Você está na página 1de 15

Márcia Ivo Braz, Marcones Ivo Braz

ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO:


recursos para preservação da memória em curadoria digital e e-
science

RESUMO
A limitação biológica do ser humano em armazenar informações e conhecimento levou-o a
desenvolver extensões dessa capacidade. O registro de informações por meio da escrita tornou-se a
forma mais eficaz de fazer o conhecimento perdurar, sendo possível armazená-lo, transmiti-lo e
acessá-lo, não sendo valorado apenas por quem o detém, mas por todos que podem acessar esses
registros. Emergiu então necessidade de organização e acesso a esses documentos, resultando na
criação das chamadas instituições de memória, decorrentes do surgimento das práticas de
sistematização para a conservação e acesso aos registros, como meios de localização da informação
partindo do critério temático. Cada vez mais as publicações científicas têm sido concebidas,
armazenadas e acessadas por meio das tecnologias, o que chamamos de e-science, implicando em
questões de curadoria digital e demandas sobre organização no que tange a descrição do objeto e do
seu conteúdo, que podem ser consideradas como formas de preservação da memória científica.
Assim, essa pesquisa tem como objetivo discutir questões relativas à Organização da Informação e
do Conhecimento, e como estas se configuram como recursos/instrumentos para preservação da
memória em contextos de curadoria digital e e-sciences, configurando o método como bibliográfico e
documental, concluindo que entre esses domínios exista transversalidade.

Palavras-chave: Organização da Informação. Organização do conhecimento. Curadoria digital. E-


science.

ABSTRACT
The biological limit of human beings to store information and knowledge led him to develop extensions
that capacity. The registration information through writing has become the most effective way to make
knowledge lasted, being possible store, transmit it and access it, not being valued only by your
creator, but all that can access these records. Then emerged need for organization and access to
those documents, resulting in the creation of the memory institutions, happening appearance of
systematic practices for conservation and access to records as a means of information location
starting from a thematic criterion. Increasingly scientific publications have been designed, stored and
accessed by technologies, which we called e-science, which involves digital curation issues and
demands on the organization regarding the description of the object and its contents, which can be
considered as ways to preserve the scientific memory. Thus, this research is configured as
bibliographic and documentary, aiming to discuss issues concerning the organization of information
and knowledge, and how these are resources / tools for preserving memory in digital curation contexts
and e-science.

Keywords: Information organization. Knowledge organization. Digital curation. E-science.

1 INTRODUÇÃO

Devido às limitações naturais da memória individual, o homem passou a


procurar meios de compensá-la com o uso de recursos externos, como é possível
observar em As we may think, de Vannevar Bush (1945), onde o autor sugere o uso
de memórias artificiais como forma de compensar a impossibilidade de absorver e
memorizar tudo. Assim, seriam fixados em um suporte físico símbolos que
remetessem às ideias, com o intuito de lembrá-las ou mesmo transmiti-las e
armazená-las, transferindo aquilo que estaria junto à mente do indivíduo para um
registro que pudesse ser compartilhado e acessado por outras pessoas. Desse
modo, o conhecimento humano pôde evoluir e também perdurar, tendo valor para os
indivíduos que o originaram e para todos aqueles que acessarem.
Isso resultou mais tarde na origem da escrita, o mais remoto subsídio à
memória utilizado pelo homem, uma vez que “com o advento da escrita, os fatos
poderiam ser registrados em suporte, não mais cabendo à memória humana a
exclusiva função de reter e preservar informações” (MONTEIRO; CARELLI;
PICKLER, 2008, p. 1). Com o passar do tempo, as inscrições já não eram mais
feitas em paredes, rochas e cavernas: a evolução dos suportes – passando pelas
placas de argila, papiro, pergaminho e mais tarde papel, que graças à evolução
científica e tecnológica – possibilitou que fossem registrados não apenas signos,
mas também sons, imagens fixas e em movimento.
Posteriormente, surge uma nova necessidade: possibilitar a organização e o
acesso a esses registros, resultando na criação das chamadas instituições de
memória ou lugares de memória, resguardariam os registros do conhecimento nas
suas diversas formas de materialização. Assim, passamos a conhecer o que hoje
são os arquivos, bibliotecas e museus, que, de acordo com Homulos (1990) não
fogem ao paradigma da preservação e disseminação da memória e da informação.
Nesses lugares surgiu também a necessidade de sistematização de práticas
de conservação o acesso aos registros. Assim, a organização, salvaguarda e os
meios de encontrar a informação partindo do critério temático acabariam por
relacionar informações dispersas em documentos nos variados suportes físicos de
que a biblioteca ou outro lugar de memória dispunha, otimizando o processo de
recuperação da informação.
Após o boom informacional ocorrido no período pós-Segunda Guerra,
agravaram-se os problemas de acesso e organização dos registros de informação
gerados e acumulados pela sociedade. Em contrapartida, as transformações sociais,
juntamente com o advento de inovações tecnológicas, abriram espaço para o
surgimento de novas áreas dentro das ciências, entre estas a Ciência da
Informação, que abarcou a tarefa de lidar e propor soluções para os problemas
relacionados à informação.
Além do desenvolvimento das tecnologias de informação, principalmente a
Internet, um volume crescente de documentos se encontra acessível, especialmente
relacionados à produção científica, cujos suportes de divulgação e armazenamento
têm migrado para formatos eletrônicos, resultando numa demanda por instrumentos
que facilitem o armazenamento e a recuperação dessas informações, contexto onde
estão inseridas as questões de Organização da Informação e do Conhecimento,
onde também transitam preocupações com curadoria digital e e-science.
Desse modo, o presente artigo tem como objetivo discutir questões relativas
à Organização da Informação e do Conhecimento, e como estas podem apresentar-
se como recursos/instrumentos para preservação da memória em contextos de
curadoria digital e e-science. Este estudo se justifica no fato de haver a necessidade
de organizar e preservar diversos tipos de documentos que compõem a memória
científica, preocupação que toma nova configuração com o contexto tecnológico,
influindo diretamente na forma como os registros de informação são tratados,
armazenados e acessados.

2 METODOLOGIA

Com o intuito de apresentar uma discussão acerca da Organização da


Informação e do Conhecimento como instrumento de preservação da memória em
contextos de curadoria digital e e-science, o percurso metodológico foi delineado
através da realização de uma investigação de cunho qualitativo, caracterizando-se
como uma pesquisa exploratória. A partir da pesquisa bibliográfica, que segundo
Lakatos e Marconi (2003) pode oferecer meios que possibilitam a definição e
resolução não apenas de questões já conhecidas, mas permitem que temáticas ou
problemas emergentes sejam investigados.
Para tanto, foi realizada a análise documental de literatura da área de
Ciência da Informação (CI), além da “[...] consulta a documentos, registros
pertencentes ou não ao objeto de pesquisa estudado, para fins de coletar
informações úteis para o entendimento e análise do problema” (MICHEL, 2009, p.
65). Foram consultados os Anais do Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da
Informação (Enancib), e periódicos especializados, tais como Revista Ibero-
Americana de Ciência da Informação, Informação & Sociedade, Informação &
Informação, dentre outros.
As investigações acerca do tema “curadoria digital” foram realizadas nos
Anais do Enancib, onde apenas dois artigos foram recuperados, um referente ao ano
de 2011 e outro de 2013, ambos citados no presente artigo.
Quanto à Organização da Informação e do Conhecimento, assim como
também a questão da preservação da memória foram consultados nos Anais do
Enancib e revistas especializadas.
Nesse sentido, o artigo desenvolve os conceitos das temáticas elencadas da
seguinte maneira: primeiramente estabelece conceituação e discussão acerca da
Organização da Informação e do Conhecimento, e como estas se relacionam com a
Memória enquanto ciência; em um segundo tópico, serão tratadas as perspectivas
conceituais acerca de curadoria digital e e-science, estabelecendo como suas
características no que tange à organização, acesso e disponibilidade podem estar
voltadas para as questões memoriais, a exemplo da preservação da informação e da
própria memória.

3 ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO: convergências


com a Memória

Para tratar de organização da informação e do conhecimento e sua relação


com a memória é necessário estabelecer alguns conceitos e discuti-los, uma vez
que abordar essas duas temáticas sem buscar um ponto em comum pode resultar
em interpretações divergentes do objetivo deste trabalho.
O surgimento e a evolução da organização da informação (OI) e do
conhecimento (OC) estão intimamente ligados ao tema memória. Isto porque as
pesquisas que versam sobre OC têm relação com aquelas dedicadas à história da
escrita e do próprio livro, uma vez que o processo de leitura engloba assimilar novas
informações e percepções, bem como o resgate de conhecimentos já alicerçados
por meio da memória individual, influenciada pela memória social.
Enquanto processo individual, o conhecimento se constitui, no entendimento
de Dahlberg (1995), em uma certeza subjetiva ou objetivamente conclusiva da
existência de um fato, não sendo transferível e podendo ser adquirido somente por
meio de reflexão (TRISTÃO; FACHIN; ALARCON, 2004). Também denominado de
conhecimento privado, diz respeito ao conhecimento armazenado na estrutura
cognitiva do indivíduo e apenas ele pode acessá-lo.
Já o conhecimento social ou público, é contraído coletivamente por uma
sociedade ou sistema social, igualmente disponível para todos os membros daquela
sociedade através de seus registros. Nesse sentido, para efeitos dessa pesquisa,
considera-se como conhecimento social aquele registrado e divulgado
(GUIMARÃES, 2000).
A necessidade de diferenciar esses dois tipos de conhecimento está na
questão da disponibilidade, uma vez que o conhecimento social está, a princípio,
acessível através de consulta aos registros para aqueles que compõem a sociedade,
sendo, portanto, esse tipo de conhecimento que se encontra armazenado em
sistemas de recuperação da informação (KEMP, 1976).
Por isso, Gomes (2009, p. 61) assinala que “no contexto da OC,
conhecimento se refere a conhecimento científico e, mais especificamente, a
conhecimento público, o qual é divulgado e disponibilizado ao público por meio de
documentos”, ou seja, a comunicabilidade é uma das principais características do
conhecimento científico.
O conhecimento social na perspectiva científica é fundamental para os
arquivistas, bibliotecários, museólogos e cientistas da informação, uma vez que
constitui a base para as mais diversas atividades que são desenvolvidas no âmbito
da Documentação, Biblioteconomia e Ciência da Informação, a exemplo da
Organização da Informação e do Conhecimento.
Brascher e Café (2008) assinalam que é comum que os termos organização
do conhecimento (OC) e organização da informação (OI) sejam utilizados na mesma
perspectiva, designando, muitas vezes, os mesmos processos, sendo necessário,
pois, diferenciá-los. Nesse sentido, as autoras observam que a OI trata de
(...) um processo que envolve a descrição física e de conteúdo dos
objetos informacionais. O produto desse processo descritivo é a
representação da informação, entendida como um conjunto de
elementos descritivos que representam os atributos de um objeto
informacional específico. (...) No contexto da OI, temos como objeto
os registros de informação. Estamos, portanto, no mundo dos objetos
físicos, distinto do mundo da cognição [...] (BRASCHER; CAFÉ,
2008, p. 5).

Por outro lado, a OC também se preocupa em descrever conteúdos que


abrangem a elaboração de resumos, classificação e indexação, porém o enfoque
sempre abrange os conceitos (elementos cognitivos) e não os objetos informacionais
propriamente ditos e, nesse sentido, OC nos permite o mapeamento conceitual de
qualquer área do conhecimento, e, através da representação, os documentos
oriundos dos membros desses campos do saber se encontram nos lugares de
memória – as unidades de informação.
Assim, através de trabalhos terminológicos e terminográficos aplicados à
documentação pode-se recuperar documentos e informação a respeito da área ou
comunidade discursiva desejada, sendo possível que a memória documental seja
(re) construída.
Os documentos, independentemente do suporte onde estão registrados,
contribuem para o resgate e produção de memórias, de modo a trazer ao
conhecimento público fragmentos de informações que certamente ficariam perdidas
no tempo. Assim, é necessário também abrir espaço para os recursos tecnológicos,
que podem contribuir para o resgate do passado, e que não devem ser vistos como
ameaça à sobrevivência das tradicionais instituições, uma vez que diminuem as
dificuldades do pesquisador em localizar e obter as fontes de que necessita para
tecer a história ou aclarar suas pesquisas, conforme assinala Castro (2006).
Nesse sentido destacam-se também os Sistemas de Organização do
Conhecimento (SOC), que compreendem todos os tipos de esquemas que
organizam e representam o conhecimento, a exemplo das classificações,
taxonomias, tesauros e ontologias, e que podem integrar-se com as tecnologias e
sistemas de armazenamento e recuperação da informação, permitindo a
representação, recuperação e consequentemente a preservação da memória
científica.
Os SOC se configuram como sistemas conceituais semanticamente
estruturados que abrangem os termos de diferentes áreas, bem como definições,
relacionamentos e propriedades dos conceitos. “Na organização e recuperação da
informação, os SOC cumprem o objetivo de padronização terminológica para facilitar
e orientar a indexação e os usuários” (CARLAN; MEDEIROS, 2011, p. 54).
Diante desse contexto, onde a informação já nasce em formato eletrônico,
emergem questões referentes ao armazenamento, organização, acesso, dentre
outras preocupações que estão relacionadas à curadoria digital, assim como
também no que tange ao ponto de vista da informação científica que circula
atualmente em formato eletrônico, proporcionando o que se denomina de e-science,
que serão discutidos adiante.

4 CURADORIA DIGITAL E E-SCIENCE: convergindo com Organização da


Informação e do Conhecimento

Enquanto as possibilidades e capacidade de armazenamento da informação


cresceu, a longevidade dos meios de armazenamento diminuiu proporcionalmente.
“Além disso, a informação digital traz em sua essência a fragilidade diante da
constante evolução tecnológica, lançando desafios para a sua preservação e acesso
a longo prazo” (SIEBRA et. al, 2013, p. 2). Esse contexto nos coloca desafios de
gerenciamento, organização e acesso aos documentos que se tornaram ou já
nasceram digitais, o que suscita discussões sobre a Curadoria Digital.
Conceitualmente, ainda que essa definição encontre-se em evolução,
[...] já está estabelecido que a curadoria digital envolve a gestão atuante e
a preservação de recursos digitais durante todo o ciclo de vida de interesse
do mundo acadêmico e científico, tendo como perspectiva o desafio
temporal de atender a gerações atuais e futuras de usuário. Torna-se
claro, portanto, que subjacente às metodologias utilizadas pela curadoria
digital estão os processos de arquivamento digital e de preservação digital
[...] (SAYÃO; SALES, 2012, p. 184).

Siebra (et. al. 2013, p. 10) assinala que a curadoria digital pode ser entendida
“[...] como uma área de pesquisa e prática interdisciplinar que reflete uma
abordagem holística para o gerenciamento do objeto digital e inclui atividades que
abrangem todo o ciclo de vida desse objeto”. E destaca que de acordo com o Digital
Curation Center (DCC)1, a curadoria digital demonstra a ideia de conservar e agregar
valor à informação digital que esteja em uso hoje ou futuramente, onde as
preocupações relativas ao gerenciamento e preservação estarão presentes durante
todo o ciclo de vida do objeto digital, enquanto houver interesse do mundo
acadêmico e científico.
Nesse sentido, Oliveira (2010, p. 68) destaca que
do ponto de vista histórico, o aparecimento da memória eletrônica
traz várias implicações. A sociedade logrou do estado analógico para
o digital numa velocidade acelerada. As tecnologias intelectuais
evoluem em frações de tempo e inauguram possibilidades cada vez
maiores de armazenamento dos registros da memória digital, é um
contexto que evolui tão velozmente quanto a capacidade humana de
gerar informações.

Diante do exposto, apreendemos que a criação de bases de dados,


bibliotecas digitais ou repositórios institucionais, mesmo sendo questões de pauta
constante e necessária para a disseminação e armazenamento de informações de
natureza diversa por si só não é suficiente, pois a manutenção, preservação e
acesso devem estar inclusos no planejamento e no trabalho cotidiano.
Sayão (2005), pondera que além do armazenamento e alimentação de um
sistema de informações é necessidade a garantia do acesso contínuo ao conteúdo
documental, que dependerá também da expectativa de vida dos sistemas de
acesso, incluindo além da preservação/salvaguarda do artefato físico, a preservação
física das mídias de armazenamento e sua renovação quando se fizer necessário,
bem como formatos, equipamentos e preservação intelectual, no que concerne a
autenticidade e integridade.
Portanto, Curadoria Digital vai além da preservação digital e abrange
conceitos e práticas mais amplas durante o ciclo de vida do objeto digital, que são
considerados como “[...] um objeto de informação, de qualquer tipo e formato
expressa sob a forma digital” (YAMAOKA; GAUTHIER, 2013, p. 82), e classificados
em três classes:
Objeto físico - inscrição de sinais em uma mídia;
Objeto lógico - reconhecido e processado por software. Um software
aplicativo reconhece o formato do objeto, os tipos de dados e os dados de
formatação;


1
http://www.dcc.ac.uk/
Objeto conceitual - É o objeto reconhecido como uma unidade significativa
de informação, a exemplo de um livro, um contrato, um mapa ou uma fotografia,
conforme Yamaoka e Gauthier, (2013, p. 83), que também ponderam que o
conteúdo e a estrutura de um objeto conceitual devem ser contidos de alguma forma
no objeto lógico ou nos objetos que representam o objeto na forma digital, ou seja,
que sua descrição seja realizada através dos metadados, aproximando assim a
Organização da Informação e do Conhecimento das questões de curadoria digital.
Além do conceito de curadoria digital estar ligado às questões de
Organização da Informação e do Conhecimento, ele se aproxima do que a literatura
de Ciência da Informação chama de e-science, ou seja, a ciência do ponto de vista
tecnológico no que tange à necessidade de melhor captar, analisar, armazenar,
visualizar e preservar as informações científicas, tornando assim os sistemas de
computação um ponto crucial para o moderno ambiente de pesquisa, a exemplo dos
próprios repositórios institucionais, que muito contribuem no contexto brasileiro,
como forma de disseminação e acesso às informações científicas das instituições de
pesquisa.
Nesse cenário, é prudente refletir sobre a necessidade de um
tratamento adequado que viabilize o processo de armazenamento,
organização, busca, recuperação e preservação dos dados e das
informações geradas a partir desse tipo de pesquisa. Caso contrário
os dados coletados podem se tornar inelegíveis ou o que seria mais
drástico, se perder em um grande volume de dados, por falta de
tratamento técnico adequado (COSTA; CUNHA, 2014, p. 191).

É importante observar que a quantidade de publicações em cada área do


conhecimento, notadamente após a Segunda Guerra Mundial, segundo Solla Price
(1976 apud COSTA; CUNHA, 2014, p. 192), cresceu de forma exponencial, onde a
totalidade de publicações duplica a cada dez ou quinze anos, fenômeno que origina
a chamada Big Science2. Então, como essa totalidade de dados será tratada?
Na Ciência da Informação, a e-science traz implicações sobre comunicação
científica, uma vez que as informações advindas da e-science são dados ou fontes
de informação científica primários, o que acarreta reflexões e modificações nos


2
A popularização do termo "Big Science" é de modo geral atribuída a um artigo escrito por Alvin
Weinberg, então diretor do Laboratório Nacional de Oak Ridge, publicado na revista Science em
1961, e se refere à nova configuração das ciências após a Segunda Guerra, onde o fomento às
pesquisas por parte dos governos desencadeou um crescimento destas, levando ao
compartilhamento do conhecimento científico e o consequente progresso para as diversas áreas do
saber.
serviços e produtos de informação, afetando diretamente bibliotecas digitais,
repositórios institucionais etc, exigindo ponderações sobre preservação e curadoria
digital.
(...) dados e informações digitais gerados pelas atividades de
pesquisa necessitam de cuidados específicos, tornando-se
necessário a criação de novos modelos de custódia e gestão de
conteúdos científicos digitais que incluam ações de arquivamento
seguro, preservação, formas de acrescentar valor a esses conteúdos
e de otimização da sua capacidade de reuso [...]. É nesse ambiente
que surge o conceito de curadoria digital de dados científicos
(SAYÃO; SALES, 2012, p. 180).

Dessa forma, percebe-se que aliar a Organização da Informação e do


Conhecimento com práticas de curadoria digital é
[...] uma prática que visa promover a agregação de valor aos objetos
informacionais e a disseminação dos mesmos como uma maneira de
superar a grande quantidade de conteúdos informacionais
disponíveis e a escassez do tempo e da atenção para avaliá-los
(ASSIS; MOURA, 2011, p. 399).

Nesse sentido, podemos observar convergências da curadoria digital, e-


science e Organização da Informação e do Conhecimento, uma vez que na gestão
de conteúdos e nas formas de agregar valor, temos os metadados e os padrões de
descrição das informações, a exemplo do Dublin Core, o Marc 21 (Machine
Readable Catalogin), que podem contribuir para a integração e intercâmbio de
dados, bem como as questões ligadas ao conteúdo documental, como o método de
indexação, o vocabulário adequado ao sistema, a manutenção das terminologias
das ciências.
Carlan e Medeiros (2011, p. 56) destacam que os Sistemas de Organização
do Conhecimento podem ser amplamente utilizados em serviços de informação em
ambientes Web, e “[...] constituem o ‘coração’ dos Sistemas de recuperação da
Informação das bibliotecas, museus e arquivos”.
Relacionando-os com a curadoria digital, temos o desenvolvimento modelos
e especificações para aliar os SOC tradicionais a padrões inteligíveis pelas
máquinas, a exemplo do Simple Knowledge Organization System (SKOS),
desenvolvido pelo World Wide Web Consortium (W3C)3. “SKOS usa uma sintaxe
flexível de XML/RDF que fornece estrutura para publicação dos termos usados nos


3
http://www.w3.org/
SOC e seus relacionamentos para dar suporte às buscas, mapeamentos e conexões
[...]” (CARLAN; MEDEIROS, 2011, p. 56).
Exemplos de Sistemas de Organização da Informação que podem ser
largamente utilizados por bibliotecas e repositórios digitais, contribuindo para a
comunicabilidade e preservação da memória científica, assim como alinhamento à
curadoria digital são as taxonomias e as ontologias, que se somam às questões
ligadas à descrição dos documentos e a indexação.
As taxonomias tem sido utilizadas para a criação de metadados ou termos
para descrever objetos informacionais, com foco na recuperação da informação e na
categorização, dando suporte para organização de conteúdos das páginas na Web,
como também para mineração de dados. Uma taxonomia racionaliza o processo de
busca, pois se adequa à necessidade dos usuários e do conteúdo que organiza,
conforme Carlan e Medeiros (2011).
As autoras ainda destacam as ontologias promovem e facilitam a
interoperabilidade entre sistemas de informação, e citam Noy e McGuiness (2001)
com os motivos para considerar a sua utilização: a) compartilham conhecimento
comum entre estruturas de informação e agentes de software; b) permitem que o
conhecimento seja reutilizado; c) possibilita que num domínio de conhecimento
sejam feitas inferências; e) analisa o conhecimento estruturado trazendo resultados
mais relevantes.
Assim, ao compreender e utilizar o campo conceitual da comunidade de
usuários traduzindo-o em possibilidades de recuperação cada vez mais próximas
das suas necessidades e perspectivas configura-se um meio de preservação e
valorização da memória de uma área do conhecimento, através da Organização da
Informação e do Conhecimento.
Além do mais, a OI e a OC muito tem ajudado às proposições acerca da e-
science no que se refere ao gerenciamento de conteúdo e planejamento da
disposição das informações, como as categorias ou taxonomias em bases de dados
e as próprias questões de vocabulário e terminologias para representação e
recuperação por parte dos usuários. Enfim, tal temática perpassa as diversas
tipologias documentais e tipos de sistemas de informação.

5 DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS


A necessidade de desenvolver uma extensão da memória biológica, a
preocupação com o registro das ideias e a possibilidade de acessar posteriormente
esses registros surge ao mesmo tempo que as primeiras formas de escrita, que
foram a alternativa encontrada para que pudessem ser repassadas às gerações
futuras os acontecimentos, histórias e fatos.
Podemos observar essas mesmas preocupações de modo contemporâneo
ao longo da história das ciências, cujos registros sempre foram as formas das
gerações mais modernas resgatarem, entenderem e formularem novas respostas
aos questionamentos que se desdobram juntamente com o avanço dos séculos e as
mudanças da sociedade.
Assim, o crescimento exponencial das áreas do saber, especialmente nas
primeiras décadas do século XX, proporcionou o que muitos chamam de Big
Science, além do fato de haver uma maior popularização das publicações científicas
especializadas ao longo dos anos, levando ao incremento exponencial do número de
publicações, o que fatalmente demanda maiores esforços para gerenciar, organizar,
armazenar, disseminar e preservar essa massa documental.
Somado a esse cenário o fato de a tecnologia reinventar-se cada vez mais
rápido, podemos observar a efemeridade que diversas mídias e materiais adquirem,
o que pode significar problemas quanto à preservação dos suportes de informação,
e consequentemente o acesso aos documentos, além da preocupação em garantir
que esses dados perdurem.
Nesse sentido, a curadoria digital tem-se preocupado com a gestão e a
preservação de recursos digitais durante todo o ciclo de vida do objeto digital
enquanto houver interesse do mundo acadêmico e científico, onde o desafio é
atender às gerações atuais e futuras de usuário.
Junto a esse conceito estão incluídas a preservação digital da informação
científica e também a Organização da Informação e do conhecimento, como formas
de garantir não apenas o correto armazenamento e manutenção, mas também a
acessibilidade e encontrabilidade desses objetos, uma vez que diante de uma
massa documental formada por milhares de registros, as metodologias de
organização e representação devem ser pauta permanente em qualquer sistema de
informações, desde a descrição catalográfica, como também de conteúdo e campo
conceitual.
Face ao exposto, é importante reafirmar não apenas a preocupação em
etapas isoladas do ciclo de vida dos documentos em um sistema de informação
digital, mas a necessidade de trabalhar sempre uma visão holística, ou seja, do todo,
desde sua entrada no sistema, passando pela manutenção (readequação da
descrição física e de conteúdo, ou mesmo do formato da mídia de armazenamento,
etc), até o fim de sua ‘validade’, que pode ocorrer em meses, ou mesmo décadas,
uma vez que enquanto instrumento de preservação da memória, mesmo a
informação considerada obsoleta pode contribuir como parâmetro de comparação ou
de entendimento de uma área do saber. Neste sentido a preocupação está não
apenas com a preservação digital, mas também pelo fato de tornar-se um
instrumento de preservação da memória científica, contribuindo para o progresso da
ciência.
O presente artigo buscou discutir questões relativas à Organização da
Informação e do Conhecimento, e como estas se configuram como
recursos/instrumentos para preservação da memória em contextos de curadoria
digital e e-science, e dessa forma, é mister apontar a necessidade de investigações
mais aprofundadas e reflexões mais amplas, além de ter observado a relevância das
temáticas abordadas para a Ciência da Informação, Memória e Tecnologia, pois,
diante do cenário contemporâneo, as ciências aproximam-se e necessitam de
transversalidade para que possam ser compreendidas face ao passado e projetadas
quanto à sua evolução, uma vez que a sociedade da informação não mais permite
que existam grandes abismos entre os campos do saber, mas sim interligações e
interdependências.

REFERÊNCIAS

ASSIS, J.; MOURA, M. A. Indicadores de qualidade da informação em sistemas


baseados em folksonomia: uma abordagem semiótica. In: Encontro Nacional de
Pesquisa em Ciência da Informação, 12, 2011, Brasília, Anais. Brasília: ANCIB,
2011. Disponível em:
https://www.ufpe.br/ppgci/images/publicacoesdocentes/fabiopinho/gt2.pdf Acesso
em 19 outo. 2015.

BRÄSCHER, M.; CAFÉ, L. Organização da Informação ou Organização do


Conhecimento? In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO, 9, 2008, São Paulo, Anais. São Paulo: ANCIB, 2008. Disponível em:
http://enancib.ibict.br/index.php/enancib/ixenancib/paper/viewFile/3016/2142. Acesso
em: 30 out. 2011.

BUSH, V. As we may think. The Atlantic Monthly, julho, 1945. Disponível em:
http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1945/07/as-we-may-think/303881/
Acesso em 16 out. 2012.

CARLAN, E. MEDEIROS, M. B.B. Sistemas de Organização do Conhecimento na


visão da Ciência da Informação. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação,
Brasília,v. 4, n. 2, p. 53-73, ago./dez.2011.

CASTRO, C. A. Biblioteca como lugar de memória e eco de conhecimento: um olhar


sobre “O Nome da Rosa”. Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da
Informação, v. 4, n. esp., p. 01-20, 2006. Disponível em:
http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rdbci/article/view/2026. Acesso em 17
dez. 2011.

COSTA, M. M.; CUNHA; M. B. O bibliotecário no tratamento de dados oriundos da e-


science: considerações iniciais. Perspectivas em Ciência da Informação, v.19, n.3,
p.189-206, jul./set. 2014. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1981-5344/1900.
Acesso em 18 ago. 2015.

DAHLBERG, I. Current trends in knowledge organization. In: GARCÍA MARCO, F. J.


(Ed.). Organización del conocimiento en sistemas de información y documentación.
Zaragoza: Librería General, 1995. p. 7-25.

GOMES, H. E. Tendências da pesquisa em organização do conhecimento. Pesq.


bras. Ci. Inf., Brasília, v.2, n.1, p.60-88, jan./dez. 2009.

HOMULOS, P. Museums to libraries: a family of collecting institutions. Art Libraries


Journal, v. 15, n. 1, p. 13-11, 1990.

GUIMARÃES, J. A. C. Politicas de análisis y representación para la gestión del


conocimento en las organizaciones. Scire, Zaragoza, v. 6, n. 2, p. 48-58, jul/dic.
2000.

KEMP, D. A. The nature of knowledge: an introduction for librarians. London: C.


Bingley, 1976.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Fundamentos de metodologia científica. 5.


ed. São Paulo: Atlas 2003.

MICHEL. M. H. Metodologia e Pesquisa científica em ciências sociais: um guia


prático para acompanhamento da disciplina e elaboração de trabalhos monográficos.
São Paulo: Atlas, 2009.

MONTEIRO, S. D.; CARELLI, A. E.; PICKLER, M. E. V. A Ciência da Informação,


Memória e Esquecimento. DataGramaZero, v.9, n.6, dez/2008. Disponível em:
http://www.datagramazero.org.br/dez08/Art_02.htm. Acesso em 16 out. 2012.
NOY, N. F.; McGUINNESS, D. L. Ontology Development 101: A Guide to Creating
Your First Ontology. Stanford University: Stanford, 2001. Disponível em:
http://protege.stanford.edu/publications/ontology_development/ontology101.pdf
Acesso em: 18 out. 2015.

OLIVEIRA, H. P. C. de. Afrodescendência, memória e tecnologia: uma aplicação do


conceito de informação etnicorracial ao projeto “A Cor da Cultura”. 2010. Dissertação
(Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Federal da Paraíba, João
Pessoa, 2010. Disponível em:
http://rei.biblioteca.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/115/1/HPCO31012013.pdf.
Acesso em: 28 ago. 2015.

SAYÃO, L. F. Preservação digital no contexto das bibliotecas digitais: uma breve


introdução. In: MARCONDES, C. H.; KURAMOTO, H.; TOUTAIN, L. B.; SAYÃO, L.
F. (Org.). Bibliotecas digitais: saberes e práticas. Salvador: UFBA, 2005. p. 115-145.
Disponível em:
http://livroaberto.ibict.br/bitstream/1/1013/1/Bibliotecas%20Digitais.pdf. Acesso em:
14 ago. 2015.

SAYÃO, L. F.; SALES, L. F. Curadoria geral: um novo patamar para a preservação


de dados digitais de pesquisa. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 22, n. 3, p.
179-191, set./dez. 2012. Disponível em:
http://www.ies.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/viewFile/12224/8586. Acesso em: 09
ago. 2015.

SIEBRA, S. A. et. al. Curadoria digital: além da questão da preservação digital. In:
ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 14, 2013,
Santa Catarina, Anais. Santa Catarina: ANCIB, 2013. Disponível em:
http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/curadoria_digital_0.pdf. Acesso em:
18 ago. 2015.

SMIT, J. W. Arquivologia/biblioteconomia: interfaces das ciências da informação.


Informação & Informação, Londrina, v. 8, n. 1, jun./dez. 2003.

TRISTÃO, A. M. D; FACHIN, G. R. B.; ALARCON, O. E. Sistema de classificação


facetada e tesauros: instrumentos para organização do conhecimento. Ci. Inf.,
Brasília, v.33, n.2 maio/ago. 2004.

YAMAOKA, E. J.; GAUTHIER, F. O. Objetos digitais: em busca da precisão


conceitual. Inf. Inf., Londrina, v. 18, n.2, p. 77 – 97, maio/ago. 2013. Disponível em:
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/16162/13077.
Acesso em: 26 ago. 2015.

Você também pode gostar