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5 visdes do processo Jogia da Educacio. 3 ed. 002. Pp. 83-99. és UES. Alberto Tosi. “Tri RODRIG! in: Sociol éculo XX” educacional no s 2 Rio de Janeiro: DP&A. ¢ Cariruto V |__[Trés visdes sobre o proceso educacional ino século XX CREO QUE VIMOS ACIMA OS FUNDAMENTOS miais basieos da teoria socioldgica ¢ 0 modo pelo qual eles resultaram em concepgoes analfticas diferentes a proposito do processo educacional, oy ainda » de como tal proceso deveria ser, conforme as finalidades a que os aurores se propunham. resultaram em proposighes @ respe Neste breve capitulo, gostar de mencionar, ainda que de forma muito resumida, trés contribuigGes importantes do século XX A anilise socioldgica em geral € soctologia da educagio em particular. ‘A primeira € 0 do socislogo francés Pierre Bourdieu, que retoma o ponto de vista durkheimiano ¢ o scla a outras vertentes intelectuais com 0 objetivo de demonst Fo peso do “sistema” sobre as priticas educacionals. A segunda é a do lider comunista ¢ intelectual italiano Antonio Gramsci, que, a partir do morxismo, nos ajuda a pensar as caracteristicas da Lita pelo poder nas sociedades contempordneas ¢, também, o quanto a educagao esté relaciouda a essa hua. E fi Imente ado svcidlons hiingaro Karl Mannheim, que aqui menciona’ mos apenas pelo viés de sua retomada da andlise weberiana e da proposta de unt modelo educacional que incorpore as diferentes pedagogias que Weber identifica. Bourdieu ¢ os esquemas reprodutores O pensamento de Durkheim serviu de base € ofereceu os) métodos fundamentais para a construgio de uma sociologia da SocioLoaia 9A EDUcAgio educagao muito influente ao longo do século XX. Um dos mais importantes sscidlogos a anslisar a educagio contemporanca sob a injluéncia do modelo de Durkheim é © também francés Pierre Pourdieu. Para levat a cabo a ambigio de Durkheim de unificar as ciéneias humenas em iorno da soctologia, Bourdieu introduziu uma sintese todrica entre 0 modelo durkheimiano ¢ © esmnarunlismo, O estruturalismo se conecta a sociologia de Durkheim na medida em que pretende desvendar justamente 0 peso das estiuturas socials por tras das agoes dos sujeitos. Na verdade, trata-se aqui de uma versio mais radical do modelo de Durkheim, que leva s tltimas Conseqiiéncias 0 ponto de partida segundo © qual os individuos estio subm tidos ao controle das estrururas da sociedade. Para o estruturalismo em geral, € também o de Bourdieu na primeira fase de sua produgio, publicada por volta da década de 1960, 0s sujitos sociai 1 vistos — para simplificar a questa = como uma espécie de marionetes chs estruturas dominantes. Para o sceidlogo francés, a teoria durkheimiana eo estruturalismo permitem demonstrar como os individuos, em sua agio, apenas reproduzen as or vigente. tages determinadas pela estruturn social Segundo ele, os a ntes socials, mesmo aqueles que pensam estar Liberados das determinagSes sociais, sto no verdade movidos por, digamos assim, forgas ocultas, que os estimulam a agit, mesmo que nao tenham consciéncia disso. Sia essas “condigces objetivas” que o investigador deve desyendar, pois nelas & que residem as exp! agdes. Os sujcitos da agio estado ausentes daquele nivel da sociedade em que sio objetivamente determvinidas ode fato no existe, O que io, para Bourdieu, é na verdade 0 procesto pelo qual as estnuuras se reproduzem. © sujeito est simplesmente submetid aos designios da sociedade, f chamames de a es. O sup 2 0 que suas estruturas ‘TEs VISES SOBRE © PROCESSO EOUEALIONAL NO SECULO NX 85 determinam, nao sabe disso € ainda € iludido pelos discursos dominantes, que o fazem pensar que sua a vontade propria 0 & resultante de Em 1964, Bourdien publicou un livre, em colahoragio com Jean-Claude Pasreron, que pretendia combater uma ile sito. comum na Franga da época, segundo a qual os estudantes € 0 meio estudantil seriam uma classe social A parte na sociedade. E seriam responsiveis, em razio de sua juventude e de sua disposigao para a agio, pela lideranga da transformagtio social. Apenas quatro anos depois, no célebre més de main de 1968 em Paris, os estudanies de fato sairiam ay ruas, cul doom proceso de mobilizagio que teria um aleance hem maior do que a capital francesa. Mas para Bourdieu, em seu livre, a explicagio dos processos educacionais realmente importantes reside cm outra parte, Nas estruturas, é claro, A ironia € que o livro serviu: como combustivel, por seu aspecto eritico As hoses revoltas estudantis. do sistema de ensino, para ess mesma Neste livro, chamado Os herdetros, os autores atacam 0 discurso dominante segundo o gual a conguista de uma “escola para todos”, de carter igualitario, tornaria possivel a realizagao ialidades humanas. E 0 f © que a instituigao escolar dissimula por tris de sua aparente das poten m colocando em evidéncin neutralidade, ou sej 1 justamente a reprodugio das relagies sociais € de poder vigentes. Encobertos sob as aparéneias de ctitérios puramente escolares, esti critérios socinis de tringem e de selecao dos individuos para ocupar detertninados postos na vida. Ao mesmo tempo em que expéem a face oculta do sistema de ensino, Bourdieu e Passeron negam qualquer possibilidade de romper com as estruturas de reprodugiio © afirma teorias pedagdgicas na verdade sfio uma cortina de fimaca ane procura ocultar o poder reprociutor do sistema q dos ed que as © est nas mavs cadores. Simplesmente nao hi saida: o sistema de ensino 30 Sociowen da Eoucxcko filtra os alunos sem que eles se déem conta e, com isso, reprodus as relagdes vigentes, Nao ha possibilidade de mudanga. A propria revolta estudantil, para eles, no faz mais que reforgar o sistema. Pois ela & aksorvida e serve como apn dizado para as estruturas melhor se comportatem no sentido de An € apresentada por eles c¢ um reforgo da interiorizagao da propria norma. reproduzir as relagies. no volta contra ay noms vigent Ent 1970, os autores refinaram suas idéias, incorporando mais sistematicamente as contribuigdes de Marx e Weber, além de Durkheim, ¢ publicaram um nove livro: A reprodugdo: Elementos bara wma teoria do sistema de ensino. Sua tese central nesta obra Ea de que toda agio pedagigica é, objetivamente, wana violencia simbolica, © conceit de “violgncia imbélica” designa para eles uma imposigao arbitréria que, no entanto, € apresentada Aquele que softe a violencia de modo dissimulado, que oculta as relagSes de forga que e na kase de seu poder. A ago pedagégica, Portanto, é uma violéncia simbélieca porque impde, por um poder arbitrario, um determinado arbitririo culaeral. Dito de modo simplificado, esse arbitrario tural nada mais é de que a concepgao cultural dos grupos ¢ classes dominantes, que é imposta a teda a sociedade através do sistema de ensino, Esta imposigao, porém, nfo aparece jamais em sua verdade inteita ¢ 4 pecagogia nunca se realiza enquanto pedagogia, pois limita-se 4 inculeagio de valores © normas. Daf ser preciso, para que a agiio pedagdgica se efetive, uma antoridade peclagdgicet, por parte das instituigoes de ensino. Ela & necessaria para que a inculeagio Possa ocorrer, sob a fachada dissimulada de uma alegada pedagogia, Enquanto imposigao arbicriria da cultura das classes ¢ grupos dominantes, e na medida em que pressupde uma autoridade pedagogica, a ago pedagégica implica em algo que Bourdiew Passeron chamam de “trabalho pedazégico", isto &, um trabalho de inculeagio daquele referido “atbitrério" que deve durar o Tats users Somer 0 MOCESSO FHUEACIOWAL WO eee XX. a bastante para que o educando “naturalize” seu contetido, encare~ © como natural, como evidentemente correto em si mesma, 0 bastante para produzir uma “formagio duravel". Na medida om que o educando interior ipios culturais que the sto impostos pelo si ino — de tal modo que za os prin ema de smo depois de terminada sua fase de formacfio escolar, ele os tenha incorporado aos seus prSprios valores € los a capaz de reproct na vida e transmiti-los aos outros — Bourdiou diz que ele adquire umn habitus, Uma vez que o arbitrario cultural a ser imposto incorporado ao habitus do professor, o trabalho pedaygigico tende a reproduzit as mesmas condigdes sociais (de dominagio de determinados grupos sobre outros) que deram origem Aqueles valores dominantes. Assim, todo sistema de ensino institucionalizado visa em alguma medida realizar de modo organizado ¢ sistemftice inculcagao dos valores dominantes e reproduzir 2 dominagao social que estdo por tris de sua agio pedagixi Isso explica a desigualdade que est4 na base do processo de selegao escolar. Os autores, valendo-se de dados empiricos, demonstram que as "condigdes de classe de origem” dos alunos gue entram no sistema de ensino francés deterninam tanto a condigoes de probahilidade de sucesso dese aluno quanto a probabilidade de passagem ao nivel esco estahelecimento de ensina a0 qual ele tem acesso (se de melhor on pior qualidade). ‘Tal sitnagie se reproclu7, do ensing hasico 20 médio € ao superior ¢ determina também, no fin eguinte, quanto, ainda, o ipo de Idas cos 2 “condigao de classe de chegada” deste aluno, isto é, 0 tipo de habitus que adquirius, 0 “eapital culeural” ao qual teve acesso e, em especial, a posigio na hierarquia econdmica e social a que chegou Bem, mas talvez soja o momento de retomar a questo que coloquei no principio deste livro: Sera que a barreira da dominagao social € intransponivel? Sera que estamos condenados ee Sociotosis v4 Enuicacio 8 repeeduzir as estrurures indefinidamente? Gramsci, do ponto de vista do marxismo, e Mannheim, do ponto de vista da democracia liberal, achavam que no, Gramsci e a reforma intelectual ¢ moral © comunista italiane Antinio Gramsci (1891-1937) nunca publicou um livro em vida. No entanto, milit€incia politica desde a juventude deixou como legado varios artigos em periddices de partides politicos e na imprensa. Deixow também, € isso & o mais importante, varios caderos de notas manusct durante o periodo em que esteve preso, sob a guarcla clo fascista italiano, & época de Mussolini Cademws do citrcere, esses escritos foram publicacos apés sta morte ¢ representam, até hoje, uma fonte de reflexao filesstica, socioldgica e politica impar. A importancia das idéias de Gi de atualizar o pensamento de ingpiragio marxista, de modo a adequii-lo as caracterfsticas das sociedades européias de capitalismo avangado da primeira metade do século XX. Seus conceitos inovadores vio no sentide de demonstrar que as concepsées de Marx referiam-se a sociedades do século XIX ¢ io russ, a sociedades agrai atrasadas © com capitalismo pouco desenvolvido, stad, Conhecidos como sci est em sua capacidade as de Lénin, » revolucio Sua prim ira distingao politica importante € entre Oriente © Ocidente. E nio se trata aper dlisting enire leste © veste. Ele entende por Oriente aqueles p: © Estado, as estruturas politicas, concentra todo o podet ¢ onde a sociedade civil é fraca, pouco organizada, sem capacidade de contrapor-se a tal poder concenttado no Estado. O Gnico modo de lutar pelo poder em tal situagio é investir cont Estado. No caso dos comunistes, tentar unt ises onde at revolugan armada, que desalojasse os poderosos e dese o poder aos oper isso que Lénin fez na Revolug: ios. Foi fo Russa de 1917. Por Qcidente, “THES VISOtS SOBRE © PROCESSO EDUCACIONSAL NO SFEUID NX. 89 a0 contrario, ele entende aqueles paises em que a sociedade civil tem estrutura, é miiltipla, vital, organizada e tem condigées de dividir com o Estado e as estruturas polit administragao da vida soc angade, com um mercado interno forte € na vila politica plural. Ne: as institueionais 2 I. Essas sio as sociedades de poder nao se concentra todo no E: mais atrasadas. Ele esta dilufdo entre o £ civil. Nao est num lugar s5, est em muitos Ingares ae mesmo tempo. Esta no governo, mas também esta nas empresa dlubes, no mercado, nos partidos, na cultura, nas concepsSes de mundo que as pi Esta percepgao permite a Gramsci uma visio bem mais coerente e precisa da luta pol condigdes, cle nota que o Jo, como nas sociedades Wo © a sociedade + NOS soas veiculam. no capitalismo contempordineo. Dela, ele & capa: de concluir que, para obter poder, as classes ou grupos politicos revolucionsirios fo podern 1 politica apenas de insurreigao ou de luta golpista contra o Estado. E preciso uma revoluedo no cotidiano. E esta lig aos que pretendem revolucionar a sociedacle. E uma lig a politica ¢ a sociedade em geral. A politica tet sociedad, deve referit-se a todos os espagos de poder dispontveis A lta pol forga fisica ou de puro poder econémico. O Estado 6 torca, coergéo, dominagao, mas a sociedade é 0 © lugar onde os homens conflizam seu persuasdo. Nao basta forga, portanto. consciéneia das pessoas. Quem quiser disputar o poder nessa sociedade ocidental, moderna, complexa, tem qu Gramsci, “ganhar a batalha das idéias”, liga nao se limita » sobre que ser feita na ca nfo pode lim apenas a una hut de pura pago do consenso, & interesses através da preciso conquisiar a Se € tio importante sociedade, dentro da luta politica, nao basta apenas eliminar a exploragio econdmica de uma classe sobre outta, eliminar a apropria mo convencimento das p a0 privada dos meios de produgao da riqueza, 90 Sociiocia pa Eoucacia como d monsuara Marx no século anterior. E preciso também hutar contra a apropriagao privada, ox elitista, do seber e dat cultura. Com isso, diz ele, a meta seria acabar com a divisio entre intelectuais” e “p. ‘oas simples”, E isso € fundamental porque apenas aquele que € tido como intelectual octpa os postos da administrago do Estado, da vida politica ¢ social em geral, e portant concentra mais poder. A nas si te processo lento € complexo de luta pelo poder politica vciedades complexas, Gramsci chama de disputa pela hegemenia, Para chegar ao poder n a ganhar a eleigao ou dar amgolpe de Estado, diz ele, E preciso, repito, ganhara batalha do corvencimento, obter um consenso social em torno de suas concepgdes. O pensador florentino Nicolo Maquiavelli, no século XVI, ja havia ensinado, em sua célebre obra chamada © prindpe, que quando © soberano obtém seu poder mais pelo amor que © povo tem a ele do que pelo medo que tem de sua fora, a conquista € mais duradoura. E melhor ser temido, ensinou Maquiavelli. E preciso m que fo: 20 bast amado que is convencimento do € preciso ser hegemonico, confirma Grams Or%, se para conquistar a hegemonia politica e ideolégica 6 necessirio “ganhar a batalha das idéins", © intel identemente os twals desempenham um papel-chave esse processo. Phis os intelectuais organizam a cultura. Eles definem os parametros pelos quais os homens concebeni o mundo em que vivem, véem a divisio de poder ¢ de riqueza de sua sociedale, e rambem definem sit ¢ 08 homens percebem como justa ous injusta essa Ac. E por esta razio que © provesso de eliminagao de toda desigualdade © de toda injusti » segundo Gramsei, passa por uma “reforma intelectual e moral". Ao proprio particlo politico nodemo, que € um dos atores prineipais dessa lata, ele chama ge “intelectual coletivo” aquele que atua no sentido de reformiar as mentalidades, as concepgSes de mundo, ¢ portanto, no sentido da conguista da hegemonia. TRES VISCES SOBRE O PROCESSG EOUCACIONAL NO SEEILO XX 1 Mas, note bem, na luta pela hegemonia, isto 6, na luta pelo poder, hé obviamente os que desejam manter a hegemonia atual eos que desejam uma nova hegemonia. representam, € claro, as diferentes classes e fragdes de classes sociais em disputa pelo poder na sociedade. Nos momentos de disputa mais acirrada, tende a ocorrer uma polarizagao entre os interestes dos que querem conservar e of dos que querem mudar. Os dois grupos tracam aliangas interns do canipo de batalha. A cocla um desses agrupame € fragGes de classe em torno de interesses histGricos determinados Gramsci chama de bleco ou “bloco his capitulo 7, que vor vai ler mais frente, © socidlogo Michael Apple, autor do capitulo, util analisar 7 educagio atual. Vale a pena, entao, conceites agora, para depois vé-los operando na anilise Esses grupos cada um de um lade tos de classes » Repare que no a esses conceitos de Gramsci para ptar esses Em suma, na lura pela hegemonia, tanto as classes dominantes quanto as dominadas se organizam em Hlocos. ¢ cada uma de conta com seus préprios intelectunais, cujas idéias compet sina tentativa de organizar a cults confonne seus intere: tipologia dos intelectua © primeito € 0 intelectual organico, que surge emt ligagao cireta com os interessex da classe que arcende ao poder. Surge exatamente para dar homogeneidade € coeréncia interna 4 concepgo de mundo que interessa a essa classe, ou seja, surge para dar consciéncia a ela. A burguesia, as classes dominantes em geral, possuem seus intclectuais orinicos, cuja fungio & fazer com que todos pensem com. a cabeca da classe dominance, inclusiv de uma dada s. Na verdade, Gramsel consti um Para ele, ha dois tipos principais. € principalmente os dominados. Esta € 9 fonte da persuasio, do convencimento, enfim, da hegemonia da classe burguesa. Do mesmo modo, os dominados, a classe trabalhadora, possuem seus intelectuais, cujo objetiva é desenvolver a concepgao de uma contra-hegemonia. © segundo tipo de 92 SOCIOLOGIA DA EDucAcsO intelectual & intelectual eradicivnal, ow seja, uma classe de incelectuais que, em épocas passadas, foram intelectuais ‘cos das classes que et m enti dominantes. O exemplo, clissico deste tipo & 6 clero, pois es padres deram coeréncia © organicidade a dominagao da nobreza aristocrética, do feudalismo. Mas atualmente, depois do. desap: na paca ecimento cla classe a que estava ligado, esse tipo tradicional de intelectual continua agindo polit amente, de modo independente e sempre numa direcao conservadora, podendo vir a tragar alianges com as classes dominantes no presente. A fungio dos dois tipos de intelectual, portanto, & a de ser um instrumento de construgio ¢ consolidagio de uma vontade coletiva, de um consenso social em torno dasidéias por eles veiculadas, das concepgses de mundo do bloco histérico ao qual est zados, na Iuta pela hegemonia. Mas de onde vém os intelectuas? Ganhou um pirulico quem disse “da escola”, Sim, claro, 0 intelectual ¢ formado na escola. Quer dizer, para vir a ser um dis um intelectual organico ou um intelectual tradicional, ¢ desempenhar fanges de organizagio da cultura, o ind Precis possar por uma formagio escola especial a esta cultura. T iduo que The dé um acesso i que Gramsci tenha se preocupade icas do sistema escolar de sew tempo. Ao analisar o sistema es olar italano de sua época, Gramsci hota uma caracterfstica muito parecida com a percebid: Weber na Alemanha, © que o havia levado 9 uma distingao entre a pedagogia do cultivo ea pedagogia do treinamento, mencionadas acima. Gramsci observa que na sociedade moderna a cigncia misturou-se 4 vida cotidiana de w por modo nunea visto atividades priticas io de casas, a cura das pessoas, a administragao piiblica, ¢ até mesmo as artes) tomarani-se atividades complexas € especializadas. Em vista disso, cle escr de notas do carcere, pub antes ~ o que diria ele se vivesse hoje? — € 2 (a constr num dos cadernos ado com o titulo de Os intelectuais & TRES VISES SOBRE O PROCESO EDUCACONAL WO S#CUID XX, 93 organizagdo da cultura, que “toda atividade pritiea tende a ctiar uma escola para os prépries dirigentes © especialistas ntemente, tende a criar um grupo de inteloctia expecialistas de afvel mais elevado, que ensinam ness Isso gera um sistema educaci ido. De um lade um tipo de escola “humanista", que di uma formacao “classica’ destinada a desenvolver em cada indivéduo uma cultura geral, destinada a dara cada um, nas palavras de Gramsci, “o poder fundamental de pensar ¢ de saber se orientar na vida". De outro lado, surgiram as diversas escolas especializadas, voltadas para a formagio especifica dos diferentes ramos profissionai baseadas na necessidade de ope cientificos. Se voc perguntar a seus pi estrutura da es exatamente a mesma I6gica que presidia a divisio entre 0 “cléssico" e “cientifien”, beni como a separagio entre a escoln “normal” (formagao para 0 magistério), a escola “de comercio” ea escola “industrial” conseaii escolas’ cionalizar os conterides ou avds sobre a ola brasileira no tempo deles, ve (formagio técnica profissionalizante) E isso ainda no ensino que hoje corresponderia ao Ensino Médi sem contar naturalmente com o surginento do Es no Brasil, cujas bases se estruturaram a partir di USP em 1936 ¢ se diversificaram com a enorme expansio do Ensino Superior privado durante 0 regime militar, na década de 1970. Bem, mas essa € uma outra histéria po Superior fundacio da © fundamental em pereeber essa distingic, para Gramsci, € notar que ela tem um contetdo de classe. A formacio geral que faculta ao individue formarse em contato con. a culeura humanista acumulada ao longo dos séculos, formar-se come um individu completo, € reservacla aos fillios das classes dominantes €, portanto, 4 formagfio de seus préprios intelectuais orgdinices. Mas isso nao € tudo. O proprio perfil da formacao deste intelectual organico das classes comin em que o desenvolvimento industrial ¢ a urbanizagio o exigiram, ntes mudou, na medida oa SoKIELOGIA D4 EBLEACAD Desenvolveu-se ao lado da escola clissica (baseada nos valores da cultura greco-romana) uma eseola técnica (profissional, mas smanual), que acabou por suplantar a classica, na medida em que era mais adequada & formagio dos intelectuais onganicos das classes don nies. No mesmo texto citado acima, Gramsci afirma que atentléncia hoje én © obolirqualquertipo de “escola desint (nto imedistamente tnteressada) €“formativa” on conservar delas t0- somente um reduzido exemplar destinads a umo pequena elite de senhores c de mulheres que nfo devera pensar em futuro profissional, bem: com sacha” prepara para um dee difundir cada ver mais a escola Profisionais especialicadtas, nas quaiso destino doalunoe sua farura attvidade so precleterminades Gramsci vé nisso, além de clitismo ¢ da exclusaio das classes crabalhadoras de uma formagdo de qualidade, um indicio de que a expanstio do ensino — necesséria para dar conta das novas tecnologias ¢ dos avangos da ciéncia e da tacionalidade ~ estava se dando de um modo cadtico, pouco organizado, sem que fossem tragadas polfticas orientadoras. Nesse sentido, ele tinha sua prépria proposta de politica educacional, tinha uma visio bastante precisa de como a nova escola deveria ser Para cle, recuperando a percepeao de Marx discutida acima eampliando-a, a nova escola deveria ser organiaada do seguinte modo. Em primeito lugar, uma escola uniteria, que corresponderia aos niveis do Ensino Fundamental edo Médio, que teria um carater formative e cbjetivaria equilibrar de forma equénime o desenvolvimento da capacidade de trabathar manualmente € 0 desenvolvimento das capacicades do trabalho intelectual A partir dessa escola nica, ¢ intermediado por uma orfentagso profissional, © aluno passaria a uma escola espe para o trabalho produtivo. ‘lizada voltada TRES VISOES SOBRE © PROCESS EDUCATIONAL NO SECULO XX 95 Tal escola de qualidade deveria ser fundamentalmente pablica, para que fosse garantido © acesso de todas as classes a ela € para que 0s interesses econdmicos imediatos nio interferissem, sendo a escola privada, na formagao dos alunos. Fica claro que a preocupagao de Gramsei é abrir a todas as classes, © nfo apenas As dominantes, » capacids seus proprios intelectuais, pols sem isso a uta pelo poder fica extremamente desequilibrada nas sociedades complexas. Se io tiverem acesso a uma escola que thes permita uma formagao cultural basics, que possa ser eventualmente expandidh em seguida, a “batalh classes dominantes. je de formar Gas idéias” vai ser sempre ganha pelas Mannheim e a luz no fim do tunel Fechemos entio 6 capitulo com um comentario sobre um pensador do século XX, preoeupado com a sociologia da educagao, que retoma a formulagio de Weber sobre os tipos de edlucagio (as pedagogias do cultivo e do treinamento) © da a ela a perspectiva de um programa para a mudanga da educacio. O filésofo © socidlogo btingaro-germanico-britanico Karl Mannheim (1893-1947), fugindo de certo modo ao pessimismo weberiano, propoe que a sociologia sirva de embasamento te6rico para edueadores ed) ndos no objetive de compreenderem a situagao educacional moderna. Mannheim achava que o pensamento social nao pode explicar a vida humana, apenas expressd-la. O papel da teoria, em sua opiniaio, é o de compreender © que as pessoas pensam sobre a sociedade © nfo o de propor explicagdes hipotéticas sobre ela. No plano das suas préprias conviegSes pessoais, ele defendia uma sociedade que fosse essencialmente democritica, uma democracia de hem-estar social dirigida pelo planejamento racional ¢, veja voce, governada por cientistas. Este detalhe pode até parecer exético, mas ajuda a entendermos sua sociologia da educagao. 96. Sociotesi ps Eo Pan ele, se é verdade que a racionalizagio da vida levou a um dedinio da educagao voltada para a formagio do homem integral, t demociatiza mbém 6 vardade que 6 arej ents promovide pela fu das relagdes sociais permitiu o surgimento de Novas esperangas. Embora o capitalismo tenha gerado desigualdades sociais, o interesse dos jovens das classes inferiores em ascender socialmente a elite, em sua visio, traz a0 proceso educacional as contribuigées culturais das diferentes eaniadas sociais ¢ a intercomunicagio entre elas Mannheim perceheu © seguinte: a vez mais importante, na mode: ‘ociologia fazia-se cada nidade, para o estudo dos fendmenos educacionais, justament: porque a vida baseada na tradigAo estava se esgotando. Nas épocas histéricas dominadas pela tredigio (pré-capitalista) a educagao resumia-se a ajudat a crianga a ajustar-se 4 ordem social tradicionalmente ‘estabelecida. Valendo-se da influéneia da psicanzilise, ele observa que tal proc > era apenas de assimilai fo “inconsciente”, pela crianga, do modelo da ordem vigente, Mas quanto mais a tradicao vai sendo substicuida pela racionalizagio da vid provocula pela consoliclagio da sociedade industrial, mais os contefidos educacionais devem ser transmitidos num proceso “consciente”, em que © educando se aperceba do meio social em que vive e das mudangas pelas quais passa. Portanto, para este autor, neni os ebjetivos do proceso s que ele visa podem: ser concebidos sem a comidleragiio do contexto social, pois el educacional nem as met s So socialmente orientados. As perguntas que a sociologia obtiga a fazer, lembra ele, sfio portanto: Quem ensina quem}; Para qual sociedade?; Quando e como ensina? Como nao concordava com a idéia de que a teoria pode existir apenas pela teoria, apenas como tentativa de explicasio, Mannheim achava que a sociologia poderia servir de base para 0 aprimoramento dk edueagaio, Num de seus ensaios, Tits Vises SORE 4 PROCESO EMvEACIONAE Na SfEULO NX. 7 chamado “O futuro", publicado em sua Inerodueao @ sociologia da educacio, ele afirma: “Queremos compreender mossy tempo, as dificuldades desta Era © como a educagao sadia pode contribuir para a regenersg 19 da sociedade e de homem” Regenerar de qué? E 0 que seria essa “educagto edi A resposta a primeita questo é& regenerar a siciedade ¢ « homem dos efeitos perversos que vém embuvidos no proce racionalizagao detectado por Weber. Mannheim vé como le fim do ttinel a pe ibilidade de valer-se da compreensan dos diferentes tipos histéricus de educagio, construidos por Weber, Para a montagem de uma pedagewia que dé conta de educar 6 homem moderno sem arrane por uma formagti elhe as possibilidades ofereciclas mais integral. Para Mannheim, > ha por que pensar que a pedagogia do cultivo esté condenada A morte, Fle reconhece que os mocdos de vida ineutidos por esta educagio, voltada para a ci estavam associados ao poder de cortas classes privilegiodns "que dispunham de lazer € de et cultivi-la®; © que tais classes entraram em declinio com o desenvelvime Ieura eaerud angia excedentes pi to do. capitalismo © a ascensio da classe bunguesa, E concord também que a educagio especial: personalidade © a capacidade de compreender de modo mais completo o munky en que se vive. Mas argumenta que a grande questiio educacional doquela primeira metade do sCculo XX era justamente valores vetculacios por este tipo de formagao sao exchusividade: dessas classes ociosasou se podem ser transfer idosem alguma medica As classes médias ¢ acs trabalhadores. ada desinte aides i. de Mannheim, € politic, ou O elemento histérieo decisivo na abertura das possibil dladas na sociedade atwal, na seja, 0 advent da democracia modemu, E isso responde a segunda questo, a respeito do que seria ess: sociedade “sadia” Para ele existem tendéncias no sentido de ci melhores de vida. Ele aponta os mov ar padrées rentos da juvencude como on Soco.osa pa Eoucacso responsiveis pelo desenvolvimento de um ideal de homem “sincere”, interessado numa relagio mais auttntica com a natureza € com os Outros; aponta a psicandlise como responsivel por um nove padiao de vida, com satile mental, capac de deixar © homem livre das repressdes nuquuiridas na formagio; aponta forjado na Reissia comunista como um protétipo de entusiasmo e de dedicagio & vida comunitéria Enfim, para Mannhein, a modernidade nao tem apenas Custos, ou amengas A liberdade. A modernidade traz © valotes sociais até mesmo 0 “novo homer mbém esperangns nlidicios, abertos A principal contribuigdo de todas as que a moderna democracia é capaz de oferecer & a possibilidade de que toclas as camadas sociais venham a contribuir com © processo eduteacional. E a sociologia é a diseiplina, em s de fazer a sintese dessis contribuigdes. Por isso € tio importante, para cle, que a seciologia sitva de base pedagogia. Fle explica tal peo ja citado acima 10 do sequinte modo, no mesmo texto Emperiodosde elevack cultura, havia equilihe sm parte consciente, -contributgoes prestadas pelosdiferentes runes deducagio, Esse equilihric ‘emparteineonsciente, entre: na idgin de wma separadas, cada uma das quais apresentava sua contribuicio cultural propriaem nives diferentes. (..) A concepgio democratica ajunta a idgia de stutese a livre intercom contribuigdes weava.se Ae woze hicrarquia de estamentos ou cast cultura. Seu interese prineipal reside noacesso, Aselies, dos membros tallenzosos das classes inferiores, na invengio de meteles adedpuades de selesin social, e no impodirquea sociedale ve deteriors, conwertida em mnassas rmio diferenciadas. Er sum . Mannheim era um homem de sew tempo, em busca de um programa de estudos em sociologia da educagio que possibilitasse a formulagao de projetos educacionais que ampliassem o horizonce do homem, que superasse as divisSes em TeES WSOES SOBRE G MROKESSO FDL UEACIONSL NO SFEULO XX 99 blocos politicos ¢ ideolsgicos, que nao o satisfaciam. Ele viveuo terrivel momento da crise ccondmica de 1929, quando o capitalismo ch “livre concerténcia” (0 laissex-faire) entra colpso, ¢ vi jeneiou em seguida a ascensto do nazismo de Hitler € suas conseyiiéncias politicas © morais na Segunda Guere Mundial Gaiu da Alemanha e foi para a Inglaterra fugindo lo nazismo). Episddios dramaticos da histérin do século XX que Weber nao chegoura presenciar, Para Weber, a ascensio do mundo haseaclo na razioe na lei racional era um process i mas para Mannheim a experiéncia do nazismo significou a volts da irracionalidade, da desumanidade, da barbaric. S63 democracia podleria fazer surgir a luz no fim do a superagio das formas atrasadas © tadicionais de educagae podia ser foate de otimismo. se tratada a partir da visio demo oatrolivel cl. Para ele, Atica que © mundo vin nascer no segundo pos-guerra, com a derrota do nazi-fascismo, Estamos vivendo numa erade planejamento ~ escreventele no texte citado acima —destinads a encont est nova forma de evordenagio, os vivendo numa era em que as forgas nfo 86 la tradiga também doiluminismo, se desintegsam, estamos vivench passa do estigio do prodom elites Limitadias para a d de massas, estamos vivenda numa era ey} forgas tvic contmladas provoeam a desumani Finalmente, a educagio tera de ser concebida comouma nowa forma de controlesocial, queniog iso © a desintegragain da personalichide, anarquia de uma politica deteriorada do laissez-faire, A julgar pelosdlesdobramentosclo capitalisme mundial, depois de 1945 © até os anos 1970, Mannheim estava cero. A cri talista dos. mos 1970, porém, provocou o retorno da ideologi do livre-mereado, associada a um perfodo de declinio d liberdade ¢ das experangas, no qual vivemos hoje. Arrisquemos agora conhecer um pouco mais sobre a educacdo no dins que

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