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15/05/2018 Podemos viver só com energia renovável? E a que preço?

– Observador

Podemos viver só com energia renovável? E a que preço?


27 Fevereiro 2017  637 

Ana Suspiro

Portugal é visto como exemplo nas energias verdes. A


produção renovável vai continuar a crescer. Mas até onde se
pode ir sem colocar em risco a segurança do abastecimento e
sem agravar os custos?

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O ano de 2016 foi de recordes para a energia renovável em


Portugal. A produção em regime especial representou 64% do
consumo de energia elétrica no continente, uma “percentagem
histórica” na expressão da Associação Portuguesa de Energias
Renováveis (APREN). Trocado por miúdos, as energias “verdes”,
geradas a partir da água, vento, sol ou biomassa, foram suficientes para
abastecer o consumo nacional durante 1.130 horas, o que vale mais de
1,5 meses.

Já no arranque do ano, a 2 de janeiro, a REN registou o valor máximo


instantâneo de 4.532 MW na produção de energia eólica, um recorde.
Mas o que mais deu nas vistas, e voltou a colocar Portugal como um
exemplo nesta área, foram os 4,5 dias seguidos ou 107 horas em
maio de 2016 quando o país só consumiu eletricidade verde.
Um feito que valeu o terceiro lugar na lista do jornal britânico The
Guardian para os 12 momentos mais importantes para a ciência no ano
passado.

E se não fossem apenas quatro dias ou um mês e meio? E se fosse o ano


todo? É possível? Quanto custará? E valerá a pena?

Estas perguntas foram o ponto de partida para um desafio colocado pelo


Observador a produtores e especialistas como António Sá da Costa,
presidente da APREN, mas também das duas principais empresas, a
EDP e a REN (Redes Energéticas Nacionais), que têm de gerir as
incertezas e contingências que a energia renovável representa no
sistema.

É possível abastecer 100% do consumo com energias


renováveis?

Sim, é possível, mas não o tempo todo. Pelo menos para a maioria dos
países.

Não é inédito, diz a diretora de planeamento energético da EDP, Ana


Quelhas. Em Portugal já aconteceu durante mais de 100 horas e em

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alguns, poucos países, acontece todos os dias do ano. No norte da


Europa, existem pelo menos dois países onde 100% de energias
renováveis é uma realidade há bastante tempo.

A Islândia vive da geotermia, energia produzida a partir do calor na


terra que tem origem na atividade vulcânica da ilha. Em Portugal esta
fonte só é aproveitada nos Açores.

A Noruega é o país dos fiordes e das grandes barragens de produção


hídrica, onde nunca falta a água. O país não só abastece o seu consumo,
como é um grande exportador de eletricidade. Haverá outros casos,
sobretudo ilhas, ou países de menor dimensão, onde esse cenário
também é viável.

"Posso saber quando é que o sol vai nascer no dia 14


de maio de 2027, mas não sei se nesse dia as nuvens
vão tapar o céu."
Presidente da APREN, António Sá da Costa

Mas há renováveis e renováveis e o que faz a diferença entre


Portugal e um país como a Noruega, explica Ana Quelhas, é a
capacidade de armazenamento — que é muito elevada nas
albufeiras e inexistente em recursos como o sol e o vento. É essa
capacidade de gerir o recurso renovável que permite à Noruega ter um
sistema elétrico totalmente verde. E a flexibilidade necessária só pode
ser assegurada se existir armazenamento.

Portugal também é um país de barragens e tem vindo a reforçar a


capacidade das suas centrais hídricas. Mas a enorme capacidade de
armazenamento norueguesa não existe nas barragens de fio de água do
Douro, nem nas albufeiras nacionais, que são muito mais vulneráveis a
fatores climatéricos — a chuva é incerta e o clima mais quente. As

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grandes barragens têm sido, em regra, a maior fonte de geração


renovável em Portugal, mas basta um ano seco, como os de 2004 e
2012, para “afundar” a produção hídrica e arrastar consigo a quota das
renováveis nacionais.

Por outro lado, a expansão das renováveis em Portugal tem sido feita,
sobretudo, a partir das eólicas. E nós “não gerimos o vento, nem o
sol”, realça Ana Quelhas.

Mais do que imprevisível, a energia renovável é incontrolável,


sublinha António Sá da Costa.

“Posso saber quando é que o sol vai nascer no dia 14 de maio de 2027,
mas não sei se nesse dia as nuvens vão tapar o céu.” De acordo com
António Sá da Costa, só há três formas de armazenar a energia (a
eletricidade não é armazenável):

Albufeiras
Química (baterias)
Depósitos de combustível

Nas albufeiras, a nossa capacidade é limitada. As baterias de grande


escala, como as que seriam necessárias para este propósito, ainda são
uma tecnologia muito cara. A EDP tem um projeto piloto que está a ser
testado em Évora, mas Ana Quelhas admite que só será uma tecnologia
competitiva daqui a 20 anos.

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Como armazenar a energia nas redes


Em 2015, a EDP, em parceria com a Siemens, lançou um projeto piloto para armazenar
energia elétrica na rede que serve a Universidade de Évora. Esta solução utiliza baterias
estacionárias de iões de lítio com uma potência de 472 kW e uma capacidade de
armazenamento de 360 kWh.

O sistema, que permite alimentar o campus da Mitra da Universidade de Évora, é uma prova
de conceito e montra tecnológica e enquadra-se no desenvolvimento das redes
inteligentes. O projeto, inovador a nível nacional e europeu, visa promover a e ciência
energética (redução de perdas), a automatização da gestão das redes, de forma a melhorar
a qualidade de serviço. Pretende-se ainda reforçar a exibilidade na integração de recursos
distribuídos de geração e promover as energias limpas.

Sobra o combustível fóssil. Um sistema elétrico “muito verde” não


dispensa as centrais térmicas, antes pelo contrário. “Por mais renovável
que se seja, tenho de ter sempre um backup“, ou seja, um plano de
contingência, diz Sá da Costa. E isso passa pelas interligações, mas
também e sobretudo pelas centrais que usam combustível fóssil e que se
podem ligar ou desligar para responder à procura e estabilizar o
sistema.

“E como as renováveis são incontroláveis, ainda que previsíveis, quanto


mais força têm no sistema mais capacidade de backup é necessário. E
esse backup, que garante a margem de segurança ao sistema, tem de ser
pago”, diz o presidente da APREN.

Para ter uma produção totalmente renovável, não só teria de haver mais
capacidade verde, mas também teríamos de manter as centrais a gás,
como rede de segurança, para funcionar apenas e quando forem
necessárias, e isso iria ter mais custos para o sistema que teriam de ser
pagos pelos consumidores.

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Nem um defensor das renováveis defende um sistema


totalmente verde. Sá da Costa acredita que essa meta será alcançável
para Portugal em 2040, mas sempre mantendo um parque de
capacidade térmica. Para o presidente da APREN, as centrais de reserva
devem ser a gás natural, um combustível menos poluente que o carvão
— o campeão na produção de CO2. As unidades de ciclo combinado são
mais rápidas a arrancar — três horas contra cinco horas.

Já a diretora da EDP defende a continuidade do carvão, em particular


da central de Sines, a unidade de maior capacidade em Portugal e que é
também, realça, a mais eficiente a nível ibérico. Não só o carvão é mais
barato, como é “mais democrático” — há muitos fornecedores, sublinha
Ana Quelhas. A oferta de gás está concentrada em geografias de alto
risco político — o gás consumido em Portugal vem da Argélia e da
Nigéria.

Por outro lado, desligar Sines, central operada pela EDP, não significa
necessariamente menos CO2, argumenta. Pode até ter um resultado
contraproducente. Com o mercado integrado a nível ibérico, se a oferta
de Sines desaparecer antes de entraram as centrais portuguesas a gás,
entram as centrais a carvão espanholas. Como são menos eficientes do
que Sines, teriam de emitir mais para produzir o mesmo.

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As redes que seguram o sistema

Outra forma de gerir o risco é diversificar as fontes, ainda que


renováveis. Mas até isso pode não ser suficiente. Sá da Costa ilustra esta
ideia com o caso da Alemanha, onde está a decorrer um grande debate
sobre as renováveis. O sistema alemão tem uma grande percentagem de
energia verde, com destaque para o solar, que no ano passado
contribuiu com mais de 30% para o consumo. Mas num inverno sem
sol, nem água (há neve), muita desta capacidade está parada. Por outro
lado, até as centrais térmicas, que em tese se podem ligar e desligar, são
em regra mais vulneráveis a acidentes e roturas imprevisíveis.

A probabilidade de uma combinação de fatores que neutralizem em


simultâneo várias formas de produção pode ser rara, mas o sistema tem
de estar preparado para esses fenómenos que podem ser ampliados por
uma maior percentagem de renováveis. E uma boa rede de interligações
é apontada por todos os especialistas ouvidos pelo Observador como
fundamental à segurança de abastecimento num sistema elétrico muito
verde.

As interligações são linhas de transporte de energia que, no caso de


Portugal, nos ligam ao sistema espanhol. No nosso caso, estas linhas

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têm capacidade para abastecer até mais 10% da procura nacional em


hora de ponta (nível mais alto de consumo num dia).

As redes têm sido preparadas para uma integração progressiva de fontes


renováveis de eletricidade. Nos anos 60 foram as grandes barragens e a
partir dos anos 90 foram as eólicas. Agora estamos no ciclo do solar.
Fonte da REN (Redes Energéticas Nacionais) diz ao Observador que o
peso das renováveis no consumo de eletricidade é já dos mais elevados
da Europa. Mas apesar dos sucessivos recordes que têm sido
alcançados, considera que não há vantagem em ter 100% de energia
renovável se essa percentagem não funcionar economicamente.

A possibilidade técnica existe, mas é preciso avaliar o impacto


económico. Ser mais ambicioso custa mais.

E para isso não só é necessário um backup térmico, mas também uma


capacidade de rede para responder aos picos de procura. Esta é a
variável crítica quando comparamos as necessidades de investimento
em infraestrutura de transporte e de energia, como ilustra fonte da
REN.

“Quando se constrói uma autoestrada, faz-se as contas ao tráfego médio


esperado. Não se fazem cinco faixas para escoar um engarrafamento que
aconteça na véspera do Natal. Um congestionamento na estrada é uma
chatice para os condutores. Um congestionamento numa rede elétrica
pode mandar o sistema abaixo e ser uma calamidade pública.”

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"Quando se constrói uma autoestrada, fazem-se as


contas ao tráfego médio esperado. Não se fazem
cinco faixas para escolar um engarrafamento que
aconteça na véspera do Natal. Um congestionamento
na estrada é uma chatice para os condutores. Um
congestionamento numa rede elétrica pode mandar o
sistema abaixo e ser uma calamidade pública."
Fonte da REN (Redes Energéticas Nacionais)

O alerta tem como pano de fundo as reservas colocadas pelo regulador


aos planos de investimento em rede de gás e eletricidade apresentados
pela REN em anos recentes. A Entidade Reguladora dos Serviços do
Setor Energético (ERSE) considerou que eram excessivos, face à
evolução esperada do consumo, e alertou para o impacto que teriam nos
custos da energia.

Polémicas à parte, ter uma rede robusta é essencial para escoar a


produção renovável que, ao contrário das grandes centrais e barragens,
é mais dispersa e coloca maiores desafios para quem gere o sistema. A
REN nunca recusou, até agora, a entrada de renováveis na rede por
excesso de geração.

A possibilidade de importar faz parte da margem de segurança do


sistema, mas também introduz maior racionalidade económica. Se for
mais barato importar, porquê dar ordem de arranque a uma central
nacional? A interligação tem permitido atenuar, também, o diferencial
de custos de energia entre Portugal e Espanha.

E não é muito caro?

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Depois de estarem na moda, sobretudo por via das políticas de


promoção, voluntaristas, para muitos, adotadas nos dois governos de
José Sócrates, o discurso político e mediático virou-se contra as
renováveis. O principal argumento foi o custo. As renováveis custam
mais e têm de ser subsidiadas através dos preços finais pagos pelos
consumidores.

O sobrecusto com a energia renovável, sobretudo eólica, é uma das


parcelas dos custos de interesse económico geral, que vão ao preço pago
por todos os clientes. Este sobrecusto suporta a diferença entre o preço
de mercado e o nível de remuneração contratado com o produtor
renovável. Quanto mais renováveis no sistema, maior a fatura nas
tarifas. Esta fatura, que inclui também a cogeração industrial, tem
crescido todos os anos, apesar de as tecnologias verdes estarem hoje
mais maduras, logo mais baratas e competitivas.

Os encargos sobem, não são só porque a produção renovável ganha


espaço, mas também porque uma parte do sobrecusto do passado,
resultante dos primeiros contratos feitos quando as tecnologias eram
caras, não foi pago logo. Para evitar fortes subidas da eletricidade, esse
custo foi suavizado ao longo no tempo, dando origem ao défice
tarifário, o que faz com que os encargos gerados pelas renováveis
pesem ainda mais nas tarifas finais, porque é preciso pagar os juros do
défice.

É um retrato pouco simpático para as renováveis, que enfrentam


críticas também em outros países “verdes”, como a Alemanha ou a
Espanha, onde são responsabilizadas por uma energia mais cara.

Mas há contas quem apontam noutra direção. Quando analisamos os


custos totais de uma tecnologia pelos olhos do produtor contamos o
investimento, que são os custos fixos; o os custos variáveis que só
aparecem quando se está a produzir; os custos de operação, o
combustível e o custo do CO2 (dióxido de carbono) no caso das centrais
térmicas.

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Nesta abordagem, diz Ana Quelhas, da EDP, as tecnologias de


produção mais baratas e eficientes são as renováveis.
Primeiro, o vento, depois o sol (e depois o nuclear que, no
entanto, já não é renovável). Estas centrais só têm custos fixos, que
correspondem ao investimento na sua instalação que já foi assumido
pelo produtor. Para produzir energia, não têm de suportar custos
variáveis, porque não usam combustível. Logo, sempre que vendem à
rede estão a ganhar em relação a um cenário em que estão paradas. E,
por isso, estes produtores estão disponíveis para vender a preços mais
baixos, no limite quase a zero.

As renováveis são, assim, a primeira oferta a entrar na rede. É a partir


desta primeira oferta que se começam a definir os preços que vão
subindo à medida que são necessárias outras formas de geração para
responder à procura. Aqui começam a arrancar as centrais com custos
variáveis, que só vale a pena pôr a produzir quando a curva dos preços
sobe.

Do ponto de vista dos preços grossistas, que são praticados entre as


elétricas, quanto maior for a oferta renovável, mais baixos
ficam os preços, refere a responsável da EDP. Este é o raciocínio que
nos ajuda a perceber porque é que a entrada de mais renováveis no
sistema permite baixar os preços. Mas isto acontece apenas no mercado
grossista onde estão os produtores e os comercializadores, e levanta um
problema que tem de ser resolvido no fim da linha, neste caso no preço
final.

Um preço de entrada baixo, próximo de zero, não é suficiente para


remunerar o custo fixos das renováveis. E se recebessem apenas o preço
de mercado, estas centrais nunca teriam sido construídas.

É por isso que existe um sobrecusto associado a estas unidades — e


estamos, sobretudo, a falar de eólicas — que tem de ser compensado
através das tarifas de eletricidade. É uma compensação paga às

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renováveis que cobre a diferença entre o preço de mercado, demasiado


baixo, e a margem necessária para remunerar o investimento. Em
Portugal, este sobrecusto resulta, sobretudo, dos primeiros contratos de
desenvolvimento de capacidade eólica, os projetos mais recentes já são
mais competitivos e uma avaliação europeia até coloca o sistema
português numa boa posição relativa quanto à fatura extra das
renováveis.

Esta imagem interativa foi criada com o ThingLink.


Ver esta imagem no thinglink.com.

Se é verdade que quanto maior é a oferta renovável em mercado, mais


os preços grossistas baixam, o reverso também sucede, porque há mais
sobrecustos a passarem para as tarifas. E é isso que tem estado a
acontecer em Portugal. O sobrecusto das renováveis tem subido muito,
não só porque a oferta aumentou, mas também porque essa oferta fez
baixar os preços de mercado. Por um lado, fazem baixar os preços, mas
por outro custam mais às tarifas finais. Afinal, o consumidor ganha
ou perde?

Para responder à pergunta é preciso comparar dois cálculos. As


renováveis fizeram baixar o preço de mercado em quanto? E quanto

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receberam a título de sobrecusto através das tarifas de eletricidade?

A diretora de planeamento energético da EDP fez as contas para o ano


de 2014, tendo por base os preços do mercado ibérico diário, e concluiu
que o impacto das eólicas no custo grossista em Portugal
representa um benefício líquido de 308 milhões de euros. O
mesmo exercício feito para 2015 continua a dar um ganho, embora
menor porque foi um ano mais seco, com menos renováveis (neste caso
hídricas), o que fez subir os preços grossistas.

Se o desconto nos preços grossistas é maior do que o sobrecusto o


sistema está a ganhar.

Então porque é o consumidor não sente essa poupança? Em parte,


porque a fatura elétrica atual está carregada com os custos
passados que foram travados por decisão política e atirados
para o futuro. Uma fatia importante do défice tarifário é o resultado
do sobrecusto com a produção renovável que não foi pago no imediato,
porque o sistema teve de enfrentar na década passada choques no preço
provocados pela escalada do petróleo e por secas.

É por causa desta pesada herança, que em Portugal só começou a


diminuir no ano passado, que os governos estão empenhados em cortar
as famosas rendas da eletricidade.

Mas há cortes e cortes. E alguns estão a pôr em causa o atual modelo de


mercado, que pode ter os dias contados, admite Ana Quelhas. Por um
lado, a Comissão Europeia não quer mais tarifas subsidiadas
para a produção renovável, por outro lado, o mercado não está a
remunerar as centrais térmicas, que são o backup fundamental para a
produção renovável.

Em Portugal, a ordem é para cortar na garantia de potência,


um subsídio dado às grandes centrais térmicas e hídricas, através das
tarifas da eletricidade. E estas unidades não conseguem a remuneração
apenas com o mercado, até porque em anos “normais” estão quase

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sempre paradas e há já pedidos para desligar (descomissionar) centrais


a gás. Este cenário não tem impedido as elétricas de apresentar lucros,
mas é um forte travão a novos investimentos.

Uma alternativa a desligar é manter uma central adormecida (em


banho-maria) durante alguns meses ou até um ano (mothball) — em vez
de estar sempre pronta a produzir, ou seja, nunca totalmente desligada.
Estas unidades podem ser reativadas num prazo de um a dois meses em
caso de necessidade, mas é uma capacidade que demora a ativar e não
está isenta de custos económicos.

A produção renovável exige flexibilidade, mas o mercado não


paga essa flexibilidade. O sistema tem de ser repensado como um
todo, sobretudo se a evolução for no sentido da descarbonização total,
onde só há custos fixos. Ninguém vai investir se não existirem
salvaguardas de estabilidade e previsibilidade nos preços. Os novos
investimentos em geração poderão ser decididos em regime de leilão —
a concorrência é feita no momento da obtenção de licença — mas
voltaremos a ter preços e remunerações garantidas por contrato, como
aconteceu no Reino Unido quando quis construir uma central nuclear.

Mais renováveis. Sol, sol, sol

Em Portugal, esse cenário não se coloca no imediato. O sistema


português tem capacidade e flexibilidade para absorver o
crescimento previsto das renováveis até 2030, admite Ana
Quelhas.

Para a diretora de planeamento de energia da EDP, não há dúvidas de


que o recurso com mais potencial a explorar é o sol. Portugal
atrasou-se na energia solar, mas isso acabou por ser positivo, porque a
tecnologia era muito cara. Países como a Alemanha e a Espanha, que
apostaram logo muito no solar, estão agora a debater-se com os
encargos elevados dessa aposta.

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O solar ficou mais barato — e um sinal disso é o número crescente de


projetos que está a aparecer, com a promessa de vender energia ao
preço de mercado.

O governo anunciou este ano um pacote de investimentos potenciais de


800 milhões de euros em projetos de energia renovável. E o fotovoltaico
representa cerca de metade da capacidade instalada prevista nestes
projetos, com quase 400 megawatts (MW). Mas há tenha dúvidas sobre
o seu arranque, porque o preço do mercado apenas, como já vimos, não
assegura a remuneração destes investimentos.

No horizonte de 2030, a meta assumida por Portugal a nível


internacional é de 40% de renováveis na energia primária, que
inclui todas as formas de energia.

Para atingir essa meta, 80% da eletricidade teria de ser gerada a partir
de fontes renováveis, ilustra Sá da Costa. Há políticos a perguntar se não
se pode ir aos 100% na eletricidade e ao mesmo tempo querem cortar as
garantias de remuneração das centrais convencionais e a compensação
tarifária às renováveis. Mas capacidade não é o mesmo que produção,
sobretudo quando estamos a falar de renováveis.

“Se instalarmos um parque solar em toda extensão do concelho de


Almodôvar, a eletricidade produzida num ano até pode ser igual ao
consumo, mas a distribuição ao longo do tempo não é homogénea.
Haverá períodos em que a produção não chega para o consumo e haverá
outros em que até poderá ultrapassar as necessidades”.

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"Se instalarmos um parque solar em toda extensão do


concelho de Almodôvar, a eletricidade produzida num
ano até pode ser igual ao consumo, mas a
distribuição ao longo do tempo não é homogénea.
Haverá períodos em que a produção não chega para o
consumo e haverá outros em que até poderá
ultrapassar as necessidades".
António Sá da Costa, presidente da APREN

Chegamos sempre à mesma conclusão: Para ter uma produção


totalmente renovável, temos de manter capacidade térmica
como backup preparada para funcionar apenas e quando for
necessário. E isso tem custos. Daí que Sá da Costa defenda também a
necessidade de manter um mecanismos de garantia de potência para as
centrais térmicas, que são o seguro do sistema.

E os consumidores podem entrar no jogo?

A flexibilidade do sistema elétrico tem sido gerida sobretudo a partir da


produção e das interligações. E a procura? A partir do momento em
que a eletricidade chega à rede é toda a igual — os eletrões
não têm cor, não são verdes.

Uma gestão ativa do consumo pode ser feita com incentivos nas
políticas comerciais. Algumas elétricas têm ofertas verdes, a partir
da garantia de que quando vão comprar energia escolhem uma
percentagem mínima de fontes renováveis. Outra forma de estimular
um determinado padrão de procura é através do preço, que pode variar
em função da intensidade do consumo face à oferta disponível.

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No caso das empresas, já existe um mecanismo desse tipo: é a


interruptibilidade. Um palavrão que significa a possibilidade de
cortar a energia a grandes clientes quando o sistema precisa, evitando,
por exemplo, ligar uma central. As empresas que beneficiam deste
regime têm direito a descontos na sua fatura, que têm estado a receber,
apesar do serviço não ter sido acionado pela REN. Mas isso é uma outra
história.

As redes também são inteligentes


E se recebesse um SMS da sua elétrica a avisá-lo de qual seria a hora mais económica para
ligar a máquina de lavar roupa? Este é um exemplo do que podem fazer as redes
inteligentes.

Em casa, os contadores tradicionais são substituídos por terminais inteligentes, que


facilitam a comunicação bidirecional entre consumidores e a elétrica, permitindo também
leituras à distância. A distribuição de energia é gerida com recurso a controladores
distribuídos ao longo da rede, o que permite aumentar a qualidade e abilidade no
fornecimento. O tráfego da energia é encaminhado em função dos uxos de consumo e
produção, de modo a procurar o melhor equilíbrio em cada momento. Os sensores
inteligentes asseguraram ainda de forma automatizada a deteção e resolução de avarias.

A EDP lançou em 2010 o projecto InovGrid, em Évora, onde foram instaladas as primeiras
30 000 EDP Boxes (contadores inteligentes). Estudos permitiram concluir que os clientes
obtiveram ganhos de e ciência energética de cerca de 4 % face aos consumos anteriores.

O projeto foi alargado e a EDP Distribuição está a instalar as EDP Box à medida que renova
os contadores, que deverão chegar a um milhão de casas até ao nal do ano. Em Portugal,
há cerca de seis milhões de consumidores de eletricidade.

A generalização de uma política de preços proativa junto dos


consumidores domésticos exige redes inteligentes que permitem a
bidirecionalidade numa relação que é tradicionalmente feita num só
sentido, da elétrica para o cliente. Para isso, precisamos de contadores
inteligentes que permitam ao consumidor final controlar o seu consumo
e ajustá-lo, a incentivos do lado do preço. E estes equipamentos são
caros e ainda não chegam à maioria dos clientes.

O crescimento da mobilidade elétrica chegou a ser apontado no passado


recente como um instrumento que poderia alterar o padrão do

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consumo, introduzindo alguma bidirecionalidade. Isto porque as


baterias são um forma de armazenar energia, a única do lado da
procura, que poderia em tese ser devolvida à rede quando não estivesse
a ser usada, por um preço.

Mas o futuro brilhante anunciado por alguns para o carro elétrico tarda
em chegar. Reduzida autonomia, rede pública escassa de abastecimento
rápida, ou preços demasiado altos dos automóveis mais autónomos, são
problemas ainda por resolver. Apesar da aparente boa vontade dos
políticos.

O presidente da APREN é cético quanto à expansão dos carros elétricos


particulares. Para António Sá da Costa, o futuro da mobilidade vai
passar pela contratação de serviços de transporte, uma combinação de
Uber com carros sem condutor e mobilidade elétrica. “As pessoas da
nossa geração tem um sentimento de posse em relação ao carro, mas as
novas gerações não. Para os jovens, é normal não ter carro. Vamos
deixar de ter carro e vamos partilhar os que existem, contratando
serviços através dos nossos telemóveis”.

Esta evolução vai reduzir de forma significativa a frota automóvel nas


nossas cidades. E os carros existentes vão estar sempre a circular, logo
não podem acumular energia nas baterias para fornecer à rede. E este
“admirável mundo novo” vai acontecer mais depressa do que
se imagina, avisa.

Corrigido com a indicação de que o nuclear não é energia renovável.

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