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4 an 002, p2 //518 3
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VOLUME II
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Keditora
POLÍTICA
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Elifas
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Diretor de Redação
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Editor
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Redator-chefe
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Consultores
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Vladimir Sacchetta (Fotografia)
Redação
Álvaro Caropreso, Armando Sartori, Flávio Dieguez, Guerino Zago Jr., Marcos
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Flávio Moreira Martins, Ricardo Buono (preparação); Henilda Amâncio (secretária)
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Circulação e Planejamento
Antonio Martins Rodrigues (chefe), Amador Vicente, José Carlos dos Santos
Brito, Maria Lúcia Vieira,
Retrato do Brasil é uma publicação de POLÍTICA EDITORA DE LIVROS, JORNAIS E REVISTAS LTDA
Redação: rua Engenheiro Aubertin, 216, CEP 05068, Lapa, São Paulo. Telefone: 832-2212.
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Lapa, São Paulo.
Copyright 1984 POLÍTICA EDITORA (artigo 15 da Lei no 5.988 de 14/12/1973)
sroransss , ps
há vagas .
Não
Quando a Volkswagen do Brasil de- vência para jovens e velhos operários do qual podem resultar situações igual-
cidiu cortar 15% de sua folha de paga- desempregados, parecia ser incapaz de mente novas. Nas próximas semanas
mentos, reagindo, no início de 1981, à sustentar tanta gente. Muitos desem- pode ser criado em São Bernardo um
brutal queda de vendas, cerca de seis pregados já haviam queimado a parca quadro muito tenso, próximo ao das ci-
mil metalúrgicos foram colocados na munição das indenizações, suficiente dades do sertão nordestino nos mo-
rua, quase de um dia para outro, so- para viver não mais do que dois ou três mentos de seca prolongada. Nesse ca-
mente na sua principal fábrica, em São meses. O clima era tenso. so, não está afastada a possibilidade de
Bernardo do Campo, no ABC paulista. Um jornalista, Antônio Carlos Fer- saques a armazéns e mercados."
Como a Volks, a maioria das indústrias reira, do semanário Movimento, foi ao O jornalista acertou quase na mosca.
de São Bernardo demitia aos borbo- ABC, em abril daquele ano, para des- A tensão acumulada pelo desemprego
tões. Ao todo, cerca de 10 mil desempre- crever a situação. Ele fez um prognósti- crescente explodiria dois anos depois,
gados peregrinavam de porta em porta co aterrador: "Os 10 mil metalúrgicos não exatamente no ABC, mas a poucos
de fábrica ou faziam biscates pelas desempregados que perambulam por quilômetros a oeste, na Zona Sul da ca-
ruas da cidade. Mesmo o comércio am- São Bernardo à procura de emprego pital paulista. No dia 4 de abril de 1983,
bulante, última alternativa de sobrevi- são um fato político e sociológico novo, um terremoto político-social abalaria o
BRS
265
BR DFANBSB V8.GNC.AAA, 3341 anco2 , pa
alto do que os discursos pedindo calma. ção), resultante dos recolhimentos a produção da indús
tria de bens de ca-
Tomando o Estado de São Paulo mensais feitos pelos empregadores de pital - máquinas e equipamentos -
como termômetro da economia brasilei- 8% das remunerações pagas aos em- também vinha dimin
uindo desde 1979,
ra, o alarme já vinha soando pelo me- "pregados. Sobre a conta de cada tra- Como este setor é exatamente aquele
nos desde 1974, quando o número de balhador seriam acrescidos juros e que possibilita a ampliação e constru-
novos empregos industriais passou a correção monetária, em contraparti- ção de novas fábricas,
seria fácil prever
crescer em ritmo cada vez mais lento. da pelo uso do fundo no financia- o aumento do dese
mprego nos anos se-
Em 1981, pela primeira vez, no período mento da construção civil, 'guintes, já que a popul
ação continuaria
pôs-"milagre econômico", as demis- Com a criação do FGTS, as demis- a crescer em ritmo mais ou menos
sões no setor industrial, superariam as sões passaram a poder acontecer a constante, a curto prazo
, e não encon-
A crise na indústria automobilística to baixo para os empregadores. Além pansão. A "rebelião de Santo Amaro"
de São Paulo, manifestada de maneira disso, abriu a possibilidade para o em- foi, assim, fenômeno perfeitamente
inequivoca no final de 1980, seria mais pregador burlar os reajustes salariais previsível, dispensand
o bolas de cristal.
do que suficiente para conduzir o de- decididos em dissídio coletivo. O me- O saldo dos quatro anos
de recessão
semprego urbano em direção a um canismo é muito simples: na época do em que foi jogado o País após 1980 é
agudo agravamento. Naquele ano, o se- reajuste, despedem-se os trabalhado- dramático. Entre o final
de 1980 e o ini-
tor era responsável por cerca de 500 res menos qualificados, substituindo- cio de 1984, cerca de 5 milhõ
es de bra-
mil empregos diretos e indiretos em os por outros que, por serem novatos, sileiros ingressaram no
mercado de tra-
todo o País. Seria ingenuidade acredi- não têm direito aos salários previstos balho e não encontrara
m emprego, sem
tar que as demissões em massa nas no dissídio. Assim, ao facilitar a alta contar o incalculável contingente dos
montadoras de automóveis não afeta- rotatividade de mão-de-obra, atuaria que perderam seus empr
egos no perío-
riam de modo generalizado todo o se- também como uma força extra de do, de acordo com dado
s do Ministério
tor industrial. - achatamento generalizado dos salá- do Trabalho, Dos quase 51 milhões de
Outro indicador de que o nível de rios. Um informativo do DIEESE re- brasileiros que compunham a Popula-
emprego estava num processo de que- velou como isto se deu em uma em- ção Economicamen
te Ativa, em 1983,
da de difícil e complicada reversão po- presa de ônibus de São Paulo; entre apenas pouco mais de
30 milhões esta-
deria ser encontrado nos índices de in- 1970 e 1971, a empresa substituiu 93% vam registrados regularmente em seus
vestimento industrial, também em ten- dos seus cobradores e a folha de paga- empregos. No mesmo ano, o nível de
dência decrescente: as taxas "futuras" mentos baixou 3,4%, quando deveria emprego industrial na
Grande São Pau-
de crescimento da economia e do nível aumen tar 24%, se mantidos os níveis lo estava abaixo do de
1973, de acordo
de emprego dependem muito da ex- salariais determinados pelo dissídio. com dados da Federação das Indústrias
Gilson Barreto/Agência JB
Juca Martins/F4
Os saques, como em Santo Amaro, SP, em 1983 (na pág. ao lado), foram consequência dos altos índices de desemprego no início
dos anos 80. Acima,filas para empregos numa universidade do Rio (à esq.) e na Volks, em S. B. do Campo
dições de trabalhar estava desemprega- tempo integral, recebe remuneração fica, fazendo com que a agricultura vá
da ou tentando viver de "bicos", segun-. inferior a um salário mínimo. Esse últi- deixando de ser a principal fonte de
do o Departamento Intersindical de Es- mo caso se manifesta, por exemplo, emprego. Mas a industrialização não
tatísticas e Estudos Sócios Econômicos quando uma pessoa recorre a trabalhos gerava empregos nas cidades na mesma
(DIEESE). transitórios, "bicos" e "biscates", para proporção em que crescia a população
Esta era a realidade que explicava os garantir sua sobrevivência. No País, es- urbana. E isso por dois motivos básicos:
vários movimentos de protesto contra a tas últimas categorias de trabalhadores 1) a industrialização apoiava-se princi-
política recessiva e o desemprego acon- sempre predominaram, em números palmente na importação de tecnologias
tecido após a explosão de Santo Ama- absolutos e relativos, sobre a dos traba- que, além de poupadoras de mão-de-
ro, como o acampamento de dezenas lhadores regulares aqueles enquadra- obra, eram - e são ainda - poupadoras
de famílias de desempregados no par- dos perfeitamente nas normas legais. de produtos primários, recursos e ma-
que do Ibirapuera, em São Paulo, no fi- A economista Helga Hoffmann, au- térias-primas abundantes no País, dimi-
nal de 1983, ou a ocupação do prédio tora de um dos mais importantes estu-. nuindo, assim, as possibilidades de ge-
do SINE (Sistema Nacional de Empre- dos sobre o tema, Desemprego e Subem- ração de empregos indiretos; 2) além
gos), em agosto de 1984, também em prego no Brasil, mostrou, em 1975, de "puxadas" pela industrialização, as
São Paulo. como o processo de urbanização acele- populações rurais eram "empurradas"
O desemprego que se manifestava rada vivido pelo Brasil nas últimas dé- para as cidades pelo secular processo
nos anos 80 não seria, no entanto, ape- cadas tornou visível esse problema. de concentração da posse e uso da ter-
nas o resultado de uma política circuns- Primeiro, "pode-se dizer que a famií- ra e pelas dificuldades, cada vez maio-
tancialmente recessiva. Tratava-se, isto lia patriarcal brasileira ocultava o sub- res, de expansão das fronteiras agrico-
sim, da manifestação aguda de um dos emprego na cidade". Hoffmann las (a que se poderia acrescentar ainda
sintomas de uma doença estrutural da lembrava que até os anos 20 era co- a substituição de lavouras por pecuá-
economia brasileira: a histórica subutili- mum encontrar na crônica da época rias e a modernização tecnológica de
zação do enorme potencial de mão-de- referências a famílias com até uma vin- setores de ponta da lavoura).
obra de que sempre dispôs o Brasil. tena de empregados domésticos, de- De acordo ainda com Hoffmann, a
pendentes e agregados, com laços fami- capacidade de absorção de mão-de-
Sempre houve mais "biscateiros" liares mais ou menos longínquos. Com obra do setor industrial brasileiro era
as transformações no estilo de vida ur- uma das mais baixas do mundo. Entre
que desempregados
bana e nos padrões familiares e sociais, 1949 e 1966, em média, menos de 10%
O subemprego ou desemprego dis- o subemprego nas cidades seria mais da População Economicamente Ativa
farçado semprefoi, no Brasil, mais im- evidente. estavam na indústria. Muito pouco,
portante do que o desemprego aberto, Segundo, até 1940 o campo era o considerando que o Brasil já tinha, nes-
aquele que se manifesta quando uma principal responsável pela absorção da se período, porcentagens do produto
pessoa perde o seu lugar no mercado maior parte dos novos contingentes da industrial no Produto Interno Bruto
formal de trabalho e continua a procu- população que ingressavam no mercado típicas dos países capitalistas desenvol-
rar um emprego equivalente. O subem- de trabalho. O desemprego e o sub- vidos. Basta dizer, que, em 1964, o pro-
prego se caracteriza quando uma pes- emprego rural ficavam, assim, ocultos duto industrial correspondia a 30% do
soa trabalha em tempo parcial, mas nas lavouras de subsistência. A partir Produto Interno Bruto brasileiro e a
gostaria de trabalhar em tempo integral; dos anos 50, entretanto, o ritmo de in- população empregada na indústria não
Ou quando, mesmo rabalhando em dustrialização e urbanização se intensi- passava de 8% da Ropulação Economi-
267
BR DFAinoso VB.GNCIAMA. 840443341 an0coAa , p 44
Juca Martins/F4
ções recentes sobre o assunto. Entre- e O número de trabalhadores na
tanto, está longe de fazer a apologia indústria automobilística dos EUA
da nova era que se avizinha. poderá ser reduzido de um milhão em
Um documento publicado na edi- 1978 para cerca de 800 mil em 1990,
ção de junho de 1983, por exemplo, mesmo prevendo um modesto cresci- O processo de modernização da
explicitava que os sindicatos não po- mento de 1,8% ao ano nas vendas, se- agricultura fez crescer o número de
deriam ser contra o progresso tecno- gundo o Sindicato dos Trabalhadores assalariados temporários, os bóias-frias
lógico. Apenas queriam que os tra- desse setor nos EUA.
balhadores fossem beneficiários desse & Uma fábrica de lâmpadas na Gran- em trabalhadores assalariados; c) a me-
progresso, e não suas vítimas. O pro- de São Paulo produzia 20 mil unida- canização e o uso intensivo de fertili-
gresso técnico deveria servir, por des por turno de trabalho (8 horas) de zantes, corretivos e defensivos reduzi-
exemplo, para reduzir a jornada de 12 pessoas. Ao introduzir um proces- ram drasticamente a necessidade de
trabalho e não para aumentar o nível so de fabricação automatizada, essa mão-de-obra nas fases de preparação
de desemprego. Eis porque e DIEE- fábrica passou a produzir 25,6 mil do solo, plantio e trato das culturas; d)
SE se dedicava a divulgar, sistemati- lâmpadas por turno com apenas cinco em consequência do uso de tais "insu-
camente, estudos sobre as conseguên- trabalhadores. Portanto, 5,6 mil mos modernos", no entanto, o aumen-
cias da automação no mercado de lâmpadas a mais com sete trabalha- to da produtividade e da produção ele-
trabalho. Ao mesmo tempo, insistia dores a menos por turno, vou a exigência de mão-de-obra na fase
na necessidade de os sindicatos se & Uma siderúrgica de Minas Gerais, da colheita, a mais difícil de ser meca-
prepararém para incluir, nas pautas utilizando determinada aciaria (con- nizada. Conclusão final: o processo de
de negociações com as entidades pa- junto de equipamentos), produziu modernização da agricultura brasileira
tronais, os termos em que se deverá num ano 915 mil toneladas de aço agravou a sazonalidade da ocupação de
dar a implantação de processos e má- com o trabalho de 271 pessoas. Na mão-de-obra e induziu ao crescimen-
quinas automáticas de produção de mesma empresa, existe uma aciaria to do número de trabalhadores assala-
mercadorias ou prestação de serviços. mais automatizada, que produziu riados temporários. Traduzindo: cres-
Nada mais prudente, Bastam al- 1.620 mil toneladas ocupando apenas ceram o desemprego e o subemprego
guns exemplos extraídos do boletim 115 pessoas. Cada trabalhador dessa rurais,
do DIEESE, de junho de 1984, para aciaria produz quatro vezes mais que
percebermos a dimensão do que pode os trabalhadores da antiga aciaria. Os principais beneficiados
foram os grandes proprietários
Robôs na solda das chapas de automóveis na Ford, em São Paulo
E, para que não se conclua que tudo
foi obra do acaso, o documento da
COALBRA lembra que "esse processo
de tranformações nas formas de organi-
zação da produção agropecuária foi
acelerado pela política agrícola vigente,
cujas principais formas são o estabele-
cimento de preços mínimos e a conces-
são de crédito rural a taxas de juros
reais negativas para a compra de equi-
pamentos e insumos modernos", cujos
principais beneficiados foram os gran-
des proprietários,
E foi assim que se gerou a situação
explosiva do mercado de trabalho no
Daniel Augusto Jr/F4
ORGANIZAÇÃO SOCIAL/TRABALHO: a história das centrais sindicais ma, superintendente da Polícia Federal
em São Paulo, declarou, no dia seguinte
ao encerramento do congresso de fun-
dação da CUT, que dispunha de um
Em busca de unidade arsenal de leis para bloquear a ação da
entidade a qualquer momento.
CUT e Conclat têm a mesma matriz:
Apesar das proibições, desde 1937 os trabalhadores tentam a 1a Conclat (Conferência Nacional das
organizar-se nacionalmente através de centrais sindicais, como Classes Trabalhadoras), realizada de 21
a 23 de agosto de 1981, no município de
a CUT e a Conclat nos anos 80
Praia Grande, no litoral de São Paulo,
reunindo 5.036 delegados de 1.091 enti-
dades de trabalhadores rurais e urba-
nos de 22 Estados e mais o Distrito Fe-
deral. Foi a maior reunião de trabalha-
dores que aconteceu no País depois do
golpe de 64. A conferência definiu um
"Plano de Lutas" comum para toda a
classe trabalhadora e formou a Comis-
são Nacional Pró-CUT, incumbida de
organizar um congresso de fundação da
central única. Mas a conferência da
Praia Grande não chegou ao final de
maneira unitária, como fora conduzida
inicialmente. As diversas tendências
presentes, agrupadas em dois grandes
blocos, acabaram-se confrontando exa-
tamente no momento de eleger a Co-
Juca Martins/F4
missão Pró-CUT, expondo ao plenário
suas divergências antes contidas aos
bastidores. Embora superficialmente
sejam apresentadas como simples dis-
putas partidárias, envolvendo de um
Quatro vezes, antes do golpe de 64, 0s A 1a Conclat (acima, na Praia Grande, lado o PT e de outro o PMDB, que
trabalhadores repetiram o ritual de rea- SP, agosto de 1981) foi a raiz da Central abriga o Partido Comunista Brasileiro e
lizar um congresso com participação Unica dos Trabalhadores e da Partido Comunista do Brasil, as diver-
dos setores mais representativos do Coordenação Nacional das Classes gências no fundo expressam concep-
movimento sindical e criar um organis- Trabalhadoras, entidades que reúnem ções sindicais diferentes, que resultam
mo central para dirigir suas lutas. Igual categorias diversas em métodos de ação diversos.
número de vezes, o governo decretou a
ilegalidade destes organismos e os re- Nos anos 80 foram criadas
primiu duramente. federações estaduais ou interestaduais duas centrais diferentes
O choque é compreensível. Os traba- de um determinado ramo de atividade
lhadores, quando adquirem consciên- econômica. Apesar da proibição, surgi- A corrente sindical petista, à qual se
cia de classe, sabem que, para poderem ram a CSUB (Confederação Sindical juntam os ativistas das pastorais e outros
expressar toda sua força, precisames- Unitária Brasileira), a CGTB (Confe- movimentos da Igreja Católica e mili-
tar organizados nacionalmente, sem li- deração Geral dos Trabalhadores do tantes de grupos trotskistas e anar-
mites geográficos e abrangendo todas Brasil) e o CGT (Comando Geral de quistas, combate radicalmente a estru-
as categorias profissionais. Mas, num Trabalhadores), que foram tolerados tura sindical vigente, apóia decidida-
país de tradição autoritária e marcado por algum período e posteriormente mente as oposições sindicais contra os
por acentuadas desigualdades sociais, a desmantelados pela repressão. "pelegos", admite o pluralismo sindi-
organização horizontal dos trabalhado- É dentro desse limite de tolerân- cal e sempre defendeu uma CUT cons-
res sob o comando de uma central sin- cia que funcionam hoje a CUT (Cen- truída "pela base", independente das
dical única representaria um risco mui- tral Única dos Trabalhadores) e a federações e confederações.
to grande para uma minoria apegada a Conclat (Coordenação Nacional das Ao contrário, a corrente representa-
seus privilégios. Por essa razão, todas as Classes Trabalhadoras). As duas foram da pelo PMDB e partidos comunistas
iniciativas da classe operária neste sen- criadas em congressos que a rigor con- considera indispensável a aliança com
tido foram barradas à força. frontam a legislação sindical, porque dirigentes das federações e confedera-
Com exceção da COB (Contedera- reuniram trabalhadores das mais diver- ções no processo de construção da cen-
ção Operária Brasileira), criada no 1o sas categorias e profissões, de todos os tral sindical e não exclui nem os "pele-
Congresso Operário Brasileiro, em pontos do País. A CUT, que assume o gos", embora descarte a participação
1906, as demais já nasceram com á pe- papel de central sindical - diferente da autônoma das "oposições", porque
cha de "ilegais", pois organismos dessa Conclat -, tem inclusive diretoria for- acredita ser este o caminho para a uni-
natureza são proibidos pela legislação malmente constituída e uma sede esta- dade do movimento. Unidade é a sua
sindical vigente desde 1937. A entidade belecida, num flagrante desafio à estru- palavra de ordem principal.
de mais alto grau permitida é a confede- tura sindical imposta pelo Regime Mili- A contraposição da "CUT pela ba-
tação nacional, que reúne a cúpula das tar. Tanto que o delegado Romeu Tu- se", sem "pelegos", e "unidade" inclu-
271
BRDFANBSB V8.GNC;AA
Á, 54 0441334 an
002, p 15
Iconographia
R
y No Brasil, as centrais sindicais já
nasceram ilegais, com exceção da COB
(acima, Edgard Leuenroth discursa no
congresso de 1913, O Malho,
13/9/1913). O CGT, tolerado até 1964,
Iconographia
Joi desmantelado (ao lado, manifestação
em 1962, RJ)
sive com "pelegos", aprofundou a ci- festações que evidenciam a primeira to- Em 1949, nada menos que 234 sindi-
são, inviabilizando a realização do con- mada de consciência do recente opera- catos estavam sob intervenção federal.
gresso em 1982, e culminou em 1983 riado brasileiro. No ano seguinte, 1906, mas. começo dos anos 50 os trabalha-
com a fundação da CUT, liderada pela realiza-se o Congresso Operário Brasi- dores retomaram as ações visando à or-
corrente petista, e da Conclat - ado- leiro, com 43 delegados de 28 síndica- ganização horizontal de todos os traba-
tando o mesmo nome da conferência tos, e nasce a COB, nossa primeira cen- lhadores enquanto uma classe, e não a
de 1981- , comandada por sindicalistas tral sindical, que, em 1915, foi empaste- organização vertical por corporações
dos dois partidos comunistas, indepen- lada, definitivamente pela polícia. imposta pela CLT. Greves de grandes
dentes e um setor dos "pelegos"., A segunda central brasileira surgiu proporções foram deflagradas, como a
Não se pode deixar de reconhecer, em maio de 1935, num congresso do "dos 300 mil", envolvendo metalúrgi-
porém, que a realização da conferên- qual participaram 243 delegados. Bati- cos, gráficos, têxteis e químicos de São
cia foi a consequência de um processo zada com o nome de Confederação Paulo, em 1953. Surgiram articulações
de mobilização desencadeado pelo Sindical Unitária Brasileira, esta enti- horizontais - como a PUI (Pacto de
movimento sindical de maio de 1978 dade teve curta duração. Foi desman- Unidade Intersindical), em São Paulo,
em diante. Somente no ano de 1979, a telada em novembro do mesmo ano, a CPOS (Comissão Permanente das
imprensa registrou a deflagração de em consequência da repressão que se Organizações Sindicais), no Rio de Ja-
113 greves, envolvendo 3,2 milhões de seguiu à tentativa de insurreição da neiro, e finalmente o PUA (Pacto de
' trabalhadores. Em 1980, a mobilização Aliança Nacional Libertadora, Unidade e Ação) - que tiveram partici-
se manteve, atingindo inclusive a zona A CSUB era controlada por ativistas pação decisiva na fundação do CGT
rural, onde o fato marcante foi a greve do Partido Comunista, fundado em (Comando Geral dos Trabalhadores),
de 240 mil canavieiros em Pernambu- 1922, que logo assumiu a hegemonia no durante o Congresso realizado em
co. Como o movimento estava em ple- movimento operário brasileiro, toman- agosto de 1962, reunindo 1.400 delega-
na efervescência, alastrando-se pelo do as principais iniciativas de articula- dos. Com o golpe, dois anos depois, o
País inteiro, mobilizando de médicos a ção sindical. Em 1940, conforme relato CGT foi arrasado pelos militares.
camponeses, de funcinários públicos a de Rolando Fratti, um ativista da épo-
motoristas, as lideranças começaram a ca, os militantes do PC começaram a Em 1984 CUT e Conclat
organizar a Conclat tendo em vista a articular, clandestinamente, o MUT
constituição da central sindical única. (Movimento Unificador dos Trabalha- são apenas toleradas
dores), que se tornou público em 1943,
A primeira centralfoi quando foi lançado abertamente seu A sombra do clima de liberalização
empastelada em 1915 primeiro manifesto. Uma das palavras que atravessa o País, a CUT - que já
de ordem do documento era "Por uma realizou seu primeiro congresso - e a
Este processo não difere basicamen- CGT" e em 1945 foi realizado o con- Conclat estão sendo toleradas. Garan-
te do que se verificou quando da cons- gresso, reunindo 1.752 delegados de tia plena de existência, porém, elas te-
trução da COB. Entre os anos de 1900 1.494 entidades, que fundou a CGTB rão se o País democratizar-se o suficiente
a 1903, São Paulo foi profundamente (Confederação Geral dos Trabalhado- para autorizar, e não apenas tolerar
abalada por grandes greves, principal- res do Brasil). Dois anos depois, em conforme as conveniências dos governan-
mente na fábrica de vidros Santa Mari- 1947, o governo desfechou um ataque tes, a livre organização dos trabalhadores.
na e nas tecelagens Anhaia e Penteado, maciço: interveio e cassou a diretoria
Em 1905, as greves prosseguem, com os de 144 sindicatos ligados à CGTB, que
patrões ainda atônitos diante das mani- não resistiu e acabou no final do ano. Valdeci Verdelho
272
com os cabelos puxados para cima des-
cobrindo-lhes a nuca, não muito longe
dali, no Clube Militar, jogava-se a sorte
do Segundo Império.
Naquela mesma poite, Benjamin
Constant conseguia finalmente conver-
ter Deodoro da Fonseca à causa re-
publicana, convencendo-o de que o go-
verno havia ofendido os brios do Exér-
cito ao punir dois oficiais por indiscipli-
na. Começava a ser urdido o golpe mi-
litar que, seis dias depois, a 15 de no-
vembro, derrubaria o imperador.
O baile exacerbou as animosidades.
Segundo o registro da Revista Ilustrada,
"as conversas em geral versavam sobre
Biblioteca Nacional
o custo da festa. Havia cálculos para
200 e para 300 contos, Só o bufê consta
<
que andou por uma pelga de 50 con-
tos".
A Monarquia se foi com suas manei-
Ilha Fiscal, Rio, 9 de novembro de 1889: monarquistas se divertem enquanto ali perto o ras elegantes. Deixou o exemplo de
Exército trama a queda do Império (óleo de Aurélio Figueiredo) como exibir, na sua contradança, o
fascínio social. Seus sucessores apren-
deram rápido. O casamento do presi-
COMPORTAMENTO/ALTA SOCIEDADE: as festas que marcaram época
dente Hermes da Fonseca com Nair de
Teffé, em 1910, conferiu ao já não ado-
lescente presidente da República, fran-
A ostentação do poder camente antipatizado em seu confronto
com Rui Barbosa, os primeiros sinais
de alguma indulgência popular." Nair
Do baile da Ilha Fiscal às noitadas atuais do jet-set
era bela, desinibida, avançada para os
tupiniquim, os privilegiados têm festejado, para exibicionismo padrões da época. E, no entanto, cap-
de nomes, riquezas e poderio turava um férreo general. A crônica
mundana, sempre solícita, delirou. A
classe média brasileira já tinha sua Cin-
Todo poder é transparente. Ele não no Rio, a então capital do País, em 9 de derela. Ao povo, porém, restava apenas
se exerce apenas com decretos-leis, novembro de 1889. A conspiração re- o destino histórico de consumir o so-
com medidas de emergência ou com a publicana estava no ar. Mas a corte e o nho e o encantamento dessas exibições
prisão dos adversários políticos. O po- diminuto séquito de cortesãos que ain- do poder e riqueza.
der busca sua legitimação, aos olhos da se agarravam ao manto do impera-
dos súditos, através de um imenso arse- dor, na maioria empedernidos burocra- Em nome do povo, somente
nal de dispositivos simbólicos. Festeja tas da Fazenda real, não perdiam a alguns saboreiam o banquete
seu predomínio, e o predomínio daque- ocasião de ostentar o ilusório brilho de
les que ele privilegia, por meio de uma seu poder. O baile marcaria a inaugura- Em 1930, o povo teve enfim a honra
sequência de ritos e solenidades que ção, em grande estilo, do prédio da Ilha de ser convidado, mas apenas para fa-
tenta envolver toda a coletividade. É Fiscal, inspirado convenientemente em zer a figuração. A revolução de Vargas
também através de ritos de aceitação castelos europeus do século 14 e plane- foi feita em nome do povo, Pretendiz.
generalizada que a sociedade indica o jado pelo arquiteto italiano Adolpho mostrar que nova República não igno-
nível de sua adesão ao sistema de poder Del Vecchio. rava a sua existência. Mas, novamente,
vigente. Ainda hoje, os franceses de Finalmente, chegou a grande noite. a história mostrou que só alguns pou-
província envergam a roupa plebéia Das 20h30 às 23 horas, as balsas fizeram cos favorecidos continuariam, em
dos sans-coulottes para festejar, no dia tantas viagens quantas foram necessá- nome do povo, saboreando o banquete. .
14 de julho, uma revolução que preten- rias para transportar quatro mil convi- O Estado Novo (1937-45) foi particu-
dia ser popular. A burguesia, que ga- dados, "fidalgos, fidalguetes, conselhei- larmente eficiente nesse aspecto. Con-
nhou e levou, deixa o povaréu festejar a ros de Estado, ministros, altos funcio- vocava multidões para manifestações
ilusão de sua vitória. nários e membros da alta finança, do em estádios, numa cópia subnutrida e
Do circo romano às apoteoses guer- comércio, da indústria e das artes". Se caricata das exibições do fascismo. De-
reiras nazi-facistas, cada príncipe tra- a dissipação noturna não fosse tão ame- pois da interminável xaropada de desfi-
tou de exprimir, à sua maneira, seu po- na, os convivas poderiam ter notado a les, discursos e hinos cívicos capazes de
derio. O Brasil não é a corte de Versa- inquietante circunstância de que havia encher de orgulho pátrio os peitos juve-
lhes, mas jamais dispensou o direito ali uma abundância de oficiais da Mari- nis, servia um lanchezinho e dispensava
de ensaiar seu minueto. Os privilegia- nha - arma tradicionalmente conserva- a garotada. A imagem do Estado Novo
dos têm a mania de festejar nem que dora - e pouquissimos oficiais do Exêr- estará eternamente ligada aos acenos
seja os estertores de seu próprio poder. cito. Na verdade, enquanto emperiqui- de Vargas à multidão comprimida no
Foi assim que a Monarquia brasileira tadas senhoras exibiam seus passos de estádio de São Januário, campo do
dançou sua última valsa, na Ilha Fiscal, dança e a nova moda de penteados, Vasco da Gama. Largos sorrisos, cha-
273
ar DFANBSB VB.GNCAMA, 404% 323 1 an 002, p 6
BR DFANBSB VB.GNC.AAA, 84044 4231 an COZ2
JP AR
Arquivo. Nacional
de Ibrahim, só mesmo a comemoração
dos seus 30 anos de colunismo, no Co-
pacabana Palace, em 1983. A doce dis-
iaioi --- se sipação dos tempos do "milagre" tinha
cedido lugar à retração tímida decreta-
Diamantina chamavam o "pé-de- Da Monarquia ao Regime Militar, os da pela recessão econômica, mas o co-
valsa". Os aromas democráticos, reani- privilegiados ostentaram o poder e a lunista não se fez de rogado: 6 vinho
mados pela promessa juscelinista de riqueza. Em 1941, a revista "Joujoux e ainda era Beajolais e o queijo, Camem-
uma rápida industrialização, inebria- Balangandans" (acima) marcou as bert. Os convivas passaram de três mil.
ram osnarizes da burguesia. A velha comemorações do quarto ano do Estado Nos últimos anos, esses transborda-
aristocracia vai ser atropelada pela for- Novo, um regime de frequentes festas, mentos se tornaram exceção. Mas,
tuna rápida dos arrivistas. Será o apo- como a do 58o aniversário de Vargas, "enquanto a plebe rude na cidade dor-
geu do colunismo social, veículo privi- quando a elite carioca lotou os salões do me", como diz uma música do sambista
legiado para a exibição dos novos no- Clube Ginástico Português (na pag. ao Jorge Veiga, e numa época que pouco
mes e das novas riquezas. O dernier cri lado). Já em 1980, o cronista do jet-set há para comemorar, ainda existem noi-
do alpinismo social determina: em so- tupiniquim Ibrahim Sued (abaixo) festejou tes de Balangandans. Na inauguração
ciedade, tudo se exibe. Em 1954, vol- o próprio sucesso e a fortuna, no da boate Regine's em São Paulo, em 26
tando de Paris, a "locomotiva" Josefine casamento de sua filha, no Jockey Club, de março de 1981, a festa começou
Jordan declara que trouxe na bagagem no Rio com a presença da primeira dama da
32 pares de sapatos Christian Dior.
"Locomotiva", diga-se, é expressão
inventada por Ibrahim Sued, "um turco
que só comia uma vez por dia", segun-
do suas próprias palavras, e que se con-
verteu na figura mais característica des-
*a
**
se alpinismo social dos anos 50. Sua co-
luna virou o barômetro da ascensão. E,
ao fim de cada ano, com desígnios de
sumo-sacerdote do mundanismo,
Ibrahim decretava a recompensa para
o esforço dos eleitos na lista das "Dez
Mais Elegantes" e dos "Dez Mais Ele-
gantes". Ibrahim dosava suas listas com
estratégica inteligência. Entre as mu-
lheres, consagrava o trio de ouro da
movimentação noturna: Tereza Souza
Campos, Lourdes Catão e Carmen
Mayrink Veiga. Mas não se descuidava
de reiterar a elegância tradicional de
Alcyr Cavalcanti/Agência O Globo
N, [bx a *
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A dominação americana
"O BRAZIL QUEM USA EUA, na forma de tropas, munições e novo país, 0 Brasil, já nascia endivi-
SOU EEUU navios. Jefferson recusou qualquer dado.
compromisso. Mas insinuou que, efeti- Em 1824, dois anos depois da inde-
(Grafite em um muro de São Paulo)
vada a independência, os americanos pendência, o Brasil fazia seu primeiro
Para os brasileiros envolvidos em poderiam enviar apoio, se os brasileiros empréstimo, no valor de 3 milhões de
conspirações contra o poder colonial se comprometessem a comprar deles libras. Vários empréstimos se se-
português, a vitória dos Estados Unidos trigo e bacalhau. guiram e, no seu ocaso, o Império de-
na luta pela independência da Ingla- Foi na Inglaterra, porém, a maior via 30,4 milhões de libras, em sua esma-
terra, em 1776, serviu como um grande potência econômica da época, que o gadora maioria a bancos ingleses.
estímulo. Alguns deles chegaram a pen- Brasil teve de se apoiar no seu processo No plano comercial, a Inglaterra ob-
sar que a nascente nação republicana de emancipação. Os ingleses forçaram tivera de Portugal, em 1810, tratamento
estivesse disposta a apoiar a luta do Portugal a reconhecer a nossa indepen- vantajoso para suas mercadorias nos
Brasil pela sua emancipação política. dência e abriram as portas do conti- portos brasileiros. Esse privilégio se
Com essa perspectiva, o estudante nente europeu para a nova Monarquia. manteve depois de 1822 e foi ratificado
brasileiro José Joaquim da Maia conta- Em troca, uma das condições aceitas por um tratado de 1827, com duração
tou, em 1786, Thomas Jefferson, o re- pelo Brasil, para conseguir o reconhe- de 15 anos. Rapidamente a Inglaterra
dator do prelúdio da Declaração da In- cimento de Portugal à sua emancipa- superou Portugal em volume de comér-
' dependência, que representava o go- ção, foi assumir um débito de 1,4 mi- cio com o Brasil. Por todo o século 19,
verno americano na França. Expôs a si- lhão de libras que aquele país tinha os ingleses foram nossos principais par-
tuação do Brasil e solicitou ajuda dos com os ingleses. Assim, em 1822, o ceiros comerciais. Em 1842, as exporta-
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BR DFANBSB V8.GNC.AAA, 8404122
, paa
Biblioteca Nacional
ropéias, o peso político e econômico Bondes a burro: os primeiros
dos EUA era suficiente apenas para es-
tabelecer uma espécie de escudo co- investimentos dos EUA no País
brindo a região do Caribe.
Os primeiros investimentos america-
nos no Brasil foram feitos na década de
Aventureiros agem na América
Nas guerras da Independência, a 1860. O visconde de Mauá transferiu
Central, apoiados pelos EUA Marinha de Guerra nacional contou uma de suas concessões a uma firma
com oficiais ingleses, comandados americana de carros a cavalo, a Ma-
Na década de 1840, os americanos pelo almirante Lorde Cockrane (acima) nhattan's Bleecker Street, empresa que
arrebataram o Texas, o Arizona e a Ca- introduziu os bondes puxados a burro
lifórnia do país vizinho, o México. Era dívidas atrasadas daquele país com po- no Rio, em 9 de outubro de 1868.
o início da expansão dos EUA, que já tências européias. Mas foi na década de 20 do nosso sé-
eram a quinta potência manufatureira No caso brasileiro, foi através do co- culo que muitos trustes americanos ini-
do mundo. Numa espécie de messia- mércio que os americanos iniciaram ciaram suas atividades no Brasil. Entre
nismo nacional, surgiu a doutrina do sua penetração e criaram as bases para eles, a Firestone, a Armour, as Refina-
"destino manifesto" e tudo servia para o futuro domínio. Em 1870, logo após o ções de Milho Brazil, a Burroughs, a
justificar a expansão daquele país: pre- final da Guerra Civil Americana (1861- Pan-American é outros, Com a Swift e
destinação geográfica, tarefa de rege- 1865), os EUA já compravam 75% do a Wilson, a Armour controlava a pro-
neração, alargamento da área de liber- nosso café, um produto responsável dução e o mercado de carne. A Ameri-
dade, etc. Nessa.época, aventureiros, por mais da metade de nossas exporta- can & Foreign Power (Electric Bond &
apoiados pelo governo americano, co- ções. No início do século 20, os ameri- Share) detinha com a canadense Brazi-
meçam .a agir na América Central e canos eram O nosso principal cliente, lian Traction Light & Power o mono-
seus olhos cobiçosos voltam-se para a absorvendo 43% de nossas exporta- pólio da indústria de eletricidade no
Amazônia. O mais famoso deles, Wil- ções. O monopólio virtual sobre a ex- País. Oficinas para a montagem de car-
liam Walker, chegou a tornar-se "presi- portação de café, que se estendia a to- ros foram instaladas: o Brasil revelava-
dente" da Nicarágua, em 1860. das as fases da comercialização, prati- se um mercado promissor. A principal
No alvorecer do século 20, a hege- camente colocava a economia brasi- mercadoria importada dos EUA de
monia inglesa no Brasil já começa a ser leira nas mãos americanas. As grandes 1913 a 1928 foram os automóveis, Em
contestada pelos EUA. O acelerado empresas de torrefação dos EUA pro- 1927, o Brasil já era o quarto melhor
desenvolvimento capitalista deste país vocavam manobras baixistas para al- mercado do mundo para os automóveis
americano estendera seu interesse e cançar lucros fabulosos, As sucessivas dos EUA, absorvendo 10% das expor-
sua capacidade de intervenção para baixas no preço do café provocavam tações americanas de veículos.
todo o Continente. crises na economia brasileira. Por todo o século 19, a influência
Em 1904, o presidente Theodore Com ameaças de taxar a entrada do predominante na cultura brasileira foi
Roosevelt, numa declaração, delineou café nos EUA, o governo americano européia. Mesmo no começo do século
uma política que seria o corolário da arrancou dos primeiros governos repu- 20, "a atitude comum da pessoa culta é
Doutrina Monroe. Afirmava que os blicanos favores alfandegários para os de admiração pela Europa, mas de des-
EUA teriam o poder internacional de seus produtos industrializados. Mesmo prezo pelos Estados Unidos", diz o his-
polícia. Ou seja, o direito de intervir em assim, esses produtos não conseguiam toriador Nélson Werneck Sodré. Ape-
qualquer nação latino-americana, para competir com Os ingleses e alemães. sar disso, suas instituições políticas fo-
garantir a ordem., Era a política do big Porém, com a Primeira Grande Guerra ram imitadas pelos fundadores da Re-
stick (grande porrete), como ficou co- (1914-18), que impediu ou dificultou o pública brasileira. Mas foi o cinema,
nhecida. Os EUA usaram desse suposto fluxo de comércio com a Europa, foi transformado em uma indústria por
direito em 1905 na República Domini- possível aos EUA conquistar o mer- Hollywood, que propagandeou de ma-
cana, apossando-se da renda de suas al- cado brasileiro. A partir daí, a presença neira intensa o american way of life no
fândegas para garantir o pagamento de americana em nossa economia se con- País. No ano em que lançaram os pri-
278 *
BRDFANBSB V8.GNCAAA.0413234 ân0o 2, p22
Iconographia
olhos para este subcontinente. A exis-
tência de matérias-primas, um mercado
para suas mercadorias e para seus capi-
tais, e até a possibilidade de ocupar ter-
ras americanas, chamavam sua aten-
ção.
A influência alemã no Brasil era re- O emprestimo
forçada pela presença de colônias no
Sul do País, onde até um partido na-
zista foi organizado. Setores signifícati-
vos do governo surgido da revolução
de 30 inclinavam-se pelo nazismo e
para uma aproximação maior com a
Alemanha. O general Góes Monteiro
chegou a aceitar um convite de Hitler
para visitar a Alemanha e participar
como comandante de manobras de
uma divisão da Wehrmacht.
O presidente Vargas tentou utilizar a
rivalidade entre as duas potências para
levar adiante o plano de instalar a in-
dústria siderúrgica no País. Iniciou con-
tatos ao mesmo tempo com a U.S.
Steel, americana, e com a Krupp,
alemã. Esta última, aliás, foi quem for-
Biblioteca Nacional
neceu material para a construção do
Parabens, Jéca ! Que arranjo, hein ?
arsenal da Marinha na Ilha das Cobras, - Mas isso não é meu, não. Eu sou apenas o carregador.
no Rio. hp
Mas o Brasil, inclusive por sua posi-
ção geográfica, tinha importância de-
masiada no conflito, que se travaria no exportação de borracha (Banco da ram a padronizar seus armamentos
O
continente europeu e no Norte da Amazônia) e de ferro (Cia. Vale do Rio até suas fardas pelo modelo americano.
África, para conseguir manter por Doce), congelando os preços dessas A relação Brasil-EUA trazia, porém,
muito tempo sua neutralidade. Os EUA matérias-primas, que eram necessárias consequências a longo prazo. Durante
chegaram a ameaçar que tomariam as ao esforço de guerra dos aliados, Em a guerra na Europa, um oficial ameri-
bases aéreas e navais de que necessitas- troca, Vargas havia conseguido, em cano serviu de ligação entre os oficiais
sem no Nordeste, se o governo brasi- 1940, financiamento de 20 milhões de da Força Expedicionária Brasileira
leiro não as cedesse. As pressões ameri- dólares do Eximbank para a constru- (FEB) e o comando do V Exército
canas, somavam-se, internamente, as ção da siderúrgica de Volta Redonda, americano, na Itália. Era o coronel
exigências das forças democráticas e que veio a ser inaugurada em 12 de ou- Vernon Walters, que se tornou amigo
populares para que o Brasil se incorpo- tubro de 1946. de vários oficiais brasileiros, como Cas-
rasse à frente democrática mundial tello Branco e Cordeiro de Farias.
contra o Eixo nazi-fascista. Após 45, a presença americana Sempre ligado ao Brasil, esse militar te-
Os esforços feitos pelos EUA para consolida-se no País inteiro ria papel destacado na conspiração
que o Brasil rompesse a neutralidade e contra o governo Goulart, como adido
se posicionasse com os aliados no con- Os Estados Unidos emergiram da Se- militar da embaixada americana,
flito mundial em desenvolvimento se gunda Grande Guerra, em 1945, como cargo que exerceu entre 1962 e 1967.
prendiam muito pouco à questão de a mais poderosa potência capitalista, : De volta aos Estados Unidos, chegaria
tropas. Além das posições estratégicas tanto do ponto de vista econômico a vice-diretor da CIA, no governo Ni-
a serem asseguradas no litoral do Nor- quanto militar. Sua presença, influên- xon.
deste, era o fornecimento de matérias- cia e domínio estenderam-se a todos Quando a Escola Superior de
primas o que atraia os americanos, os setores da vida brasileira. In- Guerra, cuja missão seria a de formular
Os Acordos de Washington, em tensificaram-se as relações militares. uma nova doutrina de segurança e de-
1942, criaram o monopólio estatal da As Forças Armadas brasileiras chega senvolvimento nacional, começou a ser
279
sr pranBsa V8.GNC.AMA. 840453331 anda 23
"!
Agência O Globo
formada, em 1947, solicitou-se uma riam de tempo e até da ajuda de capi- de 1947, rompeu relações com a União
missão conselheira americana para aju- tais americanos para se reerguer. Por Soviética, surpreendendo os próprios
dar na organização da escola. Esta mis- outro lado, crescia na Ásia e na África americanos, Aferrado a um liberalismo
são permaneceu no Brasil de 1948 a o movimento anticolonialista, que se comercial ultrapassado, torrou as divi-
1960. voltava na época, basicamente, contra sas que O País acumulara durante a
Mas essa interação entre os militares as grandes potências européias. guerra e, além disso, elaborou um pro-
dos dois países, que era justificada no jeto de Estatuto do Petróleo que tende-
quadro da "guerra fria" como neces- Governos adotam atitudes ria a entregar a exploração dessa ri-
sária ao inevitável e próximo confronto diversas frente aos EUA queza aos trustes internacionais.
com a URSS, atingiu seu auge com a O segundo governo Vargas (1951-
assinatura do Acordo Militar Brasil- A hegemonia mundial dos Estados 54) fez diversas tentativas de enfren-
EUA, em 15 de março de 1952. Além Unidos necessariamente se refletiria tar o poderoso aliado. Seu empenho na
de se comprometer a apoiar incondi- numa presença avassaladora na constituição da Petrobrás e da Eletro-
cionalmente qualquer ação de guerra América Latina. No caso do Brasil, os brás se chocava com a posição de inte-
dos EUA, o Brasil se dispunha a forne- governos que se instalaram entre o final resses industriais americanos. Vargas
cer aos americanos matérias-primas es- do Estado Novo (1945) e o golpe militar viu-se forçado a ceder na exportação
tratégicas, necessárias à defesa do de 1964, embora sem romper nem de minerais atômicos e na permissão
"mundo livre". Manganês, urânio e ameaçar uma ligação íntima com os para o levantamento aerofotogramé-
areias monazíticas eram visados pelos EUA nos diversos campos de ativida- trico de nosso território feito pela
EUA, que não haviam até então desco- de, adotaram atitudes diversas frente à Força Aérea americana. Mas tentou
berto jazidas de urânio importantes em " grande potência. resistir, propondo ao presidente argen-
seu próprio território, Pressionados por reações nacionalis- tino, Juan D. Perón, uma aliança
O nivel da influência americana no tas crescentes, que se manifestavam no Argentina-Brasil-Chile para fortalecer
período pode ser avaliado no governo Congresso, no movimento estudantil e a posição desses três países frente a
Dutra (194651), quando se permitiu tendiam a ganhar cada vez mais res- Washington. Vargas fez, ainda, algumas
o estabelecimento de uma Comissão paldo popular, e, por outro lado, pelas tentativas de controlar a remessa de lu-
Mista Brasil-EUA, que traçou um pro- dificuldades econômicas, principal- cros dos capitais estrangeiros. Essas
grama para o desenvolvimento econô- mente comerciais, que a política de tentativas foram abandonadas no go-
mico do País, baseado na atividade dos subordinação sem limites produzia, al- verno intermediário de Café Filho,
capitais estrangeiros que atuariam nos guns desses governos (Vargas, Goulart quando Eugênio Gudin e Raul Fernan-
setores-chave da economia brasileira. e em certa medida Juscelino e Jânio) des, firmes partidários da atração de '
O representante do Brasil na comissão tomaram atitudes, seja no plano in- capitais estrangeiros e da aliança com
era o economista Octávio Gouvéia de terno, seja no campo da diplomacia e os EUA, ocuparam, respectivamente,
|
Bulhões, que, depois do golpe de 1964, das relações internacionais, que se cho- as pastas da Fazenda e de Relações Ex-
seria ministro da Fazenda do governo cavam com os ditames imediatos de teriores,
Castello Branco. Washington. O governo Juscelino enfrentou ini-
A partir do final da Segunda Grande Mas, quando Otávio Mangabeira, na cialmente uma resistência americana a
Guerra, os EUA encontram-se numa condição de ex-chanceler, prostrou-se seus planos de instalar indústrias no
situação em que a sua hegemonia sobre e beijou a mão do general Eisenhower, País, O FMI (Fundo Monetário Inter-
todo o nundo capitalista não enfren- que comandara as tropas americanas nacional) colocou-se contra o Plano de
tava concorrentes. O Japão estava sob na Europa e estava em visita ao Brasil, Metas e com isso dificultava a conces-
seu controle direto. A Alemanha des- em 1946, esse gesto transmitiu uma boa são de empréstimos americanos ao go-
truída e dividida. A França e a Itália imagem do servilismo do governo Du- verno brasileiro. Juscelino voltou-se
devastadas e a Inglaterra exaurida pelo tra em relação aos EUA. Mais realista para os capitais europeus e, para am-
esforço de guerra. Estes países precisa- que o rei, o governo Dutra, em outubro pliar suas alternativas de comércio, es-
280
BRDFANBSBVB.GNCAMA. 40413343 ano a, p24
eipressao S iaea
economia interna, adotou resoluções
na direção proposta pelo FMI, mas
tentou manter no plano externo certa
independência. Anunciou que reataria
relações diplomáticas com a URSS e
enviou o vice-presidente João Goulart
à China Popular. Recusou-se a apoiar
os EUA na invasão de Cuba e marcou
mais ainda sua posição condecorando
Ernesto "Che" Guevara, ministro da
de Cuba, em passagem pelo Brasil.
Acordos MEC-USAID
reestruturam ensino superior
281
BR DFANBSB V8.GNCIAAMA, SLO 413
34 an co y p25
existência de três nomes não absorvi- Faoro, foi que a OAB passou a empu- sos comuns, à reforma do ensinojuri-
veis pelo sistema: Luís Carlos Prestes, nhar bandeiras gerais, indo além das dico e ao relacionamento internacio-
Miguel Arraes e Leonel Brizola. Ouviu demandas específicas dos advogados. nal. Durante sua gestão ocorre o aten-
então do presidente da OAB o desafio A Ordem se coloca contra a Lei de Se- tado do Riocentro. A OAB, através do
de encontrar uma fórmula legal de dei- gurança Nacional e a sobrevivência da CDDPH, reage energicamente, exi-
xar apenas os três fora de um projeto comunidade de informações. O projeto gindo um completo esclarecimento do
de liberalização. de anistia do governo também teve a episódio.
Petrônio Portela, porém, não encon- repulsa da Ordem, pelo seu caráter de No período iniciado em 1983, a
traria a fórmula e a 13 de outubro de 78 indulto e pela questão da reciproci- OAB, sob a presidência de Mário Sér-
caia o AI-5. Pela edição da Emenda dade. Participando do CDDPH (Con- gio Duarte Garcia, continua partici-
Constitucional no 11, eram restabeleci- selho de Defesa dos Direitos da Pessoa pando das lutas pelas liberdades demo-
das as prerrogativas da magistratura, o Humana), Seabra Fagundes luta contra cráticas no País, às vezes se envolvendo
habeas-corpus pleno e alterado o Artigo a imposição do sigilo e constitui uma com a truculência do Regime Militar.
185 da Constituição, caindo a inelegibi- comissão de 15 advogados para Em 24 de outubro de 1983, durante a
lidade dos cassados e abrindo-se cami- assessorá-lo. Dezenas de pessoas pas- votação do Decreto-Lei no 2.045,
nho para a anistia. sam a procurar a OAB, pedindo ajuda Brasília se encontrava sob o regime
Eduardo Seabra Fagundes assume a para questões como o esclarecimento das medidas de emergência. Mesmo as-
presidência em 1979, reconhecendo as do desaparecimento de presos políti- sim, o Conselho Seccional do Distrito
conquistas obtidas*na gestão anterior e cos. Entre estas questões figuram a ten- Federal decidiu manter a realização do
ressalvando que ainda faltava muito à tativa de reabertura do processo do de- I Encontro dos Advogados. O executor
plena restauração do Estado de Di- putado Rubens Paiva e o acompanha- das medidas, general Newton Cruz, o
reito. Começapregando a anistia am- mento da localização de uma antiga "Nini", mandou invadir e interditar as
pla, geral e irrestrita e sem gradualis- casa de torturas de presos políticos na instalações da OAB-DF, mas o presi-
mos; a convocação de uma Assembléia cidade de Petrópolis (RJ). dente do Conselho, Maurício Correa,
Constituinte que restaure as eleições resistiu à intervenção, posteriormente
diretas em todos os planos, assegure a Em 84, a OAB participa com
revogada pelo Planalto sob a alegação
liberdade de organização partidária e destaque da campanha das diretas de ter havido um mal-entendido. Ao fi-
sindical e estabeleça uma justa distri- nal do episódio, o general Cruz chegou
buição de renda. Como principal dife- O atentado contra a OAB ocorre a admitir, publicamente, que "havia
rença do presidente anterior, havia o nessa gestão. A Ordem contrata um pe- quebrado a cara".
entendimento do caráter do Estado rito independente para acompanhar as Em 1984, quando a campanha pelas
brasileiro: para Faoro, autoritário; para investigações, mas o caso permaneceu diretas-já empolgou todo o País, a
Seabra, totalitário. Foram cortadas as sem esclarecimento. Um militante de OAB, juntamente com outras entida-
negociações com o regime e es- direita, Ronald Watters, foi preso, mas des, compôs o Comitê Suprapartidário
tabeleceu-se uma linha de luta intransi - absolvido por falta de provas. Pró-Diretas e teve participação desta-
gente pela restauração da democracia,. A gestão seguinte, de José Bernardo cada de seus representantes.
Outra diferença na gestão de Seabra Cabral, caracteriza-se pela ênfase à
Fagundes, ao contrário da gestão de questão dos direitos humanos dos pre- Márcio Bueno
No I Encontro dos Advogados, a sede da OAB em Brasíliafoi invadida por ordem do gen. Newton Cruz, executor das medidas de
emergência. Abaixo, participantes do encontro protestam contra a invasão, out./83 (Maurício Correa, presidente da Seccional
do
Distrito Federal é o 5o da esq. p/ dir.)
| <p "!
#
Paula Simas
R DranBsB V8.GNCIAMA, 3404133 4ancoa , p2s
285
BR DFANB ONCAA 1404
138334 ano0
2, 029
286 .
"aroransss ve.enciam, 8404133) 30
N
COMPORTAMENTO/SEXO: prostituição e comércio sexual
Sexo à venda
118 - « iru,
mtO
a resposta "é igual" de 71% das entre- sem a se prostituir nas zonas de me- mos , seviciadas e abandonadas.
vistadas, "está diminuindo" de 24%, e retrício das capitais ou cidades maio- Em abril de 1981, já durante a aber-
"está aumentando" de 5%. res. Sobrevivia também, no Norte, a tura do general Figueiredo, o Supremo
Comprova-se, com o percentual su- "zona flutuante", constituída de uma Tribunal Federal decidia que a polícia
perior a 50% para ambos os segmentos embarcação abarrotada de prostitutas, tinha amparo legal para reprimir o
pesquisados, que a prostituição manti- em geral muito jovens, que percorria os trottoir de prostitutas e travestis em to-
nha a sua importância no comércio se- rios da região satisfazendo sua clien- das as vias públicas do País. Porém, o
xual. O que mudava - e isso explica o tela, majoritariamente composta de ga- mesmo STF concederia habeas-corpus a
anunciado fechamento da "casa" de rimpeiros, Clarice da Mata e Sousa e Sônia Maria
dona Eni - era a forma de exercer a A lei brasileira não punia a prostitui- de Sousa, presas sob a acusação de es-
prostituição, que deixava progressiva- ção. Entretanto, em setembro de 1972, tarem fazendo trottoir.
mente de ser confinada ou semiconfi- A polícia, entretanto, não era a única
nada (em bordéis e zonas de meretri- dificuldade na vida das prostitutas.
cio). ELITE ESCORTS Apesar de terem uma clientela mais
Segundo estudiosos do assunto, a Estamos lhe esperando 24 específica, os prostitutos e travestis pas-
prostituição confinada ou semiconfi- horas com belas garotas e saram a ocupar as ruas e avenidas das
nada estava irremediavelmente com- rapazes. Nível classe A.
grandes cidades, não raramente deslo-
prometida à extinção no prazo de mais
Fone: 259-3903 cando as mulheres para outros "pon-
de uma década, pelo menos nos gran-
tos". A prostituição masculina, apesar
des cegitros urbarios. A estratégia, sem-
de antiga, só se tornou amplamente co-
pre respaldada em argumentos de or- for friends nhecida a partir dos anos 70. Praticada
dem moral e higiênica, de "resolver" o Bath House
problema da prostituição com o confi- em guetos, banheiros públicos, boites
Open every day a week gay, casas de massagens, saunas ou a
namento em zonas de meretrício não
ONLY FOR MEN domicílio, ela não diferia muito da fe-
resistia à pressão da especulação imobi-
Tels.: 570-9468 e 570-1887 minina: homens prestam serviços se-
liária. Também o semiconfinamento
não podia competir com os modernos xuais a outros homens.
motéis. é Quanto aos travestis, já em 1978,
O estudo já citado de Délcio Mon- SCORTS SERVICE estimava-se que pelo menos metade da
teiro de Lima revelava, por outro lado, Acompanhantes prostituição de rua da cidade de São
que, ao contrário do que se afirma fre- Paulo fosse exercida por eles. Sua
Classe, Sensualidade e Discreção clientela era constituída predominante-
quentemente, não eram os homens
mais jovens, que se estavam iniciando mente por homens maduros, de posi-
ção social elevada, muitas vezes ho-
na vida sexual, os que apresentavam
maior percentual de envolvimento com mossexuais não "assumidos".
prostitutas. De fato, ocorria exata-
Os sofisticados "templos"
mente o contrário: o percentual crescia
com a idade. Ele era de 11% na faixa sexuais do Brasil moderno
etária dos 15 aos 20 anos; 24% na faixa Em 1984, longe do brilho criado pela
dos 20 aos 30; 32%na faixa dos 30 aos imprensa em torho de Roberta Close, o
40; e 33% na faixa dos 40 ao 50. dia-a-dia dos travestis menos célebres
estava associado invariavelmente à vio-
Prostitutas eram mais Atraentes companhias onde há
lência. Não foram poucos os casos, aba-
nível e beleza não só física mas
procuradas pelos casados fados, de altos políticos e executivos
também cultural com jovens
envolvidos com travestis e vitimados
Também a procura de prostitutas universitárias, modelos e
por chantagens, extorsões e até agres-
não era um substitutivo para, a "vida se- manequins
sões físicas,
xual normal" supostamente proporcio- Atendimento rápido e
Ao lado das "casas de massagem"
nada pelo casamento, já que entre os peronalizado (inclusive casais)
para hetero e homossexuais, substitutas
Fones: 259-8282 - 255-7113
homens que se envolviam com prosti- sofisticadas dos velhos bordéis, os mo-
Atendemos a domicílio, hotéis e
tutas era maior o percentual de casados téis, frequentados também por casais
motéis.
(52%) do que de solteiros (48%). de namorados e até por maridos e mu-
A modernização acelerada do País lheres, eram os "templos" sexuais do
no pós-64, se não fez declinar a prosti- Na década de 80, anúncios Brasil modernizado. Nos anos 70,
tuição, multiplicou seu leque de moda- destacavam "acompanhantes" multiplicaram-se nos arredores de
lidades. Estudantes universitárias que universitárias (Revista Rádio Táxi L grandes cidades, e, em 1984, eles já ha-
faziam "bicos" nos fins de semana nos nov./84) viam conquistado a área urbana.
chamados "serviços noturnos" dos ho- Para os que não tinham dinheiro,
téis de luxo, acompanhantes para via- durante a feroz ditadura do general lembrava a revista carioca Ele e Ela ,
gens internacionais, trottoir motorizado Médici, o Jornal do Brasil noticiava vio- restava a opção dos drive-in , em muitos
eram, entre outras, as novas formas que lenta repressão policial às prostitutas da dos quais não era necessário sequer
adquiria a chamada "profissão mais an- cidade de São Paulo. Como os cárceres que o cliente estivesse motorizado: bas-
tiga do mundo", estivessem lotados e o secretário de tava "escolher o bom acabamento de
Fruto, porém, do desenvolvimento Segurança do Estado tivesse determi- um Simca Chambord ou o confortável
desigual do. capitalismo brasileiro, era nado que os recursos fossem concen- banco traseiro de um Aero-Willys",
comum, ainda em 1984, sobretudo nas trados "na guerra aos crimes contra o que se encontravam há anos estaciona-
regiões mais atrasadas do Nordeste, patrimônio", a tática adotada foi o es- dos em pequenos compartimentos.
que pais, inconformados com deflora- tabelecimento de pânico entre as pros-
mento de suas jovens filhas, as levas- titutas, que eram levadas para locais er- Márcia Micheli
288
BR DFANBSB VB.GNCAAMA, 041334 An AR, 3a
Yi
ARTES/TEATRO: história do teatro brasileiro
Luz/treva no palco
"Não estamos atrás de novidades, esta- cendo. Destruída a democracia dos grande laboratório de idéias que foram
mos atrás de descobertas." palcos, nos anos seguintes também de- os palcos 20 anos antes. E, apesar do
(Oduvaldo Vianna Filho, dramaturgo ) finhariam as experiências pioneiras en- bom teatro que se fez na década de 70,
tão em pleno desenvolvimento. não surgiu daí um novo elenco à altura
O teatro brasileiro chegou a 1964 no Em 1984, o teatro brasileiro não ha- do que existia nos anos 60.
auge de um período de grande criativi- via ainda recuperado o antigo vigor. Em 1968, quando foi promulgado o
dade. A arte dessa época havia nascido Do seu grande elenco original, alguns Ato Institucional no 5, dando amplos
no final do período democrático ini- já não existiam, como Paulo Pontes poderes ao Regime Militar, Fer-
ciado em 1946 e entre os seus grupos (1940-76) e Oduvaldo Vianna Filho, o nando Peixoto, um dos artistas mais im-
mais importantes estavam o Arena e o Vianninha (1936-74). Outros, como Au- portantes dessa época, estava no Ofi-
Oficina, de São Paulo, e o núcleo tea- gusto Boal e José Celso Martinez Cor- cina, preparando uma peça do autor
tral do CPC da UNE, que formaria, rêa, haviam sido forçados ao exílio e só alemão Bertolt Brecht. Conta ele:
após o golpe, o Teatro Opinião, do Rio. retornariam após 1978. Afinal, os pou- "Dia 13 de dezembro, enquanto estáva-
Após anos de resistência à censura e à cos que continuavam em ação, como mos fazendo o ensaio geral de Galileu
violência, no entanto, estes e muitos Gianfrancesco Guarnieri e Plínio Mar- Galilei, ouvimos no rádio a decretação
outros grupos acabaram desapare- cos, não eram suficientes para recriar o do AI-5. A partir daí, o teatro foi per-
nr oranssa V8.GNCAMA 84041331 an co 2 ,p 33
dendo aquela força de reflexão, força
mais transformadora ( . . .). O Arena foi
assassinado, foi estrangulado pouco a
pouco. O Oficina se suicidou. Mas não
houve mortes naturais. São dois cami-
nhos provocados por uma violência re-
pressiva de fora."
O período tenebroso iniciado em
1968 perduraria até 1973, mas o AI-5 só
cairia em 1979. Assim, tentando impe-
dir o debate sobre os rumos que o País
estava tomando, o Regime Militar se
colocou em rota de colisão com o tea-
tro, que reivindicava liberdade para
avançar. "Exigem que não nos manifes-
temos sobre uma realidade dolorosa,
enquanto a denúncia, o debate e a dis-
cussão só podem contribuir para o en-
contro de soluções para os problemas"
(Viaggiinha, em 7968).
Acervo INACEN
Iconographia
nida, surgia mais adequado às condi-
ções econômicas e sociais. Sem poder
apoiar-se em figuras de cartaz, cenários
bem feitos, em peças estrangeiras de
sucesso comercial, mais cedo ou mais
tarde teria de apoiar-se na parcela poli-
tizada do público paulista."
Em 1956, Boal ajudaria a organizar o
novo teatro. A idéia era o aproveita-
mento máximo de recursos. Não havia
funções estanques de ator, diretor, ilu-
minador. E os artistas ainda aprendiam
e trabalhavam na área de finanças, ad-
ministração e publicidade. "A época de
mecenas acabou, agora começa a dura
realidade", afirmaria Vianninha, numa
alusão à figura de Zampari.
Iconographia
Ao contrário do TBC, que era uma
empresa média, propriedade de um
protetor das artes, os novos grupos se
mantinham por conta própria - uma
pequena empresa formada a partir de própria estréia do grupo Opinião, em gina. Foi uma mostra do quanto o novo
uma subscrição inicial de capital entre co-produção com o Arena e encenado teatro aproveitou e valorizou a música
alguns sócios: os próprios artistas, que no Rio. Era o musical Opinião, de popular.
dependiam da bilheteria para viver. vários autores, dirigido por Boal. Para Mas se o Opinião nasceu com o
Os novos grupos enfrentaram a eclo- Fernando Peixoto, era "uma forma (e golpe, o Centro Popular de Cultura, da
são do golpe militar defendendo-se fórmula) de protesto que teve sucesso UNE, desapareceu nessa época. Antes
com as forças que tinham. O primeiro imediato e grande repercussão". Já de ajudar a fundar o Opinião, no final
grande sucesso do Oficina foi Pequenos marcava o período de resistência, de 1964, junto com Paulo Pontes, De-
Burgueses, peça de 1902, de Máximo quando, segundo acreditava Vianninha, noy de Oliveira e João das Neves, Vian-
Gorki, onde Zé Celso utiliza seus re- o teatro passava a deixar na história ninha já havia passado do Arena para o
cursos extraordinários de encenador "não a obra, mas a posição". CPC. A idéia, ventilada inicialmente
para transformar um texto estrangeiro Arena Conta Zumbi veio em seguida, pelo diretor Francisco de Assis, era ten-
em um texto nacional. A peça já vista ainda em 1965, mas agora em São tar popularizar ainda mais o teatro,
por 27 mil pessoas desde o ano ante- Paulo. Boal e Guarnieri contaram a levando-o aos sindicatos e outras orga-
rior, ainda estáva em cartaz quando o história de Zumbi, negro que chefiou a nizações populares que nessa época
golpe de 64 obrigou os artistas a um resistência do Quilombo de Palmares, fervilhavam de atividade. O CPC foi
"veraneio forçado no litoral", lembra- refúgio de escravos do século 15. montado em dezembro de 1961 e apro-
ria Fernando Peixoto. Zumbi era um musical, com música de vado no Congresso da União Nacional
O teatro levou algum tempo para es- Edu Lobo. Uma de suas composições, dos Estudantes (UNE) como o seu ór-
boçar a reação ao golpe, no entanto. Upa Negrinho, Upa!, tornou-se muito gão cultural. Apesar disso, tinha auto-
Um dos primeiros contra-ataques foi a popular depois de gravada por Elis Re- nomia administrativa e financeira: ga-
291
BR DFANBSB VB8.GNC. - S4O044 33 )anco2, p 35
Iconographia
mente, a produzir boas peças e tomasse
iniciativas ousadas. Em 1975, Chico
Buarque produziria Gota D'Água, em
parceria com Paulo Pontes; em 1978,
Mesmo após :o golpe de 64, inúmeras peças atestaram o vigor
do novo teatro, Acima, Chico Buarque paresentaria Ópera do
cena de Morte e Vida Severina, representada em 1969,
em São Paulo Malandro, uma livre adaptação do texto
de Brecht. Trate-me Leão, em 1977,
nhava a vida como os outros grupos. blico era o mesmo que tivera o TBC, mostrou o excelente trabalho de um
Seus diversos núcleos disseminaram-se segundo observou Vianninha em 1968 novo grupo, Asdrúbal Trouxe o Trom-
principalmente através das universida- Casa de Chá Luar de Agosto, do ame- bone. Macunaíma, de Mário de An-
des do País, desenvolvendo um pro- ricano John Patrick, fora vista por 60 drade, foi uma montagem de extraordi-
grama exaustivo de trabalho que se es- mil pessoas em 1956. Um êxito seme- nária repercussão em 1978, Realizado
tendia também ao cinema, livros, revis- lhante. de 1965, a peça Liberdade, Li- por Antunes Filho, foi um espe-
tas e seminários. Em sua curta vida de berdade, de Millôr Fernandes e Flávio táculo de seishoras que envolveu seis
dois anos, visitou camponeses, favelas e Rangel, teve 50 mil espectadores. meses de ensaio do elenco,
as periferias das grandes cidades. Fauzi Arap, em 1975, concluía que o Antunes Filho realizava o seu traba-
O golpe não impediu que os outros desfecho foi uma ruptura no nível de lho, nessa época, através do Grupo
grupos continuassem a fazer sucesso. criatividade atingido em 1964. "Desde Pau Brasil, procurando aproveitar ao
Ao contrário disso, inúmeras peças 1971 não temos um grupo estável e de máximo o imenso potencial do teatro
atestaram o vigor do novo teatro. Por importância fazendo teatro no País e ainda latente no final da década de 70.
exemplo, a montagem histórica do Ofi- dando continuidade àquele trabalho." Utilizava inclusive amadores dispostos
cina de 1967, O Rei da Vela, uma mira- Daí porque a década de 70, para mui- a fazer teatro e sem encontrar Oportu-
bolante recriação do texto de Oswald tos, foi o período das grandes empresas nidade. Que esse potencial existia, nin-
de Andrade que causou impacto inter- no teatro brasileiro - uma evolução guém podia duvidar - mesmo entre os
nacional. Morte e Vida Severina, do "natural", dizia Arap, em função do artistas profissionais, onde o desem-
poeta João Cabral de Melo Neto, foi alto nível técnico atingido pelo teatro prego, em 1979, era de 80%, segundo
montada em 1966 pelo Teatro da Uni- desde o TBC. "Hoje, o esquema é o da Cláudio Mamberti, então na presidên-
versidade Católica (TUCA), de São great production (superprodução)", as- cia do Sindicato dos Artistas de São
Paulo. Com esta peça o grupo venceu o segurava em 1975 o produtor Henrique Paulo. Mas era também vigoroso o mo-
mais importante festival de teatro, o de Suster, responsável pela montagem da vimento amador, que voltou a se disse-
Nancy, na França. peça Equus. "O franco-atirador fatal- minar após a anistia, em 1978,
Apesar do sucesso, porém, o teatro mente sucumbe", concluía ele. formando-se inúmeros grupos em bair-
foi perdendo sua força. O Arena Essa evolução foi muito facilitada ros, sindicatos, escolas, no movimento
extinguiu-se em 1971. O Oficina seguiu pela ação econômica e não apenas negro e outros,
com Zé Celso para o exílio, em 1974, política da censura. O exemplo mais Nessa época, esperava-se que os au-
tentando sobreviver no Exterior, inclu- claro foi a companhia de Fernanda tores simplesmente abrissem as gavetas
sive em Portugal. O Opinião, que pro- Montenegro, que, em 1973, tentou en- e recomeçassem de onde haviam pa-
curou ampliar a resistência atraindo cenar Calabar, de Paulo Pontes e Chico rado há mais de dez anos. Mas isso só
profissionais menos comprometidos Buarque. Era a montagem mais cara aconteceria, dizia Guarnieri, em 1979,
politicamente, perdeu a equipe gra- do teatro até então: 400 mil cruzeiros à se o teatro pudesse novamente procurar
dualmente, João das Neves, solitaria- época. Mas a peça foi "avocada" pelo e ampliar o seu público. "Sem esse
mente, ainda conservava o nome do governo, que a segurou durante meses, mergulho", alertava o autor de Black-
grupo em 1983, para então vetá-la, causando imenso Tie, "ficaremos nisso: um teatro onde
O novo teatro, de fato, dera um salto prejuízo à companhia. Dois anos de- 90% da produção não são divulgados,
qualitativo no "plano cultural", no di- pois, em 1975, Fernanda Montenegro produção de pequenos grupos, de gen-
zer do diretor Fauzi Arap. Mas não receberia golpe semelhante, desta vez te que trabalha nas piores condições,
teve tempo nem condições para com Um Elefante no Caos, de Millôr mas que está realizando. Esse é o mate-
consolidar-se em termos práticos. Na Fernandes. 8 rial rico que pode dar um impulso em
verdade, a partir do golpe, o seu pú- Intromissões semelhantes na linha nosso teatro em geral".
292
A tarefa maior e mais traumákca do
novo Exército foi atacar e conquistar
Canudos, o reduto dos sertanejos agru-
pados em torno de Antônio Conse-
lheiro, no sertão da Bahia. Entre no-
vembro de 1896 e outubro do ano se-
guinte, a população do arraial enfren-
tou quatro expedições militares, que re-
uniram no total mais de 11 mil soldados
e 19 canhões. A vila só foi destruída
pela quarta expedição.
A derrota das três primeiras expedi-
ções causou um verdadeiro trauma na-
cional. E mesmo a vitória final teve um
sabor amargo, quando se revelaram as
Biblioteca Nacional
violências cometidas pelos soldados
contra os sertanejos feitos prisioneiros.
O aperfeiçoamento técnico das For-
ças Armadas se fez combatendo o ini-
migo interno. A primeira utilização da
nossa força aérea em operações de
Para esmagar Canudos, o Exército enviou quatro expedições, num total de 11 mil combate, com os aviões fazendo mis-
soldados sões de reconhecimento, foi na campa-
POLÍTICA/MILITARES: a repressão a movimentos populares nha contra o Contestado (1912 - 15),
uma rebelião de camponeses sem terra
que eclodira na fronteira entre o Pa-
raná e Santa Catarina.
0 inimigo no 1
Com o golpe, chegam ao poder
Da origem aos dias de hoje, as nossas Forças Armadas foram militares doutrinados na ESG
usadas em ações repressivas. No alvo das armas, um inimigo Se, através de toda a nossa história,
surpreendente: o povo brasileiro as Forças Armadas foram utilizadas
como milícia repressora da população,
o que caracteriza o período pós-64 é
No dia 2 de abril de 1980, cerca de 50 gadas de reprimir a Confederação do que, no nível da doutrina, essa ativi-
mil metalúrgicos em greve realizavam Equador - uma tentativa de aglutinar dade passa a ser justificada, explicada e
uma assembléia, no estádio da Vila Eu- as províncias do Nordeste numa repú- reforçada.
clides, em São Bernardo do Campo, blica federativa. Pode-se dizer que o golpe militar de
em São Paulo, quando foram surpreen- Em 1834, toda a província do Pará se 1964 significou a tomada do poder pelo
didos pelos vôos rasantes de dois heli- levantou em armas e conseguiu, no ano setor das Forças Armadas orientado
cópteros do Exército, equipados com seguinte, constituir um governo. A re- pela doutrina gerada na Escola Supe-
metralhadoras. Apesar do insólito da si- volta, conhecida como a Cabanagem, rior de Guerra (ESG). Esta se organi-
tuação, não foi a única vez durante teve um cunho nitidamente popular. A zou, em 1949, tendo como modelo o
aquela greve que os operários se viram repressão foi intensa e generalizada, National War College americano. Mas,
frente a frente com o Exército brasi- provocando cerca de 40 mil mortes desde o início, diferenciou-se de seu
leiro, que parecia ter e mesmo triste numa população que não chegava a modelo original, por estar mais voltada
destino dos demais exércitos latino- 100 mil pessoas. para os aspectos internos e menos para
americanos: o de estar mais preparado Apesar do sucesso em reprimir estas a defesa do País de um ataque externo.
para combater seu próprio povo do que e outras revoltas, o Exército perdeu a A concepção que nasceu e se desen-
inimigos externos. confiança das classes governantes, por- volveu na ESG se caracteriza por inter-
Desde sua origem, nossas Forças Ar- que parte das tropas sempre aderia às relacionar os temas da segurança e do
madas foram utilizadas em ações repres- revoltas. Assim, para sua garantia, as desenvolvimento. Só o desenvolvi-
sivas. Nosso processo de independên- oligarquias criaram, em 1831, a Guarda mento econômico do País poderia ga-
cia, tendo sido basicamente conserva- Nacional, cujos membros seriam arre- rantir a sua segurança e só um clima de
dor, gerou, para os novos dirigentes, a gimentados entre os cidadãos com alta segurança podia permitir o desenvolvi-
necessidade de combater ao mesmo renda, para se encarregar da repressão mento. Garantir esse clima de segu-
tempo as últimas resistências portugue- interna. Ao Exército, desprestigiado e rança significava minimizar as fontes de
sas e as tentativas de fazer acompanhar reduzido, restaria a tarefa de preservar cisão e desunião e seria tarefa das For-
a separação de Portugal de algum tipo o País contra agressões externas. cas Armadas.
de alteração na situação política e eco- A situação só se inverteria como Por essa concepção, as elites do País
nômica. consequência da Guerra do Paraguai são "a mola propulsora do processo de
Na tarefa de organizar suas Forças (1865-1870). Novamente fortalecido mudança" (Manual Básico da ESG,
Armadas, a nova Monarquia contou por sua conduta vitoriosa na guerra, o 1977), enquanto o movimento operário
com o apoio inglês. Lorde Cochrane, Exército voltou a ser o guardião da si- e popular se torna alvo potencial das
que participara da luta pela indepen- tuação interna, enquanto a Guarda Na- políticas de segurança. Ele passa a ser
dência, já em 1824 comandava a força cional só seria convocada em caso de visto como fator de cisão. Por um lado,
naval que deslocou as tropas encarre- ameaça externa, como força auxiliar. porque, no entender dos formuladores
293
BR DFANBSB VB.GNC.AAA, p 26
de 3
da doutrina, os trabalhadores tende
- O Exército contra o
riam a colocar suas necessidades cor-
povo: em 68, no Rio,
porativas acima dos interesses nacio
- reprime manifestações _
nais e, por outro, porque seriam sus-
estudantis (ao lado); em
cetíveis às influências da propagan
da 70, na Amazônia, em
comunista.
treinamentos
Nas palavras de um tenente-coronel
antiguerrilha (abaixo);
falando a empresários do sul do País,
em abril de 80,
em dezembro de 1964: "Nós, soldados,
helicóptero sobrevoa a
procuramos conservar a ordem, para
assembléia dos
que vocês, empresários, arriscando
, metalúrgicos, em São
criando, produzindo e multiplicando,
Iconographia
Bernardo do Campo
possam nos dar o progresso."
(SP)
Em quatro anos, o campus da
UNB foi ocupado sete vezes
As Forças Armadas, então, come-
cam a preocupar-se cada vez menos
com suas tarefagclássicas. Um exemplo
diss& pode ser encontrado na evolução
do currículo da Escola de Comando do
Estado Maior das Forças Armadas. Em
1956, ele não continha qualquer refe-
rência à guerra contra-guerrilhas, A
partir de 1961, os cursos sobre essas
questões já se faziam presentes. Em
1968, o currículo destinava 222 horas-
aula para a questão da segurança in-
terna, 129 para a guerra irregular e ape-
nas 21 eram dedicadas aos tópicos
relacionados à defesa do território,
Apoiadas na Doutrina da Segurança
Nacional, as Forças Armadas brasile
i-
ras, no período do Regime Militar,
in-
vestiram contra todos os setores
do
povo brasileiro: operários, estudantes,
camponeses e intelectuais.
Em julho de 1968, reprimindo um
surto grevista, o Exército ocupou mili-
tarmente a cidade de Osasco, em São
Paulo, e deu cobertura à invasão
da
empresa Cobrasma pela Polícia Mili-
tar, que prendeu cerca de 400 ope-
rários,
O campus da Universidade de
Brasília foi ocupado sete vezes entre
1964 e 1968. Na primeira vez, em abril
de 1964, a biblioteca central ficou inter-
ditada por 16 dias; na segunda, em
agosto de 1968, um estudante foi atin-
gido na cabeça por uma bala calibre 43.
Ricardo Malta/F4
%1
REGIÓES/NORDESTE: a política agrícola da SUDENE
O propósito da SUDENE era reali-
zar ensaios de fertilização nestes tabu-
leiros costeiros e, no momento em que
tivesse conhecimento de como
Verso e reverso
aproveitá-los no cultivo econômico de
alimentos, iniciar o processo de desa-
No período 1960-64, a SUDENE apresentou vários projetos propriação por interesse social dessas
para os problemas da população nordestina que, em 1984, só áreas abandonadas.
Por outro lado, enquanto se realiza-
serviam a poucos privilegiados
» vam as pesquisas para saber como cor-
rigir a acidez dos solos de tabuleiros, a
SUDENE teve a oportunidade impar
No período entre 1960 e 1964, o de fazer uma experiência no campo da
plano da SUDENE (Superintendência organização econômica e social na
do Desenvolvimento do Nordeste) para zona úmida do Nordeste. Os trabalha-
a agricultura nordestina estava apoiado dores rurais de cinco engenhos da
no estudo da realidade da região e Usina Salgado, no município do Cabo,
constava dos seguintes programas prio- em Pernambuco, tinham entrado em
ritários: 1) produção. de alimentos na greve e não havia acordo. Usineiro e
zona umida do Nordeste ; 2) desenvolvi- trabalhadores procuraram a SUDENE
mento no semi-árido de uma agricultura para dar uma solução, pois já tinham
resistente aos efeitos da seca; 3) esgotado as negociações junto ao Mi-
colonização do Maranhão; 4) desenvolvi- nistério do Trabalho e outras autorida-
mento da irrigação no São Francisco. des. Nessa oportunidade, o Departa-
mento de Agricultura e Abastecimento
Produção de alimentos da SUDENE propôs ajudar os campo-
na zona úmida neses na organização de uma Coopera-
tiva de Trabalho para explorar as terras
O programa de produção de alimen- dos engenhos de Tiriri, Massangana,
tos na zona úmida, uma das poucas
Algodoais, Serraria e Jardim e
áreas existentes no Nordeste isentas do
constituir-se em fornecedora de cana
problema da seca, tinha como principal
para a Usina Salgado. Aceita a pro-
objetivo combater a fome secular que
posta, depois de um trabalho de cons-
se abate sobre aquela região do País.
cientização dos camponeses sobre or-
A produção de alimentos deveria ganização de cooperativa e trabalho
desenvolver-se com base nas terras li-
Solano Jos&/Abril Press
do arrendamento das terras seria reali- apresentam melhores condições de to- desenvolvimento da pecuária no semi-
zadoem base a 10% da produção bruta pografia para sua expansão. árido baseava-se fundamentalmente na
de cana colocada na Usina. A Coope- A região semi-árida abarca quase melhoria da alimentação do rebanho.
rativa pagava salário mínimo aos traba- dois terços da área do Nordeste, com Em grandes áreas do sertão, o gado era
lhadores por uma quantidade fixa de cerca de 1 milhão de quilômetros qua- miúdo e com visíveis características de
cana cortada e adicionais pela margem drados, e abriga uma população de raquitismo, por falta suficiente de ali-
de produção alcançada acima destes aproximadamente 20 milhões de habi- mentação. A perfuração de poços, e
níveis fixados. No fim de cada ano agri- tantes. consequente descentralização das
cola, o balanço da Cooperativa, depois Nessa região, a seca periódica dizima aguadas, permitiria melhor aproveita-
de proceder à integralização do fundo as lavouras e quebra o equilíbrio entre mento das pastagens, evitando maior
de capitalização, distribuia 50% dos lu- a população e os recursos existentes e pisoteio e destruição dos pastos.
cros entre os trabalhadores, de acordo os nordestinos se transformam em fla- A perfuração de poços foi uma ação
com o trabalho aportado por cada um gelados e retirantes. de impacto. O poço não seria mais per-
durante o ano.
furado nas fazendas dos grandes pro-
A SUDENE dava assistência técnica Agricultura resistente
prietários e chefes políticos locais,
na elaboração do plano anual de cul-
à seca no semi-árido constituindo-se em propriedade pri-
tivo e corte de cana, assim como na ges-
vada. A SUDENE estabeleceu priori-
tão da Cooperativa. Os camponeses O programa da SUDENE para esta dade para a perfuração de poços públi-
assumiram as tarefas cotidianas de im- área foi concebido para enfrentar essa cos nos povoados, não só para atender
plantação dos cultivos e administração dura realidade. Em primeiro lugar, a às necessidades da população humana
da Cooperativa. Retiraram as mulheres SUDENE concentrou os recursos fede- carente d'água, mas também como sus-
e meninos do árduo trabalho da cana. rais num plano de ação prioritário (Pri- tentação do desenvolvimento da pe-
As mulheres, com assistência da SU- meiro Plano Diretor), a fim de evitar a cuária.
DENE, organizaram um programa de atomização dos recursos em obras sem Depois de 1964, o governo apoiou-se
aprendizagem de corte e costura e pro- importância e combater o clientelismo no poder dos latifundiários do semi-
dução de roupas para os trabalhadores político institucionalizado no Nordeste. árido. Em consequência, os subprogra-
rurais de Pernambuco. Os meninos iam Assumiu também o controle do Plano mas para a região só foram implanta-
às escolas e os adultos frequentavam de Emergência contra as Secas, distri- dos nas partes que beneficiavam os
cursos noturnos de alfabetização. Tal- buindo as obras programadas com as grandes proprietários e chefes políticos
vez pela primeira vez, foi posto em prá- entidades especializadas e procedendo locais.
tica no meio rural o método de alfabeti- à fiscalização de sua execução. Por úl-
zação do professor Paulo Freire. timo, passou a distribuir os alimentos Colonização
Os problemas internos de gestão da nas frentes de trabalho. )
do Maranhão
Cooperativa eram resolvidos com certa No setor agropecuário, a SUDENE
facilidade. Contudo, aqueles derivados adotou uma estratégia no sen- A SUDENE, através de seus estudos
de contatos externos da Cooperativa, tido de desenvolver uma agricultura re- sobre o Nordeste, constatou a existên-
principalmente no que se refere à ob- sistente aos efeitos da seca. Nesse sen- cia de uma progressiva corrente migra-
tenção de crédito e compra de equipa- tido, definiu subprogramas para o semi- tória de cerca de cinco mil famílias por
mentos e insumos, se constituiram em árido, entre os quais o desenvolvimento ano do sertão de Pernambuco, Paraíba,
sérios obstáculos. A cooperativa de tra- da pecuária. Rio Grande do Norte e principalmente
balhadores era uma exceção, difícil de O subprograma da SUDENE para o do Ceará e Piauí para as áreas de Ca-
se relacionar com o sistema bancário e
com os fornecedores de insumos,
Depois de 1964, a ação foi no sentido
de descaracterizar o trabalho comuni-
tário desenvolvido pelos camponeses
de Tiriri. As terras dos engenhos foram
parceladas e vendidas a cada família
camponesa, Os camponeses sabiam
que era difícil manter cultivos de cana
em pequena escala, pois este cultivo só
é econômico quando produzido em
larga escala. Contudo, ante a alterna-
tiva de ficarem sem nada, aceitaram a
imposição do parcelamento das terras.
Entraram na Cooperativa alguns ele-
mentos estranhos, que não eram cam-
poneses. Como era de se esperar, estes
foram comprando as parcelas dos de-
mais e concentrando a propriedade da
terra. Em 1984, a Cooperativa de Tiriri
estava disvirtuada e em plena crise.
Quanto ao programa de fertilização
de tabuleiros, para produção de ali-
mentos, foi imediatamente desativado.
Em seu lugar, com o advento do Proál-
Abril Press
Os planos da SUDENE, anteriores a meeiro na esteira do latifúndio em for- não gerou emprego, pois a criação de
1964, incluíam a perfuração de poços mação ou ganhar a estrada e abrir ou- gado extensiva requer apenas duas jor-
públicos nos povoados. Com o golpe, tro roçado mais adiante, em terra pú- nadas de trabalho por hectare ao ano:
técnicas sofisticadas foram aplicadas nas blica, que lhe renovava a ilusão de ter se bem melhorou a oferta de carne, não
grandes propriedades (pág. ao lado), um dia o seu próprio chão. contribuiu para aumentar a produção
enquanto a população carente de água O Estado do Maranhão, através de de azeite no Nordeste, assim como de
usava meios tradicionais para o lei estadual de 1961, colocou as terras outros alimentos, nem gerou exceden-
abastecimento (acima) compreendidas entre os rios Pindaré e tes exportáveis e suas consequentes di-
Turiaçu, ao longo da atual BR-316, à visas; desencadeou um processo vio-
xias, Bacabal e Pindaré-Mirim no Ma- disposição da SUDENE para o projeto mento de erosão e desequilíbrio ecolo-
ranhão, à medida que se abria a BR- de Colonização do Maranhão. gico emtoda a região compreendida en-
316, ligando o Nordeste seco à Amazô- O projeto previa a incorporação tre o Pindaré-Mirim e a fronteira do
nia. Em 1960-61, quando a SUDENE anual de umas cinco mil famílias, pois o Pará.
estudou esta corrente migratória, a po- processo migratório se estava desenca-
pulação migrante entrava pela picada deando num rito acelerado. A SU- Irrigação na região
aberta para a costrução da estrada. Os DENE, então, preparou uma estratégia da bacia do São Francisco
nordestinos forjavam com sacrifício para enfrentar os problemas de manejo
mais uma saga na história de sua sobre- dos solos; estudou as melhores formas O rio São Francisco é conhecido
vivência. de nucleação para ordenar o povoa- como o rio da integração nacional. A
A população camponesa, tangida mento da região e assessorou a organi- bacia hidrográfica do São Francisco
pela agrura das secas, ia em busca de zação de uma cooperativa central, para abarca uma área de aproximadamente
novas terras para reconstruir suas vi- garantir o abastecimento de insumos à 670.000 quilômetros quadrados. Colo-
das. Alimentava a esperança de conse- produção e comercialização das colhei- nizada desde o século 17, constituiu-se
guir um pedaço de chão. Contudo, a tas. na principal via de comunicação inte-
omissão premeditada do governo facili- Depois de 1964, a SUDENE, junto rior entre o sul do País e o Nordeste até
tava a grilagem das terras e sua reparti- com o Banco Mundial, redefíniria a os anos 40, quando, com o bloqueio
ção entre empreiteiros e políticos lo- orientação do projeto de Colonização marítimo das costas brasileiras durante
cais. Depois de formados o roçado e do Maranhão. O desenvolvimento da a Segunda Grande Guerra, iniciaram-
a plantação de arroz, aparecia o grileiro pecuária passou a ter prioridade. O se os primeiros esforços para implantar
para cobrar ao camponês a "meia" e, Banco Mundial financiou a formação uma infra-estrutura rodoviária de inte-
caso não fosse atendido, botava a polí- de pastagens e o desenvolvimento da gração do interior do Nordeste com o
cia em cima do "invasor" para obrigá- criação de gado na área. Este projeto resto do País.
lo ao pagamento do "tributo". O cam- foi danoso por vários motivos: concen- O São Francisco corta uma vasta re-
ponês tinha que optar entre ficar como trou a propriedade da terra e da renda; gião de caatingas secas dos sertões da
297
Br DranNBSB Va.GNC.AMA, 4043342002 , p44
Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. vos de mercado mais importantes de- só poderia gerar uma grande oferta de
Esta área, por suas características fa- senvolveram-se dos anos 50 em alimentos no sertão e aplacar a fome
voráveis à criação de gado, foi o centro diante, no médio São Francisco: em secular do Nordeste, como daria para
mais importante de desenvolvimento Pernambuco, com a cultura da cebola, abrigar diretamente cerca de 50 mil
da pecuária extensiva da zona seca no principalmente em Cabrobó; com o ar- famílias de pequenos produtores agri-
Brasil, desde a época colonial. oz, nas vazantes das várzeas alagadas colas, com um nível de renda elevado,
Até os anos 50, antes da construção do baixo São Francisco, em Alagoas e além de gerar mais 300 mil empregos
da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso Sergipe, assim como nas "lagoas de ar- indiretos (transporte, comercialização,
(1954), a irrigação no São Francisco era roz" formadas ao longo das margens agroindústrias, bancos, pesquisas e as-
incipiente. As populações ribeiri- pelo transbordamento anual do rio. sistência médica); 3) as amplas áreas da
nhas aproveitavam as vazantes para, A SUDENE estudou o São Fran- região oeste da Bahia, que vão da mar-
nas terras umedecidas e fertilizadas cisco e as primeiras conclusões foram gem esquerda do São Francisco até a
pelo húmus trazido pelo rio, estende- as seguintes: 1) o rio São Francisco ti- fronteira do Estado de Goiás, cujas ter-
rem progressivamente suas culturas de nha uma grande potencialidade de pro- ras na sua maioria eram de propriedade
arroz, jerimum, batata-doce, milho e dução de alimentos à base de irriga- do Estado, ficariam como uma grande
feijão de corda. Essas "culturas de va- ção, pois os primeiros trabalhos revela- reserva para programas futuros de co-
zantes" garantiam a subsistência da po- ram que existiam aproximadamente lonização e de produção de alimentos;
pulação, Os excedentes eram comer- 150 mil hectares de terras baixas e de 4) por último, o trabalho revelou que a
cializados nos centros urbanos dos ser- caatingas aptas para a irrigação; 2) o SUDENE não poderia contar com a
tões nordestinos entro da área de in- aproveitamento progressivo desses 150 cooperação da Comissão do Vale de
fluência do "Grande Rio". Os culti- mil hectares com culturas irrigadas não São Francisco (CVSF), pois este orga-
nismo federal especializado no aprovei-
tamento dos recursos do vale era pri-
sioneiro de poderosos políticos corrup-
tos da Bahia e Pernambuco. Com a im-
possibilidade de superar a situação
existente, a SUDENE teria que enfren-
"| 3? f tar diretamente os problemas da irriga-
ção no São Francisco.
#a
>" F/A
d Assim, foi iniciada a primeira expe-
29 riência da SUDENE em Bebedouro,
entre Juazeiro, na Bahia, e Petrolina,
3 em Pernambuco, que contou com a
* ) cooperação da FAO, organismo das
Nações Unidas.
+ | A partir de 1974, a autoridade fede-
-" "" ral encarregada dos projetos de irriga-
€ duma
O número de empresas em São Paulo é 14 vezes maior do que em São Bernardo do Campo. Nessa região,
contudo, os metalúrgicos se concentram em indústrias de grande porte, o que facilita a maior mobilização
Distribuição das empresas e trabalhadores metalúrgicos em função do número de empregados, em % (março de 1982)
Fonte: DIEESE
h % / Arquivo Sind. Met. SP
mobilística parava e as grandes greves parece cansado de briga e prepara o riodicidade definida até 1980, quando
voltavam a ocupar o cenário brasileiro. seu sucessor para a batalha eleitoral de se tornou mensal. O Metalúrgico
Houve greve em 1979 e a ela se suce- 1987, o ex-pára-quedista Luís Antônio somente se calou temporariamente em
deu uma curta intervenção no sindi- de Medeiros, 1964, quando Afonso Delellis, presi-
cato. Houve greve em 1980 - uma A disputa pela legitimidade do man- dente do sindicato, foi cassado pelo Re-
greve longa, de resistência durante 41 dato vem marcando todas as diretorias gime Militar. Mas, já em novembro de
dias, sucedendo uma longa interven- que se sucederam no comando dos me- 1964, voltava para denunciar casos de
ção. Mas, desde 1979, os metalúrgicos talúrgicos desde 1965. Na última elei- corrupção da diretoria cassada,
de São Bernardo contavam com uma ção, em julho de 1984, a votação Oposi-
entidade paralela - o Fundo de Greve, cionista nas fábricas foi apenas ligeira- Um ambulatório com 89
experiência única no movimento sindi- mente inferior ao voto dos metalúrgi-
cal brasileiro, Estrategicamente situado cos aposentados. Apesar disso, uma su- médicos e dentistas
nas proximidades da sede do sindicato, cessão de greves por empresa, no
o fundo abrigou a diretoria cassada du- Foi durante os anos mais tenebros os
período de julho a outubro de 1984, do Regime Militar que "Joaquinzão"
rante os períodos de tutela do Minis- consagrou os chamados "diretores de
construiu o imenso patrimônio dos me-
tério do Trabalho. base", aproximou-os das práticas e do talúrgicos de São Paulo. A sua sede de
Em 1981, Jair Meneghelli, operário convívio com a histórica Oposição Sin- seis andares da rua do Carmo, inaugu-
da Ford, concorreu à presidência com dical Metalúrgica (que só não disputou
o apoio de Lula e venceu com folgada rada em 1954, foi agregada uma colô-
eleições em 1965 e 1975) e garantiu aos nia de férias com 60 apartamentos, na
maioria. Meneghelli não repetiu o ca-
metalúrgicos paulistanos o reajuste tri- Praia Grande, no litoral paulista, em
risma de Lula, mas sob sua gestão os mestral de salários.
metalúrgicos de São Bernardo paralisa- 1969. Em 1974, inaugurou-se o ambula-
A primeira organização dos metalúr- tório médico de sete andares que, em
ram otrabalho exigindo antecipação de
gicos da capital paulista foi fundada 1984, contava com 65 médicos, 24 den-
salário em outubro de 1982 e realiza- em 1932, no dia 27 de dezembro, pelo tistas e uma média de 40 mil consultas
ram "greves pipoca" (fábrica por fá- operário das indústrias Matarazzo Ro- mensais. Em 1975 foi comprado um si-
brica) em abril de 1983, quando conse- dolfo Mantovani. Aproveitava-se a
guiram obter ganhos salariais acima do tio de 14 alqueires no município de
onda de oficialidade oferecida por Ge- Mogi das Cruzes, na região da Grande
Decreto-Lei 2,065. Em julho desse túlio Vargas em 1931, com a edição da
São Paulo, para cursos e encontros e,
mesmo ano, os metalúrgicos de- primeira legislação sindical no País. em 1979, o Sindicato deu início à cons-
claram-se em "greve política" e o Mi- Até 1935 - ano da repressão desenca- trução de nova sede. Dos 15 andares
nistério do Trabalho decretou nova in- deada após o levante comunista - essa projetados, porém, o novo prédio não
tervenção, suspensa somente um ano organização oficial convivia com o saiu do subsolo. Lá podem acomodar-
depois. "sindicato livre" dos anarquistas. A se até 8 mil pessoas, e desde 1981 o lo-
partir de 1939, com a criação do im- cal é palco de assembléias de toda es-
O Sindicato de São Paulo e seu posto sindical, o Sindicato dos Ope- pécie.
presidente "vitalício" tários Metalúrgicos da Grande São
Essa superestrutura sindical, cobi-
Paulo ganha fôlego e pode ampliar as cada por todas as correntes partidárias
O Sindicato dos Metalúrgicos de São atividades de sua sede, compartilhada
Paulo, considerado o maior organismo com militância entre os trabalhadores,
com outras entidades no antigo edifício assinala em sua previsão orçamentária
sindical da América Latina, tem prati- Santa Helena, na praça Clóvis, centro
camente um presidente vitalício: Joa- para 1985 uma receita de Cr$ 24 bi-
de São Paulo. Após 1962, o Sindicato lhões, entre mensalidades, arrecada-
quim dos Santos Andrade, o "Joaquin- da Grande São Paulo desmembrou-se ções de imposto sindical e juros de ca-
zao . em três, dando independência a Osasco derneta de poupança - uma cifra que
Eleito em 1965, vindo de uma inter- e Guarulhos, municípios industriais da deixa para trás o orçamento da maioria
ventoria no sindicato metalúrgico de Grande São Paulo.
Guarulhos, "Joaquinzão", depois de dos municípios brasileiros.
Em 1942, é lançado o primeiro nú-
atravessar oito mandatos consecutivos, mero do jornal O Metalúrgico, sem pe-
Ricardo Paoletti
300
BR DFANRSRVA GNC.AAA, $4041334 300
2 ;p 43
442 32333
BR DFANBSB V8.GNC.AMA, 240 2 ES"
os "órgãos de proteção"
ORGANIZAÇÃO SOCIAL/POPULAÇÃO: a situação do menor e
Nossos pixotes
que, exceto o nome, pouca coisa mu- Mas o pior de tudo é que os mesmos
Não foi sem motivo que um dos prin-
dara na substituição do SAM pela FU- métodos violentos continuavam sendo
cipais elementos propagandísticos e de
NABEM: "Milhares de menores aban- empregados contra um número cres-
mobilização utilizado pelos conspirado-
res que preparavam o golpe militar de donados, carentes e com problemas de cente de menores. Como consequência
1964 assumiu a forma de "Marchas da conduta foram torturados e espancados da adoção de um modelo econômico
Família com Deus pela Liberdade". em celas e cubículos fechados, existen- que concentrava cada vez mais a ren-
tes nos subterrâneos do complexo para da, multiplicou-se o número de crian-
Seus ideólogos se apoiavam na crença
de que uma educação severa dada pe- menores de Quintino Bocaiúva, no Rio cas carentes (cujos pais ou responsáveis
los pais aos seus filhos ajudaria o Es- de Janeiro, pertencente à FUNA- não têm condições de suprir suas ne-
tado a assegurar a ordem pública e a li- BEM." Falava ainda de "um quadro de cessidades básicas), abandonadas (sem
berdade de iniciativa privada, garan- horror, um regime disciplinar duro, in- pais ou responsáveis) e infratoras (que
tindo a organização de um conjunto so- flexível, punitivo, voltado para o inter- cometeram atos considerados crimes
cial harmonioso e em constante cresci- nato de menores", que teria existido ou contravenções, mas não podem ser
mento material e espiritual. L sempre na entidade. processadas ou julgadas, por serem ju-
O presidente Médici, em 1970, visi-
tando a sede da Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor (FUNABEM),
que substituira, no final de 1964, o an-
tigo Serviço de Assistência ao Menor
(SAM), usou sua expressão predileta
para comentar o que seria o êxito do
Regime Militar nesta área do atendi-
mento social: "Nesta manhã, vejo um
milagre. Vejo o milagre da transmuta-
ção da "sucursal do inferno", da "escola
do crime", da "fábrica de monstros mo-
rais", em um centro educacional vol-
tado para o desenvolvimento integral
do menor." E prosseguia: "Esse mesmo
milagre que, hoje e aqui, proclamamos
a toda a nação brasileira, nós o deve-
mos por inteiro à Revolução de Março.
E não tenho dúvidas ao afirmar que a
contestação mais cega e mais surda,
que tudo negasse à obra revolucio-
nária, haveria, pelo menos, de bendizê-
la por apagar o sangue, a corrupção e a
vergonha do malsinado SAM, para
neste mesmo lugar erguer a FUNA-
BEM."
O general teria razão para saudar o
fim do SAM, que possuía, justífica-
damente, uma péssima fama. Além de
suas instalações serem precárias e ofe-
recerem péssimas condições de hi-
giene, os menores sofriam maus tratos
e eram explorados por diretores e fun-
cionários. Meninas internas na institui-
ção chegaram a ser emprestadas a boa-
tes, transformando-se em prostitutas.
As rebeliões eram constantes.
Mas em 1980, dez anos depois do
discurso ufanista de Médici, a profes-
sora Ecléa Guazzelli, ao demitir-se da
presidência da FUNABEM, mostrava
301
eRDraNBSB V8.GNC.AAA, $404133)InCOA , p4G,
e 74P
oe
onçnes,
ie «remeta, cê B- ce
Apósa Abolição cresce a utilização da mão-de-obra infantil . .. a tal ponto que, em 1983, cerca de sete milhões de menores
(acima, operários na Fábrica Bangu, Rio, 1893) ... integravam a força de trabalho
ridicamente irresponsáveis). Em 1975, a Tentando substituir a punição e o dade um espírito militar. O próprio Al-
CPI do Menor, instalada no Congresso controle pelo assistencialismo, a FU- tenfelder, já em 1965, registrava com
Nacional, realizou uma pesquisa junto NABEM apresentava o menor como orgulho; "Quis o destino que a minha
aos prefeitos brasileiros e, por amostra- vítima da sociedade e propunha que primeira presença como presidente da
gem, chegou a verificar a existência de toda a comunidade fosse envolvida no fundação fosse numa cerimônia de in-
cerca de 13 milhões e meio de menores seu atendimento. O médico Mário da corporação dos meninos do SAM ao 1o
carentes e mais dois milhões abandona- Silva Altenfelder, que dirigiu a FUNA- Batalhão de Carros de Combate, sob o
dos. Mas, no próprio texto do relatório, BEM desde a sua fundação até 1979, comando do coronel Calderari, ou-
os parlamentares afirmavam que "al- afirmava: "Dar-se-a ênfase ao amparo vindo a vibrante ordem do dia do gene-
guns indicadores sócio-econômicos au- da criança na própria família. A inter- ral Garcia. Com que prazer os vimos
torizam a avaliar em 25 milhões a po- nação só deverá ser admitida quando marchando e com que maior prazer
pulação de menores carenciados e a- não houver mais possibilidade de outra com eles cantamos o Hino Nacional."
bandonados". solução." E mais: "Claro que o go- Em sua denúncia, a professora Ecléa
Em 1982, o consultor regional do verno tem obrigações. Mas não é só o Guazzelli fala com bem menos entu-
Fundo das Nações Unidas para a Infân- governo. É também e principalmente a siasmo do quadro que encontrou na
cia (UNICEF), Pedro Táçon, avaliou comunidade, o agrupamento de indivi- fundação, resultante dessa tentativa de
em 20 milhões o número de menores duos e instituições (. . .). É a comuni- militarização, Afirmou que, entre 1966
carentes no Brasil. Já no ano seguinte, dade que tem que se unir, tomar cons- e 1979, a FUNABEM treinava "jovens
Libonis Siqueira, ex-presidente da As- ciência e agir. O governo deve ser cha- segundo normas disciplinares rígidas,
sociação Brasileira de Juízes de Meno- mado apenas para assistir técnica e fi- estilo militar, para posteriormente se-
res, disse que O Brasil possuia 30 mi- nanceiramente os programas, e não rem utilizados em funções disciplina-
lhões de menores nessa situação. Ce- para executar trabalho social." Era res". Chocou-se ao constatar que "me-
sare Florio La Rocca, consultor da uma conclamação às instituições bene- ninos eram obrigados a aprender mar-
UNICEF, estimou a existência de 32 ficentes religiosas e civis, como o Ro- chas militares e a cumprimentar autori-
milhões de menores carentes no Brasil. tary, Lions, etc. dades com continência. Muitos eram:
Este mesmo número é confirmado por Os homens do novo regime tinham forçados - sob pena de serem tortura-
Terezinha Saraiva, presidente da FU- os seus métodos prediletos. Porém, dos nos porões - a passar horas diante
NABEM . Portanto, segundo as várias passaram a trabalhar no sentido de in- de retratos do presidente da República,
estimativas, de 15 a 30 milhões de me- cutir nos jovens sob sua responsabili- aprendendo a fazer continência, em
nores se encontravam na situação de
carentes, abandonados ou infratores.
Uma cifra terrível,
Não se pode negar que o regime ins- Substituindo o SAM, em
talado no País com o golpe de 1964 se 1964, a FUNABEM (ao
preocupou com a questão do menor e lado, internos numa
implantou mudanças no seu trata- unidade, no Rio) chegou
mento. Criou a FUNABEM, em 1o de aos anos 80 com a
dezembro de 1964, com a Lei no 4.513, mesma triste fama do
que extinguiu o SAM. Este era ligado antigo Serviço de
ao Ministério da Justiça, revelando Assistência ao Menor.
uma visão policial sobre o problema do Com a posse de governos
menor. A nova entidade seria encarre- democráticos em vários
gada de implantar uma Política Nacio- Estados, novas tentativas
nal de Bem-Estar do Menor e foi insti- estavam surgindo em
tuída como entidade autônoma, pas- 1983-84, para resolver
sando em 1974 a vincular-se ao Minis- os problemas do menor.
tério da Previdência e Assistência So- Na pág. ao lado,
cial, então criado, internos da FEBEM (SP)
302
313hnCOA,p 46
BR DFANBSB VB.GNC.AMA, $40443
hi
Juca Martins F4
neiro Alyrio Cavalieri vai além. Reali- objetivos específicos, como abrigar os
O
zou um levantamento demonstrando óriãos dos imigrantes italianos vitima-
que, de cada 100 menores presos no dos pela febre amarela. A Casa dos Ex-
Rio, 84 moram em favelas e 78 são postos, criada em São Paulo em 1896,
L
oriundos de famílias com renda mensal visava a recolher crianças rejeitadas pe-
Na zona rural, 45,4% da população entre inferior a um salário mínimo. Perce- las mães e abandonadas nas portas de
dez e 17 anos já trabalhavam bendo que a causa da criminalidade do casas ou em encruzilhadas de ruas. No
menor é essencialmente social, o juiz plano institucional surge, em 1935, tam-
testes de resistência e de capacidade de mostrou que o problema de fundo é a bém em São Paulo, o Serviço Social de
obedecer a seus instrutores". - desordem na produção econômica do Assistência e Proteção de Menores, li-
Com a posse de governos democráti- País, que marginaliza milhões de gado à Secretaria da Justiça e Negócios
cos em vários Estados, novas práticas famílias. Ou seja, o problema não co- do Interior.
estavam surgindo em 1983-84. Maria meçava na família e por isso não podia Ao mesmo tempo, nascem e se de-
Cecília Zilliotto, ex-presidente da FE- ser resolvido com uma política econô- senvolvem as instituições e a legislação
BEM (Fundação Estadual do Bem- mica que garantiu a liberdade de livre de punição e controle. No Estado de
Estar do Menor, órgão do governo iniciativa aos capitais estrangeiros e à São Paulo, já em 1902, surgia o Insti-
paulista ligado à Secretaria da Promo- produção para o consumo elitista. O tuto Disciplinar para Reeducação, Ins-
ção Social, criado em 1976), propunha juiz chegava a afirmar que o problema trução Literária, Industrial e Agricola
uma alteração na estrutura de atendi- do menor só poderia ser resolvido com de Menores, hoje transformado no Ins-
mento ao menor. Era de opinião que a a reorganização econômica do País. tituto Educacional e Colônia Correcio-
FEBEM deveria fechar, sendo substi- nal da FEBEM. Em 1924, surgiu o
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L& a V/omaif
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10176 p»
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tuída por instituições abertas de atendi- Juizo Privativo de Menores da Co-
mento ao menor na comunidade. Assu- cada em a escraraão ar? marca da Capital e, 30 anos depois, o
mindo a presidência da entidade no ini- Recolhimento Provisório de Menores.
cio do governo Montoro, em 1983, ela Logo depois da independência poli- No nível federal, surgiu, em 1913, o
criou nove Casas da Juventude, onde o tica do Brasil, em 1822, quando o Es- Instituto Sete de Setembro, que em
atendimento assistencial incluía a pro- tado começou a preocupar-se com a 1941 transformou-se no SAM.
fissionalização do menor. criança, os dirigentes voltaram seus Enquanto isso, com a abolição da es-
Nessa mesma linha de atuação, em olhos para o menor escravo. Na Consti- cravatura e o início da industrialização,
1984, a unidade da FEBEM de Mogi- tuinte de 1823, José Bonifáfio apresen- voltava a difundir-se o trabalho infantil,
Mirim, interior paulista, onde eclodira tou um projeto onde a linguagem reve- a tal ponto que, em 1983, segundo a
violenta revolta em 1980, firmou um lava mais preocupação com a manu- PNAD (Pesquisa Nacional por Amos-
contrato de prestação de serviços com tenção da mão-de-obra do que consi- tra de Domicílios), quase sete milhões
a firma americana Monroe Auto-Peças deração com a humanidade da criança de menores estavam integrados na
S/A, que produz amortecedores na ci- escrava: "A escrava, durante a prenhez força de trabalho. Na zona rural, 45,4%
dade. Os garotos daquela unidade co- e passando o terceiro mês, só será ocu- da população entre dez e 17 anos traba-
meçaram a trabalhar na seleção e recu- pada em casa; depois do parto terá um lhavam e muitas crianças menores de
Cristina Villares/F4
Nair Benedicto/F4
sransse va.GNe.aaa, 2404123 3anco 2, p A4
dez anos, certamente, também estavam 5.274, do mesmo ano, estabeleceu o sa- ticipação crescente das mulheres no
trabalhando. Assim, ao abandono se lário mínimo do menor (50% do salário mercado de trabalho, deixando a mãe
somava o abuso do trabalho precoce e mínimo regional para os menores de 16 de ser a "educadora natural dos filhos".
espoliativo. anos e 75% para os menores entre 16 e A falta de "educadora natural" era
As leis sobre o trabalho do menor 18 anos). A mesma lei obrigava as em- mais sentida ainda porque, em 1980,
buscam regular as condições em que se presas a empregar menores (mais de praticamente um terço das crianças
dá esse trabalho, fixar uma idade mi- 5% e menos de 10% do quadro de fun- brasileiras com idade de sete a 14 anos
nima para os trabalhadores e o salário cionários). Essa lei, que muito deve ter não recebiam nenhum tipo de atendi-
do menor. Surgiram inicialmente como colaborado para reforçar o arrocho sa- mento escolar.
medidas de proteção à infância e eram larial, só foi revogada em 1974, mas a O importante papel da família sem-
reivindicadas pelo movimento operário idade mínima de 12 anos se mantinha pre foi ressaltado por aqueles que se
nascente. Na sua evolução, porém, em em 1984. debruçaram sobre a questão do menor.
alguns momentos, visaram a empurrar Os participantes da X Semana de Estu-
uma massa de menores para dentro das ts condições de vida são dos consideraram a internação como o
fábricas, sancionando sua exploração. piores que a vida das ruas último recurso, argumentando que "a
A primeira lei brasileira de proteção criança internada desenvolve-se em
do trabalho dos menores é de 1891. Ela Os defensores da redução da idade condições desfavoráveis, que predis-
proibia o trabalho noturno em certos minima afirmavam que, com o estado pôem ao aparecimento de múltiplos
serviços, estabelecia a idade minima de pauperismo da população, seria im- problemas de comportamento", e, mais
em 12 anos e estipulava que a jornada portante que a criança pudesse ajudar ainda, que a "ruptura dos laços afetivos
de trabalho máxima seria de sete horas no sustento da família e que seria me- familiares arrasta a consequências de-
para as meninas de até 15 anos e para lhor para ela trabalhar que ficar va- sastrosas", porque "a privação de afeti-
os meninos de até 14. Ela ficou sem diando nas ruas. Mas o depoimento do vidade e carinho age na criança como
aplicação, assim como o Decreto no professor João Batista de Arruda Sam- se fosse castigo corporal, provo-
16.300, de 1923, que reduziu a jornada paio na X Semana de Estudos do Pro- cando reações defensivas, que podem
de trabalho para seis horas para todos blema do Menor, realizada em São se converter em agressividade contra a
os menores de 18 anos. O Código de Paulo, em 1971, revela um mundo onde sociedade".
Menores de 1927 manteve os 12 anos as condições de vida são piores que a Mesmo o dr. Altenfelder, primeiro
como idade mínima para O trabalho, vida das ruas: "Quando não se lhes presidente da FUNABEM, ao aplicar a
mas proibia o trabalho noturno e nas usam os pulmões como foles nas fábri- política assistencialista do regime para
praças públicas dos menores de 14 a- cas de vidro, são eles, esse pariazinhos o bem-estar do menor, afirmava que "a
nos. sociais, empregados em trabalhos ma- sociedade deve ser organizada de tal
Foi em 1932, com o Decreto no nuais de nenhuma significação profis- forma que a família encontre meios ca-
22.042, que a idade mínima foi elevada sional, de puro automatismo. Ao cabo pazes de ajudá-lana criação e educa-
para 14 anos. Este limite se manteve na de algum tempo, gastos, depauperados, ção dos filhos". Só não poderia explicar
Constituição de 1934, na de 1937, na sem perspectiva de um trabalho qualifi- como fazer isso com um modelo eco-
Consolidação das Leis do Trabalho de cado, ingressam, aos 18 anos, na grande nômico excludente que gerôu, em
1943 e na Constituição de 1946, que legião das massas amorfas." 1980, mais de quatro milhões de
proibiu a diferença de salário entre me- O desenvolvimento harmonioso da famílias com renda mensal per capita
nores e maiores e o trabalho noturno criança exigiria que suá socialização menor ou igual a um quarto do salário
de menores de 18 anos. fosse feita pela família e complemen- mínimo. Família cujas crianças, se não
Na Constituição de 1967, o Regime tada pela escola. Já em 1975, a CPI do forem abandonadas, certamente esta-
Militar baixou a idade mínima nova- Menor apontava como uma das causas rão sendo empurradas- para o trabalho
mente para 12 anos e eliminou a proibi- da marginalização crescente dos meno- precoce, para o desalento, para as ruas,
ção de diferenças nos salários. E, já res brasileiros a de egação familiar, enfim para o embrutecimento sob di-
dentro da nova orientação, a Lei no provocada pela urbanização e pela par- versas formas.
304
BR DFANBSB VB.GNCAMA
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A partir dos anos 50, a capoeira (ao lado,
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2 gravura de Rugendas) enfrentou a
A opressão feroz dos senhores de en- longo dos anos de escravidão. mental para sua defesa, durante mui-
genho e a necessidade de um meca- A capoeira é uma luta. Mas uma luta tos anos. E só quando os exércitos
nismo de defesa que pudesse ser apli- que disfarça-sua violência, sua capaci- portugueses haviam adquirido arma-
cado na prática contra feitores brutais dade de destruir o adversário numa mentos mais poderosos e sofisticados,
fizeram nascer no Brasil uma das mais aparente dança ao som de cantos de como escopetas e canhões leves, foi
fortes manifestações culturais de resis- trabalho. E surgiu assim pela necessi- possível realmente arrasar e derrotar os
música e violência, a capoeira foi-se sibilidades de conseguirem armas e mu- Após a abolição surgem as
chegavam aos borbotões para trabalhar o próprio corpo, descobrindo que a ve- Mas, nascida como instrumento de
nos canaviais e fazendas, desde pratica- locidade e a ginga da dança - que ha- resistência e libertação, a capoeira
mente o início da colonização. viam trazido da África - poderiam ser sempre foi vista como uma prática
Membros de nações diferentes, com aliados poderosos. Misturou-se aí o co- marginal e perigosa, símbolo de crimi-
línguas diferentes, religiões, cultos e ex- nhecimento do funcionamento de seus nalidade ao longo de todo o Brasil co-
periências diversas, os negros foram instrumentos de trabalho - o martelo, a lonial e mesmo durante a República
obrigados, para se entenderem, a foice, as enxadas -, que vieram dar ori- Velha. A condenação mais dura da ca-
aprender a própria linguagem do gem a uma série de golpes que imitam poeira acabou-se dando nos anos que
branco, a adaptar-se aos seus rituais, a suas funções. Acrescente-se ainda as se seguiram à libertação dos escravos.
compreender seus mecanismos cultu- várias formas de defesa de animais: a Multidões de trabalhadores negros,
rais. Essa situação, que poderia parecer marrada, a pancada seca com o rabo, o abandonando as roças, chegaram às ci-
mais um instrumento de dominação, coice de uma mula, o estapear dos feli- dades maiores, como o Rio de Janeiro,
acabou servindo para a criação de uma nos. Criou-se então um sistema de gol- Recife e Salvador, em busca de empre-
nova cultura, muito rica, composta de pes de surpreendente eficácia, mas gos. Sem qualificações, sem nenhum
elementos fundamentais das diversas adaptado muito mais à defesa do que tipo de apoio, foram-se instalando nas
nações africanas, modificadas pelas ao próprio ataque. Uma luta rápida, periferias, vivendo de pequenos expe-
condições de trabalho e vida no novo onde se devia tocar o mínimo possível dientes, humilhados, famintos. E se
país. E a capoeira, ao lado do candom- no adversário, geralmente bem mais ar- constituiram no caldo ideal para o apa-
blê, pode-se afirmar, foi a manifestação mado e equipado. -Uma luta de bate- recimento de assaltantes e ladrões, que
aparente mais decisiva de todo o pro- pronto, própria para fugas, pois sua fi- viam nessa atividade a única saída para
cesso de resistência desencadeado ao nalidade 'principal não era derrotar to- a fome e a miséria.
305
Sem armas e munições, os escravos semimarginal por muitos anos.
criaram a capoeira, luta baseada na Transformou-se em folclore, em espe-
ginga, em que os golpes imitam asfunções táculo a que turistas podiam assistir no
dos instrumentos de trabalho, como o velho Mercado Modelo de Salvador. E
martelo e a foice, e as formas de defesa seu desenvolvimento veio dar-se, curio-
animais, como a marrada e o coice. samente, no rastro da invasão cultural
' Tinha como finalidade derrubar e americana da década de 60.
imobilizar momentaneamente o Terminada a Guerra da Coréia, em
adversário, para possibilitar a fuga 1953, e consolidada a influência ameri-
cana em boa parte do Oriente, algumas
das manifestações culturais da região
passaram a ser encaradas como curiosi-
Abril Press
dades pelos dominadores, que pode-
riam "comercializá-las" através do
mundo, destacando seu ar de mistério.
Assim, algumas artes marciais japone-
sas, chinesas e coreanas começaram a
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entre os unroersatarios
Constituiram, então, espontanea- sem, contudo, ter feito qualquer esfor- Por essa ocasião, quando cresciam
mente, as maltas de capoeiristas que usa- ço para torná-la uma atividade esporti- os movimentos estudantis e mesmo de
vam sua técnica para assaltos fulminan- va nacional. Continuava restrita a mar- trabalhadores e intelectuais contra a
tes e enfrentamentos com a polícia, ginais, a negros e brancos pobres, indig- excessiva dominação cultural que os
Além disso, eram guardas ótimos para na como a miséria que sempre repre- Estados Unidos estavam impondo aos
altos funcionários e grandes proprie- sentou. 1 países pobres, a capoeira voltou a sur-
tários, a quem alugavam seus serviços. Foi bem mais tarde que a capoeira gir, principalmente entre universitários,
O governo não teve dúvidas. Declarou retomou seu crescimento, a partir de como uma nova resistência. E foi a par-
criminosos a todos os praticantes de ca- uma formalização e organização que tir daí que retomou sua força e
poeira e, no final do século passado, mestre Bimba, um dos principais mes- transformou-se no que é hoje: prati-
quem fosse pego jogando capoeira po- tres da capoeira baiana, procurou dar à cada por milhares de jovens, em todo o
deria ser condenado ao desterro e pri- luta, através da criação do Centro de País, reconhecida como esporte, orga-
são na ilha de Fernando de Noronha. Cultura Física Regional, em Salvador. nizada para campeonatos através da
É natural que com uma repressão Mais ou menos na mesma época, outro Confederação Brasileira de Desportos
tão brutal a capoeira se tenha tornado mestre baiano, o pescador Pastinha, e crescendo continuamente com a for-
ainda mais disfarçada, incorporando montava seu grupo de lutadores, num mação de federações, associações e
mais e mais elementos de dança, para estilo ligeiramente diferente do ado- grupos. E vai aos poucos readquirindo
que pudesse sobreviver. E somente tado por mestre Bimba, com um jogo seu caráter cultural de resistência, que,
sobreviveu graças ao seu estilo solto, mais próximo ao solo, em movimentos muito mais importante do que sua efi-
sem muitas regras, que podia ser passa- mais acrobáticos, que chamou de An- cácia como luta ou defesa pessoal, é
do para os mais jovens com certa facili- gola. Mas a estrutura da luta manteve- sua maior força. Uma característica
dade, nos pequenos quintais fechados se a mesma, com a mesma dança gin- única, capaz de manté-la tão viva e
ou nas areias das praias. Essa situação gada, os mesmos toques, as mesmas forte como a própria necessidade de li-
de marginalidade durou até pratica- maneiras de encarar o adversário. berdade que a gerou nas senzalas mais
mente 1937, quando Getúlio Vargas Mesmo depois de codificada e orga- escuras e brutais. '
aboliu o caráter criminal da capoeira, nizada, a capoeira manteve seu caráter Murilo Carvalho
306
BR DFANBSB V8.GNC.AAA, , p 49
BR DFANBSB V8.GNC.AAA, 24044334 NCO A, p 50
)
A pesquisa histórica propriamente
dita no País só começaria no século 19,
POLÍTICA/HISTÓRIA: a interpretação oficial da história brasileira
Biblioteca Nacional
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Oliveira Vianna produziu o primeiro trabalho de história social, Nos primeiros anos da República, destacou-se o patriotismo
embora racista e autoritário. exacerbado do Conde Afonso Celso
Martin, por exemplo. Por outro lado, a queza de seu conteúdo, Vianna (que se- historiografia marxista com a publica-
impossibilidade de compreensão de ria um dos ideólogos principais do auto- ção de sua obra História da Literatura
qualquer processo significativo de nossa ritarismo no Estado Novo) se pauta por Brasileira: seus Fundamentos Econômi-
história deixa os cidadãos à mercê de toda uma postura racista e autoritária. cos. Mais tarde, sob o impacto do clima
uma imensa confusão de nomes e fatos. Precisariamos esperar os anos 30 para de mobilização popular do início dos
Sérgio Porto, o saudoso Stanislaw ver o surgimento de três obras que An- anos 60, ele reuniu um grupo que fez
Ponte Preta, satirizou brilhantemente tonio Cândido considera essenciais uma importante tentativa de recolocar
esse caos histórico dos brasileiros no para uma nova forma de ver o Brasil o povo e a realidade social no cenário
seu Samba do Crioulo Doido: "Foi em contemporâneo, a partir da compreen- histórico: História Nova do Brasil, que
Diamantina/ Onde nasceu J.K ./ Que a são de sua realidade social. se ressente de uma ótica excessiva-
Princesa Leopoldina/ arresolveu se ca- mente programática, mas que serviu
sar/ Mas Chica da Silva/ Tinha outros Caio Prado introduziu a análise conio arma ideológica contra o oficia-
pretendentes/ E obrigou a Princesa/ a marxista do desenvolvimento lismo tradicional. Na década de 60,
se casar com Tiradentes." principalmente depois do golpe de 64,
A historiografia oficial sempre se As duas primeiras são de 1933: Casa cientistas sociais paulistas, com desta-
ocupou basicamente de nossa história Grande e Senzala, obra monumental de que para Florestan Fernandes, reforça-
política, território de "heroismos." Há Gilberto Freyre, abriu nossa história à ram a tendência de pesquisas em nossa
algumas exceções importantes, como a investigação sociológica. Evolução Poli: história social nos meios universitários,
de Capistrano de Abreu, revisor crítico tica do Brasil, aguda análise de Caio enquanto Celso Furtado criava discipu-
e sério de nossa história, que, com seu Prado Jr., introduziu entre nós a análise los com sua Formação Econômica do
magistral Capítulos de História Colonial marxista do desenvolvimento. A ter- Brasil. Em 1984, ainda temos poucos
(1907), abriu novos horizontes para a ceira, de 1936, Raízes do Brasil, com a produtos, parte deles em linguagem e
compreensão do processo brasileiro. erudição de Sérgio Buarque de Ho- em edições pouco acessíveis. Mas o nú-
Para o oficialismo dominante, era difí- landa, revelou um historiador capaz de mero de pesquisas sobre a história da
cil tratar da história social brasileira induzir à reflexão ampla sobre o ser so- classe operária brasileira e sobre movi-
sem trair a política de ocultamento sis- cial brasileiro, no quadro de uma notá- mentos sociais e lutas de minorias,
temático da vida, dos costumes e das vel preocupação com a pesquisa em atualmente em curso nas universidades,
lutas das camadas subalternas. profundidade. mostra que as crianças ainda têm al-
O primeiro trabalho especificamente Depois desses trabalhos, iniciou-se guma esperança de superar a mentira e
de história social data de 1920; Po- um lento processo de mudança, ainda o crioulo doido.
pulações Meridionais do Brasil, de Oli- em curso. A partir de 1938, Nélson
veira Vianna. Entretanto, apesar da ri- Werneck Sodré ampliou o campo da Ricardo Maranhão
308
+ pranaese va.encaaa,404433 Jan 002 , p5J
5R DFANBSB VB.GNCAMA, 294044334 , 932
. )
Gauchescos, Lendas do Sul, Casos do Ro-
mualdo), onde, pela recuperação da
fala do gaúcho sulino, o , escritor
culto recria todo um mundo fragmen-
tário e evanescente, o do "populário",
como ele mesmo dizia, renegando o
termo folclore. São obras que cristali-
zam "tipos de escrita", na literatura
brasileira moderna: uma, a grande an-
gular explicativa; outra, o ouvido dirigi-
do a registrar os falares de uma época.
Em ambas, o silêncio dos que não tive-
ram monumentos.
Neste enredo, que chega aos anos
50, o Brasil migra por inteiro, no roman-
ce social do Nordeste, como nos de Ra-
chel de Queiroz (O Quinze) e José Lins
do Rego (Fogo Morto, Menino de Enge-
nho), e também nos romances urbanos,
como em Os Ratos, de Dionélio Ma-
chado, O Triste Fim de Policarpo Qua-
, resma, de Lima Barreto, O Amanuense
Belmiro, de Cyro dos Anjos. Pois o Bra-
sil migra principalmente no tempo, da
Machado de Assis (1839-1908): um escritor deaguda ironia velha ex-colônia agrária, exportadora,
para os dramas da modernidade capita-
ARTES/LITERATURA: uma análise ,da literatura brasileira lista. Os velhos coronéis sonhavam com
café, leite, charque, borracha e cana-
de-açúcar. Mal sabiam que se engen-
dravam o sufrágio universal e o futebol.
Sambas-enredo
Nos anos 20, uma atualização
Do Império aos nossos dias, do romance de Alencar à da inteligência nacional
memorialística da repressão, a literatura brasileira nos legou
Na literatura, este é um período rico
alguns dramas da terra - os sambas-enredo em migração de idéias. O grupo moder-
nista de São Paulo, os Andrade Mário e
Uma nação é como um samba- aceito como um enredo de tipo cômi- Oswald à frente, empurram o Brasil
enredo, onde as diferentes alas apre- co, de integração nacional, no tempo do para a prosa fragmentária e a poesia do
sentam o seu número e onde um coefi- Império. Integrar a Nação, fazê-la he- verso livre, do branco verso negro e
ciente de desordem salva o conjunto de roína de uma nova aventura redentora mestiço e de todas as cores, muito lon-
repetição mecânica. Donde se segue da civilização, dar-lhe um lugar no con- ge das melódias do fim do século, numa
'que uma nação não é um samba- certo das civilizadas terras européias, atualização sem precedentes da inteli-
enredo, mas um composto, ou melhor, tal foi o núcleo central de sucessivas ge- gência nacional. Medrava, de par com
um superposto de sambas-enredo, uma rações românticas. O romance de José a tragédia do migrante, uma autêntica
memória viva e cambiante de tudo oo de Alencar e a poesia indianista de redescoberta do Brasil e uma (re)nas-
que foi e deixou de ser. Gonçalves Dias talvez sejam as realiza- cente urbanidade. A oligarquia corneli-
Ao longo da história brasileira houve ções melhor acabadas desse projeto, in- cia transformava a colônia em futuro
alguns sambas-enredo que se tornaram clusive por seu conteúdo crítico em re- cartão postal, acabando com seus res-
clássicos, e a literatura sempre foi privi- lação à mundanidade da Corte e ao quícios nas grandes cidades, abrindo
legiada em revelá-los e dar-lhes forma. projeto colonial que nos deu origem, avenidas a torto e à direita, construindo
Aqui, para melhor compreensão do te- ou pelo menos certidão de batismo e mansões e passeios públicos. Cresciam
ma, cabe tratar de uma distinção teóri- heráldica portuguesa. Machado de As- as vilas operárias e as fábricas de tijolo
ca. A tradição literária admite dois ti- sis passou esse projeto no pente fino de vermelho, enquanto o foot-ball passava
pos de enredo, isto é, de imitações das sua ironia aguda. a ser futebol mesmo, deixando os clu-
ações humanas no plano do imaginário. Com o advento da República (a dos bes de elite, de sport, migrando para os
Um é o tipo trágico, onde a ação se or- coronéis da terra) ganhou-se um novo arrabaldes e subúrbios. !
ganiza do ponto de vista de uma perso- enredo clássico, que se poderia chamar A realização maior de todo esse ciclo
nagem que se vê excluída de um corpo de a tragédia do migrante. A primeira desaguará na obra de Graciliano Ra-
social. O outro é o tipo cômico, onde a obra capital do novo enredo é Os Ser- mos, principalmente em seus três me-
ação se organiza do ponto de vista de tões, de Euclides da Cunha, onde se lhores romances - São Bernardo, An-
uma personagem que se vê incluída, narra, entre o relato jornalístico e a gustia e Vidas Secas - e em seu depoi-
ou aceita, num corpo social tido como : idéia de fazer ciência, entre documen- mento Memórias do Cárcere, sobre o
desejável. tal e épico, o massacre de Canudos.Ou- ano e meio em que esteve nas diferen-
No imaginário - vale dizer, num pla- tra obra de capital importância que tes prisões do Estado Novo. Em con-
no mais real que qualquer outro -, o inaugura esse segundo enredo é a do junto, a literatura desse tempo fixa pa-
Brasil começou predominantemente contista Simões Lopes Neto (Contos drões de leitura que perduram quase
309
BR pransss v.enc.ama, 34041931 p53
FERREIRA GULLAR
Editõra Universitária ª
que no ciclo anterior fora de tudo -da Ao longo da história brasileira, Que é Isso, Companheiro, indiscutivel-
geração de 45, do engajamento, da van- alguns escritores revelaram e deram mente o grande bom livro da série de
guarda. A partir da experiência dura do forma a samba-enredo. Na pág. ao Fernando Gabeira, Os Carbonários, de
exílio ele encontra seu melhor "pon- lado, Graciliano Ramos (extrema esq.) Alfredo Syrkis, e muitos outros. Esse
to de linguagem", dizendo, em seus Guimarães Rosa (centro) e Antônio elan de memória foi sem dúvida insu-
poemas, do Juniverso do "homem co- Callado. Também Ferreira Gullar flado pela obra do médico Pedro Nava,
num", do nordestino recrescido no (acima, à esq., capa de seu livro João em seis livros, sob cujo olhar passa boa
Rio, das queimadas do exílio e do Boa Morte), Clarice Lispector, Pedro parte das mudanças dramáticas de que
corpo desejoso de memória. Nava (acima) e Fernando Gabeira esse mesmo artigo, de modo incom-
Na ficção narrativa, o grande fio pleto, dá conta.
condutor é o narrar da violência que, Deve-se ainda assinalar o renasci-
ao se institucionalizar, atravessa toda a mento atual de um indianismo às aves-
paisagem - assim como, por exemplo, sas, desejoso de repensar nossas ori-
a fome fora um dos grandes fios narra- gens, onde vamos encontrar de novo
tivos da década de 30. Os anos 50 e 60 Antônio Callado, com A Expedição
fixaram quatro grandes balizas para o Montaigne, e Darcy Ribeiro, com Mai-
conto brasileiro moderno; a linguagem ra, e que o desencanto certamente fa-
mítica de Guimarães Rosa, a prosa iínti- vorece uma literatura sardônica, de
ma de Clarice Lispector, o inventário leve inspiração picaresca, de que Már-
da violência de Rubem Fonseca e o cio de Souza, por vezes, como em al-
mundo da marginalidade social de João guns momentos de Galvez, O Imperador
Antônio. Entre esses marcos crescerá do Acre, tirou bom proveito literário.
toda uma geração de contistas, particu- Ainda é prematura qualquer síntese
larmente no Rio Grande do Sul e Mi- desses tempos. Pode-se dizer que ser
nas Gerais. foram certezas e ingenuidades antigas,
Depois de Quarup, Antônio Callado, e que, atravessada por um canto geral
no romance, continuará a temática re- de ausência e dispersão, a arte, a literá-
volucionária, principalmente, como ria em particular, não se crê mais teste-
não podia deixar de ser, pelo lado do munho fiel, como em 30, nem alavanca
desencanto e da derrota. Nessa esteira da história, como em 60, nem mesmo
se vão Bar Don Juan, Reflexos do Baile como criadora de um território livre,
e o mais recente Sempreviva, que re- como no século passado, mesmo se sob
trata os tortuosos caminhos da volta do o signo da ironia mais cruel, como a de
exílio. Outros romances cuja leitura se Machado. Olhar mais de desencanto,
impõe como um "retrato" dessa época embora não derrotista, ela vem-se pro-
são Zero, de Ignácio Loyola Brandão, duzindo melhor, mesmo, como o espe-
e A Festa, de Ivan Angelo, além de lho da distorsão, a surpreender a histó-
Cabeça de Papel, de Paulo Francis. ria em seus avessos.
Mais recentemente a curiosidade sobre
os anos de maior repressão favoreceu a
memoralística, por, onde entraram -O Flávio Aguiar
311
BR DFANBSB V8.GNCAAA, 8404133 1 Incor, p5S
Cintos apertados
A fórmula de reajuste serve para simplifi- economia brasileira nas mãos. tanto, seria rejeitado pelo Congresso
car e destraumatizar a aplicação dos rea- O primeiro desses decretos, o de nú- Nacional, em 19 de outubro, a despeito
Jjustes de salários nos dissídios coletivos. mero 2.012, de 25 de janeiro de 1983, de Brasília ter sido colocada sob "Es-
Esses não são mais decididos na base de retirou de quem ganhava até três sa- tado de Emergência" e tomada pelas
pressões e greves, mas por um rápido cál- lários minimos o direito de ter reajustes tropas do general Newton Cruz.
culo matemático. com índices 10% superiores ao Índice O quarto decreto, no 2.064, vigorou
No futuro, quando os historiadores este para as demais faixas. tona apenas como trunfo do governo
organizarem os fatos indicativos do es- No segundo, o Decreto-Lei no 2.024, em suas negociações com setores polí-
gotamento do Regime Militar, instau- de 25 de maio de 1983, o governo, ticos após a rejeição do Decreto no
rado no Brasil a partir de 1964, não po- diante da reação popular, recuaria um 2.045.
derão deixar de fazer referências ao pouco, estendendo para quem ganhava Fruto dessas negociações, o governo
que aconteceu, em 1983, em torno da até sete salários mínimos os reajustes deu à luz o Decreto-Lei no 2,065, em 27
política salarial: nada menos do que com base em 100% do INPC. de outubro de 1983, um pouco mais
quatro decretos-leis foram baixados, O terceiro, o Decreto-Lei no 2.045, condescendente que os anteriores so-
entraram em vigor e depois foram re- foi baixado em 13 de julho com a chan- bre os reajustes das faixas acima dos
vogados, no curto espaço entre janeiro cela do Conselho de Segurança Nacio- três salários mínimos. O decreto previa
e outubro daquele ano, Cada um deles nal. Era um recado claro de que o gover- também a reintrodução gradativa das
correspondeu a uma tentativa de fazer no não estava mais disposto a transigir: o negociações diretas entre empregado-
passar goela abaixo dos trabalhadores decreto previa violento arrocho, im- res e empregados na discussão dos rea-
uma cavalar dose de arrocho salarial pondo sobre todas as faixas salariais a justes salariais. Depois de duas décadas
exigida pelo FMI (Fundo Monetário obrigatoriedade de reajustes de apenas fixando as regras e fórmulas da política
Internacional), então com as rédeas da 80% do INPC. Este decreto, entre- salarial - postura mais própria dos Es-
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34 an 002, p54
Iconographia
de outubro de 1984, a despeito de man-
ter a imposição de reajustes nunca su-
periores a 100% do INPC, já admitia,
explicitamente, a direta dos Comício pelo aumento do salário mínimo, Rio, em 54, no governo Vargas
índices de reajustes, no intervalo entre
80 e 100% do INPC, para as faixas su- O Brasil foi o 12o pais do mundo, e necessário para que se mantenham vi-
periores a três salários mínimos. A ne- um dos primeiros da América Latina, vos após cada dia de labuta.
gociação direta estava, assim, voltando a incorporar em sua Constituição um Terceiro, ao estabelecer níveis dis-
ao vocabulário na política salarial. artigo específico estabelecendo o di- tintos para o salário minimo em re-
Como acontecia no Brasil até 1965. reito de todo cidadão receber um sa- giões diferentes, a lei passava por
lário nunca inferior a certo nível. A cima de um princípio universal de jus-
Em 1963, surge o Conselho Constituição de 1934 fazia referência tiça: para trabalho igual, salário igual.
Nacional de Política Salarial ao salário mínimo em seu Artigo 121. Quarto, as Comissões de Salário
Coube à Lei no 185, de janeiro de . Mínimo realizaram levantamento em
Antes, o Estado estipulava apenas as 1936, definir seu conceito e instituir as todo o País, mas não para definir o
variações do salário mínimo, cujo valor Comissões de Salário Minimo para custo de todos os bens e serviços es-
foi decretado pela primeira vez, em realizarem os estudos com vistas à fi- senciais, na quantidade definida pela
1940, por Getúlio Vargas, e os reajustes xação do seu valor. Essa lei foi regula- lei. O que se fez, de fato, foi um le-
do funcionalismo público e dos empre- mentada pelo Decreto-Lei no 399, de vantamento geral sobre os níveis sala-
gados das autarquias, empresas estatais 30 de abril de 1938, Em seu artigo 2o, riais mais baixos pagos em todo o
e empresas concessionárias de serviços denominava-se o salário mínimo País, que foram então legalmente re-
públicos. Para coordenar os cálculos como "a remuneração mínima devida ferendados.
desses reajustes, O governo federal a todo trabalhador adulto, sem distin- Quatro décadas depois, esse rol de
criou, em 1963, o Conselho Nacional ção de sexo, por dia normal de ser- injustiças pouco mudou. É certo que
de Política Salarial (CNPS). Enquanto viço, e capaz de satisfazer, em deter- foi instituído, em 1963, o salário-
isso, o surgimento de grandes empre- minada época e região do País, as família - irrisórios 5% do salário mi-
sas, a consolidação da classe operária e suas necessidades normais de alimen- nimo para cada filho de até 14 anos. É
sua crescente organização, sobretudo tação, habitação, vestuário, higiene e certo também que o salário mínimo
nos anos 50, iam soterrando a velha transporte". Finalmente, no dia 1o de seriaunificado para todo o País, pelo
praxe dos acordos individuais de traba- maio de 1940, Getúlio Vargas fixava Decreto no 89.589, de 26 de abril de
lho - emque cada empregado nego- os primeiros níveis do salário mínimo 1984, consumando uma vitória impor-
ciava o seu salário com o patrão -, de- em todo o País, através do Decreto- tante para os trabalhadores, Em 1940
terminando a prática dos acordos Lei no 2.162. foram definidos 14 níveis distintos,
anuais coletivos de trabalho, inicial- mas eles chegaram a ser 38, em 1963.
Getúlio, entretanto, subiria ao pa-
mente nas categorias mais numerosas e A partir desse ano, por pressão do
lanque armado no campo do Vasco
aguerridas. movimento sindical, o número de ní-
da Gama, no Rio, para anunciar, na
O CNPS seria herdado, em 1964, veis foi sendo reduzido até a unifica-
verdade, quatro grandes injustiças
pelo Regime Militar e serviria de tram- ção em 1984. Entretanto, estudos do
contra essa velha aspiração dos traba-
polim para a nova política salarial em DIEESE mostraram que a nivelação
lhadores do Brasil.
gestação e cuja implantação se faria deu-se por baixo. Ou seja, arrochando
Primeiro, a lei que definia o salário
por etapas. Primeiro, ainda em 1964, o os níveis mais altos para diminuir a
mínimo referia-se às necessidades de
governo ampliaria, via CNPS, um me- distância entre estes e os mais baixos.
apenas um trabahador adulto,
canismo de reajustes sobre os salários Assim, se os trabalhadores conse-
esquecendo-se de que, em geral, vive-
do setor público. Depois, em julho de guiram um de seus objetivos históri-
se em famílias.
1965, entrou em vigor a Lei 4.725, atri- cos, um salário mínimo unificado
Segundo, ao definir como essencial nacionalmente, ainda estão longe do
buindo ao governo a responsabilidade
de cálculo dos reajustes salariais em apenas as necessidades de alimenta- outro objetivo: que este salário mi-
ção, habitação, vestuário, higiene e nimo seja real, isto é, assegure efetiva-
todos os setores da economia, através de
fórmulas matemáticas. O pressuposto transporte, a lei esquecia-sé de que, mente a sobrevivência de uma família
era o de que a negociação direta gerava como seres humanos, os trabalhado- trabalhadora. Não perdeu atualidade,
reajustes incompatíveis com os objeti- res têm também direito a educação e portanto, o desabafo de um operário-
vos antiinflacionários da política eco- a lazer, por exemplo. Prevalecia, as- salário-mínimo, já incorporado ao foi-
nômica, além de perturbar a paz social sim, a noção de que aos trabalhadores clore popular: "Cada vez sobra mais ©
com greves, também incompatíveis deve-se pagar apenas o estritamente mês no fim do salário."
com a necessidade de estimular os in- aaa
314
BROFANBSB VB.GNC.AAA, 34041â34 an002ap 5&£
vestimentos e com a política de atração daquele que vigorava 24 meses antes; além de não repor as perdas anteriores,
do capital estrangeiro. A lei estabelecia segundo, porque a inflação "porven- durou pouco. No final de 1968, veio o
que os reajustes não poderiam realizar- tura admitida na programação AI-5; em 1969, a desmobilização dos
se com espaçamento inferior a 12 me- econômico-financeira do governo" se- trabalhadores; e, a partir de 1971, o re-
ses e seriam determinados de modo a ria sempre inferior à inflação real que crudescimento da inflação, fazendo
igualar o salário médio dos últimos 24 se verificaria; terceiro, porque a deter- com que os salários reais voltassem a
meses (e não mais o salário-pico, no minação das taxas de produtividade se cair. Com a reconquista de um espaço
momento do reajuste anterior), acres- faria ao gosto do governo e, em geral, maior de liberdade a partir de 1974, era
cido de uma taxa de produtividade esti- com resultados aquém da realidade. previsível que os protestos dos traba-
mada para o ano anterior e de um per- O achatamento dos salários reais nos lhadores retornassem. E, em novembro
centual que traduzisse a inflação fu- primeiros anos da nova política não po- de 1974, com a Lei 6.147, o governo era
tura, "porventura admitida na progra- deria, é claro, deixar de gerar protestos. forçado a introduzir novas alterações
mação econômico-financeira do go- Foi importante, por exemplo, a greve em sua fórmula salarial.
verno". dos metalúrgicos de Contagem (MG), A partir daí,o salário médio, para o
Para os teóricos do governo, o cál- em 1968. Diante da greve, o governo cálculo do reajuste, passava a ser a mé-
culo dos reajustes asseguraria para os concedeu um abono de emergência de dia dos salários reais dos últimos 12 me-
assalariados uma renda estável, mas 10% para todos os assalariados e reco- ses (e não mais 24 meses), melhorando
que aumentaria na mesma proporção nheceu "distorções" na aplicação da um pouco os reajustes futuros, depois
que a produtividade e a riqueza do fórmula, prometendo acrescentar-lhe do arrocho dos anos anteriores.
País. No entanto, a prática se encarre- um novo elemento para compensar Mas a melhora era muito modesta,
garia de desmentir esses objetivos. subestimações futuras do chamado não repunha as perdas sofridas e, ao to-
Já em 1965, o primeiro ano de apli- "residuo inflacionário" (a tal inflação mar posse, em 1979, o presidente Fi-
cação da fórmula, em São Paulo, por "porventura admitida" na programa- gueiredo já ouvia o pipocar das greves
exemplo, diversas categorias tiveram ção do governo). Esta autocrítica par- anunciando o renascimento do movi-
reajustes em torno de 40%, quando o cial, no entanto, custaria um preço: a mento sindical. Mesmo sem abrir mão
custo de vida subiu 62%. O mesmo de- nova fórmula salarial, agora conside- da repressão às greves, de intervenção
sequilíbrio aconteceria em 1966 e 1967. rada perfeita com o acréscimo do "fa- em sindicatos e da prisão das lideranças
E por quê? € tor de correção" do reajuste, teria du- mais combativas - a praxe desde 1964
Primeiro, porque os reajustes coloca- ração indefinida, enquanto a Lei 4.725, -, o governo foi obrigado a fazer, pela
riam os salários no mesmo nível do valor de 1965, que a criara, previa que ela fi- primeira vez, concessões importantes.
real médio dos últimos 24 meses, um va- casse em vigor por apenas três anos. Através da Lei 6.708, de novembro de
lor evidentemente inferior ao valor real Mas o período de "afrouxo salarial", 1979, foram estabelecidos os reajustes
AH...
ESE aí
Foi O AUMENTO
DE 1971.
315
ar DFANBSB 342002 , p59
simpatizantes, e se transformara na
quarta força eleitoral do País. A cassa-
ção do registro do Partido Comunista,
em 7 de maio de 1947, com base no dis-
positivo citado, era a culminação de
uma série de agressões praticadas pelo -
governo Dutra contra as liberdades de-
mocráticas.
Os partidos majoritários na Assem-
bléia Constituinte de 1946 já haviam
lançado mão de outro expediente vi-
sando ao PC. Estabeleceram que os go-
vernadores de Estado poderiam no-
mear os prefeitos das capitais e de-
veriam nomear os prefeitos de cidades
ita teia 28 EIS es ave m saoR declaradas bases ou portos militares de
excepcional importância. Nas eleições
, I NARE
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d ditas
ao 1
| | Justica e Liberd
M
ade) | 4a Dra.
4 presidenciais e legislativas de 1945, o
Juslga e Liber dade
VOTAE na Ora, PC havia vencido em capitais como
na Dra.
' Rio de Janeiro, São Paulo, Recife
(onde obteve 40% dos votos), Natal e
Aracaju, e em cidades importantes
como Santos, Campinas, Sorocaba,
Olinda, etc. A manobra se destinava a
impedir que os comunistas pudessem
ter acesso às prefeituras dessas cidades.
Em 1950, as restrições à liberdade de
organização partidária sofreriam um
agravamento ainda maior. Pelo Código
Eleitoral de 1945, os partidos - embora
devessem ser registrados no Tribunal
Superior Eleitoral - conservavam
ainda seu estatuto de sociedades civis,
regidas pelo Código Civil. A partir de
1950, porém, a lei passou a considerá-
los pessoas jurídicas de direito público.
Assim, os estatutos, os programas e a
vida dos partidos passaram a ser con-
trolados de fora. Além disso, foram au-
mentadas as dificuldades para a legali-
zação dos partidos: eles deveriam ter
no mínimo 50 mil votos, em pelo menos
Iconographia
Iconographia
glas e símbolos das agremiações extin-
tas pelo AI-2. As condições eram tão
difíceis de cumprir que ameaçavam le-
var ao partido único, forçando os estra-
tegistas do regime, que ainda queriam Em 46, o PC era a quarta força
manter certas aparências democráticas, eleitoral do País (ao lado, a sede do
a determinar que alguns de seus corre- partido, no Rio). Em maio de 47, o
ligionários aderissem ao partido de registro do Partido Comunista é cassado,
oposição, para viabilizar sua existência. assim como os mandatos de seus
Surgiram desse ato de força a Arena e representantes (acima, manifestação
o MDB. contra a cassação). Com o golpe de 64,
crescem as manipulações nas regras
iconographia
319
sr oransss va.ene.aaa, 34041331 an co a p63
Silva, reformaria a Constituição de temporariamente o Congresso e bai- agremiações puderam ser formadas
1967, acabando com os resquícios libe- xava o "Pacote de Abril", criando os (PDS, PMDB, PP, PTB, PDT e PT),
rais que ela continha. senadores "biônicos" (eleitos indireta- algumas com bastante dificuldade e
Durante o governo Médici (1969- mente), que deveriam ocupar um terço provisoriamente.
74), as eleições diretas se limitavam, das cadeiras do Senado e participariam Em 13 de novembro de 1980, era
no Executivo, ao cargo de prefeito das dos Colégios Eleitorais que elegeriam aprovada Emenda Constitucional res-
cidades que não eram capitais nem os dois futuros presidentes da Repú- tabelecendo eleições diretas para go-
"áreas de segurança nacional" ou es- blica. Promovia, também, uma nova vernadores de Estado em 1982. Antes
tâncias hidrominerais. distorção na representação dos Estados que elas se realizassem, porém, o re-
Em 13 de agosto de 1973, para refor- na Câmara Federal, com a elevação do gime efetuaria novas manipulações
car ainda mais a maioria do partido si- limite mínimo de deputados por Estado eleitorais e políticas. Em 1o de janeiro
tuacionista no Congresso Nacionai e a fixação arbitrária de um limite má- de 1982, era criado o Estado de Rondô-
que, funcionando como Colégio Eleito- ximo. Com isso, aumentava as banca- nia, cujo controle pelo partido situacio-
ral, homologaria a indicação do novo das dos Estados mais atrasados (domi- nista era líquido e certo. No dia 19 do
presidente (decidida de fato nos altos nados pela situação) e diminuia as dos mesmo mês, era aprovada lei obri-
escalões das Forças Armadas), o Colé- Estados mais desenvolvidos (crescente- gando os partidos políticos a terem
gio foi modificado, acrescentando-se, mente oposicionistas). Por fim, alterava candidatos em todos os níveis, impe-
aos membros do Congresso Nacional, a composição dos colégios eleitorais es- dindo que houvesse coalizões parti-
delegados das Assembléias Legislativas taduais, que deveriam eleger indireta- dárias nas eleições para governadores e
estaduais. mente os novos governadores e os se- prefeitos (pela Reforma Partidária de
Já sob as condições um pouco me- nadores biônicos. 1979, as coligações para a Câmara Fe-
nos opressivas do governo Geisel
deral, Assembléias Legislativas e Câ-
(1974-779), o MDB, utilizando-se de Em 1979, eram extintos maras Municipais). A
relativa liberdade durante a campanha
arbitrariamente Arena e MDB Ficava claríssima a intenção dos és-
eleitoral de 1974, conquista uma vitória
trategistas do regime de neutralizar
extraordinária. Obtém quase o dobro Em parte respondendo a uma das parcialmente o previsível sucesso elei-
dos votos da Arena nas eleições para o reivindicações democráticas da socie- toral das oposições, forçando os parti-
Senado e, ao eleger mais de um terço dade brasileira - a da plena liberdade dos oposicionistas a disputarem uns
dos deputados federais, atinge o de organização partidária -, mas, so- contra os outros. A manobra, entre-
quórum que lhe permitia convocar Co- bretudo, visando a desarticular a ampla tanto, acabaria provocando a incorpo-
missões Parlamentares de Inquérito. frente oposicionista congregada ino ração do Partido Popular ao PMDB,
Tornava-se também majoritário nas MDB, que se fortalecia a cada eleição, com o fortalecimento numérico do
Assembléias Legislativas de São Paulo, o sucessor de Geisel, Figueiredo, pro- maior partido oposicionista.
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pa- moveu a Reforma Partidária. Em 20 de Embora tenha conseguido eleger os
raná, Amazonas e Acre, o que lhe pos- dezembro de 1979, eram extintos arbi- governadores do Rio Grande do Sul,
sibilitava eleger indiretamente os go- trariamente a Arena e o MDB e esta- Estado majoritariamente oposicionista,
vernadores desses Estados no pleito de belecido um prazo de 180 dias para a e de Santa Catarina, onde se previa
1978. A oposição começava a bater o organização de novas agremiações. uma vitória da oposição, o governo não
regime mesmo sob as regras que este Para impedir que alguma delas utili- pôde impedir que as oposições eleges-
havia criado. Era preciso modificar no- zasse a denominação MDB, a lei sem dez governadores e conquistassem,
vamente essas regras. obrigou a intlusão da palavra "partido" em todo o País, a maioria dos votos po-
Em 1o de julho de 1976, a Lei Falcão em seus nomes. Também para assegu- pulares. O Regime Militar se aproxi-
praticamente acabava com a propa- rar que o MDB realmente se fragmen- mava do esgotamento.
ganda eleitoral no rádio e TV, tasse, foram abrandadas as exigências
limitando-a à apresentação do nome, para a legalização dos novos partidos, Em julho de 1976, o regime modifica
número, legenda e foto dos candidatos. mas não a ponto de permitir um pluri- novamente as regras eleitorais, com a Lei
Em 1o de abril de 1977, Geisel fechava partidarismo autêntico. Apenas seis Falcão. Abaixo, por Ziraldo
DEV
Pal
COMERCIAL
no v e A4
320
DR DFANBSB V8.GNC.AM, R4044334 ân 002 , p 64
No final de 1981, num congresso de dos anos 60. Falou de uma época em nanciamentos generosos do Estado e
historiadores americanos, em Los An- que "os brasilianistas estavam delicio- das fundações. Bolsas foram providen-
geles, Richard Morse, figura paternal samente nas margens da academia", e ciadas para estudantes de pós-
no campo de estudos latino-americanos quando "congressos de historiadores graduação. As universidades passaram
nos EUA, foi chamado para fazer um serviam para beber e jogar pôquer, e a oferecer ótimas colocações para eco-
balanço da produção brasilianista. não, como agora, para mercado de es- nomistas, cientistas políticos, críticos li-
Apesar de ter escrito uma das primeiras cravos" (onde professores recém- terários, antropólogos e historiadores
teses de doutoramento sobre o Brasil, doutorados são negociados). A "mi- com especialização em América La-
publicada em português em 1954 com niexplosão" se deu, continuava Morse, tina. Organizaram-se cursos de gradua-
o título A Formação Histórica da Cidade pela invasão burocratizante do governo ção sobre a história do Brasil, da Ar-
de São Paulo, Morse negou que fosse e das fundações culturais (como Ford, gentina, do México, sobre a narrativa
brasilianista. Contou que tivera cinco Carnegie, Tinker) na vida universitária na América espanhola, sobre desenvol-
empregos como professor universitário, norte-americana. A revolução cubana, vimento, revolução, política externa,
um como chefe de departamento, um entre outros eventos políticos, gerou problemas agrários, para dar alguns
lecionando história do Caribe, outro um crescente interesse pelo misterioso exemplos. Acabava de ser inventado o
história da América Espanhola e dois e desconhecido pedaço do continente campo de estudos latino-americanos,
como "generalista", mas "sem ser de ao sul dos EUA. E, não mais que de re- uma área nova na tradição americana
quatro estrelas", Embora não se reco- pente, havia dinheiro para financiar os cada vez mais importante de area stu-
nheça como um brasilianista, ao longo estudantes e professores que se dispu- dies.
da carreira manteve relações profis- sessem a atender esta nova "prioridade Seria equivocado, no entanto, atri-
sionais e pessoais com o brasilianismo nacional"": estudar a América Latina, buir tanta agitação tão-somente à cu-
e o Brasil. Professores com teses já feitas sobre riosidade súbita do governo norte-
AO historiar um pouco da própria outras áreas receberam e aceitaram americano em saber o que se passava
| vida, Morse fez um corte entre o que propostas para mudar de ramo e se es- do lado de baixo do Equador. Do fim
veio antes e depois da "miniexplosão" pecializar em América Latina. Cria- dos anos 50 até meados dos anos 70,
de estudos brasilianistas em meados ram-se centros de estudos com fi- viveu-se nos meios universitários norte-
321
er pransss ve.enc.aaa, R4041 2331an CO2 , pôs
americanos a guerra do Vietnã, a inter- brasilianistas produziam trabalhos sim- tidas. Os intelectuais nacionais come-
venção na República Dominicana, as plesmente empíricos, meros catálogos, caram a reconhecer, já a esta altura, a
guerras coloniais africanas, a ascensão incapazes portanto de contribuir muito contribuição dos americanos, pelo me-
e terrível fim da Aliança Popular do para o esclarecimento dos problemas e nos ao nível de pesquisa.
Chile, os movimentos negros, a cultura questões nacionais. Eram vistos, em A geração brasilianista que iniciou a
negra, jazz, blues, rock, para não falar suma, como o braço intelectual do im- pós-graduação apartir dos anos 70 en-
no misticismo hippie. A populosa gera- períalismo, colecionadores de dados frenta, então, um contexto intelectual
ção concebida na euforia supersônica úteis aos interesses dos EUA, aliados bastante mudado. A geração anterior já
que se seguiu à Segunda Grande da ditadura. ocupa as cadeiras de um sistema uni-
Guerra, os chamados filhos do baby
Tal hostilidade começou a ceder, já versitário que não se expande mais, e
boom, passou pela universidade provo- em meados dos anos 70, a uma convi- onde muitos "terrenos" acadêmicos já
cando uma rápida expansão neste vência mais amena, devido, em parte, à estão demarcados. As relações com os
período. Viveu-se, enfim, a longa e ca- internacionalização - forçada pelo colegas brasileiros são, felizmente, bem
lorosa década chamada the sixties. E foi
exílio - da intelectualidade latino- mais fraternais do que 15 anos atrás.
assim, neste clima, que o Terceiro americana, e à hospitalidade retribuída Mas ficou uma, pelo menos uma, ques-
Mundo passou a existir para os jovens
de alguns brasilianistas que procuraram tão básica: para que serve, ou pode ser-
americanos, ajudar os exilados. Ficou claro para os vir, o brasilianismo? O relatório de mais
brasileiros que a maioria dos brasilia- uma nação, como quer Clifford Ge-
Elesspendiam mais para Kennedy
nistas era ou liberal ou de "centro- ertz? Uma fonte de saber para a forma-
do que para Jimi Hendrix esquerda", contra a ditadura, e que ção mais inteligente da opinião pública
poucos colaboravam com a CIA e cia., e da política externa americanas? Uma
É nesta conjuntura que se forma a pelo menos diretamente. Os exilados, contribuição norte-americana às lutas
segunda leva de estudiosos americanos sobretudo os teóricos da dependência, libertárias no continente? Talvez seja
interessados no Brasil, "the modernizers chegaram, inclusive, a ter grande in- Alexis de Tocqueville - adaptado por
of the 60's", no dizer de Morse. Se estes fluência nos meios universitários norte- Richard Morse - quem tem a resposta
jovens professores tinham, por um americanos, criando assim uma base mais interessante: serviria para focali-
lado, alunos curiosos e animados com a para diálogo. Posteriormente, como zar aquilo que os EUA podem apren-
luta de libertação no Terceiro Mundo, mostra José Carlos Sebe em seu livro der com o Brasil. Inverter ao nível do
sentiam, por outro, a necessidade de Introdução ao Nacionalismo Acadêmico: texto a relação "centro" versus "perife-
demarcar um terreno próprio em um os Brasilianistas, o fim da censura no ria". Uma espécie de antropofagia os-
campo acadêmico ainda mal explo- Brasil na última metade dos anos 70 waldiana às avessas. Ou, se quiserem, o
rado. A carreira universitária norte- (bem como o fim da expansão universi- avesso do avesso do avesso. Mas daí
americana dependia de publicações, e tária norte-americana) fez com que as provavelmente haveria uma mudança:
era imprescindível portanto que a pes- Obras brasilianistas passassem a ser brasilianeiro, em vez de brasilianistas.
quisa de doutoramento, frequente- apenas mais uma entre várias interpre-
mente a primeira investida do estu- tações, tirando-lhes o caráter de uma Matthew Shirts e
dioso em águas brasilienses, virasse li- das poucas palavras e pesquisas permi- Antônio Pedro Tota
vro. Os tempos visavam, quase sempre,
ou à política ou à economia neste
período. Pode-se citar como exemplo
das pesquisas mais importantes os li-
vros de Thomas Skidmore, Politics in
Brazil, 1945-1964: An Experiment in
Democracy (1968), Robert Levine, The
Vargas Regime (1968), Alfred Stepan,
The Military in Politics: Changing Pat-
terns in Brazil (1971), bem como as
análises de Joseph Love sobre o regio-
nalismo gaúcho (1971) e as de John
Wirth sobre a política do aço e do pe-
tróleo no País (1970). O programa de
pesquisa dos brasilianistas seguia basi-
camente a mesma problemática do
latino-americanismo: estudar a ausência
de democracia e desenvolvimento no
continente. Pendiam mais para John
Kennedy do que para Jimi Hendrix.
Embora bem recebidos pessoal-
mente, pela decantada hospitalidade
brasileira, os brasilianistas foram dura-
mente criticados pela inteligentsia local.
Dizia-se que gozavam de privilégios
nos difíceis caminhos para as fontes e
arquivos fechados aos pesquisadores
nacionais. Eram acusados de colaborar
com as "forças ocultas", a CIA, por
exemplo. A crítica mais dura: apesar de Thomas Skidmore, autor de Politics in Brazil, 1945-1964: An Experiment in
tanto financiamento à disposição, os Democracy, de 1968
322
sr praNnBss A, pés
Iconographia
da maioria se delicia com coisas como mesmo tema e aos mesmos recur-
; Maria Sapatão, que Chacrinha canteu sos, numa faixa preciosa chamada
em 80 (De dia é Maria/ De noite é João), Mascando Chiclê. Entre um lance e ou-
ou com o Rock das Aranhas, de Raul tro, o entreguismo cresceu tanto que,
Hitler (acima, por Belmonte) foi Seixas, do mesmo ano, onde ele sur- em 78, Paulinho Soares sintetizou tudo
debochado com irreverência preende duas mulheres botando aranha em O Patrão Mandou: O patrão mandou
pra brigar. cantar com a língua enrolada/ Everybody
sintéticas também foram anotadas em macacada/ E ainda mandou tirar nosso
vários ritmos: Garota Saint-Tropez (62), Em 1944, a saudação nazista samba da parada/ Very good, macacada!
Garota do Monoquini (65), Garota de Mi- aparece em "Abaixa o Braço" E esta síntese do universo popular
nissaia (67), Mini-Nada (70) ou Garota acaba funcionando como senha ou
Transparente (71). Fora dessa área, a liberdade sempre jingle, concentrando numa canção
Mas, aos poucos, o mundo levezinho foi um pouco maior e o repertório po- toda uma tendência, um compor-
da moda foi dividindo seu espaço com pular foi espelhando o dia-a-dia com tamento geral. Foi assim com
itens mais decisivos, como a necessi- mais rigor - e mais zombaria, também. Caminhando, de Geraldo Vandré, em
dade de evitar muitos filhos: Ela traba- O nazismo, por exemplo, foi cantado 67; com Apesar de Você, de Chico, em
lhava noite e dia/ Não encalhava mercado- com a mais debochada irreverência: o 70 - o hino proibido, enquanto os rá-
ria/ Mas a carestia está medonhal Nin- Pacto de Munique, em 38, virou Salada dios repetiam o "oficial", Eu te Amo,
guém quer nada com a cegonha (Dona Mista; o embate entre Hitler e a Ingla- meu Brasil, cada um fazendo a síntese
Cegonha, de 53). Mas, é lógico, houve terra virou Adolfito Mata-Mouros, 43; no de um ponto de vista; com O Bêbado e
reação: A solução da pilula/ Pra mim ela mesmo ano, o passo de ganso era satiri- o Equilibrista, em 1979, na campanha
é ridícula/ Ondejá se viu/ Um mundo sem zado em Que Passo é Esse, Adolfito?; a pela anistia; ou com Menestrel das Ala-
mamãe (Marcha da Pilula, de 70). Até saudação nazista apareceu em Abaixe o goas, 84, no maior movimento popular
que, em 82, Rita Lee empacou na cen- Braço, em 44, etc. E até os fuzilamentos de toda a história brasileira, a campa-
sura (sempre ela) quando decidiu dizer da vitoriosa revolução de Fidel Castro nha pelas diretas-já, Em cada caso, um
tudo claramente: Mulher é bicho esqui- entraram na Marcha do Paredão, em 62, retrato do Brasil no 3 X4 da canção,
sito/ Todo mês sangra, Essa habilidade de fazer eco preciso desde o tempo em que, pelo telefone,
Mas a tesoura da censura, no caso, para o real, a música sempre manteve, o chefe da polícia avisava que, na Cari-
até que poderia ser prevista: afinal, a A subserviência brasileira aos modismos oca, havia uma roleta para se jogar.
área do tema sexo e suas redondezas importados, por exemplo, vem sendo Maurício Kubrusly
sempre estiveram no centro do alvo de
qualquer inquisição. Em 1984, isso po-
dia sugerir um passado muito distante,
pois o travesti Roberta Close era as-
sunto de página central em revista mas-
culina de mulher nua, e o Capitão Gay
desembarcou em todas as casas de
família em 1982, através de uma can-
ção e na imagem redonda de Jô Soares.
Mas essa "liberação" não mergulha
muito além da casca e o homossexua-
lismo, que os gregos já tinham herdado
de seus antepassados, só aos poucos
pôde ser cantado. Em 1959, com Vai
Ver Que E, iniciou-se a temporada de
suspeitas: Sempre perde o lotação/ Nervo-
sinho bate o pé/ Vai ver que é., Depois, fo-
ram surgindo outros indícios: o cabelo
grande (Cabeleira do Zezé, 64), a bolsa
(Bolsinha do Valdemar, 73) e várias ou-
tras, até que, em 75, Gilberto Gil falou
Carlos Fenerich
CULTURA/RELIGIÃO : a evolução das relações entre Igreja e Estado sob o Regime Militar
Os caminhos da Igreja
Em 64, uma Igreja dividida saudava o golpe militar. Em pouco tempo, porém,
os bispos brasileiros viram que estavam embarcando numa canoa furada. E
. quando a Igreja conhece o mais belo período de sua história no País
"O Brasil foi, há pouco, cenário de mos a quantos concorreram para "O milagre brasileiro, despido, de um
graves acontecimentos, que modifica- libertarem-na do abismo iminente." lado, da crença popular, da devoção e
ram profundamente os rumos da situa- Esse é um trecho do documento ofi- da esperança, resulta de outro lado no
ção nacional. Atendendo à geral e an- cial com que a Comissão Central da favorecimento dos não-necessitados,
gustiosa expectativa do povo brasileiro, Conferência Nacional dos Bispos do implicando num castigo aos que foram
que via a marcha acelerada do comu- Brasil saudou o golpe de 1964 no Bra- sacrificados, maldição para aqueles que
nismo para a conquista do poder, as sil. Trata-se da "Declaração da CNBB não o pediram. No rastro do milagre
Forças Armadas acudiram em tempo, sobre a Situação Nacional", fruto de ficou o empobrecimento relativo e ab-
e evitaram se consumasse a implanta- uma reunião da Comissão Central, no soluto do povo (...). A concentração
ção do regime bolchevista em nossa Rio de Janeiro, em maio de 1964, e dis- de renda tende, portanto, a aumentar
terra. (...) Ao rendermos graças a tribuída a 2 de junho do mesmo ano. mais e mais e no seu curso fortalece a
Deus, que atendeu às orações de mi- Nove anos depois, em 1973, os bis- estrutura de classe e de poder que a faz
lhões de brasileiros e nos livrou do pe- pos brasileiros já não davam tantas gra- possível. No processo de empobreci-
rigo comunista, agradecemos aos mili- cas a Deus assim pela implantação do mento dos que são pobres para aumen-
tares que, com grave risco de suas vi- regime que "nos livrou do perigo co- tar a fortuna dos ricos, a concentração
das, se levantaram em nome dos supre- munista". Basta um exemplo para esta- de renda é a demonstração mais clara
mos interesses da Nação, e gratos so- belecer o contraste: da opressão e da injustiça de que é ca-
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ar oranBss va.GNC.aaA, 4041334 3N00A , pós
a.
Banco de Dados/FSP
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Dois momentos da Igreja no Brasil. Logo após o golpe, o ... no fim do "milagre", em 74, as críticas ao regime. Acima,
apoio da CNBB (acima, reunião em julho de 1964, com dom da esq. p/dir.: dom Avelar Brandão, dom Aloísio Lorscheider,
Agnelo Rossi à esq.) e... pres. da CNBB, e dom Ivo Lorscheiter
paz a estrutura de propriedade privada ser, como o professor Cândido Mendes mente admirado por sua extraordinária
dos meios de produção, em que se fun- chamou com propriedade num de seus originalidade, se deve às igrejas das ir-
damenta Oo atual sistema brasileiro livros, a esquerda católica brasileira. mandades leigas, entidades mistas que
(...). A ausência de liberdade, a vio- de alguma forma conseguiam fugir ao
lência da repressão, as injustiças, o em- Aplauso ao golpe foi resultado
menos em parte da canga do Estado.
pobrecimento do povo e a alienação de um momento de medo Uma Igreja de funcionários do Estado,
dos interesses nacionais ao capital es- ou quase isso, era, já se vê, fragílima,
trangeiro não podem constituir sinal de Das entidades leigas da Igreja só sob o ponto de vista doutrinal ou pasto-
que O Brasil tenha encontrado o cami- apóiam o golpe ostensivamente - e ral. A reação contra isso está na Ques-
nho de sua afirmação histórica." portanto aplaudem aquele documento tão Religiosa, um dos três grandes as-
Esse documento, conhecido como - a Pia União das Filhas de Maria e as suntos políticos que dominaram os 67
Eu Ouvi os Clamores do meu Povo, de 6 Congregações Marianas masculinas, anos do Império do Brasil, segundo o
de maio de 1973, é encabeçado pelas ambas tão piedosas como tradicionalis- historiador Antônio Carlos Vilaça. As
assinaturas de dom Hélder Câmara e tas e conservadoras, uma visão de outras duas foram a Guerra do Para-
do bispo-auxiliar de Olinda e Recife, Igreja parada no tempo. A própria hie- guai e a Abolição da Escravatura.
dom José Lamatine Soares, seguindo- rarquia não seria tão conservadora, Na Por aí se vê a importância da Ques-
se as assinaturas de quinze outros bis- verdade, o documento de aplauso ao tão Religiosa ou Questão dos Bispos,
pos e padres representantes das quatro golpe de 64 - tudo está a indicar - foi como ficou conhecida. Mal estudada,
subdivisões regionais do Nordeste na resultado de um momento de medo. como quase tudo no Brasil, ela cos-
CNBB. Pouco depois os textos dos bis- Bons representantes da classe média tuma ser empurrada goela abaixo aos
pos iriam tornar-se ainda mais políticos brasileira, na segunda metade do sé- nossos estudantes secundários como
e até ideológicos, como mostra a culo, os bispos também viviam apavo- uma briga entre a Igreja e a maçonaria,
Comunicação Pastoral ao Povo de Deus, rados com o fantasma do comunismo, quando é na verdade uma rebeldia da
documento oficial da CNBB, Rio de permanentemente invocado pela cha- hierarquia, paradoxalmente através de
Janeiro, 25 de outubro de 1976, que mada classe conservadora (de que sua ala mais conservadora, contra a de-
trata já da impunidade de policiais cri- ideologicamente a classe média é uma pendência da Igreja ao Estado, situa-
minosos, da má distribuição de terra, parte, pois lhe vai a reboque) e pelo seu ção que os bispos mais ortodoxos não
da situação dos índios e de segurançà braço armado: os generais e coronéis, aceitavam mais: eles queriam ligar-se
nacional e segurança individual, entre Cedo eles descobriram que o perigo direta e exclusivamente ao papa e inde-
outros itens. Vale a pergunta: teria mu- para o povo brasileiro era bem outro: a pendência absoluta em relação ao Es-
dado a Igreja ou o Regime Militar? miséria e a injustiça. Agora vejamos o tado. Dom Vital, bispo de Olinda, e
Uma abordagem cuidadosa, de sentido peso da herança que carregava aquela dom Antônio de Macedo Costa, bispo
histórico, vai mostrar que a Igreja é que Igreja medrosa que redigiu o docu- do Pará, os líderes do movimento, aca-
mudou. mento divulgado a 2 de junho de 1964. baram presos, condenados a quatro
A Igreja que, através de sua hierar- Até a República, o clero e a Igreja anos. Cumprida pouco mais de uma
quia, apóia o golpe de 64 é uma Igreja no Brasil sempre estiveram atrelados quarta parte da pena, foram anistiados.
em processo de mudança, uma Igreja ao Estado, através do instituto do Pa- Deixaram a semente. O Império dura-
dividida. A Ação Católica, através da droado, pelo qual o rei de Portugal, e ria pouco. A República trouxe afinal a
qual finalmente o leigo começa a ter depois o imperador do Brasil, é que no- separação entre Igreja e Estado com
participação na Igreja, no Brasil, de- meava os bispos e páracos e fundava que eles sonharam e pela qual lutaram.
pois de séculos de silêncio, não apoiou paróquias e dioceses. Era a Coroa que Trouxe, porém, apenas a separação
o documento dos bispos. Sobretudo recolhia os dízimos e os devolvia, bem oficial. Frágil, plantinha tenra, apenas
através da JUC (Juventude Universi- mais magros, como salários dos padres expelida do útero confortável do Es-
tária Católica), estava em franco desen- ou para as obras da Igreja. A riqueza tado, a Igreja no princípio não supor-
volvimento nessa época o que viria a do barroco brasileiro, até hoje mundial- tava a luz cá fora. Vivia em permanente
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Br pransss va.onciama, 84 0424334 8n00a,p%o
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BR DFANBSB V8.GNC.AAA 2404333 4an coa , py44
Juca Martins/F4
Sérgio Tomisaki/Banco de Dados
São Paulo, como certamente desejaria, leigos ligados à Igreja amanhã. Mas
O Estado era impotente para calar as Boff, tivesse que apresentar explica-
nunca conseguiu compreender que a ções à hierarquia da Igreja em Roma,
denúncias de dom Hélder em Paris, de- Igreja cresce no que Ivo Lesbanpin
núncias sobre as torturas, sobre os as- no segundo semestre de 1984, Essa via-
chamou admiravelmente num de seus gem de frei Boff deixou à mostra que
sassinatos, que foram tantos, sobre os livros de "a bem-aventurança da perse-
desaparecidos, O Estado era impotente existem dois blocos que se enfrentam
guição". Nem podia, porque os donos
para afastar dom Pedro Casaldáliga de na Igreja Católica.
do regime nunca tinham estudado his- Politicamente - e, formada por ho-
São Félix do Araguaia e do Brasil,
tória da Igreja. mens, a Igreja é tão política como qual-
como ardentemente desejou. Mas para
isso dependia do Papa e encontrou quer Outra instituição humana - é fácil
Na perseguição pelo regime,
sempre um firme obstáculo em Paulo definir esses dois blocos. Um tenta de-
a hora mais bela da Igreja fender a Igreja da opção preferencial
VI. O Estado era impotente para apli-
car aos dominicanos a solução pomba- pelos pobres, nascida - se se quer uma
No período de transição que o Brasil data - em Medellin, 1968, e reafirmada
lina da expulsão, como também dese- vive em 1984, a Igreja já não parece es-
jou. Assim, em determinado momento, em Puebla, em 1979. É o bloco que so-
tar tão compactamente voltada para freu sob a perseguição pós-64 no Brasil.
quando todo o País, todas as institui- um mesmo objetivo. Depois de uma
ções civis estavam esmagadas pelo ta- O outro, vencida a fase de perseguição,
crise Igreja/Estado, há a crise - durante tenta destruir esse bloco para estar bem
cão da bota, a Igreja era a única que anos encoberta pela outra - que dom
conseguia fustigar o regime autoritário. com qualquer governo que, não sendo
Pedro Casaldáliga chama com proprie- autoritário, não esteja também com-
Isso irritava o poder militar, que inves- dade de conflito Igreja/Igreja. Trata-se,
tia com fúria, mas só conseguia peque- prometido com o povo.
basicamente, da polêmica armada em
nas vitórias aparentes aqui e ali. Ex- torno da Teologia da Libertação e que
pulsava um padre estrangeiro hoje, fez com que um dos seus principais
prendia ou acuava padres, religiosos ou teóricos, o frei brasileiro Leonardo
Marcos de Castro
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Banco de Dados/FSP
se lembrou, no capítulo dos direitos, de
se preocupar com os direitos dos pre-
sós. Paradoxalmente, será a Constitui-
ção federal de 1967, criatura do Re-
gime Militar, que chamará a atenção
para a integridade física e moral do de-
As prisões no País jamais obedeceram a qualquer respeito à pessoa humana. Acima, a tento (Art. 158 8 14). Satisfação que du-
superpopulação carcerária na capital paulista, em 1954 rou pouquissimo, pois o novo golpe de
Estado que se seguiu, em dezembro de
1968, através do Ato Institucional no 5
ORGANIZAÇÃO SOCIAL/SEGURANÇA: o sistema penitenciário no País
(AI-5), com a necessidade de assegurar
o rigor contra os presos políticos, tor-
nou inócuo esse dispositivo. A ditadura
crime impõe a necessidade de remover na
Escolas do
prática todas as garantias legais atribui-
das em tese ao encarcerado como titu-
Sobretudo nos últimos anos de autoritarismo, pelo desrespeito lar de direitos subjetivos. Agravam-se
as condições de existência nas prisões
à pessoa humana, as prisões tornaram-se escolas formadoras
em geral, severas limitações são feitas
do crime e fábricas de vinganças ao sistema de privilégios (já precariíssi-
mos) atribuídos aos detidos. Num
As prisões no Brasil sempre esti- cravos criminosos, com a obrigação su- tempo em que as garantias do cidadão
veram em crise. Não é um fenômeno plementar de que os escravos, após se- nas ruas estão suspensas, impossível as-
do presente, mas uma perversa conti- rem açoitados, fossem mantidos a fer- segurar os direitos dos condenados.
nuidade. Até quando é possível recuar ros pelo tempo que o juiz determi-
na história, os diagnósticos nessa área nasse. O saldo no Regime Militar é a
sempre constataram uma permanente Vem a República, em 1889, e abole situação de abandono do preso
falência. Nem o programa mínimo do as penas cruéis, infamantes ou "inutil-
inciso XXI, Artigo 179 da Constituição mente aflitivas". A prisão celular passa O balanço da "reforma" penitenciá-
Imperial de 1824,conseguiu-se pôr em a ser aplicada à generalidade dos cri- ria durante o autoritarismo é ambiente
prática: "As cadeiras serão seguras, mes. Em 1900, um relatório sobre a de promiscuidade, superlotação, convi-
limpas e bem arejadas, havendo diver- Casa de Correção no Rio de Janeiro vência de delinquentes de todos os
sas casas para separação dos réus, con- (que já servira para abrigar os escravos) graus, de doentes e até de menores,
forme suas circunstâncias e natureza informa que o ar é a luz não são recebi- ociosidade, brutalidade, liquidação da
dos seus crimes."' Cento e sessenta anos dos diretamente nas celas, provocando individualidade do condenado, humi-
se passaram e esses preceitos conti- anemias, dispepsias e escorbuto, No lhação. Todos os planos foram, no de-
nuam letra morta. presente,: como no passado, há um pro- polimento de vários funcionários,
Tudo neste país, nessa área das pe- fundo divórcio entre planos, resoluções pouco além da falsa indignação e da re-
nas e das prisões, é muito tardio. Aqui, e códigos e a realidade do sistema peni- tórica. O saldo desse longo percurso é a
sem se dispensar a pena de morte, um tenciário. Humilhação e aniquilação situação de abandono do preso no País
ano depois da independência política parecem ser a via privilegiada para a e a inutilidade do sistema penitenciário
em 1822, ainda vigoravam as penalida- reparação da ofensa, para a defesa da vigente. Não se investiu no sistema pe-
des do Livro V da Ordenação, onde es- segurança pública. nitenciário, abandonou-se à própria
tavam previstas mutilação das mãos, da Reforma do sistema penitenciário sorte a prisão, porque tratar os con-
língua, queimaduras com tenazes ar- brasileiro foi sempre uma dissimulação denados como subcidadãos, como se-
dentes, etc. Essas práticas sobrevivem justificadora. Naturalmente, o sistema res indignos de respeito aos direitos ci-
até o século 19, sem comedimento, de penas de toda a sociedade não é vis, corresponde a certa visão autori-
pelo menos em relação aos escravos. O qualquer coisa de isolado, mas parte in- tária do poder e da relação do poder
artigo 60 do Código Criminal de 1830 tegrante de seu inteiro sistema social, e com a sociedade. O sistema penal é o
mantinha a pena de açoite para os es- participa tanto de suas aspirações lugar onde o poder se mostra de forma
331
mais manifesta. O poder mostra como
a tirania pode ser levada até os mais
ínfimos detalhes sob altas justificativas
morais. Para o autoritarismo, o que se
passa na prisão não interessa, os que
cometeram crimes são responsáveis in-
dividualmente, a culpa precisa ser ex-
purgada através do sofrimento.
Quem perde com essa visão é a pró-
pria população. As prisões, as peniten-
ciárias, no Brasil, se transformaram em
escolas formadoras do crime. Ainda
que as pesquisas oscilem quanto aos
números precisos, seria realista dizer
que mais da metade dos condenados
egressos das prisões voltam ao crime. E
seria de espantar se assim não fosse.
Não se pode esperar que cidadãos se-
Juca Martins/F4
jam reconstruídos dentro de um espaço
de purêarbítrio, de esvaziamento de
quaisquer direitos fundamentais, os
presos submetidos às imposições dos
guardas de presídio, afinal os executan-
tes da pena. A pena dada pelo juiz nada
ou pouco tem a ver com o seu cumpri-
mento. Os prisioneiros estão ao bel dis-
por de pequenas autoridades adminis-
trativas, um tribunal interno nas peni-
tenciárias, sem regras fixas, sem defesa,
que por um sim ou por um não "con-
dena" os internos a isolamentos e a
castigos físicos. As humilhações são es-
tendidas às famílias dos criminosos,
submetidas a vexações que contribuem
para agravar o isolamento do preso, ob-
Jetivo máximo do sistema peniten-
ciário,
ORGANIZAÇÃO SOCIAL/CONDIÇOES DE VIDA: o lazer dos trabalhadores O descanso é sagrado, segundo reza
a Bíblia, mas na prática esse direito
nem sempre foi reconhecido e precisou
ser conquistado através de longa luta.
O direito ao lazer No final do século 19, de fato, esta
questão tornou-se explosiva. No
mundo inteiro, os trabalhadores agita-
Meio século após a conquista do dia de oito horas, o vam a bandeira do direito ao descanso
trabalhador ainda não dispunha de tempo para o lazer nem e se insurgiam contra essa "loucura do
amor ao trabalho", na frase do médico
tinha uma vida social saudável e político francês Paul Lafargue.
Da prisão, em 1883, Lafargue coor-
denou a edição de seu livro O Direito à
Preguiça, onde denunciava a prática en-
tão vigente de reduzir ao mínimo possi-
vel as necessidades do trabalhador -
em termos de lazer, de esportes, de cul-
tura ou de apenas gozar a vida: o dolce
far niente, dos italianos. Aceitar essa si-
tuação, dizia Lafargue, era "suprimir as
alegrias e as paixões dos trabalhado-
res", era "condená-los ao papel de má-
quina de gerar trabalho sem trégua e
sem piedade".
A luta dos trabalhadores, dessa
forma, visava a fixar a jornada de traba-
lho por lei, limitando-a a oito horas
diárias. Essa medida, segundo o movi-
mento operário da época, permitiria di-
vidir o dia em três períodos iguais, de
modo que, além da labuta cotidiana,
restassem Oito horas de sono e oito ho-
ras de tempo livre para os trabalhado-
res.
333
SR DFANBSB VB.GNCAAA, 84043334 an oo a F 7%
cia da Constituição, no Brasil. para 30 dias. Em 1977, o Regime Mili- feira a sábado. Dito de outra forma,
O sentido da luta mudou: era pre- tar introduziria uma alteração: 30 dias cerca de 12,3 milhões de trabalhadores,
ciso, então, garantir a aplicação da lei. corridos e o trabalhador poderia "ven- de um total de 43,8 milhões, estavam à
De fato, mais de '50 anos depois, na der" (receber em dinheiro) dez dias das margem da lei.
prática, categorias inteiras permane- suas férias. Mas o tempo livre não era reduzido
ciam à margem da Constituição, como apenas pelo aumento do tempo de tra-
era o caso das empregadas domésticas, Trabalhadores são comumente balho. Os trabalhadores consumiam
que apenas em 1972 obtiveram o di- forçados a "vender" as férias seu descanso também fora do trabalho:
reito de ser registradas no Ministério por exemplo, através do transporte.
do Trabalho. Esse problema, além No entanto, como no caso das horas Era inútil fixar o tempo de trabalho, se
disso, não se restringia às domésticas, já extras, esse período de descanso anual o trabalhador, com o crescimento das
que em 1983, 29% dos trabalhadores seria extremamente ameaçado pelos cidades e da rotatividade de emprego
assalariados no Brasil não possulam salários baixos e pela má vontade de (que muitas vezes o afastava de sua resi-
carteira assinada. muitos empregadores: os trabalhadores dência). precisava gastar cada vez mais
Em segundo lugar, mesmo os traba- eram comumente forçados a "vender" tempo para chegar ao emprego - con-
lhadores formalmente incorporados ao todas as suas! férias, alienando com elas sumindo aí o seu tempo teoricamente
"mercado de trabalho" eram vítimas também o seu direito ao descanso. No- livre. Juntavam-se ainda ao transporte
frequentes de inúmeras espertezas que vamente em São Paulo, nos anos 80, outras exigências práticas e inevitáveis,
lhes rgiibavam o &ireito ao tempo livre. uma proporção espantosa de trabalha- como o tempo para o almoço, a higiene
O primeiro destes expedientes era a dores confessava ter que trabalhar du- pessoal e outros afazeres de rotina. Na
praga epidêmica das horas extras, que rante as férias: 47,7%. Essa cifra, média melhor das hipóteses - em regiões
muitas vezes invadiam o fim de semana para três setores da economia - cons- onde o transporte era mais fácil -, res-
do trabalhador. Em 1979, 10% do trução civil, metalurgia e comércio -, tavam menos de quatro horas de tempo
tempo total empatado na produção era chegava a 86,6% no caso das construto- realmente livre para o trabalhador estu-
constituído por horas extras. Aliado a ras. Em resumo, a soma do tempo livre dar, divertir-se, conviver com a família
esse expediente, também as férias aca- que restava ao trabalhador, em 1982, e amigos, fazer compras ou participar
baram tornando-se vorazes devorado- eeressaya-se nos dados divulgados de suas associações. Esse tempo foi me-
ras de tempo livre, Em 1925, o direito a pela revista Veja (14/04/82); quase um dido de modo rigoroso na periferia de
férias remuneradas, sem prejuízo do sa- terço da força de trabalho no Brasil São Paulo, através de um estudo reali-
lário, tornou-se lei, inicialmente restri- cumpria uma jornada de mais de 48 ho- zado em 1977 pela Emplasa (Empresa
tas a 15 dias por ano. Já na CLT, em ras semanais, em flagrante violação do Metropolitana de Planejamento da
1943, o período de férias foi ampliado limite de oito horas diárias de segunda- Grande São Paulo S.A.).
ª
1h 20m __
Fonte: para tempo gasto em transporte para o trabalho - Pesquisa 0-D - Emplasa 1977 vol. 4
334
BR DFANBSBVB.GNC.AMA, 1334 an002, o 57%
Reduzido a um ideal pela metade, vendo em más condições, o trabalha- para 75,2% das pessoas. Os autores da
precário e curto demais diante do que a dor passou a concentrar seu pouco pesquisa chamavam a atenção para o
lei garantia, o tempo livre do trabalha- tempo livre em opções individuais fato curioso de que 0 rádio e a tevê
dor seria ainda prejudicado pela falta igualmente precárias. Na maior parte não eram, no entanto, considerados
de opções de divertimento, O triste la- dos casos, isso significava simplesmente uma forma de lazer pelas camadas de
zer reservado aos trabalhadores, de "descansar" ou então ver televisão - baixa renda. Entre as formas mais co-
fato, seria dramaticamente ilustrado formas passivas de lazer que pouco di- muns de recreação, surgiu com fre-
por uma série de pesquisas realizadas feriam de uma simples "recuperação quência a resposta "não fazer nada": si-
em São Paulo no início dos anos 70, de forças" num ciclo interminável de tuação de até 48% das pessoas, Ou "vi-
Uma das conclusões desse trabalho as- trabalho. sitar amigos e parentes", resposta de
severava que, na periferia, "o paulis- aproximadamente 20% dos trabalhado-
tano não tem para onde fugir, sendo o Trabalhadores não tinham vida res paulistas entrevistados por Sarah
tédio o seu único caminho. O tédio, de- social, indicam pesquisas Bacal em 1978 para elaboração de sua
pois o esgotamento nervoso e por fim a tese Realidade e Uso do Tempo Livre.
loucura configuram os estágios dessa De modo geral, os trabalhadores não Dai, talvez, a grande preocupação dos
motivação neurótica". tinham vida social. Era o que indicava trabalhadores com a construção de
Não era difícil situar as condições uma pesquisa de 1971, coordenada parques e áreas livres. O futebol, ao
que levavam a essa terrível advertência. pelo economista Paul Singer e reali- contrário do que se poderia imaginar,
Com o crescimento das cidades, du- zada na periferia de São Paulo. Apenas foi citado por apenas 6,5% dos entrevis-
rante o rápido desenvolvimento do 3,1% dos entrevistados disseram per- tados como forma importante de diver-
País, principalmente após a Segunda tencer a sociedades de bairro, por exem- timento e descontração.
Grande Guerra, os trabalhadores fo- plo. Nas associações religiosas, a média Não admiraria, portanto, se o Bra-
ram cada vez mais forçados ao corre- era apenas um pouco maior: 8,4%. E, sil de cem anos atrás parecesse um lu-
corre e ao isolamento social. As formas mesmo em clubes, a participação não gar mais aprazível para se viver. Os tra-
de distração e divertimento passaram a passava de 17% - um pouco maior para balhadores, então, concentravam-se
depender em larga escala de equipa- os jovens e homens (23,5%) do que quase que exclusivamente no setor ru-
mentos coletivos - em parques ou em para as mulheres ou pessoas de meia i- ral. Estavam predestinados a uma vida
clubes, por exemplo, estes equipamen- dade. rude e simples e não tinham os direitos
tos geralmente estavam fora do alcance A "participação", na verdade, mais elementares. Mas, ainda assim, a
da grande maioria da população. restringia-se, em grande parte, a ouvir própria rotina do trabalho no campo
Arrancado do campo para a cidade rádio - hábito de 80% dos entrevista- assegurava um tempo livre aos traba-
nos anos de urbanização acelerada e vi- dos - ou ver tevê, atividade rotineira lhadores, nos longos meses entre o
km.—
W
"Sono
livre
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; P 79
plantio e a colheita. E não faltavam al- festa foi no Bosque da Saúde: "Ao balhadoras e para a fragmentação de
ternativas de lazer coletivo, como os meio-dia havia mais de mil operários sua vida social. A televisão tornou-se o
bailes ou as festas religiosas. no Bosque. Correu abundantemente a grande símbolo do chamado lazer pas-
As festas religiosas eram também o cerveja e o vinho ( . . .). Um jovem ope- sivo, penetrando mesmo no interior
ponto alto das formas de lazer nas cida- tário discursou sob muitos aplausos, através das redes de estações retrans-
des emergentes no final do século 19, concitando à solidariedade. A tarde, ao missoras, As pesquisas nos anos 80
segundo a historiadora Judith Elazari. som de três bandas, iniciou-se um baile- mostravam que a televisão era a cam-
"Passear, conversar, dançar, eis algu- monstro, com mais de 200 pares dan- peá absoluta na lista de afazeres das
mas das formas características dessa so- cando até o cair da noite." donas-de-casa, absorvendo um quinto
ciabilidade nos intervalos de ócio." A
de todo o seu dia. Estava acima das ta-
Festa de Nossa Senhora da Penha, em Somem os circos dos bairros e refas de "limpeza" (18% do tempo) e
um bairro paulistano, ocupava então
rareiam os bailes populares de "cuidados com os filhos" (15%), res-
um lugar de destaque, espalhando-se tando para o "lazer e divertimentos" da
por toda a cidade. Promovida pela O lazer coletivo começou a perder dona-de-casa apenas 4% do dia.
Igreja, a festa também se ligava profun- terreno com a industrialização e a ur- Estes números espelhavam uma si-
damente aos festejos de rua. "O povo banização e acompanhou de certa tuação muito semelhante à que levou
divertia-se com jogos de azar, bebidas", forma, a fragmentação da cultura e da ao desabafo contido numa carta do
escreveu Elazari; organização popular. Ao mesmo tempo pensador e político italiano Antonio
A Partir de 1870, começou a se ex- que o circo sumia dos bairros populares Gramsci, endereçada em 1915 a uma
pandir o carnaval de rua e, na entrada - onde era muito comum no início do de suas irmãs. Então um jovem estu-
do século 20, o 1o de Maio - a grande século -, também rareavam os bailes dante, obrigado também a trabalhar
festa dos trabalhadores - começou a se populares. Com a introdução do rádio duramente para ganhar a vida,
tornar um importante momento de di- e do cinema, escasseavam os cantado- Gramsci escreveu ao final daquele ano:
versão e lazer. O jornal Fanfulha, em res e violeiros, ainda existentes no Nor- "Acho que trabalhei demais. Trabalhei
1907, noticiou um dos piqueniques fa- deste. para viver, mas, ao mesmo tempo, para
mosos do 1o de Maio, organizado nesse Em seguida ao golpe militar de 1964, viver, eu teria que repousar, teria que
caso pelo Centro Socialista Internacio- criaram-se as condições para a esmaga- me divertir."
nal, um grupo operário da época. A dora massificação das populações tra-
Ilustração de Maringoni
336
BR DFANBSB VB.GNCAMA, 24044334 ân CO 2 , p 80
Indicadores da miséria
Nos últimos anos, a concentração da renda pessoal no País tornou-se uma das maiores
do mundo. Assim, se uma minoria podia im tar os padrões de vida das classes altas da
Europa e EUA, milhões de brasileiros se debatiam num quadro de miséria
O conteúdo das latas de lixo é um vimentista do "milagre econômico" lações mais pobres, predominavam os
bom indicador do desenvolvimento e da (1968-73), não poderiam deixar detritos orgânicos - restos de comida
riqueza de um povo e, também, um de exibir com orgulho mais aquele indi- não-sofisticada -, ao contrário da Zona
bom indicador das disparidades no usu- cador do "Brasil Potência" que se Sul, onde estão os bairros mais ricos.
fruto dessa riqueza. A quantidade de construía. A pesquisa da Columrb mos- O lixo carioca só era comparável ao das
produtos industrializados consumidos trou que 34% do peso do lixo carioca cidades dos países mais desenvolvidos
pela população reflete-se no lixo pela era composto por papel, papelão e quando analisado juntando num
presença de muito papel, papelão e plástico, número jubiloso, conside- mesmo saco a matéria desprezada por
plástico, em grande parte embalagens rando que a presença desses materiais pobres e ricos., Em outras palavras, o
que se jogam fora. Em 1977, a Divisão no lixo só ultrapassava os 50% em lixo do Rio era "desenvolvido" na mé-
de Pesquisas e Tecnologia da Columrb, países de alto grau de desenvolvimento, dia, desprezando-se asa*disparidades en-
a companhia de coleta do lixo do Rio como os Estados Unidos e a Alemanha tre o lixo dos pobres e dos ricos.
de Janeiro, pesquisou a composição Ocidental. Estava, pois, até o lixo a in- A mesma ilusão é provocada pela
físico-química do lixo do Rio e con- dicar que o Brasil ia para frente. Pura leitura de outros indicadores do desen-
cluiu que, na média, ele era parecido ilusão, no entanto. volvimento brasileiro quando se abstrai
com o de uma cidade de país desenvol- A mesma pesquisa revelou também a realidade da estratificação social.
vido. Os ufanistas, que àquela altura que no lixo. dos bairros da Zona Norte Por exemplo, o PIB (Produto Interno
ainda festejavam o boom desenvol- do Rio de Janeiro, onde vivem as popu- Bruto), a riqueza nacional produzida
Em. . sd
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num ano, é uma grandeza que, de certo acordo com os critérios da pesquisa era declarantes; não incluem, portanto, a
modo, tem significado inverso ao do composta pelas famílias comrendimento renda em espécie produzida e autocon-
lixo. mensal de Cr$ 3,4 milhões, correspon- sumida por trabalhadores autônomos,
Entre 1960 e 1980, o PIB do Brasil dia a pouco menos de 8% da população como pequenos camponeses; em con-
foi multiplicado por quatro - de US$ 55 e abocanhava quase 62% de tudo o que trapartida, não registram a riqueza pa-
bilhões para US$ 228 bilhões -, estava à venda nas cidades. trimonial (como casas e automóveis),
tornando-se o décimo maior do mundo Esses dados evidenciam uma con- que geram rendas "invisíveis" para os
e o terceiro das Américas. Entretanto, centração excepcionalmente alta da ren- declarantes ricos.
na década de 80, milhões de brasileiros da e da riqueza produzidas no País. Depois de 1970, o IBGE passou a rea-
ainda se debatiam num quadro de mi- Por outro lado, ao se refletir na estru- lizar, trimestralmente, as Pesquisas
séria: não conseguiam um trabalho per- tura do consumo, essa disparidade in- Nacionais por Amostras de Domicílio
manente e não ganhavam o suficiente fluencia diretamente a estrutura de (PNADs), que incluem o levantamento
para sequer ter acesso ao padrão de ali- produção. É claro que, estando muito dos rendimentos monetários da Popu-
mentação, instrução e moradia que concentrada a renda, e sendoa produ- lação Economicamente Ativa, tor-
nossa própria sociedade já considerava ção orientada pela busca do lucro nando possível, dentro das limitações já
mínimo. Outro número grande de maior e mais garantido, são produzidos apontadas, acompanhar a evolução da
famílias não passava do nível da subsis- sobretudo os bens e serviços em que a partilha da renda pessoal entre um
tência. Contra esse pano de fundo se minoria privilegiada está interessada e censo e outro. A partir dos dados dos
desenvolveu, no Brasil, o consumo sun- pode adquirir. Assim, capitais escassos, censos de 1960, 1970 e 1980, mais as
tuário das camadas altas e a imitação recursos naturais exauríveis e horas de PNADs de 1976 e 1981, conclui-se que,
cabocla da "sociedade de consumo" trabalho valiosas são desviados para no Brasil, a distribuição pessoal da ren-
existente nos países capitalistas desen- produzir bens e serviços de utilidade da é extremamente desequilibrada e
volvidos. social discutível, como automóveis, ali- regressiva, isto é, tende a beneficiar os
A despeito do inegável surto de ex- mentos finos, etc., enquanto necessida- que já têm muito. Em 1981, 1% da po-
pansão de 1968 a 1973, estimativas le- des vitais de largas faixas da população pulação tinha uma parcelà da renda
vantadas pela empresa publicitária Lin- deixam de ser atendidas. quase igual a de 50% da população. Os
tas, em 1974, indicavam que o poten- S% mais ricos abocanhavam um terço
cial de consumo do mercado interno de toda a renda, apenas um pouco me-
estava concentrado em apenas 123 ci- nos do que dispunha 80% da população
dades dos quatro mil municípios brasi- mais pobre.
leiros, abrangendo cerca de um terço A fonte mais importante de dados Desde a instalação do Regime Mili-
da população na época. Outra pes- sobre a distribuição pessoal da renda tar, a concentração de renda agravou-
quisa, feita pela RBP Pesquisas de no Brasil são os censos demográficos se, A participação dos 50% mais pobres
Mercado, em 1973, apurou que 6% da realizados pelo IBGE de dez em dez na renda, que já era de somente 17,4%
população eram responsáveis pelo con- anos. Desde 1960, além dos dados po- em 1960, caiu para 14,9% em 1970 e es-
sumo de 28,5% dos produtos industria- pulacionais, o IBGE recolhe, por amos- tava em 12,2% em 1983, A fatia dos in-
lizados existentes no mercado. Em ou- tragem, informações sobre os rendi- termediários também caiu de 27,8%, em
tubro de 1984, a revista Veja publicou mentos da População Economica- 1960, para 23,2% em 1983. Já a quota
um resumo do trabalho realizado pela mente Ativa. São dados sujeitos a limi- dos 20% mais ricos se elevou (de 54,8%
Target, uma empresa de serviços es- tações, no entanto. Baseiam-se em de- da renda, em 1960, para 69,6% em
tatísticos, que compilou o comporta- clarações das pessoas recenseadas, o 1983). E aumentou sobretudo a parcela
mento do consumo nas áreas urbanas que sempre conduz a subestimativas das dos muito ricos e riquissimos.
de 1.023 municípios de todos os Esta- rendas mais altas. Limitam-se aos ren- O próprio ex-ministro da Fazenda
dos. A chamada "classe A", que de dimentos monetários recebidos pelos Mário Simonsen, em seu livro Brasil
338
BR DFANBSB 84043334 àn 0a , p 81
BR DFANBSB V8.GNC.AAA, 404/32 P [del
Alex Soletto
para 77% da renda nesse mesmo
período. E provável que a disparidade
fosse ainda maior na indústria da cons-
gág.
Na década de 80, milhares de brasileiros se debatiam num quadro de miséria (na trução civil ou na de extração mineral,
ao lado), enquanto se desenvolvia o consumo suntuoso das camadas altas (acima, o onde tradicionalmente os salários são
Shopping Center Eldorado, na capital de São Paulo) os mais baixos.
Os dados sobre a distribuição funcio-
2002, reconheceu essa tendência para a ção. Também não esclarecem a natu- nai da renda nos bancos comerciais são
"reconcentração da renda". Segundo reza da renda auferida, ou seja, se foi também muito reveladores. A fatia do
ele, a distribuição da renda pessoal, que obtida pelo próprio trabalho ou pela capital subiu de 59,8% no período 1968-
já era regressiva em 1960, se tornou exploração de trabalho alheio. Inse- 70 para 65,4% no período 1971-73, su-
ainda mais regressiva em 1970. A pro- rindo esse critério, o quaro da dispari- bindo novamente para 73,5% no período
porção de aumento da renda média en- dade se torna ainda mais clamoroso, 1974-75. Aí está uma indicação segura
tre 1960 e 1970, foi de 8,4% para os 80% pois reflete no fundo o grau de espolia- de que os banqueiros foram uma das
mais pobres e intermediários da popu- ção de uma maioria esmagadora de mi- frações do grande capital melhor con-
lação, de 55,4% para os 20% ricos, de seráveis, pobres e remediados, por uma templadas pelo Regime Militar. Outro
77,6% para os 5% muito ricos e de minoria de ricos. traço a destacar: a distribuição funcio-
103,2% para o privilegiado grupo dos nal dos rendimentos criados nos bancos
1% riquíssimos. Em outras palavras, a comerciais continuou a se concentrar
riqueza nova criada entre 1960 e 1970 ] pessoal
da J ] e funcional
av 71 em favor do capital mesmo depois de
foi absorvida sobretudo pelos mais ri- 1974, quando o governo Geisel (1974-
cos. A despeito de ter-se observado Para ter uma visão aproximada da 79) começou a declamar o propósito de
uma leve tendência a inverter essa par- partilha da renda por esse ângulo, é adotar medidas corretivas da extrema
tilha tão desigual da renda, entre 1970 e preciso estudar sua distribuição funcio- desigualdade na distribuição da renda.
1980, esse quadropermaneceu no essen- nal. A distribuição pessoal da renda Os dados coligidos sobre a distribui-
cial o mesmo. mostra a divisão da renda entre pessoas ção da renda interna urbana aponta-
Observe-se ainda que as faixas de ren- ou faixas da população, independente- vam, à primeira vista, uma divisão mais
da mínima e máxima são abertas. Isto mente de sua condição pessoal ou da favorável à remuneração do trabalho.
significa que a faixa mínima de renda natureza de sua renda. Já a distribuição É preciso levar em conta, porém, que
inclui, por exemplo, uma parcela signi- funcional da renda procura justamente os dados abrangem setores econômicos
ficativa de pessoas, principalmente mu- levar em conta a distinção entre onde é menor a presença de empresas
lheres e crianças, que trabalham sem rendas-trabalho e rendas-propriedade, monopolistas, com suas elevadas taxas
receber nenhuma remuneração. E a ou seja, entre as rendas obtidas com o de lucros; e incluem os trabalhadores
faixa máxima engloba um núcleo de próprio trabalho e rendas obtidas atra- autônomos e os trabalhadores nos ser-
pessoas muito ricas que têm rendas vês da exploração de trabalho alheio. viços públicos e privados, o que amplia
bastante superiores e já elevada renda Em outras palavras, a distribuição fun- o peso da remuneração do trabalho.
média de sua faixa. cional da renda mostra a divisão da ren- Ainda assim, a remuneração do traba-
Mas as estatísticas sobre a repartição da entre a remuneração das diferentes lho declina ao longo do tempo e é pe-
da renda pessoal, por mais chocantes formas de trabalho, por um lado, e a re- quena se comparada à de outros países.
que sejam, não contam ainda toda a muneração das diferentes formas de Nos Estados Unidos, por exemplo, se-
história. Registram apenas os fluxos de capital e de propriedade imobiliária, gundo famoso levantamento do econo-
renda num ano; não incluem o patri- por outro. mista Simon Kusnetz, a parte da remu-
mônio de uso pessoal acumulado e O cálculo rigoroso da distribuição neração do trabalho na distribuição
muito menos a propriedade e controle funcional da renda é muito mais difícil. funcional da renda chegava a 72,6% no
dos meios de produção. Se isso fosse Mas os dados dos Censos Econômicos período de 1948 a 1957. Dados compi-
feito, se agravaria significativamente a do IBGE permitem formar estimativas lados por Eduardo Suplicy indicam
disparidade entre as faixas da popula- globais e aproximadas. O economista e que, no Brasil, as taxas médias anuais
339
». FANBSB VB.GNCAM, 2340431333 ân 002, p 83
Abril Press
São Paulo, bairro do Morumbi, anos 80. A verdadeira face do Brasil: de um lado,
a opulência; de outro, a situação de grande
parte da população que não consegue, satisfazer necessidades vitais, como alimentaçã
o e moradia.
341
sroransss v.enc.aaa, 249041334 an 002 , - 85
forma nas demais lutas do povo latino- País defendiam a causa do governo, Rio pelaxeimo 1884
americano pela redemocratização de uma das principais atividades das Asso-
seus países. Afinal, os "panelaços" ti- elaçoes e Sociedades pró-Abohçao que
nham marcado manlfestaçoes no Chile, surglam foi a criação de ]omals
j aboli-
na Argentina e no Uruguai pelo fim dos cionistas. Pouco a pouco, a opinião pú-
governos militares daqueles países, que blica se apaixona pelo tema. A campa-
tinham sido gerados em processos nha se concentra nas grandes cidades,
muito semelhantes ao brasileiro. onde os clubes abolicionistas promo-
Quando o País se coloriu de amarelo vem quermesses, festas beneficentes, M
unucm"l
ªnu- “A
AGOBTImL.
um nar dirigidas sa
- a cor da campanha pelas diretas-já - conferências e, com o crescimento da
à Rua or humus Dina, o 96.1Ansas. Armas
342
BRDFANBSB V8.GNC.AMA. 54041331 anOCO a, p &
Iconographia
mês, realiza-se a Terceira Convenção
Nacional de Defesa do Petróleo, reu-
nindo delegados de 18 Estados. O pro-
jeto em pauta no Congresso sobre a
aliados, que gerava organizações como Muitas campanhas mobilizaram a questão é violentamente atacado. A
a Sociedade dos Amigos da América e opinião pública brasileira. Acima, campanha sob o slogan de "O Petróleo
ressuscitava outras como a Liga de De- protesto contra o afundamento de navios é Nosso" chegava ao seu auge.
fesa Nacional, misturava o repúdio ao brasileiros, agosto de 1942. Abaixo,
Quando fora promulgada a Consti-
nazismo com a luta pela democratiza- concentração pró-anistia, na praça da Sé,
tuição de 1946, em 18 de maio, já ocor-
ção do País. em 3/3/45. Na pág. ao lado, Francisco do
reram protestos contra os dispositivos
Por proposta do Sindicato dos Tece- Nascimento - o "Dragão do Mar" -, que tornavam possível a participação
lões do Rio de Janeiro, realizou-se, em que, à frente dos jangadeiros do Ceará,
do capital estrangeiro na exploração de
maio de 1943, uma Semana Antifas- liderou a luta contra o tráfico de escravos
nossas riquezas minerais. Mas foi no
cista, organizada pela UNE e demais para o Sul do País (ilustração de Angelo
ano seguinte, a partir dos debates que
entidades que participavam da campa- Agostini, Revista Ilustrada, 1884)
ocorreram no Clube Militar, que o
nha. tema do petróleo e da defesa do mono-
Quando o governo brasileiro decla- pólio estatal para sua exploração come-
tou guerra à Alemanha, em 31 de
caram a empolgar o País. Surge o Cen-
agosto de 1942, cem mil pessoas sauda-
tro de Estudo e Defesa do Petróleo. em
ram a decisão nas ruas do Rio.
Lumi? e
TENPO
»::“anan ta
DO
muLpAoPárte
Rio de Janeiro, 3 de outubro de Port as , ENGANAR a
ER-SE-p
1945. Mais de 150 mil pessoas 3 MESMOENGANAR
concentraram-se para ouvir oradores
defenderem a convocação de uma As-
sembléia Constituinte. O comício foi
transmitido para todo o País por várias
emissoras de rádio. Delegações de
vários Estados estavam na Capital Fe-
deral.
Com o final da Segunda Grande
Guerra e a derrota do nazi-fascismo, o
Estado Novo torna-se rapidamente
anacrônico e as manifestações pela de-
mocratização do País se sucedem.
Depois que o Brasil entrou na
Guerra, foi a anistia que passou a preo-
conographie
343
Devido às características dos gover-
Ex=
cito, que acabou se realizando em ja-
2
neiro de 1963.
.
No Regime Militar, milhares de
Calabouço.
tubro de 1953 foi sancionada a Lei atenção da população. Inicialmente, a vos movimentos de massas, por suas
2.004, que criou a Petrobrás. campanha para antecipar a data do ple- próprias características, não deixaram
são plebiscito e reformas de base mentarismo e que estava marcado para caráter organizativo para esse mesmo
344
Banco de Dados/FSP
principal problema era conciliar os in-
teresses da Light - para quem o rio de-
veria servir antes de mais nada à gera-
ção de energia elétrica - com medidas
despoluidoras que constavam dos pla-
nos Greeley-Hansen, de 1953, Hazen-
Sawyer e Hibrace, de meados dos anos
Os peixes voltaram ao limpo rio Tâmisa, Londres, em 1983
60 Mesmo tentativas de soluções mais
ORGANIZAÇÃO SOCIAL/AMBIENTE: a poluição dos rios recentes permaneciam num impasse: a
"Solução Integrada", de 1974, e a sua
alternativa, o faraônico projeto Sane-
tan gran (Saneamento da Grande São
ça
dos Paulo).
rio
s
Assim, também um caso exemplar -
mas às avessas -, o Tietê dava a me-
A partir das últimas décadas, os rios das regiões mais dida dos problemas de poluição de
desenvolvidas do País vêm lentamente morrendo, resultado da águas no Brasil. De fato, esses proble-
mas eram mais graves nas grandes
desenfreada poluição das suas águas áreas metropolitanas brasileiras, das
quais a Grande São Paulo era a mais
A lição veio do velho continente eu- lização, transformando o Tâmisa em importante. Vinham em seguida pela
ropeu, em 1983, e foi ministrada com caso exemplar, verdadeira imagem de ordem, os outros grandes centros me-
ajuda apenas de um pequeno barco e uma comunidade urbana harmônica tropolitanos: o Rio, Porto Alegre, Re-
um caniço de pesca. A questão: era onde o rio era também local de lazer, cife, Salvador e Belo Horizonte. A par-
possível recuperar e manter limpo um recreação e beleza. tir daí, a deterioração dos rios
rio que atravessava o coração de um irradiava-se para as grandes regiões
grande centro industrial moderno? A As águas do Tietê, cobertas de desenvolvidas, a começar pelo interior
resposta - positiva - acabou trans- ,
rjfy'u eram 13191 399 rida +rr he do Estado de São Paulo.
um mundo morto
formando-se em um caso exemplar, O próprio Tietê, após deixar a me-
quando o mecânico londrino Rus- Essa era uma imagem totalmente trópole e tornar-se mais volumoso, de-
sell Doig tirou das águas do Tâmisa, o oposta, no entanto, à dos rios brasilei- purava em parte a poluição paulistana.
mais importante rio da Inglaterra, um ros, a começar pelo rio Tietê, Seme- Mas a sua situação voltava a piorar,
salmão de quase três quilos, sendo por lhante ao Tâmisa, mas atravessando a desta vez em seu curso médio, após re-
isso premiado com uma taça e 300 mil cidade de São Paulo, o Tietê em 1983 ceber a carga poluente de grandes
cruzeiros em dinheiro. era um rio imundo e malcheiroso. Suas afluentes do interior: os rios Jundiaí, Pi-
Um dos peixes mais exigentes em águas já sem transparência nenhuma e racicaba, Sorocaba e Capivari. O
matéria de limpeza, o salmão sumira do permanentemente cobertas por uma mesmo ocorria no interior do Paraná,
Tâmisa há exatamente um século, e o película oleosa, eram um mundo onde as cidades médias passavam a
seu retorno em 1983 era um atestado morto, a não ser pela grande variedade contribuir pesadamente para a polui-
fiel de que a poluição havia sido eficaz- de microorganismos perigosos que pro- ção de rios como o Iguaçu, próximo a
mente banida do rio inglês. O estigma liferavam nesse meio. Em vez de um Curitiba, ou o Tibagi, na região de Lon-
da poluição lhe deixara marcas profun- leito rochoso ou arenoso, o Tietê corria drina. E, mais além, no Rio Grande do
das, particularmente quando, em 1861, sobre uma imensa placa de dejetos se- Sul, também se agravavam as condi-
o marido da rainha Vitória - o príncipe dimentados, cujo peso era avaliado em ções das sub-bacias do rio Guaiba, com
Alberto - morreu de febre tifóide de- dois milhões de toneladas. destaque para os rios Gravatai, Sinos,
vido à insalubridade das águas do Tá- Mas o Tietê - assim como o Tâmisa, Taquari e Cai.
misa. No entanto, a partir de 1960, o rio antes da recuperação - era o resul- Nessas regiões se expandiam as con-
foi inteiramente recuperado através de tado da desorganização e da irrespon- tradições criadas entre o desenvolvi-
uma bem estruturada terapia de revita- sabilidade que acompanharam a indus- mento e o aproveitamento real dos rios.
345
ER. pranNBSB VB.GNC.AAA, 84041334 an 002 , p 83
Banco de Dados/FSP
gicos do São Francisco ocorreu em
1984, quando dezenas de toneladas de
peixes morreram perto dos municípios
de Curaçá (BA) e Santa Maria (PE). Os
suspeitos de responsabilidade eram a
Usina de Mandacaru e a Caraíba Me-
tais. Houve ainda o caso do rio Subaé,
perto de Salvador, onde 173 crianças
foram intoxicadas, nessa época, levan-
tando suspeita contra o cádmio, o zinco
e o cobre eliminados pela Companhia
Brasileira de Chumbo, da região.
Nos últimos 20 anos, o conto apontou ... dominavam o cenário da história ... indicavam uma grande vitalidade,
uma ampla diversidade na literatura do curta, como Mário de Andrade (à dir.), exemplificadas pela literatura de Rubem
País. Se no passado poucas figuras . .. nos anos 60 as correntes do conto . .. Fonseca (à esq.) e Lygia Fagundes Telles
ARTES/LITERATURA: a evolução doconto sob o Regime Militar Fausto Cunha, Hélio Pólvora, Renard
Perez. As últimas estréias, não casual-
mente, nos haviam trazido escritores
do porte de José J. Veiga, Rubem Fon-
seca e Nélida Pifion, Caio Porfírio Car-
neiro, Julieta de Godoy Ladeira e João
Antônio.
Nos últimos 20 anos, o conto não apenas resistiu Essas eram as linhas gerais do conto
brasileiro em 64. Fundas, nítidas, im-
ao autoritarismo, mas soube enfrentá-lo criticamente,
pressivas. Nunca antes nós tínhamos
- compondo assim um amplo mosaico da vida brasileira visto uma tamanha cota de valores tão
indiscutíveis. Contra eles, contra a flo-
Quando foi deflagrado o movimento Nem evitar alguma cronologia na en- ração em curso, e tentando apagá-la,
de 64, o conto brasileiro já se encon- trada em cena dos contistas, pelo me- extingui-la, varrê-la, se armaram os
trava em plena ascensão. Até esta fase nos útil para localizá-los. Olhando mais processos diluidores de um sistema re-
mais contemporânea, nós nos havia- a sua multiplicidade, a exposição de gressivo. Como foi que atuaram?
mos habituado, e desde o tempo dos tantos desenhos e cores e relevos, pro- É inegável o clima de antiintelectua-
nossos precursores (século e meio curemos reconstituir a extensa galeria lismo destes últimos 20 anos. Ele se es-
atrás), a ver sempre uma grande figura que tinhamos então. tabeleceu numa sombria nuvem geral,
dominando isolada o cenário da his- planejadamente recusando tudo o que
tória curta. Assim acontecera com Jus- significasse a visão humanística da so-
tiniano da Rocha, Machado de Assis e ciedade, e assim fechado, e incivil, caiu
Simões Lopes Neto, com Lima Barreto tempestuoso sobre a produção literá-
ou Adelino Magalhães, e na melhor das As contribuições mais sedimentadas, ria. Isolando-a, pressionando-a,
hipóteses, pelas alturas 'do Moder- e que também se mostravam como intimidando-a. Tal política de contra-
nismo, com as presenças simultâneas aberturas sucessivas, eram personaliza- cultura se exerceu em diferentes senti-
de Mário de Andrade, João Alphonsus das em um Origenes Lessa, um Ber- dos.
e Marques Rebelo. Em começos dos nardo Ellis, um Moreira Campos. A
1
anos 60, entretanto, as correntes cruza- Geração de 45 se mantinha no seu forte
das do conto indicavam uma extraordi- núcleo central, com Breno Accioly, tu
nária vitalidade. O gênero compunha José Condé, Lygia Fagundes Telles e
um extenso e vivo painel, feito de obras Murilo Rurião. A renovação de Gui- A censura foi o principal instru-
sem dúvida importantes. marães Rosa, Clarice Lispector e Dal- mento do sistema militar, para o seu
Seria esquemático buscar o alimento ton Trevisan, as construções pessoais objetivo de tornar a literatura uma ex-
desses escritores, querer ordená-los por de Leonardo Arroyo, Helena Silveira e pressão dócil, amaciada ou inócua,.
tendências e mesmo inflexões. A tônica Almeida Fischer. Os destacados Os- Tem-se discutido o papel que ela de-
da nossa época, ao que aponta, é a di- man Lins, Samuel Rawet, Otto Lara sempenhou, em termos comparativos,
versidade. E esses perfis tão vários nos Rezende, em contraponto com os tam- desejando mostrá-la mais opressiva em
permitem apenas enumerar, ainda que bém excelentes Autran Dourado, Leo outros setores das artes, por exemplo o
não se possa fugir às aproximações. Godoy Otero, Edilberto Coutinho, ou teatro e a música popular. Entretanto,
347
BR DFANBSB VB.GNC.AAA. 84041333 In COR pã]
"A única finalidade da ciência está qualquer lugar, independentemente com o desenvolvimento científico
em aliviar as canseiras da vida hu- das fronteiras políticas e dos sistemas como também perseguiu ativamente os
mana." (Galileu Galilei, físico italiano econômicos. Mas é totalmente falso que, em Portugal e suas colônias, se
do século 16 e um dos fundadores da que o esforço que foi preciso desenvol- aventuraram nessa atividade por conta
ciência moderna.) ver para se chegar a estas leis universais própria. O Brasil sofreu as consequên-
Quando dom João VI decidiu fundar tenha sido o mesmo em qualquer país. cias «disso desde a sua descoberta e
o Museu Real, no Rio de Janeiro, em D. João VI precisou comprar o acervo ainda não se havia livrado delas no final
1818, dando início, com grande atraso, de um cientista alemão porque, com do século 20.
à moderna investigação científica no exceção de alguns casos isolados, não A vinda do rei de Portugal para o
Brasil, foi preciso resgatar em dinheiro se fazia pesquisa no Brasil, até então. Brasil modificou um pouco a situação
o pequeno conhecimento existente so- As dificuldades estavam relacionadas da colônia. Revelando a preocupação
bre a realidade nacional. O patrimônio com o papel de Portugal na coloniza- de não deixar o conhecimento da reali-
inicial do museu, de fato, foi adquirido ção do País. Embora tivesse absorvido dade nacional nas mãos de estrangei-
ao mineralogista alemão Abraham e cultivado a brilhante ciência surgida ros, a criação do Museu Real - depois
Werner, um dos fundadores dessa ciên- na Europa durante o Renascimento, a Museu Nacional - permitiu que a pes-
cia e também professor do futuro "pa- atrasada metrópole portuguesa caiu quisa científica fosse, pela primeira vez,
triarca da independência", José Boni- logo em seguida sob o domínio intelec- realizada de forma organizada no País.
fácio de Andrada. tual da contra-reforma religiosa. A par- Com poucos recursos e espirito de pes-
As leis da ciência são válidas em tir daí, não só deixou de preocupar-se quisa incipiente, mesmo então o museu
| é .
r-R
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RCN
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BR DFANBSB 4041323 , pq3
Bibliotecas Nacional
távamos em condições de desempe- núncias frequentes, este item era tam-
nhar. O físico José Goldemberg, em bém inflacionado por remessas "esca-
1975, embora ressaltando a enorme im- moteadas" de lucros não relacionados
portância das verbas destinadas à ciên- i L #! necessariamente com importação de
ª "r_AFITII'Gbªnl,
351
BR DFANBSB V8.GNC.AMA, $4041B3an
002, p 95
tações desse tipo - imensas fontes de quezas, entre outros temas. Assim, a re-
alimentos - transformam-se em verda- ligadas à ciência.
união de 1977, marcada inicialmente
deiros imãs de pragas, a ponto de O fato é que o Regime Militar insti-
para Fortaleza, foi transferida para São
ameaçar torná-las inviáveis economica- tucionalizou a ciência de modo autori-
Paulo, onde contou com a ajuda de di-
mente, se não se aprimorassem varie- tário, centralizando absurdamente seus
versos setores da oposição. A arquidio-
dades geneticamente mais resistentes. órgãos principais. O comando geral da
cese paulistana, através da Pontifícia
Ocorre que o Regime Militar tinha in- política científica atuava sob o Minis-
Universidade Católica (PUC), cedeu
teresse na soja - produto muito bem tério do Planejamento, que interligava
suas instalações para o encontro.
pago no mercado internacional - como ações do CNPq e outras entidades
O recuo do regime desencadeou rea- como a FINESP (Financiadora de Es-
forma de obter divisas externas. Assim ções diferentes entre os cientistas e, em
se explicavam os gordos recursos da tudos e Projetos) e o BNDES (Banco
1978, Rocha e Silva revelou-se contra
EMBRAPA (Empresa Brasileira de Nacional de Desenvolvimento Econô-
uma tentativa de aproximação entre a mico e Social). A política científica,
Pesquisa Agrícola), comprometida com SBPC e o governo. As diretrizes poste-
estudos importantes para diversos pro- além disso, foi organizada a partir de
riores da SBPC mostraram que a co-
dutos de exportação. Ela recebeu, no diretrizes estipuladas, em 1964, com
munidade científica tendia a despoliti-
orçamento de ciência e tecnologia de participação do próprio Conselho de
zar gradualmente a entidade, uma vez
1981, recursos maiores que o próprio Segurança Nacional. Na verdade,
encerrado o ciclo mais terrorista dos
CNPq (Conselho Nacional de Desen- desde a Segunda Grande Guerra, o pla-
governos do Regime Militar.
volvimento Científico e Tecnológico), nejamento da ciência era uma necessi-
o principal órgão governamental para o dade cada vez mais premente das gran-
As multinacionais precisavam no
planejamento científico no Brasil, A des empresas internacionais. Para
EMBRAPA nesse ano recebeu 18% do País só de técnicas simples implantar-se nos países subdesenvolvi-
Orçamento para a ciência, contra 14o% dos, as multinacionais precisavam de
No entanto, as dificuldades políticas técnicos locais que conhecessem e sou-
destinados ao CNPq, com o governo prosseguiriam, como se bessem lidar com as novas tecnologias
via por um documento da SBPC, de em surgimento: radares, foguetes, com-
Após 64, a SBPC denuncia o
1983, dirigido ao Ministério do Planeja- putadores, produtos químicos deriva-
fechamento político mento, pedindo reformas nos mecanis- dos de moléculas complexas, etc. Exa-
mos de decisão e de fomento da polí- tamente como estava nos planos do
Em vista de todos esses fatos, os pla- tica científica,
nos do Regime Militar acabaram, ironi- Regime Militar.
O jornal O Estado de S. Paulo O CNPq era de 1951, criado por Ge-
camente, forçando os cientistas a sair comentou em editorial o documento, túlio Vargas com atribuições muito li-
dos laboratórios e vir para as ruas dis- afirmando que ele representava uma
mitadas (desenvolver a energia nu-
cutir política. E em nenhum lugar isso manifestação de "cansaço, impaciência clear). No mesmo ano foi criado um
se revelou melhor dos que nas famosas e desconfiança" por parte dos cientis-
reuniões anuais da SBPC, Após o golpe órgão-chave para a formação de pes-
tas. Afirmava ainda que estes últimos quisadores, a CAPES (Campanha de
de 1964, sob a presidência de seu fun- não se consideravam representados nos
Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino
dador, fisiologista Maurício da Rocha e órgãos de decisão, "atribuindo a condi- Superior). Ambos passaram por diver-
Silva, a entidade máxima da comuni- ção de usurpadores" aos então ocupan- sas reformulações sob o Regime Mili-
dade científica denunciou o fecha- tes do comando das entidades oficiais
tar, até cair sob o comando do Minis-
mento político e se recusou a negociar
com os governos dos generais, Nesse
período, até 1969, perdurou um clima
de expectativa em que ainda se articu-
Modelo americano
lavam os novos planos para a ciência
nacional, As reuniões da SBPC se tor-
Nos EUA, a estrutura de planeja- contra apenas 22% em 1921.
nariam cada vez mais importantes en-
mento e gastos científicos privilegia as Outro aspecto importante. Essa oli-
tre 1969 e 1973, a etapa mais dura da
grandes empresas e a pesquisa em ar- garquia privilegiada se distribuía pra-
repressão política, quando os cientistas
mamentos, em detrimento das univer- ticamente por apenas cinco grupos de
seriam perseguidos, presos, cassados e
sidades e da busca do conhecimento indústrias, nessa ordem: aeroespacial,
demitidos às dezenas. da natureza em benefício dos ho-
Foi então que o regime impôs o seu eletro-eletrônica, metalúrgica-
mens. Segundo uma análise feita em mecânica, química pesada e instru-
esquema institucional de pesquisa. Mas
1962, quando se gastou 15 bilhões de mentação. Monopolizados pelas mui-
também abriu seus flancos políticos: a
dólares com ciência e tecnologia nos tinacionais, nesses grupos se instalava
partir de 1974, em plena "distensão" do
EUA, a maior parte dos recursos dis- a poderosa indústria militar ameri-
presidente Geisel, os cientistas tiveram
poníveis (65%) saia do bolso do Es- cana. Dados posteriores confirma-
o seu período de maior agitação oposi-
tado, sendo o restante investimentos riam a força da indústria bélica: em
cionista, só arrefecendo seus ataques
privados. No entanto, menos de 26% 1982, ela era responsável por 75% dos
após a "abertura" do general Figuei-
desses gastos eram feitos nos institu- gastos com pesquisa nos EUA, Nesse
redo, em 1978, tos federais ou nas universidades.
Os encontros mais concorridos da ano, apenas 3,6% desses investimen
Computadas apenas as 400 maiores -
SBPC, de fato, começaram em 1974, tos, segundo os analistas, tinham rela-
empresas (com mais de cinco mil em- ção com a busca de conhecimentos
em Recife, passando depois por Belo
pregados), verifica-se que elas. captu- básicos. Um ano depois, a parcela da
Horizonte, Brasília e São Paulo. Neste
ravam 62%, do total de gastos. Assim, indústria bélica subiria para 76,6%,
último, de 1977, não contou com ver-
não surpreende constatar que, em enquanto a busca do conhecimento -
bas oficiais, um revide do governo às
1957, estas empresas detivessem 60% mero subproduto das artes de matar
denúncias corajosas, levantadas nos de-
das patentes registradas nos EUA, - cairia para 3,5%.
bates e assembléias anteriores, contra a
tortura e a distribuição desigual das ri-
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Agencia Estado
Sílvio Ferreira/mpril Press
Paulo Barvosa
tério do Planejamento, em 1974. menor que o dos holandeses nas pri- tes da criação da SBPC, episódio em
Assim, embora tenha sido útil para o meiras manifestações científicas no que Rocha e Silva teve um papel desta-
regime, a política econômica teve um Brasil. E de um holandês, Georg Marc- cado. Uma personalidade marcante,
efeito limitado para a ciência brasileira, grave, o livro História Natural do Brasil, tido como briguento e brilhante, o físio-
pouco mais que uma reedição de seus de 1648, onde aparecem as primeiras logista havia tido uma carreira comum
pequenos avanços em certos períodos descrições sistemáticas da flora nordes- a muitos outros dos nossos grandes
do passado. Era interessante constatar tina. Continha também um capítulo so- cientistas deste século. Filho de médico
que alguns desses períodos de avanço bre medicina no Brasil que o tornou e neto de um pequeno comerciante
ocorreram quando nossos cientistas pu- um dos livros sobre o assunto mais im- português emigrado, Rocha e Silva
deram dedicar-se aos problemas rela- portantes do século 17. teve sua iniciação à pesquisa, na dé-
cionados com a realidade nacional. Os Isso não significava, de forma al- cada de 30, com os célebres irmãos
cientistas dos institutos biológicos, na guma, que os cientistas brasileiros pre- Osório de Almeida, conhecidos por te-
virada do século, voltados para o pro- tendessem fechar os olhos às áreas de rem formado várias gerações de fisiolo-
blema das doenças tropicais, foram ca- vanguarda da ciência internacional. Ao gistas em um laboratório montado em
pazes de fazer a caracterização de contrário, denunciavam a ciência utili- sua própria residência, no Rio.
patologias ainda desconhecidas, tarista promovida pelo Regime Militar, Em 1948, ele estava no Butantã -
como a febre tifóide, em São Paulo. alertando que, quando a pesquisa fun- que então passava por um período de
Desenvolveram-se, nesses institutos, damental foi deixada de lado, houve restauração de seu antigo prestígio - e
grandes cientistas, como Vital Brasil, um enfraquecimento geral da pesquisa participou do episódio que deu origem
descobridor do soro antiofídico, tam- no País. à SBPC.
bém trabalhando em uma área pouco O incidente detonador foi a designa-
conhecida pelos europeus. Outro A SBPC já surgiu para combater ção de Eduardo Vaz para a direção do
exemplo é o de Oswaldo Cruz, que de- arbitrariedades obscurantistas Instituto - um ato arbitrário do gover-
senvolveu métodos pioneiros de saúde nador de São Paulo à época, Adhemar
pública. O mesmo se pode dizer de Mas, certamente, não foi por acaso de Barros. Mais ligado à indústria far-
Carlos Chagas, o primeiro a descrever que uma das maiores descobertas da macêutica que à pesquisa, Vaz decidiu
a terrível doença que leva seu nome. ciência no Brasil, destacando seu des- fechar seções importantes de pesquisa
Ao mesmo tempo, Santos Dumont cobridor numa das áreas mais ativas da no Butantã, como o Hospital Endocri-
tornou-se o inventor do avião apenas pesquisa mundial, tenha sido feita nológico. Também demitiu pesquisado-
porque teve acesso à tecnologia fran- num instituto biológico. Seu autor foi o res por motivos políticos, como Gastão
cesa, em 1906. falecido professor Maurício Rocha e Rosenfeld. O resultado, um ano depois,
Os portugueses, em 1711, apreende- Silva, (1910-83), que em 1984 identifi- seria o reconhecimento, por parte dos
ram um livro denunciando o descaso cou a bradicinina, uma molécula natu- cientistas, de que precisavam de uma
com que tratavam o desenvolvimento e ral dos tecidos vivos que mais tarde se entidade representativa - a SBPC.
o ensino das técnicas empregadas no demonstrou ter papel importante em Através dela, pretendiam veicular suas
fabrico do açúcar, então a principal ati- diversos mecanismos fundamentais dos idéias e suas posições, voltando-se,
vidade econômica do País: Cultura e organismos, como a pressão arterial, a como afirma já sob o Regime Militar
Opulência no Brasil por suas Drogas e coagulação sanguinea e as defesas or- um cientista, "contra a desastrosa in-
Minas, de André Antonil. Por atitudes gânicas. tromissão dos governos na vida das
como essa, acabaram tendo um papel Essa descoberta foi feita um ano an- instituições de pesquisa".
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deira já havia ganho âmbito nacional questão da sexualidade, da saúde, de sendo eleitas, mas elegeu-se uma vice-
com a fundação do Movimento Brasi- conscientização até a atuação política. governadora (no Estado do Acre) en-
leiro pela Anistia. Todos eles foram importantes, fosse tre sete candidatas. E, das que disputa-
Essa forma de exercer a cidadania se para a organização de mulheres, fosse ram o cargo de prefeita, 81 tiveram é-
somou à ideologia do movimento femi- para romper o debate público. Nesse xito.
nista, que preconizava justamente a sentido foi significativa a Frente de
plenitude da igualdade de direitos. Não Mulheres Feministas de São Paulo, que Nos anos 80 a muiher participa
se tratava, como muitos tentaram misti- produziu em 1980 e 1981 uma série de mais na vida política do País
ficar, de abandonar a casa ou a família, debates públicos sobre a questão da
mas de ter direito de lutar por ela, se mulher, procedimento este que poste- Na década de 80, aliás, observava-se
este fosse 0 caso, no espaço político. riormente foi seguido por outras enti- uma maior participação quantitativa e
Tratava-se de levar para a arena as dades. Nesta série, o primeiro debate qualitativa da mulher na vida política
questões do espaço supostamente pri- realizado no Teatro Ruth Escobar, dis- brasileira. A partir de 83 esse movi-
vado. cutia com todos os partidos suas pro- mento apresentou algumas inovações,
A repercussão destas posições se fez postas para com a mulher. Como se dentre as quais cabe destacar a criação,
sentir também ao nível dos sindicatos, pode imaginar, a maioria não tinha pro- a nível de Estado, de dois conselhos
que, conquanto tenham em seus qua- postas, exetuando-se o PMDB, que de Condição Feminina, o de São Paulo
dros poucas mulheres, passaram a trouxe um pré-projeto de criação de e o de Minas Gerais. A característica
incorporá-las em maior número. um Departamento Feminino. As elei- destes Conselhos é a de, ao abrir um es-
E este novo quadro permitiu que os ções de 1982 marcaram algumas inova- paço para a atuação da mulher na es-
grupos feministas do Brasil todo ini- ções. O eleitorado feminino represen- trutura do Estado, tentar também abrir
ciassem um projeto de transformação tava então 45% dos votos. As mulheres 'um espaço para que os movimen-
do Código Civil no sentido de equipa- se candidataram a todas as instâncias, tos femininos e feministas tenham um
rar as condições jurídicas da mulher e mas não em todos os Estados. Pôde-se canal que veícule suas reivindicações
do homem. A proposta foi encami- observar que houve uma elevação no dentro do mecanismo do Estado. No
nhada e aprovada pela Câmara de De- número de candidatas e de eleitas, ca- conselho de São Paulo, por exemplo,
putados em 1984 e aguardava a ratifica- racterizando uma tendência de que 60% das conselheiras são mulheres da
ção do Senado. mais mulheres entraram na disputa sociedade civil e 40% são funcionárias
eleitoral. Candidataram-se duas mu- de secretarias de Estado. Com isto se
Em 82, o eleitorado feminino lheres para o Senado, 58 para a Câmara procura preservar a autonomia dos gru-
representava 45% dos votos dos Deputados. Nenhuma mulher foi pos organizados, que têm sua atuação
eleita para o Senado, mas para a Câ- absolutamente autônoma e específica,
A ação dos grupos feministas mara dos Deputados oito se elegeram. mas se abre um espaço onde a partici-
diferencia-se e multiplica-se pelos Para as Assembléias Legislativas pação se faz presente.
vários Estados brasileiros. Formaram- candidataram-se 134, elegendo-se 28
se grupos com as mais diversas preocu- mulheres no Brasil todo. Duas
pações: desde aqueles dedicados à candidataram-se a governador, não Eva Blo
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BR DFANBSB V8.GNCIAAMA, 84043334 an Coa ,p39
Dados/FSP
naram que os prefeitos das capitais pas-
sariam a ser nomeados e não mais elei-
tos; aumentou-se, além disso, o número
de municípios classificados como "es-
tâncias hidrominerais" ou "áreas de se-
gurança nacional", cujos prefeitos tam-
A partir de 1982, após a vitória da oposição em vários Estados, a insatisfação dos bém não eram eleitos, mas nomeados
prefeitos leva-os, sob a liderança de Orestes Quércia (ao centro), a formar a Frente (no final de 1984, quando o Regime
Municipalista Militar já parecia exaurido, foi devol-
vida a autonomia para 74 desses mu-
POLÍTICA/MUNICIPALISMO: a perda de autonomia dos municípios nicípios).
um veículo blindado a cada 18 horas, em 1945, o Brasil foi inundado por ar-
um avião a cada 20 horas e mil armas li- mas e equipamentos bélicos cedidos
geiras e médias por semana. pelos americanos.
Esse complexo era composto por Terminada a guerra, uma nova reali-
mais de 350 empresas estatais e priva- dade internacional surgia. Os Estados
das (nacionais e estrangeiras), das O Regime Militar alçou o País ao sexto Unidos passam a ter um papel determi-
quais 50 produziam material bélico di- lugar no ranking mundial dos nante em todo o mundo capitalista e
retamente. Empregava mais de 200 mil exportadores de armamentos. uma tensão surge entre a nação ameri-
pessoas e movimentava algo em torno Acima, Silvio Frota, então ministro do cana e a URSS. Com a justificativa de
de dez bilhões de dólares por ano, o Exército, examina carros Cascavel, em defender seus aliados, os Estados Uni-
que representava 5% do PNB (Produto set./75; abaixo, o lança-foguetes Astros dos criaram o Programa de Assistência
Nacional Bruto). II, produzido pela Avibrás Militar (MAP), visando a fornecer ar-
Segundo estimativas, o País, na dé-
cada de 80, conseguia exportar por ano
mais de dois bilhões de dólares e as ar-
mas passaram a ocupar o terceiro lugar
entre nossos produtos de exportação,
competindo com o tradicional café,
Tornavam assim, em plena recessão
mundial, uma esperança de manter em
pé o modelo de desenvolvimento brasi-
leiro, atolado numa dívida externa que
chegava a 100 bilhões de dólares em
1984.
Nossos clientes, mais de 30 nações
'por todo o mundo, cobriam todo o
continente latino-americano, espa-
lhavam-se pela Africa Negra e Ori-
ente Médio, reunindo num mesmo
conjunto países como o Qatar, um pe-
queno emirado árabe, e a República
Popular da China. Eles podiam esco-
lher entre aviões (para transporte de
tropas, de patrulha, de treinamento
avançado, de ataque), tanques e carros
blindados de combate e reconheci-
mento, navios, lanchas de patrulha,
357
ar va.Gnc.aaa, 84044334 ancoõap 204
mamentos, créditos e treinamento para estrategistas, que sonhavam em tornar trial, nos moldes daquele. Nesse
as forças armadas latino-americanas. o Brasil uma grande potência. Um mesmo ano, era instalada a Comissão
Na verdade, aproveitando-se de sua aliado se apresentou de imediato: a ini- de Mobilização Industrial de nível
gião, os Estados Unidos garantiam um Os militares agora no poder eram li- da Indústria.
mercado para suas armas, em geral já gados a vários empresários paulistas Tendo decidido basear no mercado
utilizadas na Segunda Grande Guerra que, arregimentados pelo IPES (Insti- interno o seu reequipamento, as Forças
ou na guerra da Coréia, na década de tuto de Pesquisas e Estudos Sociais), ti- Armadas puseram a serviço da indús-
50, afastando concorrentes europeus. E, nham participado da conspiração con- tria privada os seus centros de pesquisa
assumindo a responsabilidade de trei- tra o governo Goulart. Estes formaram, e desenvolvimento, como o Centro
nar os militares latinos no seu manejo, em 1965, em São Paulo, o Grupo Per- Tecnológico Aeroespacial, o Instituto
o Departamento de Defesa americano manente de Mobilização Industrial de Engenharia Militar e o Centro de
criava vários mecanismos para influir (GPML). A iniciativa partiu de empre- Pesquisa da Marinha.
diretamente naquelas forças armadas. sários organizados na Federação das As encomendas feitas pelas três Ar-
Para ter acesso àquele armamento, Indústrias do Estado de São Paulo mas, nos anos que se seguiram ao
nosso país assinou um acordo militar (FIESP) e principalmente dos setores golpe, representaram um mercado ga-
com os EUA, em 1952, Ele não impli- ligados à indústria automobilística. rantido numa época de recessão e mui-
cavá" na transferência de tecnologia e, tas indústrias começaram primeiro a
Empresário, líder do IPES, define
quando o Brasil o denunciou, em 1977, fornecer a elas equipamento militar,
era considerado um entrave ao desen- os objetivos do grupo depois a prestar serviços técnicos e, por
volvimento, de nossa indústria bélica. último, absorvendo tecnologia, des-
Ao se iniciar a década de 1960, já ti- O empresário Vitório Ferraz, líder locando-se para a produção direta de
nha ficado claro aos militares brasilei- do IPES e primeiro presidente do produtos bélicos.
ros o preço de uma vinculação unilate- GPM, definiu os objetivos do grupo Foi o caso da Bernardini S.A. Indús-
ral e sem limites com uma grande po- no seu lançamento: "Tentará alcan- tria e Comércio e da Biseli Viaturas e
tência. O material bélico se tornava ra- car a adequação dos padrões indus- Equipamentos Industriais Ltda., anti-
pidamente obsoleto e era cada vez mais triais às necessidades das Forças Ar- gas fabricantes paulistas de cofres-
difícil conseguir peças de reposição. madas. Dará incentivo à pesquisa in- fortes e de caminhões blindados para
Surgiu uma defasagem entre o arma- dustrial no campo militar. Ajustará a transporte de valores. Com a experiên-
mento que era enviado ao nosso país e fabricação de equipamentos, máqui- cia adquirida ao modernizarem, com a
o que estava sendo fabricado nas gran- nas e acessórios para as Forças Ar- assessoria de técnicos do Exército, os
des potências, e as necessidades de ma- madas. Indicará as firmas que esti- velhos tanques Stuart M-3AL, proje-
nutenção esbarravam sempre nas nos- verem melhor adaptadas à execução taram o Carcará, um carro de combate
sas dificuldades cambiais. do serviço ou fabricação de equipa- moderno e ágil, que passaram a forne-
Para complicar ainda mais, com o mentos militares." cer ao próprio Exército e a exportar.
envolvimento crescente dos Estados Uma prova de que esse relaciona- A empresa que se tornou o carro-
Unidos na guerra do Vietnã, aquele mento prosperou e uma indicação de chefe da indústria bélica no Exterior foi
país se viu frente a necessidades gigan- que a indústria bélica se espalhou a Engesa (Engenheiros Especializados
tescas de material e munições e passou pelo País podem ser vistas no fato de S.A.). Organizada no início dos anos
a restringir a transferência de equipa- que, em 1984, as federações indus- 60, em São Paulo, ela adaptava tração
mentos para a América Latina. triais de 18 Estados tinham criado de- total em caminhões civis e militares.
Por outro lado, os americanos come- partamentos de mobilização indus- Criou um sistema inédito de tração.
cavam a se mover num novo parâmetro
estratégico. Não se tratava mais de ar-
mar seus aliados para que se defendes-
sem de um inimigo externo, mas prepa-
rar e armar os exércitos para missões
de contra-insurgência. O MAP é gra-
dualmente esvaziado de suas verbas em
prol de um novo programa - o Security
Assistance,
Em busca do armamento que não
era fornecido pelos EUA, o subconti-
nente latino-americano retornou ao
tradicional mercado europeu de armas. Abs um e ”!"/'.
No período compreendido entre 1967 e sia, --SRA É. vt. a
358
nentes de antanho, o Brasil não cons-
cimento tecnológico.
mentos marítimos).
dos e Projetos).
Nos anos 80, o Brasil já amealhava entre capacitando-o para a exportação. To-
seus compradores de equipamento militar dos os negócios com o Exterior são fei-
País recebia a visita do príncipe Sultan, da venda de equipamentos deve ser apro-
Arábia Saudita (acima, com Whitaker vada pelo Conselho de Segurança Na-
que mais tarde aplicaria nos carros As exportações são vitais para essa
blindados desenvolvidos com o auxílio indústria que supre 75% das necessida-
Iconographia
trole por parte da comunidade, cami-
nhar a passos largos para a produção
de mísseis balísticos com cargas nuclea-
res. Produtos inúteis - pois não resol-
A partir da Segunda Grande Guerra, o País foi inundado pelo equipamento bélico veriam qualquer dos principais proble-
americano. Acima, soldados da FEB, em campanha na Itália, utilizando material mas nacionais - e perigosos.
de combate fabricado nos EUA
A exportação bélica transformou o
de uso final (não impor limitações ao mas faz lembrar que elas não são um Brasil numa ameaça à paz
destino que o comprador dará a elas) e produto neutro. Mais que simples mer-
a grande integração entre fornecedores cadorias, as armas são instrumentos de A necessidade de exportar a qual-
e clientes são fatores extras que expli- destruição e seu aumento desenfreado quer custo levou o País a se tornar, no
cam o êxito brasileiro nesse mercado. ameaça os precários equilíbrios regio- subcontinente americano, uma ameaça,
O Iraque, nosso principal cliente e o nais onde se apóia a paz mundial. E o para a paz e um reforço para regimes
segundo maior comprador de armas do Brasil, sendo responsável por 40% das rendenados em todo o mundo. A
mundo, fez 220 sugestões para modifi- exportações de armas do Terceiro venda de aviões Tucano da Embraer
car o protótipo original do Cascavel e Mundo, contribui para fomentar ou no para Honduras, em 1984, foi conde-
muitas delas foram incorporadas ao mínimo viabilizar, essas guerras entre nada pelo Grupo de Contadora -
modelo. Também financiou a constru- miseráveis, países empenhados na procura de uma
ção dos Astros II, um complexo sis- Especialistas de todo o mundo, liga- saída pacífica para os conflitos da
tema de lançadores múltiplos de fogue- dos aos organismos e entidades defen- América Central.
tes apontados eletronicamente. O item soras do desarmamento, há anos se Em 1979, durante a vigência da polí-
mais vistoso na prateleira bélica brasi- preocupam com o fato de que de um tica de defesa dos Direitos Humanos
leira foi desenvolvido pela Avibrás, terço à metade dos recursos mundiais do governo Carter, o Brasil substituiu
que, tendo sido criada em 1961 por en- empregados em ciência e tecnologia es- os Estados Unidos no fornecimento de
genheiros oriundos do ITA (Instituto tão a serviço da indústria armamentista armas a uma das mais sanguinárias di-
de Tecnologia da Aeronáutica), come- e de que nela se concentram 40% dos taduras da América Latina - o Chile.
çou produzindo foguetes meteorológi- quadros técnicos e científicos mais qua- José Luiz Whitaker Ribeiro, presidente
cos e passou, com sucesso, aos artefa- lificados. Alertam que recursos escas- da Engesa que em 1982 assumiria a pre-
tos bélicos, sos que poderiam ser empregados na sidência da IMBEL, articulador do ne-
Se levarmos em conta que, desde saúde e na agricultura são desviados gócio, passou a gozar de tanto prestígio
1945, 9%, dos conflitos armados aconte- para essa atividade. Esse quadro só se naquele país que chegou a ser convi-
ceram em países de economia sub- agrava no continente latino-americano. dado para um jantar íntimo no palácio
desenvolvida - a guerra entre as gran- O Instituto Internacional de Pesquisa presidencial. Compareceu, ergueu
des potências manteve-se relativa- sobre a Paz, de Estocolmo, estima que brindes aos anfitriões e presenteou a
mente sob controle -, veremos que o 25% da divida externa da América La- primeira dama com uma água-marinha.
Brasil está atuando no filé mignon do tina, que monta a 350 bilhões de dóla- Afinal, era aniversário de casamento
mercado mundial de armas. res, derivam da compra de armas no do casal Pinochet.
Essa proximidade entre pobreza e ar- Exterior.
360
BR DFANBSB VB.GNCAMA, 84044331 an 002, o IO4
A crise da educação
A primeira vista, o Regime Militar de universitários no País, número dez colar (atual primeira série do primeiro
instalado no País em 1964 podia apre- vezes maior que em 1964, e os alunos grau), 4,7 estudantes concluíam a uni-
sentar, depois de 20 anos, números que de pós-graduação tinham multiplicado versidade; em 1980, esse número já
indicassem resultados auspiciosos no por 15 o seu número, chegando a 29 chegava a 34. E esta melhora era geral.
campo da educação,. mil no mesmo ano. Sempre tomando aquelas mil matricu-
A taxa de 'analfabetismo caira de Entre 1960 e 1980, triplicou o corpo las como referência, em 1960, 24,6 alu-
46,8% em 1960 para 32% em 1980 e a docente do primeiro grau e quintupli- nos terminavam o ginásio (equivale a
população em idade pré-escolar, prati- cou o número de professores no se- concluir a oitava série do atual pri-
camente desassistida na década de 60, gundo grau e nas universidades. meiro grau) e 127 conseguiam isso em
viu as matrículas da pré-escola mais Na formação de pesquisadores de 1980. E quase quadruplicou (22,2 para
que quintuplicarem depois de 1970. alto nível, no biênio 1970-71, 2.683 alu- 81) o número daqueles que concluíam
Enquanto a população aumentou nos concluiam o mestrado e apenas 87 o segundo grau (o antigo colegial). En-
cerca de 70%, entre 1960 e 1980, as terminavam o doutoramento. No início tretanto, como a estrutura educacional
matrículas do primeiro grau passaram da década seguinte esses números ti- atendia às necessidades de um determi-
de 8,4 milhões para 22,6 milhões - um nham aumentado para 20.744 e 1.697, nado tipo de industrialização e desen-
aumento de 170%. As matrículas do se- respectivamente - formavam-se 20 ve- volvimento, atrelados ao capital estran-
gundo grau decuplicaram no mesmo zes mais doutores, geiro e que excluiam dos seus benefi-
período, chegando a 2,8 milhões. Em 1960, para cada mil alunos matri- cios parcelas significativas da popula-
Em 1980, havia mais de 1,3 milhão culados no primeiro ano do grupo es- ção, essa estrutura de educação refletia
, 361
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Repressão
nas escolas
Banco dt Dados, SH
membros da universidade.
Um indicador da violência com
que o regime se empenhou em com- Convota ça“? f
bater a organização e participação
política dos estudantes brasileiros é
fornecido pelo destino dos nove presi-
E xce de nt e
dentes da UNE que tiveram suas ges- O movimento dos excedentes - aprovados nos vestibulares que não tinham vagas nas
tões na década de 1960: Quatro foram
universidades - teve grandeforça nos anos 60. Vinte anos depois, o regime tinha a sua
presos, dois exilados, dois banidos e
um deles - Honestino Guimarães -
solução: ampliou as vagas, apoiado sobretudo em universidades particulares
desapareceu em 1972. Os dados do Censo de 1980 confir- cio da década de 1980, ainda tinha um
A primeira tentativa de destruir as mam essa visão, pois embora o índice perfil altamente excludente. Pratica-
entidades autônomas dos estudantes de analfabetismo no Brasil estivesse na mente a metade das crianças que entra-
veio com a Lei Suplicy de Lacerda casa dos 32%, ele era de 18% nos Esta- vam na primeira série do primeiro grau
(4.464/64), de 9 de novembro de 1964, dos de São Paulo e Rio de Janeiro e de não chegavam à série seguinte. A
que criava o Diretório Nacional dos 17,3%no Rio Grande do Sul. Por outro UNESCO considera desastrosa a situa-
Estudantes para substituir a UNE, os lado, Estados como Pernambuco ção daqueles países onde entre cada
diretórios estaduais para o lugar das (50,2%) e Piaui (56,7%) tinham índices mil crianças menos de quinhentas con-
uniões estaduais (UEEs) e os diretó- comparáveis aos que o Estado de São cluem o primeiro grau. No Brasil, esse
rios acadêmicos, que fariam as vezes Paulo ostentava na década de 30. número não chegava a 140.
dos centros acadêmicos e grêmios. Talvez o dado mais preocupante
A UNE e as UEEs foram tornadas fosse constatar que, em 1981, sete mi- Metade dos alunos abandona a
ilegais pelo Decreto-Lei no 228, de 28 lhões de crianças em idade escolar escola já na primeira série
de fevereiro de 1967, mas foi o Decre- obrigatória (sete a 14 anos) eram anal-
to-Lei no 477 (26 de fevereiro de fabetas.
1969), diretamente derivado do AI-5, O Censo de 1980 já revelara que 7,5 E se atentássemos para a qualidade
que marcou todo um período de re- milhões de crianças naquela faixa de do ensino oferecido nas escolas brasi-
pressão e controle sobre a vida acadê- idade estavam fora da escola. E os edu- leiras, veríamos que ele se ressentia da
mica. cadores paulistas, que avaliavam a si- brutal queda no poder aquisitivo dos
Esse Decreto-Lei no 477, previa tuação do Estado em 1984, ao terem professores brasileiros ao longo daque-
como punição o afastamento da uni- encontrado 500 mil crianças de sete a les 20 anos. Um estudo realizado pela
14 anos analfabetas no Estado mais rico APEOESP (Associação dos Professo-
da Federação e tendo constatado que res do Ensino Oficial do Estado de São
versidade, de três a cinco anos, de
cola fazia uma "seleção" social dos alu- 1964-83 - o que explica o processo rei-
diretamente com esse Decreto-Lei no
477 um total de 263 pessoas, mas o
nos por estar adaptada às necessidades vindicatório iniciado em 1978 e que
mais importante é que ele foi sendo
da classe média e por ministrar um en- culminou com a grande e vitoriosa
|-3
incorporado aos regimentos universi-
sino que nada tinha a ver com a reali- greve dos professores paulistas no pri-
tários, que se tornaram instrumentos
dade das camadas populares. meiro semestre de 1984.
antidemocráticos e repressivos.
Apesar das melhorias registradas, o O professor Hermes Zanetti, presi-
"funil" da educação brasileira, no ini- dente da Confederação dos Professores
363
sr DFANBSB VB.GNCAAA, 840443
34 3002, pYp5
Banco de Dados/FSP
compulsória" em todo o segundo grau.
Esperava que todo o sistema educacio-
nal assumisse a função de preparar
mão-de-obra para suprir as necessida-
des decorrentes do processo então ace-
lerado de crescimento econômico. Ao
do Brasil, em depoimento na CPI da mesmo tempo, pretendia desviar da
Apesar de o presidente Médici ter
Câmara Federal que investigava os universidade um público ' crescente,
Jestejado o Mobral (acima), o número de
efeitos da reforma do ensino, em 1981, que ela não podia atender, na Suposi-
analfabetos aumentou no País após a
denunciou que 35% dos professores de Jundação do órgão. Enquanto isso, o ção de que muitos jovens se dirigiam à
primeiro e segundo graus em todo o salário de Hélio Pereira (abaixo), universidade por não haverem adqui-
Brasil trabalhavam sem nenhum vin- professor em São Paulo, não dava para o rido habilitação profissional no se-
culo empregatício.. Registrou ainda ônibus, o que levou os mestres paulistas à gundo grau.
que, no Rio Grande do Norte e no greve em 1984 (pág. ao lado) Mas a lei foi implantada sem que as
Piauí, havia professores recebendo sa- escolas contassem com recursos huma-
lários equivalentes a 10% do salário mi-
nimo.,
Banco de Dados/FSP
364 .
oo apI 08
BR DFanNBSB Va.onNcaMA, 24041334 an
nos especializados, instalações apro- Outra decisão que acarretou pre- Num país que em 1984 se estimava ha-
priadas, equipamentos e laboratórios juízo para a qualidade do ensino médio ver mais dé 80 milhões de desnutridos,
necessários à formação profissional dos foi a de unificar os exames vestibulares, cerca de 65% da população, só 2,3%
alunos. Calculou-se que, se tudo isso em 1971, quando eles passaram a ser dos universitários matriculados em
viesse a ser implantado, haveria um au- regidos por normas federais. Até então, 1982 faziam cursos ligados à área
mento de cerca de 60% do custo por cada escola fazia seu exame de acordo agrária e, dos 410 doutores que apre-
aluno de um curso secundário, num com suas próprias características. Com sentaram sua tese em 1979, só 24 (5,8%)
momento em que a participação das esse vestibular unificado, na base de estavam ligados a essa área.
verbas do MEC no orçamento federal testes de múltipla escolha e que até
caia ano a ano. Impossibilitadas de 1977 não incluia redação, todo o ensino Orgão do MEC traça perfil do
cumprir a lei, as escolas passaram a ficou condicionado a preparar os estu- universitário brasileiro
adotar apenas formalmente as novas di- dantes para aquele tipo de prova.
retrizes. Quanto ao ensino superior, o que se Ao final dos 20 anos do Regime Mili-
Em vista disso, o governo tentou so- pôde observar é que o crescimento do tar, uma nova tendência parecia estar
luções conciliatórias, como a do pare- número de vagas pareceu mais um se consolidando. Um levantamento pa-
cer 76 de 1975 do Conselho Federal de inchaço com componentes doentios do trocinado pela Coordenação de Aper-
Educação, que criou a possibilidade de que um desenvolvimento harmônico. feiçoamento do Pessoal de Nível Supe-
as escolas oferecerem o que se cha- rior (CAPES), órgão subordinado ao
mou de profissionalização parcial. Na Dois terços dos universitários MEC, feito em 44 instituições no ano
prática, isso passou a significar que as de 1983, traçou um surpreendente per-
escolas apenas distribuíam as matérias estão em escolas particulares
fil do universitário brasileiro.
do currículo tradicional com cargas ho- Esse universitário "médio" tem
rárias diferentes, adaptadas às áreas de Em 1960, do total de universitários, cerca de 30 anos, já está integrado ao
profissionalização, além de algumas ou- 44,3% estudavam em escolas particula- mercado de trabalho e chega ao cam-
tras que supostamente orientariam o res; essa porcentagem passou para pus para "adquirir cultura geral" ou
aluno na escolha de uma profissão. Em 66,5% em 1982. Isso quer dizer que o com a "expectativa de crescimento
1982, a Lei no 5.692 foi extinta, num re- crescimento do número de vagas no pessoal".
conhecimento tácito do fracasso da ini- ensino superior, que permitiu a grande Se esse perfil for verdadeiro, todo o
ciativa. melhora do "funil" da educação brasi- dispendioso aparato institucional con-
Um subproduto dessa lei foi a insti- leira, se deveu em grande parte à priva- centrado no conjunto das universida-
tuição da licenciatura curta, para for- tização do ensino. E se sabe que o en- des brasileiras estaria sendo colocado a
mar professores polivalentes em cursos sino privado se dá majoritariamente em serviço do esforço individual para a su-
de três a quatro semestres, a pretexto escolas que dispõem de poucos recur- peração das grandes deficiências do en-
de suprir deficiências locais e regionais sos, não desenvolvem pesquisas e são sino médio. Como o daquela candidata
de ensino. Proliferaram as faculdades administradas autoritariamente por ao vestibular de 1984 que, fazendo um
de fim de semana, que jogaram no mer- seus proprietários, balanço dos resultados positivos de seu
cado de trabalho profissionais despre- Por outro lado, os cursos que mais se sacrifício em frequentar o "cursinho"
parados, que muito contribuiram para desenvolveram não estavam associados preparatório, afirmou: "Agora eu já sei
rebaixar mais ainda o nível do ensino. às principais necessidades do Brasil. onde fica o Oriente Médio."
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» R DFANBSB VB.GNC.AAA, 84 044834 an co2,p 409
A poesia em progresso
Desde os anos 60, tem havido cada vez mais poetas e tem
surgido grande número de bons poemas - mas o círculo
de leitores tem continuado restrito
Quem tiver acompanhado o que an- coisas. Tais manifestações, por sua vez,
dou acontecendo no campo da poesia têm alguma conexão com a contracul-
brasileira a partir dos anos 60 certa- tura e o tipo de inquietação e interesse
mente concordará que, vinte anos de- pelo novo que caracterizam os anos 60
pois, muita coisa mudou para melhor. em escala mundial.
Há muito mais gente escrevendo, inclu- Há ainda outras coisas boas a serem
sive há#mais texto8 de boa qualidade li- assinaladas a propósito da moderna
terária. Percebe-se uma abertura maior poesia brasileira. Por exemplo, o apare-
para o novo, um interesse maior por cimento, de meados dos anos 70 para
textos que sejam originais e incorpo- cá, de uma nova poesia feminina, cor-
rem as conquistas dos movimentos de respondendo a um novo tipo de cons-
vanguarda do século 20. O panorama é ciência da mulher, do seu posiciona-
mais pluralista e quase acabou total- mento na sociedade e da sua relação
mente o sectarismo do começo dos com a linguagem. Podem ser citadas
anos 60, dos grupos fechados como o como exemplo dessa tendência, mar-
Agência O Globo
movimento concreto, a poesia-práxis, a cada por um texto informal, espontá-
vertente engajada ligada ao PCB, o neo e desinibido, autoras tão diferentes
poema-processo, etc. A quantidade de entre si, sob outros aspectos, como Ana
textos teóricos que esses movimentos Cristina César e Leila Miccolis.
produziram, justificando suas posições
e pontos de vista, foi, num dado mo- Uma produção poética menos blicados são edições de autor, que não
mento, maior que sua produção de acadêmica e mais coloquial Chegam às livrarias; ou, quando che-
obras especificamente poéticas. gam, ficam um tempo na estante do
Deve ser registrada, a constribuição De modo geral - e essa poesia de fundo, em consignação, antes de serem
do Tropicalismo nesse processo de mulheres talvez seja um aspecto parti- devolvidos. O saldo da noite de autó-
abertura e ventilação do ambiente e, cular de um fenômeno mais geral - te- grafos acaba sendo distribuído para os
dentro do Tropicalismo, a marcante mos hoje uma produção mais atenta amigos do autor, críticos (que normal-
presença do Torquato Neto, legítimo para a linguagem falada, menos acadê- mente não tomam conhecimento) e
poeta maldito, neo-romântico, que se mica e mais informal e coloquial. E um eventuais leitores qualificados. E isto
matou em 1972, na época do maior su- equivoco, todavia, atribuir isso a um re- vale, inclusive, para textos da melhor
foco político e também cultural. Tor- flexo do tipo de criação literária feita qualidade.
quato deixou uma obra pequena, in- no campo das letras musicais, ou então A busca de circuitos alternativos tem
conclusa, porém na qual se percebe o afirmar que os modernos poetas são os algo de transitório, e o vôo das edições
brilho de um imenso talento. letristas como Antonio Carlos de Brito "marginais" e independentes foi mais
Apesar de sua breve duração, de (Cacaso), Vilhena, Geraldo Carneiro e curto do que seria de esperar, embora
apenas um ano, interrompida que foi outros. Acontece apenas que a letra de alguns autores - como Ulisses Tavares
pela prisão e exílio de Caetano Veloso, música, uma vez veiculada em disco, e Nicolas Behr - possam gabar-se de
Gilberto Gil, a Tropicália deixou sua tem uma circulação muito maior, atin- ter vendido tiragens de até 30 mil
marca, abalando os alicerces de um de- gindo muito mais gente. E, dos letristas exemplares dos seus poemas irreveren-
terminado tipo de hiperintelectualismo que também se aventuraram à edição tes, em versos curtos ou epigramas,
e também as concepções demasiado em livro, alguns provaram ser poetas numa linguagem atualizada, buscando
simplistas do que venha a ser uma refle- genuínos (Geraldo Carneiro, por exem- a comunicação imediata com um pú-
xão sobre a realidade brasileira. plo); outros, meros equivocos. blico mais amplo.
Convém ressaltar que esta contribui- Mas, com tudo isso, com todos esses Mas o ciclo da produção entrou em
ção do Tropicalismo faz parte de um avanços, a poesia brasileira continua recesso e seus melhores representantes
contexto mais amplo, de um processo existindo mais como assunto, como ingressaram no mercado editorial con-
de modernização cultural brasileira que pretexto para discussões literárias, do vencional: Ulisses, Touchê, Chacal (do
durou dos meados dos arios 60 até o co- que como presença no mercado edito- grupo Nuvem Cigana do Rio de Ja-
meço. da década de 70, e que inclui a rial. A verdade é que livro de poesia neiro), todos editados pela Editora Bra-
vanguarda nas artes plásticas (Hélio Oi- vende pouco - e não só no Brasil, mas siliense, de São Paulo.
tícica, Rubens Guerchman, etc.), o ci- no mundo todo. Acontece que, dada a O elenco de poetas contemporâneos
nema underground e experimental anormal pequenez do nosso mercado brasileiros lançados por essa editora, a
(principalmente Rogério Sganzerla e editorial, aqui o vender pouco corres- partir de 1982, é considerável, contri-
4
Júlio Bressane), espetáculos multimídia ponde ao ostracismo, a ficar estocado buindo para projetar nacionalmente
como os de Agripino de Paula, a atua- depois de livrar-se do risco de ficar en- nomes como Paulo Leminski, Fran- '
ção do Teatro Oficina e muitas outras gavetado. A maior parte dos títulos pu- cisco Alvim e Ana Cristina César. Esta,
366 '
BRDFANBSB VB.GNC.AAA, 240443393 anco2, p 433Q
Agência O Globo
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O general Venturini (à esq.), principal dirigente do GETAT, entregou títulos a posseiros do Araguaia. A militarização da questão
agrária, no entanto,não satisfez os homens do campo. A dir., o protesto numa igreja no ano de 1979
ORGANIZAÇÃO SOCIAL/DISTRIBUIÇÃO DE
TERRAS: os conflitos da posse eles em sua base a luta desesperada
pela sobrevivência daqueles que neces-
sitavam da terra para produzir e eram
excluídos do direito de possuí-la.
Mapa de sangue
Esses conflitos pela posse' da terra
intensificaram-se através dos tempos e
A história da propriedade da terra no Brasil é uma a partir dos anos 80 deste século atingi-
sucessão
de brutalidades contra as massas que trabalham no campo ram 0 climax. Para esse agravamento
, da concorreram vários fatores, como a
extorsão ao homicídio abertura de novas áreas do País, a atra-
ção que essa abertura exerceu sobre os
O processo de formação da proprie- apenas quisessem a propriedade para pequenos lavradores sem terra - e tam-
dade da terra no Brasil foi marcado explorar o trabalho alheio. bém sobre capitalistas - e a invasão do
pela violência, pela imprecisão dos li- Essa propriedade da terra, formada campo agrícola pelo capital.
mites dos lotes; consequentemente, pela violência, precisava ser mantida: o A abertura de novas estradas, como
pela falta de garantia. A violência con- registro das propriedades, inicialmente a Beléêm-Brasília, a Transamazônica e a
tra o índio, o primeiro dono da terra, feito nas igrejas, passou para os car- Perimetral Norte, atraiu, mesmo
foi o passo inicial para essa formação. tórios, Mas estes apenas registram pa- quando as estradas não passaram de
Alguns autores - ignorando os índios - péis - na maioria das vezes sem ne- simples tentativas fracassadas como a
consideram que a terra no Brasil era nhuma ligação com a realidade da Perimetral, grande número de peque-
obrigatoriamente propriedade da Co- terra, sem preocupação com a identifi- nos lavradores sem terras, esperanço-
roa Portuguesa, com base no Tratado cação das glebas "registradas" -, em sos de se verem livres da exploração.
de Tordesilhas . . . grande número de casos falsificados, Além de antigos pioneiros, novos lavra-
Somente entre 1822, pouco antes da dores surgiram, apossando-se de áreas
Independência, e 1850, tendo sido ex- A força é a única garantia do de terra para seu trabalho. E essas pos-
tinta a aplicação da Lei de Sesmarias e
direito à propriedade no campo ses, pela Constituição de 1891 e por to-
não havendo outra lei sobre o assunto,
das as demais constituições que o País
houve alguma formação de proprie- Com essa formação e com esses re- teve, davam aos posseiros o direito de
dade pelo trabalho da terra - a terra gistros, não há a menor garantia para o registrá-las até 30 hectares (aumenta-
para quem nela trabalha. Mas, a partir direito de propriedade; apenas a força dos para até cem hectares pela Emenda
de 1850, com a Lei de Terras do sena- garante tal "direito", e dele apenas os Constitucional no 10, de novembro de
dor: Vergueiro, dispondo que as terras grandes e poderosos podem usufruir. É 1964), como propriedade. Mas nunca
públicas só poderiam ser cedidas de natural, portanto, o surgimento de con- foi dada, a tais pequenos lavradores,
forma onerosa e em hasta pública, fi- flitos pela posse de terra. qualquer oportunidade de conseguir tal
cou afastada a possibilidade de o verda- Fatos históricos, como as rebeliões
Emis
369
BR DFANBSB VB.GNC.AAA, 8404333 an 002, p 413
Miguel Chikaoka *
Pro-Labore. Permitindo o usucapião
sobre terras públicas, não existente an-
teriormente, e reduzindo o prazo para a
conquista desse direito, essa lei criou
condições aparentemente positivas
para que se realizasse a conquista da
propriedade pelo trabalho; mas são
tantas as limitações a este direito inclui-
2a %
das na própria lei que raramente ela
A
poderá ser usufruída. Por outro lado,
nada foi feito para facilitar ao posseiro
o requerimento desse direito, nem para
prover as comarcas onde existem gran-
des áreas de terras devolutas de meios
para processar e encaminhar tais re-
querimentos. O emperramento buro-
crático impedirá, praticamente, o fun-
cionamento deste dispositivo legal.
Como válvula de escape, em alguns
casos em que a pressão social se torna
perigosa, o governo tem desapropriado
algumas áreas de terra, entregando-as a
verdadeiros lavradores. Mas tais desa-
propriações têm sido pequenas, insigni-
ficantes para influir sobre a viciada es-
trutura agrária do País. Servem, apenas,
para desmobilizar grupos mais decidi-
dos de pequenos lavradores.
Ainda simulando querer intervir na
estrutura agrária, o Regime Militar al-
terou os artigos do Estatuto da Terra
que dispunham sobre o Imposto Terri-
torial Rural (ITR), tornando-o muito:
mais rigososo quanto à progressividade
em função do tamanho da propriedade.
A Lei no 6.746, de 10 de dezembro de
1979, elevou essa progressividade a
ponto de ter, teoricamente, a maior ali-
quota do imposto (14%), 700 vezes
maior que a alíquota mínima (0,02%),
enquanto no Estatuto da Terra essa va-
riação era de 144 vezes. Só em relação
ao tamanho da propriedade, sem consi-
derar outros fatores, o Estatuto da
Terra permitia uma variação de quatro,
cinco vezes e a nova legislação, de 175
vezes. É uma lei muito boa; melhor
mesmo, só se fosse aplicada.
Alcebiades Silva
mil hectares tiveram o imposto reco- veram sua atenção voltada para aquela blicas transferidos para o governo fede-
Ihido). De maneira que não há a menor área e se interessaram por seus proble- ral,
diferença entre um imposto 144 vezes mas, Além disso, as enormes riquezas Os órgãos militares (GETAT, Grupo
maior e outro 700 vezes maior. E não se minerais reveladas pelo Projeto Radar Executivo para a Região do Baixo
tem notícia de qualquer ação, seja judi- da Amazônia (RADAM) na região em Amazonas - GEBAM - e MEAF) têm
cial seja militar, visando a forçar esse torno da Serra dos Carajás despertaram "reconhecido", de forma totalmente
pagamento. a cobiça de outros países, Para permitir ilegal, supostos direitos de grandes pro-
Finalmente, entre as medidas do go- sua exploração pelas multinacionais, prietários e de empresas multinacionais
verno visando a solucionar os proble- era preciso "limpar" a área. sobre áreas que tentam "limpar" de
mas agrários, tivemos a militarização A ação, além do aspecto propria- posseiros. Aliás, isso tem acontecido,
do assunto, com a interferência do mente militar contra a guerrilha, procu- também, em áreas marginais ao São
Conselho de Segurança Nacional e a rou envolver a população local, através Francisco, junto às barragens, mesmo
criação de órgãos como o GETAT, de uma operação de assistência social. sem a militarização direta; os pequenos
GEBAN e, finalmente, do Ministério Daí à extrapolação política dessa ação, são expulsos pela construção das barra-
Especial de Assuntos Fundiários foi um passo. gens e as terras nas margens das repre-
(MEAF), A ação paternalista, ao lado das sas se tornam, misteriosamente, pro-
Como tudo no Brasil do Regime Mili- pressões, além do atendimento de pe- priedades de grandes empresas, inclu-
tar, a alavanca para essa militarização quena percentagem de posseiros (e em sive multinacionais. Nota-se aí clara-
foi agegurança acional. . . Parece que áreas minúsculas, como já se obser- mente a transformação do poder pú-
os pequenos posseiros e proprietários vou), representa tentativa de desmobili- blico em mera extensão do poder de
do Araguaia-Tocantis representavam zação dos posseiros organizados. particulares bem-colocados.
séria ameaça à segurança nacional; Todos esses fatos, levando à concen-
essa segurança ficou melhor assegu- Os órgãos militares têm dado tração cada vez maior da posse da terra
rada com a entrega de enormes áreas a e à expulsão cada vez mais numerosa
apoio aos grandes proprietários
empresas americanas, japonesas, ale- dos lavradores, explicam a multiplica-
mãs, etc. Esta militarização teve também ca- ção e o agravamento dos conflitos so-
A guerrilha do Araguaia, entre 1972 racterística de verdadeira invasão do bre terras.
e 1975, foi talvez um dos fatores que in- governo federal em áreas de autonomia
fluiram para essa militarização. No dos Estados. O Estado do Pará teve Carlos Lorena e
combate à guerrilha, os militares ti- mais de 75% de sua área de terras pú- Maria Tereza Leopardi Mello
<Júca Martins/F4
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BR DFANBSB V8.GNCAAA 043313002, pJI6
Os grilhões partidários
As elites políticas brasileiras jamais reito de organizar-se livremente. da decretação do estado de sítio. Em
foram capazes de desenvolver um sis- Mesmo na Espanha, que não podia ser 1927, findo o estado de sítio, o PC vol-
tema democrático de partidos políticos, tomada como um modelo liberal, du- tou à legalidade, mas por apenas sete
no qual todas as correntes tivessem o rante a abertura controlada do meses, Em agosto daquele ano, a "Lei
direito de se organizar livremente. primeiro-ministro Adolfo Suárez, após Celerada" tornou-o novamente ilegal.
Também jamais conseguiram formar a morte de Francisco Franco, em 1975, Após a revolução de 1930, a legisla-
partidos nacionais sólidos, constituídos existiram nada menos que 160 partidos. ção partidária tornou-se mais liberal;
com base em programas e princípios Essa liberdade, se já existiu no Brasil, reconhecia os partidos estáveis, organi-
duradouros; e o medo de uma partici- na letra das leis, ou sofreu limitações zados como sociedades civis, e os parti-
pação popular efetiva e crescente fez práticas ou durou pouco. dos organizados apenas para concorrer
com que os partidos que se permitiram Na República Velha (1889-1930), a uma eleição, sendo dissolvidos em se-
formalizar fossem usados somente em prevaleceram os partidos regionais, ex- guida. Permitia também a apresentação
épocas eleitorais. E foi durante o Re- pressões das oligarquias dos Estados: de candidatos avulsos, desde que
gime Militar (1964-84) que esses vícios eram os "PRs", em que se encastela- apoiados por certo número de eleito-
e restrições à vida dos partidos se tor- vam os clãs locais. Era, assim, um sis- res. Em 1937, no entanto, esse sistema
naram mais agudos. tema partidário compatível com o fede- foi interrompido com o golpe que im-
Numa democracia liberal autêntica ralismo estruturado no poder das oli- plantou o Estado Novo: os partidos fo-
não deveriam teoricamente existir res- garquias, O Partido Comunista (PC), ram fechados e sua reorganização proi-
trições para a organização partidária. fundado em março de 1922, foi consi- bida.
Todos os grupos políticos teriam o di- derado ilegal três meses depois, quando Os partidos só reapareceram na vida
379
brasileira em 1945, com o fim da dita-
dura de Vargas; e logo encontraram as
primeirdàs restrições a sua organização.
O código eleitoral daquele ano exigia
que, para legalização, os partidos apre-
sentassem assinaturas de dez mil eleito-
res, espalhados por cinco Estados, com
um mínimo de 500 por Estado. Em
maio de 1946, o presidente Dutra am-
pliou a exigência para 50 mil assinatu-
ras. A lei vetava ainda a formação de
partidos considerados "antidemocráti-
Iconograplia
cos", que fossem filiados a organiza-
ções internacionais e que recebessem
dinheiro do Exterior. Esse dispositivo
foi usado somente uma vez, em 1947,
para cassar o registro do PC (no ano se-
guinte, todos os parlamentares - de
vergêedor a sen&dor - eleitos pela sigla
do PC foram cassados). No entanto, o
Partido Integralista, de Plínio Salgado,
de tendência reconhecidamente fas-
cista, continuou funcionando normal-
mente, com o nome de Partido de Re-
presentação Popular. Pode-se dizer,
portanto, que essas regras visavam a
bloquear os comunistas. As eleições
para a Constituinte de 1945 haviam
mostrado aos conservadores as grandes
possibilidades eleitorais dos comunis-
tas. ledo Fiuza, candidato do PC à Pre-
Iconograplia
sidência da República, lançado apenas
15 dias antes da eleição, obteve quase
10o, dos votos (569.818, em 5,8 mi-
lhões). O PC elegeu ainda um senador
- Luis Carlos Prestes - e 14 deputados quenos agrupamentos nascidos de riva- fechou esse leque de 13 partidos. Eles
à Assembléia Constituinte e fez maioria lidades locais. Outro partido pequeno, foram relegados a um plano secundário
de vereadores em diversas cidades im- caracterizado por uma conotação ideo- na vida política e tiveram sua represen-
portantes do País. lógica mais definida, era o Partido So- tatividade reduzida, principalmente
'cialista Brasileiro. pela cassação dos membros mais nacio-
Constatação de enfraquecimento O golpe de 1964 encontrou 13 parti- nalistas e dos mais identificados com as
leva a direita ao golpe de 64 dos registrados na Justiça Eleitoral. O causas populares. Em 1965, o Regime
PSD e a UDN - dois entre os mais con- Militar ainda realizou eleições com o
Com a cassação do PC, o quadro servadores - dominavam amplamente quadro partidário vigente antes do
partidário legal ficou com apenas três o quadro político desde 1945, mas vi- golpe, depois de cassar 31 deputados
grandes partidos nacionais: o Partido nham perdendo terreno. A constatação do PTB e mais dez parlamentares pro-
Social Democrático (PSD) e a União desse declínio pelos estrategistas da di- gressistas de outros partidos. A grande
Democrática Nacional (UDN), dos reita foi, sem dúvida, um dos fatores derrota sofrida pelo novo regime - es-
grandes empresários e fazendeiros; e o que determinaram a decisão pelo aban- pecialmente a perda das eleições para
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), dono da via eleitoral para chegar ao po- governador em Minas Gerais e na
dos empresários médios e da burocra- der. Em 1962, esses dois partidos esti- Guanabara - indicava a perspectiva de
cia sindical. Com força em alguns Esta- veram a um passo de tornar-se minori- uma rearticulação dos setores banidos.
dos, havia ainda o Partido Social Pro- tários: tinham juntos 54% dos deputa- Diante disso, o presidente Castello
gressista (PSP), de Adhemar de Barros dos federais, quando em 1945 tinham Branco expediu o Ato Institucional no
e Chagas Freitas, e o Partido Demo- cerca de 75%, dos votos e mais de 80% 2, de 27 de outubro de 1965, extin-
crata Cristão (PDC), que abrigava cor- da representação parlamentar. Nem guindo os partidos registrados. Foram
rentes distintas, desde a ligada a Ney mesmo o PTB, partido reformista que também criadas regras de difícil atendi-
Braga, no Paraná - que após 1964 iria Getúlio Vargas imaginou para contra- mento para forçar o sistema a tornar-se
para a Aliança Renovadora Nacional por à influência do PC, tinha seu futuro bipartidário e os parlamentares eleitos
(Arena) e depois para o Partido Demo- assegurado. Ao contrário, estagnara foram obrigados a se reagrupar em
crático Social (PDS) -, passando pela em torno dos 14% dos votos, após um duas coligações: a Arena e o MDB,
de Franco Montoro, eleito governador de crescimento a partir de 8% em 1945. As próprias circunstâncias da forma-
São Paulo, em 1982, pelo Partido do Por outro lado, cresciam as alianças e ção desses agrupamentos atestavam
Movimento Democrático Brasileiro coligações; em especial aquelas mais à não se tratar de partidos políticos nor-
(PMDB), até Plínio de Arruda Sam- esquerda, de caráter nacionalista e po- mais. O MDB estava condenado a re-
paio, candidato a deputado federal, em pular, que engrossavam a Frente Parla- presentar O papel de oposição; a
1982 pelo Partido dos Trabalhadores mentar Nacionalista. Arena, embora apoiasse o governdó,
(PT). Os partidos restantes eram pe- De início, o movimento de 1964 não não exercia de fato o poder. A vida
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