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Literatura, Ensino e Formação em Tempos de Teoria (com "T" Maiúsculo)
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Literatura, Ensino e Formação em Tempos de Teoria (com "T" Maiúsculo)

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Em Literatura, ensino e formação em tempos de Teoria (com "T" maiúsculo), André Cechinel revela imensa clareza de que a literatura existe hoje, por via de regra, aos pedaços e sempre prestes a desaparecer.
LanguagePortuguês
Release dateJul 21, 2020
ISBN9788547345235
Literatura, Ensino e Formação em Tempos de Teoria (com "T" Maiúsculo)

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    Literatura, Ensino e Formação em Tempos de Teoria (com "T" Maiúsculo) - André Cechinel

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    AGRADECIMENTOS

    Se é verdade que as preocupações em relação à dinâmica de aplicação de pressupostos teóricos aos artefatos literários caminham comigo há bastante tempo, as formulações que tomam corpo neste livro só me foram possíveis a partir da leitura, nos últimos anos, dos ensaios do Prof. Dr. Fabio A. Durão (Unicamp), em particular do livro Teoria (literária) americana: uma introdução crítica, publicado em 2011. A minha dívida para com o volume em questão e demais textos de Durão revela-se nas constantes menções à sua obra ao longo de todos os capítulos que compõem o presente volume. Agradeço ao Prof. Fabio, pois, tanto pela interlocução aqui evidenciada quanto pelas recentes contribuições para os volumes que organizei sobre o tema.

    Devo agradecer, ainda, a amigos e parceiros intelectuais cuja presença se faz direta ou indiretamente sensível nos ensaios aqui reunidos. Além dos colegas do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Letras da Unesc, bem como de seus respectivos alunos, gostaria de agradecer ao prof. Dr. Rafael Rodrigo Mueller, coautor de dois dos capítulos deste livro e interlocutor constante; ao prof. Dr. Sérgio Luiz Rodrigues Medeiros, para sempre il miglior fabbro; ao Prof. Dr. Fábio Luiz Lopes da Silva, amigo, mestre e máquina conceitual; à Prof.a Imaculada Kangussu, companheira de leituras, textos e viagens; ao Prof. Dr. Eduardo Subirats, eterno defensor da literatura, do ensaio e de um circuit circus para as humanidades; ao Prof. Dr. Victor Luiz da Rosa, leitor criterioso e crítico certeiro; e ao Prof. Dr. Cristiano de Sales, poeta, ensaísta e amigo. Agradeço, ainda, o convívio diário e as conversas sempre produtivas com os amigos Prof. Dr. Ismael Gonçalves Alves, Prof. Dr. Gladir da Silva Cabral e Prof.ª Dr.ª Ângela Cristina Di Palma Back. Sem a presença e o diálogo com todas essas pessoas, o presente volume não teria acontecido.

    Por fim, agradeço à Michelle Maria Stakonski Cechinel, minha leitora mais rigorosa e gentil, ponto de convergência de todos os meus textos e de todo o resto: "Love is most nearly itself/When here and now cease to matter".

    O autor

    PREFÁCIO

    Uma adolescente brilhante que ama os livros, mas não consegue dedicar-se tanto quanto queria a eles em meio às obrigações escolares e às pressões decorrentes da relativa pobreza em que sua família se encontra. Um jovem, atormentado por um trauma terrível, que decide deixar tudo para trás, inclusive a carreira promissora como estudioso da literatura. Um sessentão nova-iorquino às voltas com a falência iminente da editora que dirige há quatro décadas. Um autor famoso acossado pelo fantasma de uma paralisia criativa permanente. Uma aluna de doutorado que, à noite, depois do trabalho, tenta terminar sua tese no cenário sombrio da casa abandonada que ocupa irregularmente. Em Sunset Park, romance de Paul Auster (2012), a literatura está por toda parte, mas em condições invariavelmente precárias, abrindo caminho com dificuldade na rotina das pessoas ou sendo continuamente emparedada pelas incertezas da vida.

    Essas incertezas, em certa medida, são as de sempre, fruto do simples fato de existirmos e de seus riscos inerentes. Viver é muito perigoso, já disse alguém (só não exageremos no recurso autocomplacente a tal citação: esse alguém, não custa lembrar, era um jagunço, enquanto nós...). Mas as incertezas que rondam os personagens de Auster são também as de um tempo e um lugar específicos: o ano de 2008 nos Estados Unidos, quando, como se sabe, a maior economia nacional do planeta conheceu um abalo de proporções catastróficas, com consequências dramáticas para o mundo inteiro.

    Como bem aponta o ensaísta Thomas Frank, os blue collars americanos até hoje não saíram da situação encalacrada em que os grandes especuladores os meteram. É verdade que, de acordo com as estatísticas oficiais, o país voltou a crescer. Só que a transferência dos lucros para o andar de baixo simplesmente não acontece: os salários não aumentam; a renda média no país permanece bem abaixo do ponto em que estava em 2007; a parcela representada pelos ganhos dos trabalhadores no produto interno bruto bateu o recorde negativo em 2011 e desde então não se recuperou (FRANK, 2016, p. 1). Em favor de seu argumento, Frank menciona uma esclarecedora pesquisa de acordo com a qual, em 2014, quase três quartos dos americanos ainda pensavam que os Estados Unidos continuavam em recessão. Porque, para eles, estava mesmo, arremata Frank (2016, p. 2).

    Timothy Snyder, professor de História em Yale, vai ainda mais longe. A seu juízo, a crise de 2008 é um divisor de águas. Sob seus efeitos disruptivos, os americanos finalmente ligaram os pontos (o 11 de setembro, o desastre da segunda guerra no Iraque, a perda ininterrupta de direitos, o ocaso dos sindicatos etc.) e concluíram que o futuro de paz e prosperidade prometido pelas democracias liberais estava cada vez mais irremediavelmente distante deles. Nasceu daí um novo tempo, marcado por descrença e desesperança, à mercê de projetos autoritários. Ou mais que isso: para Snyder, a mais recente recessão é, para muitos americanos, o ano zero de uma outra concepção de tempo, um modo radicalmente novo de as pessoas compreenderem a História, uma maneira de enquadrar a vida em cujos termos o futuro simplesmente desaparece do horizonte, sendo substituído pela ideia de que tudo o que há, no fim das contas, é a repetição infatigável de um único e mesmo ciclo, no qual nós, supostos inocentes, seríamos perpetuamente atacados por algum inimigo externo ou interno (os chineses, os comunistas, os negros, os mexicanos, os corruptos etc.) (cf. SNYDER, 2018).

    Ainda segundo Snyder, o que acontece nos Estados Unidos é, na verdade, só um exemplo, entre muitos outros, de um fenômeno global. Com pequenas diferenças cronológicas e sob a influência de diferentes acontecimentos além da crise de 2008, a humanidade toda está rendendo-se a essa percepção de que estamos presos a um ciclo em que seríamos perpetuamente atacados justamente porque somos puros, e o destino da pureza é ser violada pelos homens maus. Ora, em circunstâncias dominadas por uma narrativa geral tão medíocre e deprimente, como esperar que a literatura seja valorizada?

    No livro que o leitor agora tem nas mãos, André Cechinel revela imensa clareza de que a literatura existe hoje exatamente como é capturada no romance de Auster: aos pedaços e sempre prestes a desaparecer. O autor, além disso, mostra total consciência de que esse despedaçamento foi produzido por e faz sistema com os circuitos do capital e a sucessão de dramas políticos e tensões socioeconômicas que marcaram o século XX e se prolongam pelo século XXI. Cechinel não cita Snyder, mas converge para a mesma conclusão de que o cortejo de crises nos últimos 100 anos foi matando a ideia de progresso, até nos submeter a uma nova temporalidade, alheia à noção de futuro. Uma temporalidade decerto não apenas esteticamente deplorável, mas, a rigor, incompatível com as lentidões que a opacidade do literário solicita para ser interpretada e assimilada às nossas vidas. Basta pensar no que hoje, nas redes sociais, é chamado de textão: algo que, no seu suposto excesso e exigência cognitiva, não encheria, contudo, meia página de Guerra e Paz. Quem pode ler Tolstói quando passa, como no caso do brasileiro médio, quase 10 horas por dia conectado à internet, na maior parte desse período sendo bombardeado por postagens que, como certas drogas, felicitam-nos ou ultrajam de modo miseravelmente solitário e de uma maneira tal que imediatamente demanda um novo choque, uma nova felicitação ou ultraje?

    Cechinel bem sabe, de resto, que, embora não seja necessariamente eterno e inexpugnável, o conjunto atordoante de condições a que estamos hoje submetidos tem uma força opressiva e acachapante o suficiente para nos impedir de sonhar, mesmo no longo prazo, com um destino para a literatura que não seja o de uma existência parasitária, menor, residual. São esses restos literários que Cechinel recolhe, e é a partir deles que ele tenta pensar – nos termos de uma posição próxima à que Nietzsche chamou de pessimismo de força – o ensino da literatura.

    Um apóstolo do pessimismo de força. Assim é André Cechinel. Afinal, apesar de estar convencido de que a literatura cedo ou tarde se extinguirá, ele reitera o compromisso de lutar para que ela ao menos possa seguir operando como "lembrança anacrônica de um significado mais verdadeiro da palavra formação". Para Cechinel, a literatura humaniza não por seus conteúdos específicos, por mensagens que venha a carregar, mas pelo simples fato de que, com sua dificuldade, sua resistência à digestão imediata, lança-nos em outra temporalidade e rasga a bolha do eterno presente em que vivemos. A literatura humaniza porque inventa a possibilidade do futuro, esse outro nome para a humanidade.

    Em uma época em que mesmo os teóricos da área parecem não mais nutrir um sentimento profundo pela literatura, Cechinel continua a amá-la incondicionalmente. Neste livro – que é, no fundo, a sua profissão de fé –, ele reitera a certeza de que há coisas que só a literatura é capaz de fazer (mesmo que ela quase já não consiga de fato fazê-las; mesmo que, para que ela pudesse fazê-las, precisasse contar com uma abertura e uma disponibilidade dos leitores que se apresentam cada vez menos). Cechinel, nesse sentido, é parecido com Pilar, a adolescente bibliófila de Sunset Park mencionada na frase de abertura desta apresentação. Com os parcos recursos aprendidos nas aulas de Inglês na escola, ela se demora sobre o que lê e está de tal modo atenta a isso que é capaz de perceber algo tão sutil e sublime como a força que uma simples mudança de foco narrativo pode ter: ela começou a argumentar, escreve Auster (2012, p. 14) sobre a garota,

    [...] que o personagem mais importante [de O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald] não era Daisy, nem Tom [Buchanan, o marido dela], nem mesmo Gatsby, mas Nick Carraway [primo de Daisy e narrador do romance]. [...] É porque é ele que conta a história, disse Pilar. Ele é o único personagem que tem os pés no chão, o único personagem capaz de olhar para fora de si mesmo. Todos os outros são pessoas perdidas, rasas, e sem a compaixão e a compreensão de Nick, não seríamos capazes de sentir nada por eles. O livro depende de Nick. Se a história fosse contada por um narrador onisciente, não seria nem a metade do que é.

    Não por acaso, O Grande Gatsby é uma das obras preferidas de André Cechinel. Com Nick Carraway (e alguns outros), ele certamente aprendeu o ofício tão bem compreendido – e exercido – por Pilar: o de olhar para cada um de nós com compreensão. Este livro – que, ao insistir na literatura, não desiste do futuro, isto é, de nós – é a prova disso.

    Fábio Lopes da Silva

    Professor titular da UFSC

    Florianópolis, 7 de maio de 2019

    REFERÊNCIAS

    AUSTER, Paul. Sunset Park. São Paulo: Cia. das Letras, 2012.

    FRANK, Thomas. Listen, Liberal: Or What ever happened to the Party of the People? Nova York: Metropolitan Books, 2016.

    SNYDER, Timothy. The Road to Unfreedom. Nova York: Tim Duggan Books, 2018.

    Sumário

    PRÓLOGO 13

    Usos da literatura

    1

    LITERATURA E FORMAÇÃO 19

    Da dificuldade de dizer literatura 21

    Da necessidade de dizer literatura 33

    2

    SEMIFORMAÇÃO LITERÁRIA 39

    A nova BNCC e a semiformação literária 41

    Literatura e formação 46

    3

    O IMPÉRIO DAS FAKE NEWS 53

    As fake news e o paradigma da sensação 55

    A literatura e o paradigma da supressão 62

    4

    LITERATURA E NEGATIVIDADE 71

    A literatura e a sociedade excitada 73

    A literatura e a ética espetacular 76

    5

    UM NOVO REGIME DE PERCEPÇÃO 83

    Mutações sensoriais e os usos da atenção 85

    Pluralidade midiática, literatura e atenção 89

    Usos da Teoria (literária)

    6

    A LITERATURA AUSENTE 99

    Da literatura como objeto ausente 101

    Da crítica prática ao desaparecimento do objeto 104

    O desaparecimento do objeto e o espaço de trabalho acadêmico 108

    Teoria – com t minúsculo – e a restituição dos objetos 112

    7

    RASTROS AUTORAIS DA TEORIA 115

    A fórmula como potência 118

    A fórmula como fórmula 123

    8

    O CARÁTER DESTRUTIVO DA LITERATURA 127

    Literatura, alteridade e a virada ética 130

    Literatura e destruição 137

    O outro da teoria 142

    9

    A PERSISTÊNCIA DA FORMA 147

    Educação e outros usos

    10

    UM BRINQUEDO IMPROFANÁVEL 165

    A brincadeira como profanação 167

    Câmara Mirim e o mundo adulto improfanável 171

    11

    A EDUCAÇÃO COMO FALSO NEGATIVO 179

    Educação para além do espetáculo 181

    Educação como falso negativo 188

    REFERÊNCIAS 197

    PRÓLOGO

    Os ensaios reunidos neste livro, sob o título Literatura, ensino e formação em tempos de Teoria (com T maiúsculo), buscam discutir, em linhas gerais, alguns dos impasses que atravessam o lugar da literatura nas instituições e nos processos formativos, seja na educação básica ou mesmo no ensino superior. Em poucas palavras, pode-se dizer que os capítulos constituem diferentes formas de responder à seguinte pergunta: o que de fato significa dizer, ainda hoje, que o ensino de Literatura humaniza os sujeitos, principalmente em um contexto de claro encolhimento das humanidades e de reformas educacionais que estrangulam qualquer possibilidade formativa alheia à lógica da aplicação imediata ou à dinâmica de meios e fins? Nesse sentido, de certa forma, o livro não deixa de ser uma reafirmação radical da defesa do literário feita por Antonio Candido em seu célebre ensaio O direito à literatura, mas, ao mesmo tempo, uma tentativa de indicar que esse mesmo literário – que arrasta consigo toda a positividade atribuída a seu suposto conteúdo formativo –, destituído de uma predicação mais clara ou desvinculado dos processos específicos aqui discutidos, permanece sem rumo, à deriva, podendo ser, inclusive, prontamente apropriado pelo seu inverso.

    O exemplo mais claro disso, isto é, de um conceito de literatura que, mesmo sob o propósito de reafirmar a importância da imaginação, da interatividade e da construção de significados na e com a linguagem – humanizando, pois, o ser humano –, acaba por neutralizar o que lhe é singular em relação às demais formas de escrita, mergulhando todos os gêneros em um mar de objetos indistintos e potencialmente equivalentes, pode ser visto nas formulações dos Parâmetros curriculares nacionais (PCN), de 2000: como tudo não passa de texto, ou de textos muitas vezes acolhidos por uma noção genérica de gêneros textuais, a ideia de um artefato propriamente literário torna-se problemática. A consequência dessa linha argumentativa é a própria destruição da área, mesmo sob ares pretensamente democráticos e elogiosos à literatura: já não há mais diferenças relevantes, por exemplo, entre Paulo Coelho e Machado de Assis, e Drummond não é de todo distante de Zé Ramalho – isso para nos limitarmos aos casos debatidos pelo próprio documento, restando-nos imaginar até onde as equivalências podem ir. Mais recentemente, a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) brasileira, de 2018, sem a mesma virulência dos PCNs, reduziu a literatura fundamentalmente a um jogo de mídias e dispositivos tecnológicos: se o nome de autores, obras e movimentos artísticos, por um lado, praticamente desaparece do documento, as assim chamadas culturas juvenis contemporâneas, por outro, parecem bem representadas por meio do vínculo entre o literário e o midiático na profunda democracia da web. Para a BNCC, mais que o desafio reflexivo imposto pelas obras, o importante é eventualmente "produzir playlists, vlogs, vídeos-minuto, escrever fanfics, produzir e-zines ou tornar-se um booktuber, sempre, é claro, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura" (BRASIL, 2018, p. 87). Seja como for, os itálicos da citação podem desde já indicar de onde vem essa concepção de literatura e ensino.

    Como pano de fundo para toda essa discussão, assombra o campo da Literatura uma noção fantasmática de Teoria (literária), com T maiúsculo e sem delimitação de campo de atuação, ou melhor, sem objetos específicos. Conforme a definição de Fabio A. Durão (2011b), a Teoria pode ser caracterizada tanto pela multiplicação dos princípios e procedimentos, escolas e movimentos interpretativos quanto pela desvinculação desse mesmo quadro teórico plural e abundante de qualquer delimitação de área de estudo. A Teoria, portanto, é marcada pelo signo do paradoxo: de um lado, as possibilidades teóricas multiplicam-se indefinidamente, em uma política do excesso que alarga ou rompe quaisquer fronteiras entre as disciplinas e campos; de outro, em decorrência disso, a Teoria resulta não raro em procedimentos de análise apriorísticos ou mecanizados, que sem se preocupar com a singularidade dos objetos dirige-se a eles em uma dinâmica de mera aplicação ou testagem fadada a sempre funcionar. Nas palavras de Durão (2011b, p. 3), a influência da Teoria se dá primordialmente por meio por meio de uma dissociação cada vez maior entre texto literário e código interpretativo. Logicamente, a desvinculação entre texto literário e código interpretativo muitas vezes reduz a literatura a um campo estritamente temático, a que se podem colar as questões teórico-políticas mais amplas discutidas pelos grandes Teóricos. Não resta dúvida de que esse quadro intelectual precariza a noção de obra ou artefato literário ou artístico, cuja organicidade anterior agora se desfaz para acomodar os conceitos que habitam o universo dos diferentes Studies ou da Teoria.

    Para discutir essas questões, o presente volume encontra-se dividido em três seções fundamentais. A primeira seção, intitulada Usos da literatura, reúne cinco capítulos que abordam assuntos que vão desde a relação entre literatura e a ideia de formação humana, até temas como as chamadas fake news e um conceito de negatividade para os estudos literários, tudo isso vinculado ao debate acerca de um regime de atenção específico solicitado pela área. A segunda seção, Usos da Teoria (literária), volta-se mais particularmente para a discussão sobre o modus operandi da Teoria e as possibilidades de surgimento de uma política de restituição da singularidade dos objetos para a Teoria Literária, dessa vez sem parênteses e com uma delimitação clara do âmbito de atuação do teórico. Por fim, uma vez que os problemas debatidos nas duas primeiras seções não dizem respeito somente à literatura tomada isoladamente, mas também à educação e seus processos formativos como um todo, a última seção do volume, intitulada Educação e outros usos, debate os laços entre a educação e o neoliberalismo contemporâneo, de modo a indicar, na contramão da formação para o espetáculo e das instituições educacionais como meras empresas, um conceito de educação verdadeiramente crítico, capaz de ressignificar e potencializar os resíduos daquilo que ainda chamamos de emancipação e esclarecimento. Os dois capítulos da última seção foram redigidos com o professor Rafael Rodrigo Mueller, a quem agradeço o diálogo intelectual permanente.

    Se é verdade que as humanidades e a literatura estão em crise na estrutura universitária e escolar, a saída para essa crise, se possível, encontra-se não na mera positivação de seus processos – ou em uma politização suspeita, muitas vezes importada, que se dá na contramão das áreas e de seus objetos, como costuma ser o caso nos procedimentos da Teoria contemporânea –, mas sim na revisitação teórica e crítica de toda uma tradição que nos fez e nos faz falhar, bem como de um conceito de educação e formação há muito distante de si mesmo. É em nome do direito de tentar mais uma vez, e possivelmente falhar, que agora falamos.

    Usos da literatura

    1

    LITERATURA E FORMAÇÃO

    "Para dizer-te em uma palavra: instruir-me a mim

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