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anes = g g g & rs 8 De Galileu a Armstrong: as varias faces da lua Mauro Lécio Leitao Condé! Como sabemos, a lua sempre foi companheira do homem desde os tempos imemoriais. Assim, diversas foram as observagées, percepgoes, inter- pretacées, etc., que, ao longo de sua historia, o homem elaborou sobre a lua, desde suas primeiras representacdes miticas até talvez 0 maior ato de ousa- dia € arrojo de sua mais complexa civilizacao cientifica e tecnolégica, a chegada do homem 4 lua, no dia 20 de julho de 1969, ha exatos 30 anos.’ No texto que segue, o meu objetivo é mostrar alguns aspectos dessas diferen- tes interpretagdes que o homem, através da histéria da ciéncia, elaborou sobre a lua. Nao procurarei propriamente abordar os aspectos tecnol6gicos e cientificos dessas diferentes interpretagdes, mas como esses aspectos so vistos a partir de suas insergdes historicas e culturais e como essas, recipro- camente, de algum modo, influenciam tais aspectos tecnolégicos e cientifi- cos. | Professor Adjunto do Departamento de Historia da UFMG, vinculado a linha Ciéncia, Técnica e Cultura na Historia, do Programa de Pos-graduacao (Mestrado/Doutorado) em Historia. Doutor em Filosofia da Ciéncia pela UFMG. Coordenador do Curso de Especializa- do em Historia da Ciéncia, da UFMG. 2 Este texto foi concebido para um debate em comemoracao aos trinta anos de chegada do homem a lua promovido pelo Observatério da Serra da Piedade, da UFMG, no dia 20 de julho de 1999 Para abordar os distintos modos através dos quais o homem procurou compreender a lua, ao longo da histéria da ciéncia, minha perspectiva de leitura tem como principal referéncia a obra de Thomas Kuhn, em especial, A estrutura das revolugées cientificas (The structure of scientific revolutions), a partir da qual Kuhn nos mostra que a ciéncia é o produto de uma época, de seus valores e de suas capacidades de construir interpretagdes. Com efeito, para Kuhn, néo hé propriamente uma “verdade cientifica" na medida em que toda “objetividade” € vista a partir dos valores internos a cultura e & época na qual a comunidade cientifica esta inserida. Toda visdo de mundo 6, assim, construfda dentro dessa perspectiva. Kuhn chama de paradigma esse conjunto de praticas sociais, comportamentos e valores que, em uma dada época, constitui a visdo de mundo de uma determinada comunidade de cientistas regendo, a partir dat, suas praticas cientificas. Procurarei mostrar, no que segue, como a lua foi vista dentro de dife- rentes paradigmas. Desde o paradigma aristotélico, nao propriamente “cien- tifico", passando pelo paradigma da ciéncia moderna, centrado na figura de Galileu e, em seguida, a partir de algumas implicagdes epistemol6gicas da ciéncia contemporanea - em especial da mecanica quantica -, procurarei tecer algumas consideragdes em torno da percepcao que o homem contem- poraneo possui da lua. £ meu objetivo caracterizar, desse modo, trés faces da lua, Dito de outra forma, trés interpretagdes que o homem elaborou sobre a lua, © que poderfamos chamar: a lua de Aristételes; a lua de Galileu e, finalmente, a lua de Armstrong. No ano de 1609, Galileu Galilei (1564-1642) apontou para a lua uma luneta que ele mesmo construfra, a partir de informagdes sobre um invento semelhante na Holanda, fazendo desse artefato, muito mais do que uma possibilidade bélica ou uma simples curiosidade, um poderoso “instrumento cientifico”®, isto 6, 0 “telescépio” (perspicilli). Com esse ato, e tudo que 2 Na realidade, as primetras observacbes dos astros através do telescépio, provavelmente, no foram de Galileu, mas do ingles Th. Harriot (1560-1621) e do alemio Simon Marius (1570-1624) (Cf. EVORA, 1988: 63). Entretanto, segundo Evora, esse crédito é atribuido a Galileu talvez devido nao apenas as suas observagoes sistematicas, mas também 3 associa ‘io dessas a argumentos favoraveis a teoria de Copéinico. No meu modo de ver, nao apenas © crédito da primeira observacao, mas também = ainda que equivocada - a atribuigao da paternidade da luneta, mostram ‘como Galileu concentfou em sua imagem importantes passos da passagem da antiga visio de mundo para a modema. Nese sentido, Calleu se torna uma figura emblematica na constituicao da ciéncia modema. g Pedro Leopoldo CRONOS: Revista de Historia © N° 5 & & dele pode concluir acerca da lua ¢ de outros astros relatados, no ano seguin- te, em seu livro Sidereus nuncio (Mensageiro das estrelas), Galileu estabele- ceu, se no 0 mais importante ato a dar inicio a instauragao da ciéncia moderna, pelo menos um dos mais significativos acontecimentos cientificos até entdio. O que Galileu vira na lua, isto , um relevo acidentado com montanhas e vales, de forma semelhante a Terra, caminhava, sob certos aspectos, ainda que indiretamente, no sentido de confirmar a formulacao do astrénomo polonés Nicolau Copérnico (1473-1543) de que a Terra nao seria o centro do sistema, como se pensava até entdo, mas apenas um planeta a orbitar em torno do sol. Em outras palavras, 0 que Copérnico pretendia era a destituigio da concepgao geocéntrica de mundo e a afirmagao do heliocentrismo na cosmologia, 0 que ficou conhecido como “revolugao copernicana”. Copémico publicara suas idéias, em 1543, no livro As revolu- 6es das orbes celestes (De revolutionibus orbium coelestium), depois de 36 anos de hesitago* Assim, ainda que as primeiras observacdes de Galileu, em 1609, nao confirmassem diretamente o sistema heliocéntrico, abriam uma outra frente para a refutacdo do geocentrismo na medida em que suas observagées refu- tavam aspectos centrais das idéias de Aristoteles, base filoséfica do geocentrismo. Nesse sentido, a importancia desse trabalho de Galileu foi tanta que, mesmo se nao tivesse trazido nenhuma posterior significativa con- tribuigao para o pensamento cientifico®, ainda assim teria escrito seu nome na hist6ria da Ciéncia. Com efeito, além do aspecto propriamente cientifi- co, 0 grande significado desse episddio € 0 fato de ele ser uma espécie de “gota d’agua” que iré romper de modo indelével com a visdo classica de mundo, naquele momento, inicio do século XVII, representada pela sintese “aristotélico-tomista”, isto 6, uma nova interpretagao da concepgao de mun- do de Aristételes feita por Sao Tomas de Aquino (1225-1274) a partir da perspectiva crista. 4 Entretanto, em 1530, Copérnico j& havia publicado anonimamente Os comentarios, (Commentariolus), uma espécie de resumo de suas idéias sobre o heliocentrismo sem, con- tudo, conter os cilculos que, segundo ele, confirmariam sua hipétese. 5 Vale lembrar que para alguns historiadores a chamada “revolugao cientifica’, da qual Galilet seria um dos atores principais, é apenas uma espécie de mito que auxiliow na constituicao da criagao da disciplina Historia da Ciéncia no século XX. (Cf. SHAPIN, 1996), Para Aristételes, a Terra era 0 centro do universo. £ embora a obra aristotélica, com excecao de sua légica, sé tivesse entrado no Ocidente cristo por volta do século XII d.C., significativos aspectos de sua concep¢ao do mundo foram amplamente divulgados através do Almagesto, obra do as- trénomo alexandrino Claudio Ptolomeu (90-168 d.C.)*. Este, partindo de Aristoteles, elabora um modelo cosmolégico onde a Terra fica em uma posi- 40 fixa e central no sistema. Entretanto, a sintese aristotélico-tomista extrapola esse aspecto meramente “cientffico” da obra de Aristételes quando Sao To- mas de Aquino estabelece uma série de semelhangas entre o pensamento do filésofo grego e o cristianismo. Segundo Aristételes, o mundo no qual vivemos dividia-se entre o mundo sublunar eo mundo supralunar. Com efeito, para Aristételes, a lua € um ponto de referéncia, uma espécie de divisor do mundo. Abaixo da lua, est 0 mundo dos movimentos violentos, das trajet6rias imperfeitas, das coisas cor- ruptiveis compostas pelos quatro elementos: terra, ar, fogo e Agua, que Aristételes vai buscar na teoria de Empédocles (490-435 a.C.)? Contraria- mente, o mundo supralunar, isto 6, a lua € os demais astros, constitui o mun- do da perfeicao: dos movimentos circulares, das substancias perfeitas das quais os astros sao feitos, isto é, do éter ou “quinta esséncia”. No projeto medieval de “cristianizagao” da obra aristotélica, nao foi dificil associar essa perfeigdo do mundo supralunar ao céu do imaginario cristéo ou ainda encontrar outras semelhancas como as havidas entre o primeiro motor imé- vel de Aristételes, que a tudo move e nao & movido, com o seu bom Deus cristao. Grande parte das idéias de Aristételes era baseada em simples obser- vagdes do cotidiano, poderiamos dizer, do “senso comum". O que levou © Nessa época, Alexandria representava o mais avangado centro “cientfico” existent. 7 (CK, ARISTOTELES, 1966d: |, 3.984 a 8), E interessante observar que Avistteles, na procura dde um elemento constitutivo titimo do mundo, recusa a teoria dos atomistas Leucipo Demécrito para aceitar os quatro elementos de Empédocles. Embora em uma perspectiva Contemporanea possa nos parecer que 0 tomo fosse uma escolha mais pertinente, com os quatro elementos Aristoteles encontrara um modo de hierarquizar © mundo natural. Essa escolha sugere, assim, a necessidade de Aris6teles encontrae uma hierarquia no mundo natural, que, sob certo aspecto, legitimasse a hierarquia do mundo politico, néo apenas presente na sociedade grega, mas defendida por el. Pedro Leopoldo * junho/2002 CRONOS: Revista de Histéria © NES alguns comentadores posteriores a chamar Aristoteles de 0 filésofo do senso comum. Em outras palavras, as idéias aristotélicas partem de evidéncias imediatas como, por exemplo, a que nos mostra que aparentemente a terra fica imével e 0 sol e a lua se movem, Com efeito, toda idéia contraria a essa encontrara dificuldades imensas de aceitagao nao apenas por se opor ao senso comum, mas também por ser contraria a autoridade de Aristételes, Some-se a isso a posterior cristianizagao de sua obra. Foi, assim, por varias centenas de anos, dificil, se nao impossivel, destituir a visio geocéntrica de mundo, Entretanto, nao faltaram candidatos para essa empreitada. Na Anti- Bilidade, foi o caso de Aristarco de Samos que, apenas duas geragdes apos Aristételes, defendeu a idéia de que o sol era o centro do sistema e nao a Terra, Na realidade, Aristarco nao foi propriamente o primeiro a fazer tal afirmativa. Os pitagéricos*,, antes mesmo de Aristteles, elegeram 0 sol como ‘© centro. Entretanto, diferentemente dos pitagdricos, Aristarco conseguiu, de modo razoavelmente “cientifico”, provar sua tese, feito extraordinario para sua época. Contudo, Aristarco nao foi capaz de convencer o senso comume nem mesmo refutar a autoridade aristotélica e, assim, mudar os valores cul- turais arraigados. A visio de mundo de Aristételes prevaleceu e chegou, através dos arabes, a0 Ocidente cristdo medieval no século XII e, em segui- da, como ja dito, foi adaptada ao cristianismo por Sdo Tomas de Aquino. Com efeito, no século XVI, Copérnico, ao retomar o sistema heliocéntrico, encontra um cendrio onde do ponto de vista cultural a sintese aristotélico-tomista ainda rege a visio de mundo. No entanto, o sistema geocéntrico aristotélico-ptolomaico ja dava sinais de exaustdo. Como nos relata 0 proprio Copémico ao se referir ao sistema de Ptolomeu, (...) muitas coisas como nés as entendemos, nao concordam com as conclusdes que resultam do seu sistema, além de certos outros movi- mentos terem sido descobertos, os quais ainda nao eram deles conhe- cidos. Do mesmo modo Plutarco, em uma discussao sobre o ano tropi- al do sol, diz que a deslocacao dos corpos celestes tem fugido muito » Pitagoras (580-497 a.C. aproximadamente). O pitagorismo foi um movimento flos6fico, politico € religioso. 4 percia dos astronomos. Para utilizar 0 préprio ano como um exem- plo, é bem conhecido, penso eu, quao diferentes tém sido sempre as opinides relativas ao problema, e assim muitos abandonaram toda a cesperanga de que uma exata determinacao do ano pudesse ser encon- trada. A situagao 6a mesma a respeito de outros compos celestes, (1984: 15) Contudo, se, por um lado, de um ponto de vista cientifico, 0 geocentrismo, ao tempo de Copérnico, parece nao mais ser sustentado, por ‘outro lado, de um ponto de vista cultural, por assim dizer, ele ainda é a base de uma visdo teolégica de mundo que determina todos os comportamentos daquela sociedade. Dai, compreendemos a hesitagao de Copérnico em ex- por as suas idéias. (...]a0 pensar comigo mesmo como aqueles que afirmam ser confirma- da pelo julgamento de muitos séculos a opiniao de que a Terra esté imével no meio do céu e af esta colocada servindo-lhe de centro, haviam de considerar uma cantilena absurda defender eu, pelo contré- rio, que é a Terra que se move; hesitei comigo durante muito tempo se havia de dar a lume meus Comentérios? escritos para a demonstra¢ao desse movimento. (1984: 5). Com efeito, ainda que possamos considerar, sob certo sentido, o livro de Copérico como sendo 0 marco inicial da ciéncia modema, como salien- tam alguns historiadores’®, devemos observar que mais que Copérnico, Galileu, ainda que partindo do sistema heliocéntrico de seu antecessor polo- nés, ajudara a promover essa mudanga de paradigma da visdo classica de mundo para a visio modema de uma forma muito mais abrangente. Em outras palavras, Galileu, na exposigao de suas idéias, ao procurar refutar a » Aqui, Comentérios & a versio simplificada de 1530. ® Por exempla, |. Bernard Cohen: “Muito freqiientemente o ano de 1543 € tamado como sendo o ano de nascimento da ciéncia moderna. Naquele ano, foram publicados dois grandes livros que conduziram a significativas mudangas no conceito que o homem tinha da natureza e do mundo: um foi o do religioso polonés Nicolau Copérnico e o outro de Fleming, Andreas Vesalius, Sobre a estrutura do corpo humano." (COHEN, 1992: 24). Qu ainda, A. Koyré: “O ano de 1543, ano da publicagao do De revolutionibus orbium coelestium e 0 da ‘morte do autor, Nicolau Copérnico, marca uma data importante na histéria do pensamento humano. Estamos tentacos a considerar essa data camo significando ‘o fim da idade média € 0 comeco dos tempos modernos’, porque, mais que a conquista de Constantinopla pelos turcos ou a descoberta da América por Cristévao Colombo, ela simboliza o fim de um mundo 0 comeco de outro.” (KOYRE, 1961: 15) nho/2002 Pedro Leopoldo * 47 CRONOS: Revista de Historia © NPS & & concepgao “cientifica” aristotélica, acabard por se chocar de frente com a vigente visio teolégica de mundo assentada no aristotelismo e, assim, acen- tuando © papel da ciéncia na constituicdo da visio moderna de mundo." Dessa forma, se a concepgao aristotélica resistiu a tudo e a todos até Copérnico, em certo sentido, entretanto, o 6nus da prova coube a Galileu, suas observagdes sobre a lua tiveram grande importancia nesse fato. A idéia do heliocentrismo retomada por Copérnico e continuada por Galileu e Kepler serd um duro golpe na consciéncia do homem arraigado aos valores tradicionais: teocentrismo, geocentrismo, etc. Em outras palavras, paradoxalmente, 0 movimento que vai do teocentrismo ao antropocentrismo se da através de um tipo de “descentramento” do prdprio homem. Com efeito, a retomada dessas idéias por Copémnico, em um contexto diferente daquele em que Aristarco tinha defendido o heliocentrismo, pare- ce ganhar vida nova. E as observagdes que Galileu fizera da lua tem uma importancia decisiva nesse novo contexto. Como ja dito, 0 modelo de mundo aristotélico-ptolomaico, na Anti- gilidade, no apenas estava arraigado enquanto valor cultural baseado no senso comum e “cientifico” a partir da autoridade de Aristételes, mas sob diversos aspectos funcionava, isto 6, a carta astronémica feita a partir desse modelo serviu durante muitos séculos para a navegacao. Mais que isso, era considerado um modelo condizente com as escrituras sagradas, Entretanto, a obra de Copérnico, embora pretendera ser cientifica for necendo provas matematicas, tabelas baseadas em observagoes, etc."*, pode ser aceita, na medida em que podia ser pensada como uma mera hipétese.? Contudo, ao passo que Copémico oferecera um complexo sistema com cal- 1" Ao procurar um espaco de autonomia para as idéias cientiicas - filosoficas - Galileu estaré insisting em um caminho ja trlhado por pensadores anteriores como Guilherme de Ockham que, no século XIV, J insstra nessa tese € fora perseguido pela igreja. Entretanto, ainda que Galileu seja condenado, o século XVII gradativamente absorvers essa dissociacao entre filosofia e ciencia, por um lado, e teologia, por outro lado. 1? No podemos nos esquecer que Aristarco também ofereceu “provas". Além do mais o sistema de Copémico também era impreciso na medida em que, como comprovaré J. Kepler posteriormente, as Stbitas no sao citculares, mas elipticas, onde o sol ocupa um dos lacos dessa elipse. 12 Entretanto, Copérnico ndo entendia sua obra como uma hipétese, mas como uma verda- deira prova cientifica culos e, assim, distante do leigo, Galileu, com seu telescépio, ofereceu um prova vis(vel no apenas aos cientistas {fil6sofos)"*, mas aos olhos do ho- mem comum. A lua estava ali para quem quisesse vé-la e tirar as suas con- clusoes, Para os valores culturais vigentes a época e, sobretudo, para as auto- ridades eclesidsticas, a “hipétese” de Copérnico poderia nao passar de uma simples especulagao filosofica sem maiores conseqiiéncias. Até que as idéi- as de Copérnico comegam a causar alguns pensamentos extremamente in- cémodos & concepgao teolégica de mundo sustentada no geocentrismo. O caso mais expressivo, anterior a Galileu, foi o do filésofo Giordano Bruno (1548-1600) que conclui que, se Copérnico estivesse certo, a Terra sendo um simples planeta’®a girar em torno do sol, significa dizer que nao existe lugares privilegiados no universo: logo também nao deveria haver uma “or- dem” privilegiando determinados grupos em detrimento de outros. Na medi- da em que essas idéias de Bruno ameagavam uma tal ordem vigente, no ano de 1600, a igre} cio - a Inquisicao. catélica encarregou-se de queimé-lo através do Santo Off- Entretanto, Galileu, apenas nove anos depois, entendia que com ele tudo seria diferente, uma vez que Giordano Bruno nao tinha provas “cientifi- cas”, mas meras idéias filoséficas. Entretanto, 0 que Galileu parece nao ter compreendido é que tais idéias, sendo filos6ficas ou nao, eram extremamen- te ameagadoras 4 ordem vigente. As observacdes que alileu fizera da lua seriam, assim, um tipo de prova cabal. Mas, afinal, qual é a importancia do que Galileu vé na lua? Galileu, através de sua luneta, mostrava ao homem moderno que nao havia diferengas entre 0 mundo sublunar ¢ 0 supralunar, pois ndo apenas a lua tinha um terreno acidentado, como também Jtipiter possuia satélites e o sol, manchas. Portanto, Aristételes estava errado quanto A constituicao e aos movimentos dos corpos celestes. Assim, as observacoes € as teorias de Galileu, baseadas nessas observacdes, prosseguem. Entretan- °* A palavra cientista apenas passa a ser usada do século XIX em diante, ® Etimologicamente, do grego, planeta significa “errante”. Assim, podemos entender porque para a teologia medieval era impossivel conceber que Deus colocasse sua maior criatura, © homem, em um astro de segunda grandeza em uma trajet6ria errante pelo univers. Pedro Leopoldo * junho/2002 49 CRONOS: Revista de Histéria © N° 5 2 8 to, alguns anos mais tarde, por suas idéias, Galileu é preso e julgado pelo Santo Oficio. Mesmo retratando-se, 6 condenado a prisdo domiciliar e a nao mais escrever sobre ciéncia. A partir do momento em que se insurge contra esses dois polos, isto é, o sistema “aristotélico-ptolomaico” e a sintese “aristotélico-tomista’, Calileu, como ilustra de forma brilhante Bertold Brecht em A vida de Galifeu, nao apenas um génio cientifico, um cientista inaugural, mas o arauto de uma nova visio de mundo que se instaura com a modernidade e onde a ciéncia se caracterizard pela busca da “verdade cientifica” que transcende os valo res antropolégicos. Com efeito, Galileu é uma figura emblemstica exatamente porque esté no epicentro nao apenas de uma revolugao cientifica, mas dessa mu- danga de valores culturais onde a ciéncia gradativamente desempenharé um papel social central, na medida em que passa a ser o instrumento de maior acuidade na revelacio da realidade. Assim, se a coragem de Galileu a0 expor suas idéias 0 levou a condenagao pelo Santo Oficio, fazendo-o retratar-se, por outro lado, sua nova ciéncia e seus ideais sobreviveram e encontraram prosseguimento com outros cientistas. Naturalmente, a conde- nacao de Galileu foi politica e nao propriamente cientifica. Mesmo a igreja catélica da época, através de seu astrnomo oficial, o padre Clavius, reco- nheceu a veracidade cientifica das teses de Galileu. Entretanto, a “verdade” da ciéncia moderna, na medida em que nao se coadunava com a visio teolégica, devia se declinar. Contudo, a visio de mundo classica néo sobre- viver, ainda que tentando calar Galileu. Dessa forma, Galileu ainda é emblematico, ndo apenas por importar para a esfera politico-social suas idéias, mas também porque essa expanséo se fundamentava na certeza de uma “verdade” da ciéncia que pudesse ser mostrada de modo indiferente dos valores culturais (antropolégicos). Galileu, juntamente com outros pais da ciéncia moderna, mostrou que a ciéncia 6 uma atividade que desvela o carater obscuro da natureza, bastando para isso que nos voltemos para 0 mundo natural utilizando a experimentagao e a matemitica, uma vez que 0 livro da natureza, segundo Galileu, est escrito em caracteres mateméticos. Com o passar do tempo, no bojo das transformagées econdmicas, so- ciais, culturais, politicas, etc., trazidas pela modermidade, essa certeza da verdade cientifica demonstrada e confirmada experimentalmente foi tao gran- de que o proprio imaginario teolégico medieval, defendido ferozmente pela igreja com a forca do tribunal do Santo Oficio, acabou por recuar, A fé, na medida em que o pensamento moderno avanga, deixa o espaco piiblico e se aloja no espaco privado. Cerca de trés décadas apés a morte de Galileu, Newton encontrara uma sociedade relativamente muito mais aberta as idéi as cientificas. Triunfa, assim, esse ideal de uma “verdade” cientifica representado pelo que Galileu chamou de busca das “caracteristicas primarias” (0 que é quantificével ou mensurdvel), uma vez que, ainda segundo Galileu, a cién- cia nao tinha nada a dizer sobre as “caracteristicas secundarias” (0 homem, 05 valores culturais, Deus, etc. - qualidades). Com efeito, a ciéncia moder- na, no afai de demonstrar essa objetividade, acaba por mitigar os aspectos antropolégicos em nome de uma “objetividade” cientifica, em que os fatos falam por si mesmos. E dessa forma que Galileu pretende ver a lua, isto 6, como algo do domi do observavel, do mensuravel ou das caracterfsticas primarias. E, sobretudo, nesse sentido, isto é, como alguém que procura destituir toda a subjetividade da interpretacao cientifica, que Galileu se torna um emblema da ciéncia moderna. € conhecida a analise de Koyré sobre esse papel da ciéncia moderna que substitui (..) nosso mundo de qualidade e de percepedes sensivels, mundo em que vivemos, amamos e morremos, por outro mundo, pelo mundo da quantidade, da geometria deificada, mundo em que, embora haja lugar para tudo, nao ha lugar para o homem. Assim, 0 mundo da Ciéncia - mundo real - distanciou-se e separou-se inteiramente do mundo da vida, que a ciéncia é incapaz de explicar, mesmo por uma explicagao dissolvente que faria dele uma aparéncia ‘subjetiva’. Na verdade, esses dois mundos sao todos os dias unidos pela praxis. Mas, para a theoria, estdo separados por um abismo. E nisso que consiste a tragédia do espirito modemo que ‘resolve o problema do universo’, mas somente para substitut-lo por um outro: o enigma de si mesmo. (1968: 42-43). Galileu teve um papel significativo no que diz respeito a esses dois posicionamentos da ciéncia moderna, isto é, tanto na destituiga0 de uma Pedro Leopoldo + junho/2002 CRONOS: Revista de Historia © N° 5 x cisao entre 0s mundos sublunar e supralunar pela imposigao da objetividade dos fatos, das caracteristicas primarias, quanto também pela destituicao da subjetividade do homem que vé esse fato. Essa perspectiva de compreensio da ciéncia elaborada por Galileu conduziu o filésofo £. Husserl a dizer que Galileu foi 0 Génio “descobridor” e, ao mesmo tempo, “encobridor” da cién- cia. Em outras palavras, f dade como referéncia central e a partir daf, no apenas consegue resultados descobridor na medida em que elege a objetivi- cientificos extraordinarios, mas também um importante lugar social para a ciéncia e a refutagao da visio teolégica. Entretanto, é encobridor na medida em que restringe esse saber cientifico a uma objetividade da qual 0 homem 6 um mero espectador, condenado a suprimir toda a sua subjetividade, toda a sua visio antropolégica dos fendmenos em nome da “objetividade”, da “caracteristica primaria”. Esse modelo de Ciéncia, inaugurado por Galileu e os cientistas mo- dernos'*, com seu projeto de quantificagao das caracterfsticas primérias, desenvolverd e encontrar seu apice na obra de Newton, isto 6, na chamada sintese newtoniana. € interessante observar que, na tentativa de manter esse ideal de racionalizagao e de objetividade cientifica, os aspectos da obra de Newton que nao se circunscreviam, por assim dizer, as caracterfsticas pri- marias de Galileu, isto é, ao mensuravel, como é o caso de toda a obra de Newton sobre a alquimia, foram praticamente escondidos por seus sucesso- ipios mateméticos da Filosofia Natural (Philosophia Naturalis Principia res, uma vez que a racionalizacao do mundo, possibilitada pelos Prin mathematica), que sintetizara todo o ideal de racionalizagao das leis do universo, nao admite esse espaco da subjetividade, do “nao-racional”. E, com a lei da gravitagao universal, finalmente, a harmonia entre a terra e 0 céu (a lua) serd restabelecida. Desta vez ndo mais pelo equilibrio entre o “perfeito” e 0 “imperieito”, isto é, entre © mundo sublunar e o supralunar aristotélico, mas por meio da ordem que regula todo 0 universo expresso *© 0 que Koytéiré chamar de 0 abanglono do “mundo do mais ou menos" pata a consituiglo do mundo da precisio, (CI. KOYRE, 1973). O que na perspectiva de Hussel significa 0 abandono do mundo da vida (Lebensweld. Consequentemente, da dimensio. antropologica do conhecimento, Ou fisica quantica, é a fisica dos atomos, moléculas, etc. pela lei universal que explica nao apenas porque um objeto qualquer cai ao chao, mas também as relagdes entre a lua @ a terra, bem como o mais longinquo dos astros celestes. Newton constitui, assim, sua “sintese”, ndo apenas enquanto o criador do aparato matematico que abriu acesso as leis do universo, mas da propria idéia modema de racionalidade. Em outras palavras, na crenga nao apenas na existéncia de leis a priori no universo, mas também na crenga de que poderiamos descobrir essas leis através da racionalidade expurgada de todos 0s valores antropolégicos. Entretanto, essa certeza absoluta da racionalidade cientifica moderna parece ter o seu fim, no infcio do século XX, a partir de um novo paradigma na fisica representado pela teoria da relatividade de Albert Einstein da Mecanica Quantica’” - Max Planck, Niels Bohr, Werner Heisenberg, etc. - que desvelam um mundo totalmente diferente do universo newtoniano e onde as certezas que nortearam enormemente os trabalhos de cientistas como Copérnico, Galileu e Newton parecem nao mais existir. Naturalmente, a fisica contemporanea nao destituiu 0 valor da fisica clssica, mas, certamente, ampliou as possibilidades de compreensao do universo, ao penetrar no extraordinario mundo atémico. Esse novo paradigma traz uma série de conseqiiéncias epistemolégicas. Talvez a principal delas seja a destituigao da certeza Gltima da objetividade cas primarias) da ciéncia moderna, Destituigao sintetizada pela Mecanica ntifica (caracteristi Quantica, em particular, por Heisenberg e seu “principio de incerteza”. O principio de incerteza de Heisenberg, que demonstrou nao ser pos- sivel medir a posigdo e © momento de uma particula ao mesmo tempo, possibilitard também concluirmos que nao mais podemos aspirar a objetivi dade absoluta pretendida pela ciéncia moderna, isto &, se entendemos como objetividade a exatidao de toda e qualquer mensuracao que se possa obter através de instrumentos criados pelo proprio homem. O principio de incerteza afirma existirem certos pares de quantidades, como a posigao e veloci- dade de uma particula, que se relacionam de tal modo que a determi- nagao de uma delas com crescente precisdo acarreta necessariamente Pedro Leopoldo» junho/2002 53 CRONOS: Revista de Historia © N° 5 y z a determinagao da outra com menor preciséo. (GILMORE" apud ARENDT, 1972: 339). O que leva Heisenberg a concluir que no processo de conhecimento cientifico, em Gltima instancia, “nés decidimos, pela selegao do tipo de observagdo empregado, quais os aspectos da natureza que deverdo ser deter- minados e quais os que serao apagados.” (apud ARENDT, 1972: 340). Com efeito, a metodologia da ciéncia modema, com a certeza de suas caracteris- ticas primarias, nao pode mais constituir parametro tltimo de nosso conhes mento sobre a realidade. Assim, segundo Heisenberg, 'Na teoria quantica, temos que usar um método novo para tornar obje- tivas as percepgoes (..) Toda percepeao refere-se a uma situacdo observacional que precisa ser especificada, para que dessa percepcao resulte uma experiéncia. A consequiéncia de uma percep¢ao jé nao pode ser objetivada 4 maneira da fisica classica. Uma vez que um experimento nos permita deduzir a presenga de um dtomo de Radio B, © conhecimento resultante esté completo quanto a essa situagao observacional especifica, mas incompleto quanto a outra situagao observacional, como por exemplo, uma que envolva afirmagOes sobre a emissao de um elétron. Quando duas situagdes observacionais dife- rentes esto na rela¢ao que Bohr denominou de complementar, 0 co- nhecimento completo de uma significa, necessariamente, 0 conheci- mento incompleto de outra. (1996: 143-144), Ainda que a mecanica quantica ndo tenha o objetivo de abolir a me- nica classica newtoniana, miltiplas sao as consequiéncias epistemolégicas advindas, em particular, do “principio de incerteza”. Ele mostra ndo apenas a faléncia da idéia de objetividade Gltima, pretendida pela ciéncia moder na, mas também conseqtiéncias como a possibilidade de podermos aplicar a um mesmo evento leis naturais inteiramente diversas. Assim, podemos nos perguntar: o que, finalmente, a compreensao do mundo sub-atomico trazida pela mecanica quantica pode nos ajudar para compreender o que é a reali- dade fora do nivel sub-atomico? Como poderiamos, se nao a partir da mecanica quantica propriamen- te, pelo menos a partir de suas implicacdes epistemolégicas, pensar, por 18 Carta de John Gilmore a Hannah Arendt, cf. notas 23 e 09 do texto da autora 19 HEISENBERG, W. The physicist’s conception of nature. New York, s.n., 1958. p.24. exemplo, a nossa percep¢ao da nossa antiga companheira, agora, ja visita- da, isto 6, a lua de Armstrong? Em outras palavras, 1- se Aristételes, a partir de uma estrutura social e politica hierérquica, compreendia também de for- ma hierarquica 0 mundo natural onde a lua tinha o importante papel de fornecer os limites; 2- se Galileu destruiu essa hierarquia, que também fora anteriormente apropriada pelo imaginario cristo, em nome da certeza e da objetividade cientifica encontrada na matematizagao do observavel; 3- como agora pensar a lua, enquanto objeto da nossa ciéncia, a partir da destitui¢ao das certezas iiltimas colocadas, em particular, pela mecanica quantica? Acredito que possamos, sob certo sentido, compreender a lua de ‘Armstrong a partir daquilo que a fildsofa Hannah Arendt chamou de “o ho- mem de Heisenberg”, isto 6, aquele que restituiu ao homem, como que um ato de condenagao, a dimensdo antropoldgica de seu conhecimento - com tudo que de bom e de ruim que isso possa trazer. Em outras palavras, 0 homem por mais que possa estender o seu conhecimento do mundo, indo a lugares nunca antes imaginados, sempre vera tais horizontes, mais do que exclusivamente a partir daquilo que é humanamente possivel perceber, a partir de suas “escolhas antropolégicas” que sempre deixar outras alternati- vas, outras possibilidades pelo caminho. Para Arendt, Tudo isso toma a cada dia mais improvavel que 0 homem venha a encontrar no mundo ao seu redor algo que nao seja artificial e que no seja, por conseguinte, ele mesmo em diferente disfarce. O astronauta, arremessado ao espaco sideral e aprisionado em sua cabine atulhada de instrumentos, na qual qualquer contato fisico efetivo com 0 meio ambiente significaria morte imediata, poderia muito bem ser tomado como a encarnacao simbélica do homem de Heisenberg - 0 homem que teré tanto menos possibilidades de deparar algo que nao ele mes- mo e objetos artificiais quando mais ardentemente desejar eliminar toda e qualquer consideragao antropocéntrica de seu encontro. com 0 mundo ndo-humano que o rodeia. (1972: 341) Entretanto, dizer que nao temos mais critérios iltimos de percep¢ao do real, ndo é dizer que nao temos critérios, Naturalmente, a ciéncia conti- nua a ser um poderoso instrumento. Contudo, parece que somos forcados a reavalié-la a partir, no apenas dos novos desafios, mas a partir das reflexdes epistemologicas decorridas da propria ciéncia que nos trouxe aonde chega- mos Pedro Leopoldo * junho/2002 55 z CRONOS: Revista de H 8 O que o “homem de Heisenberg”, sob certos aspectos, parece nos mostrar, destituindo a idéia de uma certeza diltima, é a compreensao de que, enquanto interpretagdes do proprio homem, nao ha profundas diferencas en- tre a lua de Aristoteles, a lua de Galileu, a lua de Armstrong e mesmo, sob certo aspecto, a lua do poeta, uma vez que essas interpretagdes existem para nés, enquanto humanos, a partir de nossa antropolégica capacidade cognitiva. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ARISTOTELES. Physics. In: ROSS, David (Org). The works of Aristotle. Oxford: Cleredon Press, 1966a. vil De caelo. In; ROSS, David (Org). The works of Aristotle, Oxford: Cleredon Press, 79666, vil De generatione et comuptione. In: ROSS, David (Org). The works of Aristotle. 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