtas pela religio- sa, que falece a 28 de julho de 1723, apés longa e dolorosa peniténcia. Em 1669, publicam-se, em Paris, pela primeira vez, as Lettres Portugaises en francais, sem declarar o nome do destinatario e do tradutor. Naquele ano, sai nova edicéo em Colonia, com o titulo de Lettres d'Amour d'une use écrites au Chevalier de C., Offcier Francais en Portugal, declarando quem era o seu destinatario e o seu tradutor: o primeiro, Chevalier de Chamilly, 0 se- undo, to das cartas vinha o nome da remetente: Mariana, rac BARROCO * Dali para a frente, foram lidas e traduzidas em varias linguas, sempre com pro- sivo interesse, Em 1810, Filinto Elisio traduziu-as para o vernaculo. © problema que as cinco cartas de amor levantam nao parece de todo re- solvido, tal 0 volume das conjecturas e indagacées: quem realmente as escre- Mariana Alcoforado? Guilleragues? Aceita a autoria da freira de Beja, ntas cartas teriam sido enviadas? cinco ou mais, ou menos? em que lingua? se em portugues, 0 tradutor nao as teria alterado como bem Ihe aprouvesse? ou, smo, nao as teria refundido, quem sabe escrevendo algumas delas? os origi- onde param? quanto a ordem das cartas, nao seria arbitraria, arranjada? De qualquer modo, é fora de diivida que as cinco cartas amorosas possuem al importancia e interesse. E, nao obstante certos preciosismos que poderiam ser postos na conta do tradhutor, o seu fonus identifica-se perleitamente com a raria portuguesa, Perpass-as um sopro de pao incontrolada, inst superior as inibicdes e convengdes € ao impulso da vontade e da conscién- moral. Paixio endo amor, pois 0 sentimento expresso contém na raiz um issalador fmpeto carnal, explicavel inclusive pelo quadro barroco em que 0 amoroso se desenrola. Realmente digno de nota, por sua altitude invul- idade, o fato de conterem as cartas a sincera, franca ¢ escaldante confissio uma mulher que se desnuda interiormente para 0 amante cinico, ingrato © ausente, com faia de femea abandonada, sem qualquer rebuco ou pudor. ‘Ao longo das missivas, a epistolografa mergulha cada vez mais num jogo matico, paradoxal, como pede a tipica psicologia femninina e a propria es- \cia do Barroco: de um lado, anseio de esquecer definitivamente o perju- to ndo merecer mais que desprezo e indiferenca ~ € o aspecto racional; 10, a stiplica que nasce do mais fundo de st propria, visceral, para que Ie ou a0 menos escreva, a fim de permanecerem os tormentos agridoces wocados por sua lembranga, ao mesmo tempo desejada ¢ odiada ~ € 0 as- to sentimental, carnal. Essa dualidade permeia todas as cartas, ¢ quase de inha Séror Mariana muda de atitude: Tua injustiga e ingratidao sto demais. Mas ficava desesperada se disso te provies- se qualquer dano, pois antes quero que nao recebas castigos, do que ver-me eu \da. Resisto a todas as mostras que em demasia me convencem de que me 1mas je sinto mais vontade de entregar-me cegamente & paixto do que as raz0es que me ds de me lamentar do teu pouco-caso” 134 © A LITERATURA PORTUGUESA Claro, a linha evolutiva terminara pela solucao natural, fruto do bom sen= eae ee de esperar e lutar em vao. A autenticidade da con- Seto, 0 surreniete poder de expressao do caos interior feito de apelos los, a auséncia de trava moral, o ar de paganismo superior aos preconceitos e convengdes a exprimir o impulso primério dos sentidos, a ten- sto dramatica e eloquente que a missivista imprime as suas contissoes ~ si algumas das notas novas e ainda vivas das Cinco Cartas de Amor q Escritas por uma mulher, que alcanca dizer com rara precisio os transes intimos (via de tegra mantidos ocultos ou disfargades pelo comum das mulh wes) 8 Cartas ganhama msir relewotevaime documento “human eli rario, precisamente por nao visarem & publicagao, nem a serem encaradas como pect literaria: ressalve-se, contudo, a contribuigao do tradutor frances. lo contetido ¢ pela forma de comunicaga0, as Cartas sao obra sem igual, € cane tine tuce aguardar o aparecimento de Florbela Espanca, no pata que uma voz de anguistia passional se enga tao alto ¢ tao dolo- rosamente arrangue da came a confissto amorosa logo transformada em 50 tos de primeira grandeza. Embora distanciadas no tempo e vivendo situa oa amorossiespeizasslpidnLogyatciayioctesasscmlixi ero esadeal mento dum sentimento erético mais poderaso que a vida e a morte. Soul As Cartas de Amor da Soror Mariana Alcoforado constituem um dos tos altos do Barroco portugues: numa época de prosa “ditigida” e ee clos traam=e coma" euro devAcyen aS (osetn fetes de oo espontaneidade. Largamente lidas no século XVIII —decerto por conten _gredientes psicologicos agradlaveis a nova s idadle que se ia const fe, = tiveram 0 condao de colaborar na preparagao do movimento romat co Dispostas da forma como se apresentam, as Cartas descrevem uma senéide cujo spice € marado pela werera cata: aio ofiment ange o mite ‘maximo, gragas & concentracdo de efeitos e sensagdes, apoinda ae gem precisa, concisa, apta a dgtectar, mercé da sua plast car da patadoxal confissao, idade, 0 ziguezague O TEATRO. ANTONIO JOSE DA SILVA Depois de Gil Vic a ac ‘icente e seguidores, o teatro entra em decadéncia ao longo do |, apesar das obras e do empenho de alguns interessados no gener. BARROCO txceto 0 Fidalgo Aprendiz, de D. Francisco Manuel de Melo, tudo 0 mais pos i categoria inferior: ou imita-se 0 autor de Ines Perera, ou as suas pecas SAO presentadas em ambientes fechados e restritos (especialmente tmosteir0s ¢ tentos), ou se escrevem € se encenam pecas religiosamente pedagogicas vernaculo e em latim, para servir a ecuménica preocupacio catequética jesultas. Entrado o século XVIL, o panorama altera-se com o surgimento intonio José da Silva ‘Antonio José da Silva, alcunhado “o Judeu”, nasceu no Rio de Janeiro, a 8 fe maio de 1705, duma familia judaica. Aos oito anos, segue para Lisboa com 1 mie, acusada de judaismo. Faz os primeiros estudos, e em Coimbra segue so de Canones, interrompido em 1726 pela Inquisi¢ao. Condenado a abju- publicamente o judafsmo, poe-se a escrever para teatro, ¢em 1733 encena primeira pega, A Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Panga. Casa-se. Em 1737, denunciado pot uma escrava, € novamente levado as rras da Inquisicao em companbia da mulher e da fila, Ao fi de dois anos, sentenciado a morrer degolado e queimado em auto-de-fé, a 18 de outubro. ‘Como se ve, escassos anos durou a carreira teatral de Antonio José da Sil tet deixado poucas pecas; ndo obstante, conseguiu elevar-se ‘acima da mediocridade reinante aps o declinio do teatro vicentino, Escrevew snda; Esopaida ou Vida de Esopo (1734), Encantos de Medeia (1735), Anfitriao ‘ou fpitere Alemena (1736), Labrinto de Greta (1736), Guerras do Alecrim ¢ da Manjerona (1737), Precipico de Faetonte (1738), além de outras pecas que The in sido atribuidas, como a Ninfa Siringa, ea novela Obras do Diabinho da Mao Furada, "Antonio José deu as suas pecas o nome de dperas, pois eram acompanhadas ‘de musica e de canto, Caracterizavam-se ainda por utilizar titeres, bonifrates ou narionettes”, com o intuito de divertir por meio da comicidade. Esta, n3o taro assumia a forma da farsa vicentina, derivando para um tipo de chalaga que au rorizava o emprego de expressdes de baixo calto, provocadoras do riso faci Sendo comédia, e comédia de carater populat, era de esperar que Antonio se ativesse a0 modelo vicentino exclusivamente. No entanto, no fot 0 aconteceu: recebeu influéncia da comédia clissica bem como do contem= poraneo teatro espanhol, italiano e frances. Tal ecletismo, evidente a parr do olhido para as operas, vinha contudo assimilado e transfigurado por seu inquestionavel e superior talento de dramaturgo. 136 © A LITERATURA PORTUGUESA Embora pequem pela falta de unidade entre as partes, como se o comedi6- ‘grafo pensasse nelas isoladamente, as peas denotam um agudo observador do ‘seu tempo. Daqui decorrem as superiores qualidades do teatro de Antonio José, dentre as quais cumpre salientar o dominio do comico, o jogo entrelaca- do das cenas e situagdes, os “equivocos” momescos, a movimentacao constan- te das personagens, que nao permitia ao comedidgrafo erguer-lhes retratos em. profundidade, mas apenas pintar-Ihes st as de carater € temperamento, Antonio José escreveu em prosa, o que constitula novidade em relagdo a0 teatro anterior, desde Gil Vicente, fundamentalmente em verso. Movido pela intencto de provocar o riso, recorria inclusive a satira de costumes: para tanto, emprega “graciosos ou “graciosas’, figuras que funcionam como agentes de liv ‘gacdo entre os protagonistas e como uma especie de deus ex-machina da acao, A linguagem revela contagio dos expedientes formais do Barroco (antiteses, trocadilhos, quiproqués, etc.), mas duma forma a desencadear o iso no es. bectador, o que autoriza a ver em AntOnio Jose as primeiras manifestacdes do ‘ocaso da estética barroca. Felo uso equilibrado dos recursos cénicos, pela atualidade do comico pela espontaneidade do dialogo, agil, vivo e apropositado, Guerras do Alecrim da Manjerona € a peca mais acabada de Antonio José da nhado episddico, narram-se as peripécias de dois caca-dotes no encalco de duas irmas casadoiras ¢ ricas (Cloris e Nize), utilizando como intermediatio um criado (Semicupio), por sua vez apaixonado pela criada das donzelas (Sevadilha); tudo termina pelo casamento entre os pares, contrarian- do. Dom Lancerote, tio das mogas, que defendia o partido de seu sobrinho, D. Tiburcio. O titulo da comédia provem dum costume difundido na Lisboa ‘mundana do tempo, isto ¢, os ranchos: agrupando em partidos as meninas frt- volas ¢ namoradeiras, cada um deles tinha por insignia uma flor; Cloris per- tence ao do Alecrim, Nize, ao da Manjerona, Antonio José satiriza tal costume ,através dele, a sociedade lisbotta nos comecos do século XVIIL APROSA DE FICGAO © quadto do Barroco portugues nao ficaria completo sem uma referencia, por breve que fosse, a prosa de ficgao. Nao obstante atividade menos brilhante, as BARROCO ir das vezes enfeudada as contingencias doutrinais da os ae a persis ia, em clave propria, de uma corrente que vinha do stn ‘Anatrativa breve, nem sempre insrita com nitidez no penadtal oe inava-se mais para o “exemplo” ou “ilustracao", no raro na, alem as sao traslados dos exemplos” er en a eS olan ss deme of dx seus stere173, cones ke + a servi de guia espiitual € morals relgiosas em sua praca di- een ey arava de Sousa, em Baculo Pastoral de Foes Exemplos en Consciéncia (1669-1739), autor da Floresta eran i 1735, 1737), na esteira da Nova Floresta, de Manuel aay see e versal de Varia Erudigao (1732) € A Mocidade Fnganada ¢ Dese alte 1729-1738); Pe. Joao Batista de Castro, com Hora de a maiores estudos ¢ opressao de maiores cuidados (2 partes, 1742, a : ‘Céu ainda seria autora de A Preciosa (1731), uma eater ntrada na antitese entre 0 amor humano, que de Enganos do 10 pedagogico, e A Preciosa. Obras de Misericordia, eae 1607 a Lusitania Transformada, de Eonar aero pat eae amps da wie bol, como ua spec daa aon aia “de um desejo de regresso ao mundo da infancia € ae ’ re perdido", no curso de uma “longa ¢ penost jrnada vote [em sa de Des, debs est Anni Crago od. a ics de 1985; Leituras Alegoricas de Camoes), ay ae cakes asta geografia descortinada pelos navegantes portugueses 1 mer dete apace pa avis mente espiritual ¢ escatologica da vida” (idem). E de sa Al de Eloi de SA Sotto Maior,Riberas do Mondego, composta de “dl ee is 3s, interealados de poemas, nara por um pastor qs ‘olhos de agua, entre mil suspiros, deu lugar a estas palavras 138° A LiTERATURA PORTUGUESA Ao culto da novela, de fundo sentimental evazada em linguagem pompo- sa, como pedia o decélogo gongerico, dedicaram-se Gerardo Escobar, nome IMeratio de Frei Ant6nio de Escobar (1618-1681), autor de Doze Novelas (1674) ¢ Frei Lucas de Santa Catarina (1660-1740), autor do Sera Politica, abuso emendado,dividido em tes nites para divertimento dos curiosos (1704), uma diatribe contra a estética barroca, a um s6 tempo utilizando os instru. ‘mentos ret6ricos que a caracterizavam e propondo a fic¢ao como subsidio do bom senso, inclusive na elaboracdo da obra literdria: 0 seu cardter barroqui- zante ¢ cismatico, pois € do interior dos dogmas estéticos que pretende com. bater os excessos barrocos. No curso de cada um dos serdes ¢ dada a conhecer uma narrativa de estrutura novelesca, a primeira, em prosa, a segunda, em rosa e verso, €a terceira, em verso, Gaspar Pires de Rebelo (c.1585 ~ ¢.1650) merece destaque: publi Tesouro de Pensamentos Concionatorios sobre a Explicacao dos Mistéros ¢ Cerim. mias do Santo Sacrifcio da Missa. (1635), em fungdo da atividade rel como membro da Ordem de Séo Tiago, mas o seu renome se deve as Novelas Exemplares (1650), vinculadas a linhagem espanhola que tinha Cervantes sire membro, e, acima de tudo, aos Infortnios Tragicos da Constante Florinda (2 partes, 1625, 1633). As duas obras litearias tiveram v_ Tas reedigdes no século XVII, sendo que a segunda voltow a pablico recente- ‘mente (2005), numa edicdo organizada e prefaciada por Nuno Judice Os Infortinios da Constante Florinda ostentam nitido arcabouco de nove- la, nao no sent de narrativa curta, entre 0 conto e o romance, que toma trroneamente por base o numero de iginas, como ainda pretendem alguns criticos em nossos dias, Mas de narratiy de cavalaria medievais e das novelas sent seculo XVI, para nao mencionar as narrat m, de Petronio, do século | a.C. , ou Dor de ficgao circulantes no séculg XVI estruturada a maneira das novelas imentais ou pastoris, em voga no vas greco-romanas, como Satyri- 1m Quixote € as quilometricas obras notadamente na literatura francesa, re Romaine, de Mlle. de Scudéry, mes, publicados entre 1654 e 1661. Alias, o proprio Gaspar Pi- parece ter disso consciéncia, como se pode ver no “prélogo ao k tor" da primeira parte da obra: “Vto mais algumas historias extravagantes las em o enredo da que contem o livro [..], historias com que recebe ago 0 entendimento”. ortanto, aseqien- a eas tonor nd concen ra, undo es ‘aaa de Amaldo, seu bem-amado, =a ae Sane wndro, dando inicio a uma longa prova- ee aie casa bite, cleat eo 2 pearl sen we oioinn dante Jhados na ordem do tempo ¢ do espaco (Portugal, Espanha, pe -retanha, et), Tanto asim que, moe eee eee scompanar 0 entrelagamento das ee re a ee ue see doce ov ant ua alta dary inha ds pense remiss lids ao ideatio platonic, de inito ee ee ‘Convém observar que 0 autor escreveu a segunda pe et forma no seu prélogo, a pedido dos leitores, atratdos pel gue encomvam ns en ee anos, vol- weitosas” ¢ pelos “entendimen ; we desveniras de Florida, Eque a obra, esglando aa ch oe ria a imprimir-se ‘se ndo fora a falta que havia de papel’. Como a p se th aldo, que na vet casamento de Florinda e Arnz Soe, tornava-se determinante que a segunda o dos leitores, a dialé- revivera aos ferimentos mortal a arte findasse com a morte do casal: visando a edific ae di oaconselhava, ao mostrar as duas faces da paixto, lo amor assim , perde e a paixdo que salva. * exage tremos do ria exagerado divisar, nesses extrem ae ua prefiguracao da novela camiliana? Se mais evidencias n es a ee aspect pra confer elevnciaa marativade Gaspar Pires de Rebelo ria da pros de eco em Portugal lem do seu peso nas quads da a seiscentista, como, alias, Nuno Judice deixa assinalado ni sentimento amoroso, a longin- osa apresentacao da obra basin e as = tempo, atribuiu-se a Antonio José da Silva a ansisea Durante muito tempo, ee a ira ; : wo Diahinho (Fradino) da Mao Furada, masa cxticainclinas, oa = a algumas inci 1rignorado, nao obstante alg sos das, a aereditar que de autor nora noobs al mci sagens das pegas de “o Jude a 861 gracas a Manuel de Araujo Porto Alegre, com base em primeira vez ‘A 1743. dos quatro manuscritos remanescentes, todos posteriores a ‘A LITERATURA PORTUGUESA Embora haja quem a classifique de conto, a narrativa estrutura-se como novela, & semelhanca das que estavam em voga no século XVI. A divisto em Cinco “folhetos” é um indicio concreto dessa filiacio, confirmada nitidamente Pelo arranjo interno, composto de uma série de episédios, encadeados no curso linear do tempo, que marcam a peregrinacao alentejana, iniciada em Evora e terminada em Lisboa, passando por Montemor, Vendas Novas, Pegoes « Montijo. Duas personagens centralizam a acto: o“Diabinho da Mao Furada”, assim chamado por ter “as mios tao rotas de liberalidades", que aparece “em figura de fradinho, de pequena estatura, mas de disformes fe tombos e ascorosos de moncos, a boca formidavel com coh Ss bes de bode”, ¢ “um soldado da mailicia de Flandres, em tempo de Filipe I, chamado André Peralta aflito e maltratado da guerra, tao pobre como soldada € to desgracado como pobre”, a quem o fradinho pretende aliciar com di- nheiro farto, “uma panela com quinhentos cruzados em ouro”. Sem nada que se possa considerar residuo da novela picaresca, a intriga, Composta de sucessivas cenasalegoricas, sustenta-se em questdes morais, ge- talmente tratadas num tom joco-sério, em que a sitira, como se guiada pelo velho ridendocastigat mores, ganha timbres amenos para melhor atingiroalvo, © autor teria em mira algo mais do que o entretenimento: é a moraidade, de {undo catdico, 0 seu horizonte, disposta nos capitulos em que se levanvam ‘uest6es de monta, nao raro com a presenca dos pecados capitais em forma de alegoria, como a Soberba, a Inveja, a Gula, a Mentirae assim por diante ode 9 organismo social € passado criticamente em revista (astrlogos Imédicos, sapatetos, etc), incluindo os poetas, condenados “por darem e {0 as belezas humanas, chamando-Ihes divinas, angélicas, idolatradas e sobe- Fanas, com outras semelhantes loucuras, que, por mais que se quiseram dlesculpar, dizendo que eram ornato e exaltacio da poesia as hipérboles da. mas, Thes nao foi aceita a descarga” .E patente que o retrato desses. lesatinados, Buscando conceitos no entendimento para um certame poético que Plutao ordenou sobre o roubo que fez de Prosérpina’,in- Sete se no rol das obras voltadas para a crtica aos excessos do gongorismo, nda praticados na primeira metade do século XVIIL Ainda merece referencia Tomé Pinheiro da Veiga (Coimbra, 1570-Lis- 1656), Turpin de pseudonimo, autor de Fastigimia, ou, mais precisamen- derivado de “estos genais™. A obra circulou em numerosas copias ™ parroco © Ml 1884, uma delas, na Revista de Espana, em veg (OTD mana coq ema ar 9H dove te, 1a de Lourdes Belchior. Nela, 0 facio de Maria de iad pouco depois (1911) -simile, com pre! die oa om que fez entre Valladolid ¢ Lisboa, em 1605 autor narra uma via procurasse alertar 0 leitor para os propésites da obra: dia aprazivel, senao pin- no retrato, nem comes “Nao vos oferego aqui historia, sendo “a so, quo aise € 0 A ented ps coe ta, no a fas ree quanto ma 10 mal erecreia, afeigoa e deleita” da imagina- a entre uma tenatva de verossmilanca 0 estuar afar: eerie a medida que os acontecimentos se en! roi al dos fatos e das cendirios, mas © com os funcion «ao, posta em "elem do tempo, Procura ser ila verdade eis ee moos ete aos toes evidencia um compromiso tao com 08 ae mo binomio, rig, E reside nesse mes instrumentos da criacao liters nen ns contadigao entre o empenko consciente € 0 que The os da ea ma contradiga en + venata, e uma linguagem marcada pelos signos da ora maior censura, yue distingue a obra. putin eee aa rio autor parece trair-se ao dizer que prefere o "retrat neato i ae *pauco modesto nas historias”, decerto porque ural”: juga or ser “salto hes toques de ficcao, pt ‘menos, empresta-Ihes curso do telato, ot, 20 é de larga e notoria a, .dasse inédita, gozava ooertgn de Mséras no fox do relat e das min isual na cia que explica por que percussao, Alem da intercalacao de hist6ri fonda oe iS bes, abre espaco para a inserca nus od emo. nso dog dese, rise co sors va, cei de rca, uma espe cde peregrina ests semen rativa, ; Be 1, € citado em e Fernao Mendes Pinto (que, por sinal rica sto dwn er so ts, pr eer Jenosa deol os aicerees soci que aeruetereeicaro ENO, Em sums: Tom€ Pinheiro da Veiga pea imaginacio a sewicn do nite, ‘por divisar cosas inerivels a0 longo da viagem, seja pone al Feral dcinsol -enas que presencia, A um insolite submersa nas c ao ee ‘sta, age como um reporter dos nossos dias, Do cont glo. testemunha e ficcioni 12 © A LITERATURA PORTUGUESA nto poderiafazer-nos crer que as situacdes € os didlogos focalizados se passa fam exatamente como os descreve, pois €inconcebivel que registrass, palavra 4 palavra, as conversas entre os figurantes e que narrasse os episddios e dese- tthasse os cenarios com realismo fotogrifico. De onde Ihe vem, por exemplo, a certeza de que avistara “250 pessoas de libré”, se mais adiante fala em “muito numero de lacaios de caleas, couras e chapéus de tafeta verde, vermelho e amarelo em giroes e 40 trombetas e atabales do mesmo", ~ sendo por deixar ue as palavras soltas lhe deem asas a fantasia ou que esta se materialize num estilo nada comum no século XVII? Em 1977, veio a publico, em edicao com preficio e notas de Nuno jtiice, 2 Novela Despropositada, de Frei Simao Antonio de Santa Catarina, monge Jeronimo, de alcunha “o Torto de Belém”, que teria vivido entre os fins do sé- culo XVIL€ 0 comeco do XVIII. Até entao inédito, o breve enredo, de escassas 50 paginas, entremeadas de poemas, como era moda desde o quinhentismo, e espacosa diagramacao, € mais propriamente um conto, Gira em torno dos dis- paratados amores de dois jovens, que te sem meio a.um clima _otesco, satirico e demeneial, que iva bem denota ¢ o prélo- 80 do autor sublinha, com dirigir-se ao “basbaque leitor”, dizendo-the ~ “bem Imereces este epiteto, pois que empregas o tempo em ler tais disparates” — como & Prenunciar 0 teatro do absurdo que o brasileiro Qorpo Santo, em pleno sé- culo XIX, viria a cultivar ‘Vazada numa linguagem desabrida, que pende entre exageros barrocos e 0 Bosto pelas tentacdes da obscenidade e dos atos e vocabulos dum realismo sem freio, grosseiros, de baixo cal, a historia sentimental de Maricas e do Moco representa, gracas ao humor meio circense ou maneira das comédias dos irmaos Marx, uma das facetas do ludismo barroco. Dai que as hipérboles empregadas pelo casal de namorados facam pensar que o monge de S. Jerdni- mo estaria, na verdade, sattizando os excessos barrocos, numa fase em que, de resto, a estticaseiscentista entrava no ocaso: a moca, considerada pelo na morado “Idolo amante da minha idolatria, suspirada lisonja da minha alma”, leva para o casamento um dote composto, entre outras coisas, de “dez rodilhas {anos de cozinhal que estao no fundo de uma arca e umas abas de um gibio” “uma prateleira usada; um arco de um caldeirao de cobre”; e “o Moco trouxe tuma muleta que andava ha muito (..) na casa: ndo sei se foi de algum avo bar- queiro ou de algum bisavo manco como o pai’

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