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Um jeito diferente de aprender

A VALORIZAÇÃO DO SER HUMANO E DA NATUREZA EM LUDWIG


FEUERBACH

COMPLEMENTAÇÃO PEDAGÓGICA EM FILOSOFIA

PAULO ROBERTO MAGALHÃES JUNIOR

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São José dos Campos
2017
A VALORIZAÇÃO DO SER HUMANO E DA NATUREZA EM LUDWIG
FEUERBACH

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Instituto Fayol, como requisito parcial para a obtenção do
diploma / certificado do curso de Complementação
Pedagógica em Filosofia.

Orientador: Prof.ª Maria S. Sousa

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São José dos Campos
2017
SUMÁRIO

Resumo ....................................................................................................................... 1
1. Introdução ............................................................................................................... 5
2. Justificativa .............................................................................................................. 6
3. Linha de Pesquisa ................................................................................................... 6
4. Objetivos ................................................................................................................. 7
4.1. Objetivos Gerais ................................................................................................... 7
4.2. Objetivos Específicos ........................................................................................... 7
5. Desenvolvimento ..................................................................................................... 8
5.1. A Essência do Homem ......................................................................................... 8
5.2. A Essência do Cristianismo e da Religião em Geral .......................................... 11
5.3. A Valorização do Ser Humano e da Natureza .................................................... 15
6. Considerações Finais ............................................................................................ 19
7. Referências Bibliográficas ..................................................................................... 20

_________________________________________________
São José dos Campos
2017
RESUMO

A filosofia de Feuerbach possibilita uma compreensão antropológica da


religião. Em sua teoria, nota-se a utilização da própria essência humana como
matéria-prima para a elaboração da concepção de Deus. As qualidades e
características humanas são atribuídas a Deus e esquece-se de seu valor no próprio
ser humano. A natureza e o homem, então, perde seu valor e são menosprezados
pelo paradigma religioso. É diante desse cenário que Feuerbach desenvolve sua
filosofia da sensibilidade, resgatando o valor intrínseco da natureza e do ser
humano.

Palavras chave: Religião. Deus. Essência. Filosofia. Sensibilidade.


Agradecimentos

Inicialmente, agradeço a minha esposa, Vanessa, por toda sua


compreensão e contribuição ao longo do curso, me auxiliando, por meio de
conversas, sobre cada conteúdo estudado.

A minha família, em especial aos meus pais, por todo o apoio oferecido
desde o meu início no universo acadêmico, até o final desse trabalho.

Ao Instituto Fayol e toda sua equipe, pelo curso proporcionado e por


cada vez que sanou minhas dúvidas e auxiliou em minhas dificuldades.

A todos que, de forma direta ou indireta, contribuíram para que eu me


interessasse e me engajasse nessa área do conhecimento que tanto me cativa:
a filosofia!
Dedico este trabalho a minha
esposa, Vanessa, que em diversos
momentos me fez pensar sobre o
significado do caminho que escolhi
trilhar em minha existência.
“Mas se mãos tivessem os bois, os
cavalos e os leões e pudessem com
as mãos desenhar e criar obras
como os homens, os cavalos
semelhantes aos cavalos, os bois
semelhantes aos bois, desenhariam
as formas dos deuses e os corpos
fariam tais quais eles próprio têm”
(XENÓFANES, 1973, pg. 70).
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1. INTRODUÇÃO

Ludwig Andreas Feuerbach nasceu em 28 de julho de 1804, na cidade


de Landshut, na Alemanha (MORAIS, 2014). Feuerbach foi aluno do filósofo
alemão Hegel, em Berlim, e desenvolveu uma filosofia que compreendia, entre
outras questões, uma crítica ao sistema filosófico de seu professor e a qualquer
outra filosofia especulativa (MARTINS, 2013; MORAIS, 2014).

Em sua teoria, pode-se notar que o tema com maior engajamento e


aprofundamento foi a elaboração de um modo de entender a origem do
aspecto religioso no homem. Assim, Feuerbach se ocupa em perceber as
influências da religião, a sua função, além de benefícios e prejuízos
ocasionados por ela ao ser humano (MARTINS, 2013).

Feuerbach desenvolve, então, uma visão contraria a teologia,


demonstrando o aspecto natural e antropológico da religião. É por meio da
relação do homem com seu gênero e com a natureza, por meio dos sentidos,
que ele elabora a noção de um Deus contendo diversas qualidades humanas
(MARTINS, 2013; FEUERBACH, 2007).

A partir disso, o filósofo alemão nota o esvaziamento do mundo e do ser


humano propiciado pela exteriorização de suas características em Deus,
impossibilitando o homem de encontrar satisfação e prazer na vida concreta, tal
como ela é (CHAGAS, 2010; FEUERBACH, 2007).

Como maneira de solucionar tal questão, Feuerbach descreve uma


filosofia baseada na sensibilidade. Ele encontra na relação do ser humano com
a natureza e consigo próprio, por meio dos sentidos, um modo de satisfazer
aos anseios humanos e proporcionar uma vida que possui valor em si mesma
(SANTOS, 2016; SOUSA, 2016).
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2. JUSTIFICATIVA

Compreender a essência humana e sua relação com a natureza, bem


como o papel da religião no desenvolvimento do homem, é de suma
importância para se elaborar uma ética e uma prática social que vise a
realização e a satisfação da humanidade.

É por meio da análise de tais aspectos que se torna possível uma vida
mais plena, baseada em princípios que realmente proporcionem ao ser
humano vivenciar as potencialidades presentes em sua essência, buscando
reconhecer seu lugar no mundo e sua maneira autêntica de se relacionar com
ele e com todos os outros seres humanos.

3. LINHA DE PESQUISA

O presente trabalho foi elaborado com o intuito de compreender a


filosofia de Feuerbach. Para tratar desse assunto, foram pesquisados artigos
em revistas de filosofia nas bases de dados disponíveis no Google Acadêmico,
buscando-os por meio das palavras-chave “Feuerbach”, “Sensibilidade”,
“Natureza”, “Religião”, “Ateísmo” e “Antropologia”. Além dos artigos, foi utilizado
o livro “A Essência do Cristianismo”, de autoria do próprio Feuerbach.

A partir da leitura dos textos, notou-se a importância da natureza e do


ser humano na filosofia feuerbachiana e a partir dessa percepção, elaborou-se
o tema e o presente trabalho.
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4. OBJETIVOS

4.1. OBJETIVOS GERAIS

O objetivo deste trabalho foi compreender a filosofia de Ludwig


Feuerbach, sua concepção da essência da religião, assim como o valor da
natureza e da essência humana em sua perspectiva.

4.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Compreender a essência humana

- Descrever a essência da religião

- Avaliar o valor da natureza

- Observar o papel da sensibilidade na satisfação do ser humano


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5. DESENVOLVIMENTO

5.1. A ESSÊNCIA DO HOMEM

Ao tratar da essência da religião e, mais especificamente, do


Cristianismo, Feuerbach considera importante compreender o ser humano, já
que a religião é um fenômeno observado apenas nessa espécie (MARTINS,
2013; FEUERBACH, 2007). Para Feuerbach (2007), o fundamento da religião é
justamente a diferença entre o ser humano e os outros animais, pois apenas o
homem possui religião, o que implicitamente demonstra que há, no homem,
algo que permite o surgimento da mesma, o que não ocorre com os outros
animais.

A partir dessa perspectiva, o autor define a consciência que o ser


humano possui de seu gênero, ou seja, a percepção que possui de seu
pertencimento a humanidade, de uma essência comum que une a todos os
humanos, como a diferença entre a espécie humana e os demais animais. O
animal possui a capacidade de perceber a si próprio (enquanto indivíduo) e os
objetos exteriores a si, mas o homem, além dessas características, consegue
apreender o seu próprio gênero, transformando-o em objeto, o que origina o
conhecimento. Segundo ele, “a ciência é a consciência dos gêneros”
(FEUERBACH, 2007, pg. 35), ou seja, a partir da consciência da própria
espécie como um gênero, como um grupo com características comuns que os
definem, é possível elaborar o conhecimento de todos os outros objetos
presentes no mundo (FEUERBACH, 2007).

É nesse contexto que é possível notar a capacidade do ser humano de


conversar consigo próprio, de ser, simultaneamente, eu e tu. Isso ocorre devido
a percepção do gênero, em que o ser humano constitui uma vida dupla, na qual
há uma relação com o mundo exterior e também com o mundo interior, já que o
“homem pode exercer a função de gênero do pensar, do falar (porque pensar e
falar são legítimas funções de gênero) sem necessidade de um outro”
(FEUERBACH, 2007, pg. 36).
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Apesar de haver a possibilidade de se relacionar consigo próprio, a


consciência humana tem como finalidade contatar o mundo exterior. Por ter
uma natureza finita e limitada, o indivíduo alcança sua plenitude apenas
quando se relaciona com seu gênero, ou seja, quando encontra o infinito e o
ilimitado na criação e manutenção da sociedade, pois coletivamente a espécie
humana é capaz de superar tais aspectos encontrados na perspectiva
individual (MARTINS, 2013).

A respeito disso, Feuerbach (2007, pg. 105) descreve que “Somente


através do outro torna-se o homem claro para si e consciente de si mesmo”. É
na relação intersubjetiva que o homem reconhece a si e inicia a compreensão
sobre o mundo que o cerca.

Em Feuerbach (2007) nota-se que o ser humano só percebe a si próprio


a partir de sua relação com os objetos. Para o autor, “a consciência do objeto é
a consciência que o homem tem de si mesmo” (FEUERBACH, 2007, pg. 38). É
a partir da relação com o mundo exterior que o homem é capaz de se
diferenciar do mesmo e perceber-se como humano. O ser humano se revela a
partir da maneira como descreve os objetos com os quais tem contato.

Esse processo ocorre, primeiramente, fazendo do objeto algo exterior a


consciência, para em seguida reconhecê-lo como sua própria essência que foi
objetivada (MARTINS, 2013). Pode-se resumir tal ideia na seguinte frase “A
razão é para si mesma o critério de toda a realidade” (FEUERBACH, 2007, pg.
66), ou seja, é pela essência do homem que ele interpreta e compreende o
mundo.

Tal descrição pode sugerir certo relativismo quanto ao conhecimento, o


que não se confirma na perspectiva do autor. A essência do homem torna-se
uma ponte para conhecer os outros objetos, pois é a partir do que é comum
entre o homem e o objeto que se inicia o processo de conhecimento do mundo
exterior, o que permite ainda, após notar as semelhanças com a essência
humana, perceber também a individualidade do objeto observado (MARTINS,
2013).

Por ter sido gerado pela natureza, é somente por meio dela que o
homem se afirma e se reconhece como existente. É nela que a consciência se
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manifesta e se origina, por meio dos sentidos. Ao recusar o acesso ao mundo


pela sensibilidade, deixa-se de acreditar na própria vida humana, visto que ela
faz parte da natureza (SANTOS, 2016).

Para Feuerbach (2007), a religião utiliza como seu objeto o que há na


essência humana, especificamente aquilo que a difere da essência animal.
Assim, o autor descreve que o ser humano possui a percepção da infinitude de
sua consciência e de sua ilimitada capacidade, descrevendo que “a
consciência do infinito não é nada mais que a consciência da infinitude da
consciência” (FEUERBACH, 2007, pg. 36). É justamente essa característica
que a religião apreende, pois a “religião é a consciência do infinito”
(FEUERBACH, 2007, pg. 36), que, segundo o autor, nada mais é que a
consciência infinita do homem objetivada pela religião.

O filósofo então define três características da essência humana, sendo


elas a razão, a vontade e o coração. Esses aspectos são perfeitos, devido a
existirem com uma finalidade baseada em si próprios, pois a razão existe para
conhecer, a partir de sua própria manifestação, o amor (coração) para a
capacidade de amar, e a vontade para o exercício da liberdade. Não há,
segundo o autor, a necessidade de justificar tais aspectos da essência
humana, já que todos eles possuem um fim em si mesmo. A razão, a vontade e
o amor são elementos que constituem o homem, tornando-o aquilo que ele é,
não necessitando de algo além que satisfaça o gênero humano, pois suas
características o faz autossuficiente (MARTINS, 2013; FEUERBACH, 2007).

Faz-se importante ressaltar que a essência humana em Feuerbach,


embora pareça se sustentar em princípios metafísicos, pode ser compreendida
de maneira materialista e imanente. Em sua teoria, o que está descrito como
essência pode ser compreendido como aquilo que constitui o ser humano e o
diferencia dos demais objetos existentes, ou seja, não é uma essência
enquanto algo além da natureza, mas justamente o que na própria natureza
diferencia o homem das demais criaturas e objetos (LIMA FILHO, 2017).
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5.2. A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO E DA RELIGIÃO EM GERAL

Em sua análise a respeito da essência da religião em geral, Feuerbach


(2007) inicia identificando o que seria o objeto religioso e a relação do ser
humano com ele. Enquanto que os objetos disponíveis por meio dos sentidos
são verificados com facilidade, reconhecendo-os como algo exterior, no caso
do “objeto religioso a consciência coincide imediatamente com a consciência
de si mesmo” (FEUERBACH, 2007, pg. 44).

Isso ocorre devido ao fato do objeto religioso estar no homem, ao


contrário dos objetos sensoriais, que são exteriores ao organismo. Feuerbach
(2007, pg. 44) então conclui que:

“... o objeto do homem nada mais é que a sua própria essência


objetivada. Como o homem pensar, como for intencionado, assim é o
seu Deus: quanto valor tem o homem, tanto valor e não mais tem o
seu Deus. A consciência de Deus é a consciência que o homem tem
de si mesmo, o conhecimento de Deus o conhecimento que o homem
tem de si mesmo. Pelo Deus conheces o homem e vice-versa pelo
homem conheces o seu Deus; ambos são a mesma coisa”.

Para Chagas (2010), o conceito de Deus é utilizado pelo ser humano


como uma forma de manifestar sua própria essência e também a essência da
natureza. Deus seria a essência humana livre de todas as limitações naturais.

A partir dessa perspectiva, a religião pode ser compreendida de maneira


antropológica, ou seja, como algo constituído por meio da cultura humana. A
religião seria, portanto, apenas uma expressão da natureza humana (SOUSA,
2016).

Apesar de Deus ser a própria essência humana, vista como um ser


exterior e superior, os religiosos mostram-se incapazes de perceber tal fato.
Devido a isso, a religião se torna o meio indireto para o ser humano conhecer a
si mesmo, ainda de maneira infantil, já que não reconhece aquilo que ele
próprio possui (FEUERBACH, 2007).

De acordo com Lopes (2013), é por meio das três características da


essência humana, razão, coração e vontade, que o ser humano desenvolve a
concepção de Deus. A partir delas, Deus recebe atributos presentes no ser
humano, de maneira divinizada e exteriorizada.
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É importante observar que, mesmo em religiões primitivas e animistas,


apesar de não haver um ser pessoal denominado como Deus, já há uma
exteriorização da essência humana. A diferença está apenas no objeto.
Enquanto nas religiões monoteístas e politeístas a essência humana está
presente nos deuses ou Deus, nas religiões animistas, a essência humana é
revelada e objetivada na própria natureza, nos fenômenos e seres naturais
(SERRÃO, 2014).

Pode-se observar que as religiões, ao sucederem umas as outras,


tendem a condenar a prática da religião anterior, alegando justamente que ela
idolatrava o próprio homem. Desse modo, a religião posterior julga adorar algo
diferente e superior, sem perceber, no entanto, que apenas mudou de objeto e
que, em última instância, ainda se refere à própria essência humana
(FEUERBACH, 2007; SERRÃO, 2014).

Feuerbach (2007, pg. 45) então propõe “provar que a oposição entre
humano e divino é apenas ilusória”. Para isso, descreve que a essência divina
é a essência humana isenta de limitações, objetivada e adorada como algo
exterior, por isso, as qualidades divinas são sempre idênticas as qualidades
humanas.

É então retratada a existência de Deus a partir dos predicados atribuídos


a ele. Feuerbach (2007) nota que, sem os atributos baseados na essência
humana, tais como a bondade, o amor, a razão, a justiça, entre outros, Deus se
torna um ser com uma existência abstrata. Para o autor, tentar separar as
qualidades que atribuímos a Deus de sua essência em si não faz sentido, pois
“Não posso saber se Deus é algo diferente em si e por si do que ele é para
mim; como for para mim, assim será todo para mim” (FEUERBACH, 2007, pg.
47).

Feuerbach (2007) demonstra ainda que, ao perceber que as qualidades


atribuídas a Deus são antropomorfismos, inevitavelmente pode-se concluir que
o ser ao qual foi atribuído também é antropomórfico. Só é possível demonstrar
a existência de algo a partir de seus predicados, de suas qualidades, pois “o
predicado é a verdade do sujeito” (FEUERBACH, 2007, pg. 49).
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Como tentativa de resolver tal questão, a teologia elaborou uma teoria


negativa, alegando que Deus seria algo além de qualquer compreensão
humana. Devido a isso, o que se pode dizer a respeito de Deus é apenas que
ele não é semelhante ao humano, a natureza, ou seja, que Deus é diferente de
qualquer coisa com a qual o ser humano possui contato e conhecimento
(SERRÃO, 2014).

Entretanto, embora tente argumentar desse modo, a religião continua se


manifestando como a crença em um Deus com qualidades humanas e naturais
(SERRÃO, 2014). A respeito desse aspecto, Feuerbach (2007, pg. 51)
descreve que:

“Somente quando Deus é pensado abstratamente, quando seus


predicados são oferecidos pela abstração filosófica, só então surge a
distinção ou separação entre sujeito e predicado, existência e
essência – surge a ilusão de que a existência ou o sujeito é alguma
coisa que não o predicado, algo imediata, indubitável em oposição ao
predicado dubitável. Mas é apenas uma ilusão. Um Deus que tem
predicados abstratos tem também uma existência abstrata”.

Percebe-se assim, que um ser sem qualidades ou predicados é um ser


inexistente, pois se torna vazio de significado algo sem características que
possam descrevê-lo. Assim, Deus tal como descrito pelos teólogos em sua
teoria negativa, é apenas uma maneira inválida de tentar demonstrar a
existência de um Deus que não seja antropomórfico (FEUERBACH, 2007;
SERRÃO, 2014)

Ainda a respeito das qualidades, o filósofo descreve que elas não são
divinas por se fazerem presentes em Deus, mas, ao contrário, que o ser
humano as projeta em um ser divino por considerá-las divinas, já que sem tais
qualidades Deus seria imperfeito. Por considerar tais qualidades perfeitas, o
ser humano exterioriza as mesmas em um ser superior e ilimitado, sendo Deus
“a essência do homem contemplada como a mais elevada verdade”
(FEUERBACH, 2007, pg. 50).

Disso decorrem as divergências religiosas, pois o modo como cada povo


e cultura compreende as características humanas e quais eles qualificam como
divinas e dignas de valor, determina a forma e as qualidades que o seu Deus
ou deuses terão. O que for considerado mais elevado pelo homem daquela
cultura será também mais elevado para o seu Deus (FEUERBACH, 2007).
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Apesar de toda essa avaliação do filósofo em relação a religião e o


antropomorfismo de Deus, pode-se entender que o intuito não é exatamente o
de provar a inexistência de Deus. Para Martins (2013), Feuerbach se interessa
em desvendar o que Deus é e o que revela sobre nós, independente de sua
existência ou não enquanto ser pessoal.

Feuerbach (2007) ainda descreve vários aspectos específicos sobre a


religião cristã. O autor relata a encarnação do filho do Deus cristão, Jesus
Cristo, como a revelação de que o “Deus encarnado é apenas o fenômeno do
homem endeusado” (FEUERBACH, 2007, pg. 77).

Para melhor compreender tal interpretação, pode-se notar, na filosofia


feuerbachiana, que a trindade na religião cristã existe para proporcionar ao ser
humano um Deus que contenha todos os aspectos de sua essência. Desse
modo, o sofrimento e o amor demonstrado por Cristo em sua encarnação, é
apenas um modo de incluir o coração, uma das categorias da essência
humana, em Deus (FEUERBACH, 2007).

Enquanto Deus Pai representa a razão humana, o filho contém o amor.


A encarnação do filho e a elaboração da trindade é o modo que encontraram
de cultuar um Deus que apresente ambos os aspectos da essência humana
(FEUERBACH, 2007).

Somente um Deus misericordioso, um Deus que sinta amor e compaixão


pelo ser humano, pode satisfazê-lo. Feuerbach (2007, pg. 83) escreve “O que
amo então em Deus? O amor ao homem”. Desenvolver a ideia de um Deus
que ama aos seres humanos torna efetiva a afirmação de Feuerbach, em que a
encarnação de Deus demonstra o endeusamento do homem.

Já descrito anteriormente, as qualidades atribuídas a Deus são


consideradas divinas independentemente da existência de uma divindade.
Portanto, ao perceber que tais aspectos pertencem à essência humana, e que
os mesmos são válidos por si mesmos, conclui-se que o homem, por si próprio,
é capaz de ser autônomo e viver de acordo com as qualidades que antes
notava apenas como exteriores a si (MARTINS, 2013).
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5.3. A VALORIZAÇÃO DO SER HUMANO E DA NATUREZA

Ao identificar os mecanismos e processos que envolvem a formação da


religião, Feuerbach (2007) percebe a desvalorização da natureza e do ser
humano presentes nas diversas manifestações religiosas. De acordo com o
autor, a religião promove uma cisão entre o ser humano e sua própria
essência.

Isso ocorre precisamente devido a objetivação das qualidades humanas,


pois elas são exteriorizadas em Deus e negadas no homem. Para a religião, o
homem é desprovido das qualidades que alegam estarem presentes apenas
em Deus, pois:

“Deus é o infinito, o homem o finito; Deus é perfeito, o homem


imperfeito; Deus é eterno, o homem transitório; Deus é plenipotente,
o homem impotente; Deus é santo, o homem pecador. Deus e
homem são extremos: Deus é o unicamente positivo, o cerne de
todas as realidades, o homem é o unicamente negativo, o cerne de
todas as nulidades” (FEUERBACH, 2007, pg. 63).

Sobre especificamente a religião cristã, Chagas (2010) descreve que há


menosprezo em relação à natureza. O que é valorizado é apenas o absoluto,
imaterial, espiritual, sobrenatural, ou seja, características antinaturais.

O objetivo do Cristianismo seria se libertar da natureza, desenvolvendo


uma noção de essência humana destituída e transcendente ao natural, ou seja,
sobrenatural. Isso acontece com o intuito de superar os limites impostos pelo
mundo, tais como a transitoriedade, a finitude e a materialidade (CHAGAS,
2010).

Como os cristãos desejam um mundo e uma existência livre das


contingências naturais, atribuem as características positivas do mundo em um
ser ilimitado e uma existência absoluta, livre de tais limitações. Assim, a
natureza fica destituída de valor (CHAGAS, 2010).

Apesar dessa tentativa religiosa, pode-se compreender que o ser


humano é do modo como é justamente por ser originado na natureza e ser
parte da mesma. O ser humano possui os sentidos, é temporal, e possui todas
as suas características devido à natureza (CHAGAS, 2010).
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É relevante ressaltar ainda, que para Feuerbach (2007, pg. 97) “Quanto
mais vazia for a vida, tanto mais rico, mais concreto será o Deus”. O que o
autor demonstra é que ao elaborar uma concepção de Deus, retira-se o valor
do mundo e todas as possibilidades do ser humano perceber e encontrar
satisfação na natureza, já que cria a ilusão de que aquilo de que necessita e
que existe na natureza está presente apenas em Deus, numa existência
abstrata e vazia.

Feuerbach (2007, pg. 107) descreve que “A essência de Deus [...] nada
mais é que a essência do universo pensada abstratamente”. Para o autor, o
universo possui uma essência em si mesmo, tal como qualquer outro objeto
existente, pois tudo o que existe se fundamenta em sua própria existência. São
os predicados atribuídos a eles que demonstram sua existência.

Outra questão apresentada é a existência da diversidade no universo. A


pluralidade presente pode sugerir que o criador também seria um ser
diversificado, de onde proviriam tais características. No entanto, ao formular a
necessidade da diversidade no criador, estabelece-se que a diversidade é uma
essência ou uma verdade, ou seja, Deus é derivado da essência do mundo,
que é, de maneira geral, a sua diversidade (FEUERBACH, 2007).

Ao fazer isso, o ser humano desenvolve a concepção de um ser com


todos os atributos desejados, no entanto, irreal. Deus substitui a natureza e a
essência humana e, concomitantemente, o priva de conquistar a realização de
suas vontades no mundo real (CHAGAS, 2010).

A partir dessa análise, Feuerbach declara que a natureza é a origem do


ser humano, e por isso, é nela que o homem deve buscar sua realização e a
compreensão de si mesmo. Relacionando-se com a natureza e a
compreendendo a partir dela própria, numa perspectiva materialista, o ser
humano toma consciência de si (SANTOS, 2016).

Na teoria feuerbachiana, há a aceitação da dependência humana e de


sua relação com a natureza, bem como a compreensão de que o ser humano é
finito. A dificuldade do ser humano em aceitar tal ideia está no fato da natureza
não corresponder aos anseios humanos (SANTOS, 2016).
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A natureza não tem sentimentos, pensamentos e demais características


presentes no ser humano. No entanto, o homem deseja ter uma relação
recíproca com ela e por isso cria a religião (SANTOS, 2016).

Para Feuerbach, a natureza é infinita, pois não tem início e não terá um
final, sendo ela uma espécie de combinações de causas e efeitos, que
harmonicamente se mantém. Os seres vivos e tudo o que existe surge a partir
dessa harmonia entre tudo o que há no universo (SANTOS, 2016).

Enquanto a religião observa a natureza a partir da perspectiva humana,


Feuerbach analisa o homem a partir da natureza. Nas religiões primitivas, a
natureza é vista como um ser semelhante ao homem, sendo cultuada pelo ser
humano, por promover a existência e sobrevivência do mesmo (SANTOS,
2016).

O ser humano elabora a religião justamente por possuir sensibilidade. É


por meio dos sentidos e de sua relação com o exterior que ele desenvolve a
crença em divindades (SANTOS, 2016).

Outro aspecto que impulsiona a criação da religião é o egoísmo. Para


Feuerbach, o egoísmo significa amor próprio, instinto para autoconservação. É
a partir do egoísmo que o ser humano visa se autoconservar e, para além
disso, almeja a felicidade (SANTOS, 2016).

Para Feuerbach, o homem vive apenas quando se relaciona com a


natureza por meio da sensibilidade. Utilizando dos sentidos o ser humano
alcança o prazer e a felicidade. Ao se afastar dos sentidos, de maneira
ascética, o homem nega a si mesmo, afastando-o da vida tal como ela é
(SANTOS, 2016).

Com essas conclusões, a filosofia feuerbachiana visa suplantar a


perspectiva idealista, substituindo a valorização da razão pela aceitação da
natureza e da sensibilidade. Em lugar da espera pela vida eterna e da negação
da vida terrena, busca-se viver a partir dos sentidos. É na natureza que o
homem pode encontrar possibilidades de satisfazer suas necessidades
(SOUSA, 2016).
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Por meio dos sentidos o ser humano se relaciona com a realidade e


constrói sua história, de maneira ativa. Além disso, só é possível confiar em um
conhecimento gerado pela experiência, pelo contato com a realidade. O
pensamento por si só é incapaz de compreender o mundo e a existência
(SOUSA, 2016).

De acordo com Lopes (2013), a teoria de Feuerbach descreve o homem


como um ser que existe para amar, conhecer e querer, pois sua essência
contém a razão, o coração e a vontade, aspectos que guiam o ser humano
para a sua realização. Esses são atributos presentes em todos os seres
humanos, por isso são infinitos, já que existem sempre em cada ser humano.

Para Feuerbach (2007, pg. 105) “Um homem que existisse somente para
si perder-se-ia nulo e indistinto no acaso da natureza”, ou seja, a relação
intersubjetiva é algo de extrema importância para a realização do ser humano.
A ética humana deve-se basear nas relações concretas com o outro e no
conhecimento, por meio dos sentidos, da natureza.

Lopes (2013) descreve que, a partir da essência humana compreendida


por Feuerbach, pode-se notar a capacidade do ser humano de realizar proezas
coletivamente. A ação coletiva em prol de uma existência baseada na
sensibilidade é o caminho da realização plena das potencialidades e
necessidades humanas.

A política e a criação do Estado é um caminho rumo ao desenvolvimento


de uma sociedade pautada na natureza e na sensibilidade. O Estado é gerido
pela própria humanidade e visa a realização de uma vida satisfatória. Ao invés
de esperar e contar com intervenções divinas, o homem assume a
responsabilidade pelo seu próprio destino (LOPES, 2013).
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir, a partir desse trabalho, que a essência do ser humano


é notada a partir de sua distinção em relação aos animais. O homem,
diferentemente do animal, possui a consciência de seu gênero e de todos os
outros tipos de gênero. Assim, ele desenvolve o conhecimento de si e do
mundo por meio da percepção do que há em comum entre os seres e objetos,
daquilo que os definem.

A respeito da religião, pode-se compreender que na filosofia


feuerbachiana ela surge a partir da objetivação da essência humana,
exteriorizando-a em Deus. Assim, o ser humano elabora a ideia de Deus por
meio de suas próprias qualidades, tais como a razão, os sentimentos e a
vontade.

Decorre disso uma cisão do homem consigo próprio, pois ao atribuir a


Deus suas qualidades, ele as nega em si, desvalorizando sua essência e sua
capacidade de autonomia e realização. Além disso, nega a natureza,
valorizando apenas o imaterial, infinito, metafísico, em detrimento do mundo
real.

A partir desses aspectos, Feuerbach desenvolve uma filosofia pautada


na sensibilidade e na relação do homem com a natureza tal como ela é. Por ser
originado pela natureza e se relacionar com ela por meio dos sentidos, o ser
humano se realizará ao buscar satisfazer-se com as possibilidades presentes
no mundo ao seu redor, agindo coletivamente em busca da realização plena de
suas potencialidades.

As questões analisadas propiciam a compreensão da necessidade do


ser humano utilizar a sensibilidade como modo de alcançar a realização de sua
vida. É na relação com a natureza e com os outros que o homem encontra
satisfação e felicidade em sua existência.
20

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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