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Habilidade Clínicas para

Farmacêuticos do
Serviço Público
Módulo 5. Saúde Mental
Cassyano J Correr; Michel Otuki; Paula Rossignoli

Novembro de 2010
OBJETIVO GERAL

O Módulo IV – Saúde Mental – aborda, por Expediente:


meio de artigos selecionados e casos clínicos, Guia de referência do curso “Habilidades
as questões mais relevantes em termos de Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público
de Saúde” – Módulo V – Saúde Mental
saúde mental e uso de medicamentos em
Guia Elaborado por:
transtornos psiquiátricos. É dada também
Cassyano J. Correr
especial atenção aos aspectos do Farmacêutico, Ph.D., M.Sc.
Departamento de Farmácia
relacionamento farmacêutico-paciente, Universidade Federal do Paraná - UFPR
tratando de aspectos como o vínculo e a
Michel F. Otuki
dinâmica transferencial. O objetivo é fornecer Farmacêutico, Ph.D., M.Sc.
Departamento de Ciências Farmacêuticas
os subsídios técnicos e clínicos para a provisão Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG

de serviços farmacêuticos clínicos a esses Paula S. Rossignoli


Farmacêutica, M.Sc.
pacientes. Núcleo de Ciências da Saúde
Universidade Positivo - UP

Organização :

Comissão de Serviço Público – CRF-PR

Coordenação Geral do Curso:


Natália Maria Maciel Guerra

Vice-Coordenação:
Deise Sueli de Pietro Caputo

Coordenação Didática:
Cassyano Januário Correr

Apoio:

Conselho Regional de Farmácia do Estado do


Paraná – CRF-PR

Associação Paranaense de Farmacêuticos –


ASPAFAR

Grupo de Pesquisa em Prática Farmacêutica -


UFPR

Novembro de 2010
Curitiba, PR

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CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

 Acolhimento do paciente e cidadania


 Relacionamento Profissional – Paciente
 Vínculo e responsabilidade da equipe
 A rede de atenção à saúde mental
 Classificação dos transtornos psíquicos
 Depressão
 Transtorno Bipolar
 Ansiedade

LEITURA COMPLEMENTAR RECOMENDADA

Ministério da Saúde. Legislação em Saúde Mental. Centro Cultural da Saúde/CGDI. 48 p. Disponível em:
http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/zip/02_0618_M.zip

García A, Gastelurrutia, MA. Guía de Seguimiento Farmacoterapéutico sobre DEPRESIÓN. Universidad


de Granada. 56 p. Disponível em: http://www.ugr.es/~cts131/esp/guias/GUIA_DEPRESION.pdf

Ministério da Saúde. Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil. 56 p. Disponível em:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/relatorio_15_anos_caracas.pdf

Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais. Atenção em Saúde Mental – SUS. 238 p. Disponível em:
http://www.saude.mg.gov.br/publicacoes/linha-guia/linhas-guia/LinhaGuiaSaudeMental.zip

3
http://amacaca.files.wordpress.com/2010/05/saude_mental1.jpg

APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO FARMACÊUTICO-PACIENTE

 Acolhimento do Paciente
 Relação Transferencial
 Modelos de Relacionamento

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29/10/2010

A Relação
Farmacêutico-Paciente
No Contexto da Atenção Farmacêutica

Antônio Mainieri
Psicólogo Clínico (Esp.)
Instituto de Geriatria e Gerontologia do Paraná

Parte I
O Vínculo Profissional

Vínculo Profissional

• Não existe prática clínica sem o contato


com o p
paciente.

• Ter contato não significa ter vínculo.

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <3>

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Vínculo Profissional

• Supõe uma empatia mínima, um desejo


assumido de aproximação para melhor
compreensão da pessoa enferma ou
adoecida.

• Na vinculação o paciente deixa de ser


um “caso” para ser considerado
pessoa.
Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <4>

Vínculo Profissional

• Basta uma disposição primária no


profissional em relacionar-se com o
paciente de modo mais humano,, mais
p
personalizado, menos objetalizado.

• A vinculação do profissional com seu


paciente o alimenta afetivamente.

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <5>

Vínculo Profissional

• O paciente, principalmente em fase


aguda, sofre naturalmente de uma
regressão em sua personalidade.

• Fica carente, solicitando muita atenção.


Seu núcleo narcíseo é estimulado e
passa a sentir-se o centro do mundo ou
o pior dos excluídos.

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <6>

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Critérios Do Vínculo
Profissional Em Saúde

EQÜIDISTÂNCIA

“É o espaço que necessita para não


perder o foco”

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <7>

Critérios Do Vínculo
Profissional Em Saúde

EQÜIDISTÂNCIA
• Espaço de manobra suficiente para lidar não
neuroticamente com estas vivencias (as
trazidas pelo paciente) e desenvolver uma
relação mais adequada e saudável.

• O paciente projeta pesado no profissional e


este sente o golpe. Como reflexo defensivo
disso temos alienação e objetalização do
paciente.
Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <8>

Critérios Do Vínculo
Profissional Em Saúde

VIGILÂNCIA PARA O NÃO JULGAMENTO


MORAL DO PACIENTE

“Julgar automaticamente em qualquer nível


pode embaraçar o relacionamento e até o
raciocínio clínico”

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <9>

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Critérios Do Vínculo
Profissional Em Saúde

VIGILÂNCIA PARA O NÃO JULGAMENTO


MORAL DO PACIENTE

• O reflexo que se desenvolve no lugar do


julgamento é o da compreensão

• Vincular com eqüidistância e sem julgamento


moral saneia o procedimento profissional.

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <10>

Critérios Do Vínculo
Profissional Em Saúde

Noção do LIMITES e RESPONSABILIDADES


do PODER DE INFLUENCIA sobre o
PACIENTE

• A cilada da ONIPOTÊNCIA é muito sedutora

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <11>

Critérios Do Vínculo
Profissional Em Saúde

ELUCIDAR PARA SI O TEMA CENTRAL DA


QUEIXA

• Compreensão simbólica dos dramas


existenciais que se misturam ao sofrimento
atual

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <12>

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Critérios Do Vínculo
Profissional Em Saúde

Eqüidistância, a Vigilância para o não


Julgamento Moral, Vigilância Quanto à
Cil d do
Cilada d Poder
P d e a Compreensão
C ã
Simbólica do Processo pelo Qual o
Paciente Está Passando;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <13>

Critérios Do Vínculo
Profissional Em Saúde

• São Aspectos que auxiliam na higienização


da vinculação do profissional;

• A base psicológica mais profunda da


vinculação profissional é a relação
transferêncial

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <14>

Parte II
A Relação Transferencial

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A Relação Transferencial

• Observa-se em qualquer relacionamento


humano

• A relação profissional de saúde e paciente é


recheada de vivências trasferênciais

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <16>

A Relação Transferencial

• O paciente joga inconscientemente seus


conteúdos sobre o profissional, este também
projeta
p j os seus sobre o ppaciente ((relação
ç
transferêncial)

• O jogo transferêncial se dá sempre


independentemente da vontade e da atenção

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <17>

A Relação Transferencial

• É inútil querer evitar esse fenômeno

• O importante é identificá-lo, compreendê-lo e


utilizá-lo a favor da relação profissional-
paciente

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <18>

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A Relação Transferencial

• É necessário perceber o paciente e a si


mesmo, como ele está e como o profissional
está,, o q
que cada um p provoca no outro,,
perceber a alternância de sentimentos de
cada pólo

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <19>

A Relação Transferencial

• Muitas vezes, os pacientes não querem ficar


bons, não querem se curar, e o cúmplice
inocente nessa história é o profissional de
saúde, que “curte” de forma narcísea e
distraidamente ser o pólo do qual sua
clientela depende

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <20>

A Relação Transferencial

• Não zelar para que o paciente não acenda


sua própria força de cura é omitir-se de um
passo fundamental, é operar de forma não
profissional

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <21>

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A Relação Transferencial

• A “Cura Transferêncial” é um termo que se


aplica ao “Efeito Placebo”

• Um paciente pode se sentir melhor só pelo


fato de estar sendo atendido (ouvido).

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <22>

A Relação Transferencial

Sentimentos contratranferenciais:

• Toda pessoa carrega consigo seu pacote


pessoal de complexos afetivos (tecidos
psíquicos permanentemente inflamados)

• Tocou Æ doeu

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <23>

A Relação Transferencial

Sentimentos contratranferenciais:

• A relação enquanto vivência transferêncial, envolve


complexos dos dois lados;

• Cada profissional acaba, sem perceber muito,


“cultivando uma clientela que se adapta ao seu jeito
de ser”

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <24>

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A Relação Transferencial

Sentimentos contratranferenciais:

• O profissional que não se comove, sempre frio, sem


nunca perder a pose, soberbo, acima dos
sentimentos humanos. Isto nada mais é que uma
defesa psicológica grave. Desumaniza, substitui o
sentimento e o calor da troca humana pelo valor
relativo do conhecimento técnico, e ainda objetaliza o
paciente

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <25>

A Relação Transferencial

CIRCUITO DA COMUNICAÇÃO NA RELAÇÃO


TRANSFERENCIAL

• O circuito de comunicação da relação


transferêncial pode ser vivido benéfica ou
maleficamente

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <26>

CIRCUITO DA COMUNICAÇÃO NA RELAÇÃO


TRANSFERENCIAL

Profissional Paciente

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <27>

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A Relação Transferencial

CIRCUITO DA COMUNICAÇÃO NA RELAÇÃO


TRANSFERENCIAL

• Não identificar os próprios diálogos e não senti-los


no paciente é deixar correr uma torneira aberta,
que pode inundar o consultório de ressentimentos
e adversidades ou outras situações estranhas à
consulta propriamente dita;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <28>

Categorias da Relação
Profissional Paciente

PROFISSIONAL PACIENTE

• A) sujeito -------------------------------------------- objeto

• B) sujeito -------------------------------------------- sujeito

• C) objeto --------------------------------------------- sujeito

• D) objeto --------------------------------------------- objeto

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <29>

Relação Sujeito-Objeto

• É a forma de comunicação mais comum;

• Não considera o paciente em condições


de opinar sobre si próprio ou sua
doença;

• Anula sua condição primária de sujeito e


deixa-se reduzir;
Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <30>

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Relação Sujeito-Objeto

• Esta é a posição que mais causa intoxicação


psíquica;

• P
Porque o profissional
fi i l fi
fica com as d
duas partes
t
de sujeito (a dele e a do paciente) projetadas
sobre ele;

• Toda responsabilidade é carregada sobre o


profissional;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <31>

Relação Sujeito-Objeto

• Aos poucos o profissional fica


desnutrido;

• Esta vinculação assemelha-se ao tipo:

• Pai-Filho
• Mestre-Discípulo

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <32>

Relação Sujeito-Objeto

• É importante lembrar que o paciente


nunca é objeto absolutamente;

• Ele não “entrega o ouro”, sente-se


acolhido, mas também acuado;

• O agente curador interno fica anulado;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <33>

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Relação Sujeito-Sujeito

• É a mais idealizada;

• Nesta relação há espaço de honra para


opiniões, vivências e histórico do
paciente;

• O profissional não se coloca como


“todo poderoso”;
Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <34>

Relação Sujeito-Sujeito

• Esta relação ativa o poder autocurativo do


paciente;

• Este é colocado na posição de co-autor de


seu processo de cura;

• Neste lugar, o paciente pode aceitar levar


uma “carta” do farmacêutico ao médico;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <35>

Relação Sujeito-Sujeito
• Nesta relação o profissional ensina no
intuito de municiar a autonomia do
paciente;

• E não aumentar a dependência e


admiração deste;

• É o papel de orientador de qualquer


profissional da saúde;
Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <36>

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Relação Sujeito-Sujeito
• É muito mais fácil tentarmos nos fixar no
velho método científico, e deixarmos o resto
de lado (sujeito-objeto);

• Os pacientes requerem de nós uma


preparação à altura de sua importância;

• Se consideramos o paciente tão humano e


nobre quanto nós mesmos, então temos um
trabalho pela frente;
Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <37>

Relação Sujeito-Sujeito

• A Entrevista Farmacêutico-Paciente, no
acompanhamento farmacoterapêutico,
passa a incluir,, além da história
p
tradicional, o interesse pelo conteúdo
trazido pelo paciente;

“Acolhimento do paciente”

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <38>

Relação Objeto-Sujeito

• O profissional deixa-se levar pela


imposição ansiosa do paciente, que
sabe exatamente o q que q
quer e não
sai dali sem antes conseguir;

• O profissional apresenta-se sem força


do sujeito por razões pessoais, ou
institucionais;
Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <39>

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Relação Objeto-Sujeito

• Esta categoria é inspirada na relação


empregado-patrão;

• Essa posição proporciona que nada


seja mexido no paciente durante um
relacionamento;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <40>

Relação Objeto-Sujeito

• O paciente dá as cartas e só baixa o


jogo que lhe interessa;

• O profissional é figurante de luxo, um


servidor fiel e passivo;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <41>

Relação Objeto-Objeto

• Parece impossível, mas não é!

• Considere um situação de atendimento em


que ninguém está interessado, nem o
profissional, nem o paciente;

• O paciente vem para pegar um remédio ou


fazer uma injeção sem motivação além de
manter-se em auxílio doença;
Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <42>

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Relação Objeto-Objeto

• O profissional, manipulando
impessoalmente o material asséptico;

• Não há vida, só encenação e bocejos


disfarçados. O relógio é um tortura e o
tempo não passa;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <43>

Relação Objeto-Objeto

• A vivência transferencial é
predominantemente negativa, em
ambos os sentidos;

• Não há relação interpessoal, o que há


é satisfação de necessidades de
cumprimento de obrigações;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <44>

Categorias de Relação

• Essas quatro categorias cobrem o


universo possível na relação
profissional-paciente;
profissional paciente;

• De todas, a melhor é a relação


profissional sujeito - paciente sujeito;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <45>

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Categorias de Relação

• Não devemos ingenuamente imaginar


que será sempre possível converter
uma relação a essa categoria especial;

• Muitas situações impõem as outras


categorias, sem espaço para
alternativas;

Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <46>

Considerações Finais

• A economia que o profissional


pensaria estar fazendo em acionar
somente a abordagem analítica à
quall está
tá condicionado,
di i d ao invés
i é ded
se esforçar em compreender mais
abrangentemente a situação, é pura
ilusão.

<47>

Considerações Finais
• Um paciente não acolhido em sua
comunicação se frustra e frustra o
profissional porque acaba passando o
recado, de um jeito ou outro, que não
gostou
t d
do modo
d que o profissional
fi i l
conduziu a situação;

• Não foi entendido, não gostou de ser


reduzido a um objeto sem vida, sem
desejos, sem medos e necessidades;

<48>

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Considerações Finais

“R
“Regras para se ser h
humano””

<49>

“Regras para se ser humano”


Você receberá um corpo. Pode gostar dele ou
odiá-lo, mas ele será seu durante essa
rodada.

Você aprenderá lições.


lições Você está matriculado
numa escola informal de período integral
chamada VIDA. A cada dia nesta escola, terá
oportunidade de aprender lições. Você pode
gostar das lições ou considerá-las irrelevante
ou estúpida.

Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <50>

“Regras para se ser humano”


Não existem erros, apenas lições. O
crescimento é um processo de tentativa e
erro: experimentação. As experiências que
não deram certo fazem parte do processo,
assim como as bem sucedidas.

Cada lição será repetida até que seja


aprendida. Cada lição será apresentada a
você de diversas maneiras, até que a tenha
aprendido. Quando isso ocorrer, poderá
passar para a próxima.

Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <51>

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“Regras para se ser humano”


O aprendizado nunca termina. Não existe
parte da vida que não tenham lições. Se você
esta vivo, há lições para aprender.

“Lá” não é melhor que “Aqui”. Quando o seu


“lá” se tornar “aqui”, você simplesmente
encontrará outro “lá”, que parecerá
novamente melhor do que o “aqui”.

Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <52>

“Regras para se ser humano”


Os outros são apenas seus espelhos. Você não pode
amar ou detestar algo em outra pessoa, a menos
que isso reflita algo que você ama ou detesta em si
mesmo.

O que fizer de sua vida é responsabilidade sua. sua


Você tem todos os recursos que necessita; o que
fará com eles é de sua responsabilidade. A escolha é
sua.

As respostas estão dentro de você. Tudo o que tem


a fazer é analisar, ouvir e acreditar.

Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <53>

“Regras para se ser humano”

VOCÊ SE ESQUECERÁ DE
TUDO ISTO
ISTO...

Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <54>

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INSÔNIA

http://www.senado.gov.br/portaldoservidor/jornal/jornal77/Imagens/insonia.jpg

5
Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):31-4

atualização

Insônia primária: diagnóstico diferencial e tratamento


Primary insomnia: differential diagnosis and treatment
Jaime M Monti
Departamento de Farmacologia e Terapêutica do Hospital das Clínicas, Montevidéu, Uruguai

Resumo A insônia primária é uma dissonia caracterizada pela dificuldade em iniciar e/ou manter o sono e pela sensação de
não ter um sono reparador durante um período não inferior a 1 mês. Do ponto de vista polissonográfico, é
acompanhada de alterações na indução, na continuidade e na estrutura do sono. Geralmente aparece no adulto
jovem, é mais freqüente na mulher e tem um desenvolvimento crônico. A insônia primária é observada de 12,5%
a 22,2% dos pacientes portadores de insônia crônica, sendo precedida em freqüência somente na insônia de
depressão maior.
A insônia primária crônica deve se diferenciar da insônia vinculada a uma higiene inadequada do sono, uma
síndrome depressiva ou um transtorno de ansiedade generalizado.
O tratamento da insônia primária inclui: higiene adequada do sono, terapia cognitiva e de conduta e uso de
fármacos hipnóticos. Entre esses últimos, se destacam o zolpidem e a zopiclona, que melhoram significativamente
o sono sem alterar sua estrutura ou induzir a uma reincidência da insônia logo após uma interrupção brusca. Além
disso, o desenvolvimento de fármaco-dependência e de vício é muito pouco freqüente.

Summary Primary insomnia is a dyssomnia characterized by a complaint of difficulty in initiating or maintaining sleep and
the absence of restorative sleep that lasts for at least 1 month. The polysomnographic test shows alterations in
the induction, continuity and structure of sleep. Primary insomnia typically begins in young adulthood, has a
chronic course, and it is more prevalent among women. Its prevalence among patients with chronic insomnia
ranges from 12.5% to 22.2%. Primary insomnia must be distinguished from insomnia related to inadequate sleep
hygiene or another mental disorder, such as generalized anxiety disorder or a mood disorder.
The treatment of primary insomnia consists of nonpharmacological strategies (sleep hygiene, behavior-cognitive
therapy) and sleep-promoting medication (e.g. hypnotics). Few differences exist between benzodiazepines, zopiclone
and zolpidem in terms of effectiveness in inducing and maintaining sleep. However, in contrast to benzodiazepines,
zolpidem and zopiclone do not suppress slow-wave sleep. Rebound insomnia and drug addiction are uncommon.

A insônia primária no contexto das dissonias Características clínicas da insônia primária


Dentro das alterações do sono, encontram-se os transtor- Dentro das dissonias se encontra a insônia primária, cujas
nos primários do sono. A etiologia desses últimos não se características fundamentais são a dificuldade para iniciar ou
relaciona com uma afecção psiquiátrica, uma doença médica manter o sono e a sensação de não ter tido um sono reparador
ou dependência a um fármaco,1 o que leva a sugerir que po- durante período não inferior a 1 mês. O transtorno do sono
deria estar ligada a alterações dos mecanismos que regulam pode dar lugar a um mal-estar clinicamente significativo ou a
o sono e a vigília, agravados com freqüência por fatores de uma deterioração social no trabalho ou em outras áreas impor-
condicionamento. tantes de atividade do paciente.
Os transtornos primários do sono se subdividem em dissonias Freqüentemente o paciente com diagnóstico de insônia pri-
(caracterizadas por produzir sonolência diurna excessiva ou mária apresenta dificuldade para começar a dormir e acorda se-
dificuldade para iniciar e/ou manter o sono) e em parassonias guidamente durante a noite. É menos freqüente o paciente se
(caracterizadas pela presença de condutas anormais associa- queixar unicamente de não ter um sono reparador, isto é, ter a
das ao sono, tal como é o caso do sonambulismo e sonilóquia). sensação de que o sono foi inquieto e superficial.

31
Insônia primária Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):31-4
Monti JM

A insônia primária se associa habitualmente a um aumento sido feitos estudos genéticos e/ou familiares para resolver
do nível de alerta fisiológico e psicológico durante a noite, o problema.
junto a um condicionamento negativo para dormir. A preocu-
pação intensa e o mal-estar relacionados com a impossibilida- Desenvolvimento da insônia primária
de de dormir dão lugar a um círculo vicioso, pois quanto mais Os fatores que desencadeiam a insônia primária podem ser
o paciente tenta dormir, mais frustrado e incomodado se sen- diferentes daqueles que mantêm o processo. Na maioria dos
te, o que acaba dificultando o sono. Com freqüência os paci- casos, o início é repentino, coincidindo com uma situação de
entes dizem dormir melhor fora do seu quarto e do seu ambi- estresse psicológico (tristeza, afastamento de um familiar), so-
ente. A insônia crônica pode acarretar uma diminuição da sen- cial (perda do emprego, dificuldade econômica) ou médico
sação de bem-estar durante o dia, caracterizada pela alteração (iminência de uma intervenção cirúrgica). A insônia primária
do estado de ânimo e da motivação, diminuição da atenção, persiste geralmente muito tempo depois do desaparecimento
da energia e da concentração e aumento da sensação de fadi- da causa original, devido à presença de um nível elevado de
ga e mal-estar. alerta e de um condicionamento negativo.
Embora existam sintomas de ansiedade ou de depressão, eles
não permitem estabelecer o diagnóstico de um transtorno men- Incidência da insônia primária
tal. No entanto, a alteração crônica do sono, que caracteriza a Coleman et al6 analisaram 5.000 registros polissonográficos
insônia primária, constitui um fator de risco para o aparecimen- correspondentes a 11 Centros para o Estudo e Tratamento dos
to posterior de um transtorno de ansiedade ou depressão.2 Os Transtornos do Sono. As alterações do sono e da vigília foram
pacientes que apresentam insônia primária crônica utilizam de diagnosticadas de acordo com a nosologia proposta pela As-
maneira inadequada hipnóticos e álcool para favorecer o sono, sociação dos Centros para o Estudo do Sono7 e o sistema de
e bebidas com cafeína ou outros estimulantes para combater a classificação proposto pelo DSM-III.8 A amostra de 26% apre-
fadiga diurna. sentava dificuldade para o início e a manutenção do sono (in-
A Classificação Internacional dos Transtornos do Sono3 sônia). Aproximadamente 50% desses pacientes tinham um di-
considera a insônia psicofisiológica e a insônia idiopática agnóstico maior de depressão. Desses pacientes com insônia,
dentro das dissonias. Do ponto de vista clínico e 15% eram portadores de uma insônia psicofisiológica (que foi
polissonográfico existe uma grande semelhança entre essas assimilada à insônia primária).
entidades clínicas e a insônia primária. Deve-se assinalar que Mais recentemente, Buysse et al9 estudaram 216 pacientes que
na revisão sobre o tema, realizada por Reynolds et al 4 antes do se queixavam de insônia e caracterizaram seu tipo e freqüência de
aparecimento do DSM-IV, os autores concluíram que a evi- acordo com a Classificação Internacional dos Transtornos do
dência empírica existente sobre a confiabilidade e validade Sono,10 o DSM-IV1 e o ICD-10.11 De acordo com a Classificação
desses subtipos de transtornos do sono era limitada, e que Internacional dos Transtornos do Sono, o diagnóstico mais usu-
não existia uma base firme para abandonar o conceito de DSM- al foi a insônia associada a um transtorno do humor (32,2%),
III-R da insônia primária. seguido de uma insônia psicofisiológica (12,5%). Com relação ao
DSM-IV, os diagnósticos mais freqüentes foram de insônia rela-
Descobertas no laboratório do sono cionada à outra afecção psiquiátrica (44% dos casos) e de insô-
A polissonografia indica a existência de alterações da indução, nia primária (22,2% dos pacientes). Pode-se concluir, de acordo
da continuidade e da estrutura do sono. Dessa maneira, a latên- com estudos realizados em centros especializados, que entre
cia para o começo da etapa 2 do sono não-REM supera normal- 12,5% e 22,2% dos pacientes com insônia crônica apresentam um
mente 30 minutos. O tempo de vigília logo após o começo do diagnóstico de insônia primária crônica.
sono é superior aos 60-90 minutos e o número de vezes em que
a pessoa acorda durante a noite é com freqüência maior que 10. Diagnóstico diferencial
A duração do tempo total do sono não supera 5-6 horas e a A insônia primária deve diferenciar-se de:
eficiência do sono (relação entre o tempo que o paciente perma- 1) Higiene inadequada do sono (ver mais adiante).
nece deitado e o tempo durante o qual dorme) é geralmente 2) Transtorno afetivo. Isso é especialmente difícil na depressão
inferior a 80-85%.5 “mascarada” (quando o paciente não tem a sensação consciente
de tristeza ou de falta de esperança). A diferença se estabelece
Relação da insônia primária com a idade e o sexo com base na presença de signos da depressão, como o despertar
A insônia primária é muito pouco freqüente durante a infân- precoce na madrugada, a anorexia, a diminuição da libido, a varia-
cia e a adolescência. Aparece geralmente no adulto jovem (en- ção diurna do humor (pior durante a manhã), a constipação etc.
tre 20 e 30 anos) e se intensifica gradativamente. Com freqüên- Também devem ser levados em consideração a existência de even-
cia, o paciente procura ajuda médica vários anos depois da tos recentes que possam levar à depressão e de indicadores bioló-
insônia ter iniciado. gicos como a diminuição da latência para o começo do sono REM.
A insônia primária é mais freqüente na mulher. Parece 3) Transtorno de ansiedade generalizada. Esse diagnóstico
existir uma predisposição genética feminina para um sono se realiza quando os sintomas psicológicos e somáticos da an-
superficial e alterado, embora até o presente não tenham siedade são predominantes.

32
Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):31-4 Insônia primária
Monti JM

Tratamento da insônia primária REM (com sonhos). Além disso, depois de algumas semanas
A insônia primária é um transtorno multidimensional e seu de tratamento, começa a se observar a tolerância ao efeito hip-
tratamento deverá combinar medidas não farmacológicas e far- nótico em uma porcentagem elevada de pacientes. A retirada
macológicas. As estratégias não farmacológicas incluem a higi- brusca dos derivados benzodiazepínicos de ação hipnótica com
ene do sono e a terapia cognitiva e de conduta. vida média curta ou intermediária (midazolam 15 mg, triazolam
Em relação à higiene do sono, os pacientes serão aconse- 0,25 mg, flunitrazepam 1 mg) dá lugar a uma reincidência da
lhados a: realizar exercícios físicos exclusivamente durante a insônia (acima dos valores anteriores ao início do tratamento)
manhã ou nas primeiras horas da tarde; comer uma refeição que pode persistir durante 2 ou 3 noites. Outra complicação
leve acompanhada de ingestão de água limitada durante o freqüente durante o uso prolongado de benzodiazepínicos é o
jantar; evitar a nicotina, o álcool e as bebidas que contenham desenvolvimento de uma dependência aos fármacos e de um
cafeína (café, chá, infusão de erva-mate, bebidas “cola” e in- vício não inferior a 30-45% dos pacientes com insônia primária.
clusive o guaraná); providenciar que a cama, o colchão e a Os hipnóticos recentemente introduzidos (zopiclona 7,5 mg,
temperatura do quarto sejam agradáveis; regularizar a hora de zolpidem 10 mg) não modificam a estrutura do sono, ou seja,
deitar e levantar; utilizar o quarto somente para dormir; e man- não diminuem o sono com ondas lentas e o sono REM. A rein-
ter a atividade sexual. cidência da insônia logo após a suspensão brusca do tratamen-
Terapias de conduta têm sido desenvolvidas durante os últimos to é muito pouco freqüente, bem como o desenvolvimento de
anos para ajudar o paciente com insônia primária. As mesmas se uma dependência aos fármacos.17
dirigem a reduzir a ansiedade e a apreensão que, embora em grau Do ponto de vista subjetivo, esses fármacos diminuem o tem-
reduzido, incidem marcadamente no quadro clínico.12 A forma de po de indução do sono, aumentam sua duração e dão lugar a
terapia de conduta utilizada com maior freqüência é a de relaxamen- um sono reparador e tranqüilo.
to que compreende uma série de procedimentos, como relaxamen- Entre os efeitos adversos, observados durante a administração de
to muscular, meditação transcedental, ioga, biorretroalimentação e fármacos hipnóticos, incluem-se a sonolência e a fadiga durante as
controle de estímulos. Pode-se ainda acrescentar a terapia de con- primeiras horas da manhã. Os hipnóticos benzodiazepínicos alteram
duta.13 Segundo Montgomery et al,14 os tratamentos baseados a memória anterógrada e podem afetar negativamente a esfera cog-
unicamente no relaxamento muscular são de êxito limitado, en- nitiva e induzir disartria e ataxia em pacientes mais velhos e de tercei-
quanto os que se dirigem a melhorar o desamparo do paciente e a ra idade. A zopiclona causa o aparecimento de gosto amargo na
diminuir o alerta emocional e cognitivo são mais efetivos. boca, o que freqüentemente obriga a abandonar seu uso.
O uso de fármacos hipnóticos desempenha um papel impor- Embora a melatonina não seja um hipnótico, mas um
tante na administração da insônia primária. Diversos tipos de ressincronizador do sono, tem mostrado certa efetividade no
medicamentos têm sido utilizados como hipnóticos durante os tratamento da insônia primária leve ou moderada do idoso. Em
últimos anos. Os derivados benzodiazepínicos foram introduzi- um estudo recente, no qual se incluíram pacientes de terceira e
dos na década de 70 e têm sido indicados amplamente durante os quarta idade com insônia primária crônica, a melatonina em do-
últimos 25 anos.15 Recentemente três compostos não relaciona- ses de 3 mg deu lugar a um aumento clinicamente significativo
dos estruturalmente com os benzodiazepínicos passaram a estar do tempo total do sono em 5 de cada 10 pacientes.18
disponíveis para o uso clínico. Esses são, respectivamente, a Não existem normas estritas sobre a duração do tratamento
zopiclona (derivado da ciclopirrolona), o zolpidem (derivado da da insônia primária crônica com fármacos hipnóticos. Embora
imidazopiridina) e o zaleplon (derivado da pirazolopirimidina). O alguns autores sugiram que os hipnóticos não devem ser admi-
midazolam (derivado benzodiazepínico) e o zaleplon são fárma- nistrados durante períodos maiores de 1 a 2 meses, em muitas
cos de vida média de eliminação plasmática ultracurta (1 hora), circunstâncias é necessário prolongar o tratamento durante
enquanto o triazolam (derivado benzodiazepínico), o zolpidem e meses ou anos. Considera-se que privar pacientes com insônia
a zopiclona têm vida média curta (2h a 3,5h). Por outro lado, o primária severa de uma medicação efetiva, especialmente os
temazepam e o flunitrazepam (derivados benzodiazepínicos) têm hipnóticos que apareceram recentemente, pode alterar signifi-
vida média de duração intermediária (10h a 20h).16 cativamente a qualidade de vida familiar, social e do trabalho, e
Independentemente de sua estrutura química, todos os hip- levar em médio prazo ao aparecimento de um transtorno de
nóticos mencionados diminuem a latência para o início da etapa ansiedade ou uma síndrome depressiva.
2 do sono não-REM, o número de vezes que o paciente acorda Uma alternativa ao tratamento farmacológico contínuo é o
durante a noite e o tempo de vigília logo após o início do sono uso intermitente de um fármaco hipnótico (“em demanda”) de 4
em um paciente com insônia primária. Em geral, o incremento do a 5 dias por semana. Essa forma de administrar o hipnótico
tempo total de sono obtido com a zopiclona, o zolpidem e o pode ser aceitável em pacientes com insônia primária leve ou
temazepam oscila entre 6h e 8h. Por outro lado, o midazolam e o moderada. Fármacos como o zolpidem estão especialmente in-
zaleplon incrementam a duração do sono no máximo de 2h a 3h, dicados para esse tipo de tratamento, uma vez que a propensão
o que é um grave inconveniente para o paciente, uma vez que a uma reincidência da insônia, quando sua administração é sus-
ele acorda no meio da noite sem poder conciliar o sono. pensa durante 1 a 2 dias, é mínima.
Todos os hipnóticos benzodiazepínicos diminuem acentua-
damente o sono com ondas lentas (sono profundo) e o sono Fontes de financiamento e conflitos de interesse não declarados.

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Insônia primária Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):31-4
Monti JM

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10. Diagnostic Steering Committee, Thorpy JM, Chairman. ICSD: Montevideo 11300, Uruguay
International classification of sleep disorders: diagnostic and coding
Manual. Rochester, Minnesota: American Sleep Disorders Fax: (00xx59) 82 487-3787
Association; 1990. E-mail: jmonti@mednet.org.uy

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ATIVIDADE EM GRUPO

AB, masculino, 21 anos, estudante de farmácia, vai à farmácia com uma prescrição de diazepam 10 mg 1
comprimido à noite. O medicamento foi prescrito porque nas últimas 4 a 5 semanas ele tem apresentado insônia.
Embora não tenha dificuldade para pegar no sono e não acorde durante à noite, AB tem despertado
precocemente às 4h00. Durante o dia ele se sente muito cansado, ansioso e desanimado. Após 3 dias de uso do
diazepam ele retorna à farmácia queixando-se que ainda não consegue dormir adequadamente.

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ANSIEDADE

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Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico


e Tratamento

Autoria: Associação Brasileira de Psiquiatria


Elaboração Final: 24 de janeiro de 2008
Participantes: Versiani M

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal


de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar
condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas
neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta
a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.

1
Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

DIAGNÓSTICO

TRANSTORNO DE PÂNICO1,2(D )

A manifestação central do transtorno de pânico é o ataque


de pânico, um conjunto de manifestações de ansiedade com
início súbito, rico em sintomas físicos e com duração limitada
no tempo, em torno de dez minutos. Os sintomas típicos são:
sensação de sufocação, de morte iminente, taquicardia,
tonteiras, sudorese, tremores, sensação de perda do controle
ou de “ficar louco”, alterações gastrointestinais.

Os primeiros ataques de pânico costumam vir sem qualquer


aviso, de modo totalmente inesperado. Depois podem surgir a
partir de um nível maior de ansiedade, a ansiedade antecipatória,
ou serem precipitados pelo contato com algum tipo de situação.

O transtorno de pânico inicia com os ataques e costuma


progredir para um quadro de agorafobia, no qual o paciente
passa a evitar determinadas situações ou locais por causa do
medo de sofrer um ataque. Situações e locais típicos da
agorafobia são: túneis, engarrafamentos, avião, grandes espaços
abertos, shopping centers, ficar sozinho, sair sozinho. Em todas
essas situações existe um denominador comum – o problema
que o paciente enfrenta, caso nelas tenha um ataque. Com a
progressão do transtorno, o paciente fica cada vez mais
dependente dos outros e com seu espectro de atividades cada
vez mais limitado.

Outros transtornos mentais são comumente associados com


o transtorno de pânico e precisam ser bem investigados para a
elaboração de um plano de tratamento adequado, como
depressão ou abuso de álcool ou drogas.

TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL (FOBIA SOCIAL)1,2(D )

No transtorno de ansiedade social (fobia social), os sintomas


de ansiedade ocorrem em situações nas quais a pessoa é observada
pelos outros. Situações típicas compreendem: escrever, assinar,
comer e fazer uma apresentação na presença dos outros.

Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento 3


Projeto Diretrizes
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Em contato com os outros, especialmente vezes, de que não deixou uma porta aberta. As
estranhos, o paciente sofre de sintomas como obsessões e as compulsões surgem, ou tornam-se
tremores, sudorese, enrubescimento, dificuldade evidentes, no início da vida adulta. Tendem a
de concentração (“branco na cabeça”), piorar com a evolução da doença e a ocupar uma
palpitações, tonteira e sensação de desmaio. parcela cada vez maior do tempo do indivíduo.
Diferentemente dos ataques de pânico, os O grau de incapacitação é sempre considerável e
sintomas surgem durante as situações sociais pode atingir extremos quando o paciente torna-
temidas e duram até o contato com os outros se virtualmente paralisado pelos sintomas, incapaz
terminar. até de levar um garfo até a boca.

O transtorno de ansiedade social começa TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA1,2(D)


muito cedo na vida da pessoa, há manifestações
desde a infância, mas se torna mais evidente no No transtorno de ansiedade generalizada, as
início da vida adulta na medida em que os manifestações de ansiedade oscilam ao longo do
contatos com os outros se tornam mais tempo, mas não ocorrem na forma de ataques,
obrigatórios. nem se relacionam com situações determinadas.
Estão presentes na maioria dos dias e por longos
A evolução do transtorno de ansiedade social períodos, de muitos meses ou anos. O sintoma
vai limitando cada vez mais a vida da pessoa e principal é a expectativa apreensiva ou
pode gerar complicações como o abuso e preocupação exagerada, mórbida. A pessoa está
dependência de álcool ou depressão. a maior parte do tempo preocupada em excesso.
Além disso, sofre de sintomas como inquietude,
TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO1,2(D ) cansaço, dificuldade de concentração,
irritabilidade, tensão muscular, insônia e sudorese.
Obsessões são pensamentos, imagens e O início do transtorno de ansiedade generalizada
impulsos que ocorrem de modo repetitivo, é insidioso e precoce. Os pacientes informam que
intrusivo, usualmente associados com ansiedade, sempre foram “nervosos”, “tensos”. A evolução
que a pessoa não consegue controlar, apesar de se dá no sentido da cronicidade.
reconhecer seu caráter anormal. Compulsões são
atos ou comportamentos, recorrentes e repetitivos, TRATAMENTO
que o paciente é forçado a realizar, sob pena de
entrar em um estado de acentuada ansiedade. PRINCÍPIOS GERAIS

As compulsões costumam se elaborar em Os dois componentes principais do tratamento


rituais com atos relacionados com limpeza, dos transtornos de ansiedade são o emprego de
verificação e contagem. O paciente toma dez, medicamentos em médio e longo prazo e/ou a
trinta banhos por dia, de acordo com um esquema psicoterapia cognitivo-comportamental3(A)4(B).
predeterminado. Lava as mãos toda vez que se
encosta a certo tipo de objeto. Conta as cadeiras O diagnóstico deve ser abrangente para se
de um cinema para se sentar, exatamente em elaborar um plano de tratamento com objetivos
determinada posição. Certifica-se, inúmeras bem definidos. Os graus de incapacitação variam

4 Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento


Projeto Diretrizes
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muito de caso para caso, nos diferentes transtornos Existe dentre especialistas a noção de que a
de ansiedade. Certos sintomas, mesmo os clomipramina seria superior à imipramina
considerados principais, muitas vezes não resultam quanto à eficácia no tratamento do transtorno
em melhora significativa. Nem sempre o bloqueio de pânico. Nos poucos estudos nos quais os dois
dos ataques de pânico resolve a agorafobia. tricíclicos foram comparados, em apenas um,
com uma amostra pequena, foi encontrada
A evitação fóbica tanto no transtorno de superioridade da clomipramina9(B). Em alguns
pânico quanto no transtorno de ansiedade social estudos não-controlados, a clomipramina foi
costuma ser vencida somente de modo gradual, eficaz em doses baixas (10–50 mg/dia), mas nos
na medida em que o paciente passa a enfrentar estudos controlados as doses eficazes foram em
situações que evitava. Nesse processo, o médico torno de 100 mg/dia. Nos estudos controlados
pode trabalhar com o paciente, estabelecendo, com a imipramina, em subgrupos de pacientes,
por exemplo, uma lista de situações a serem doses menores, em torno de 50 mg/dia, foram
enfrentadas, hierarquizadas de acordo com o eficazes no controle da sintomatologia do
nível de dificuldade5(A). pânico.

Os pacientes precisam ser informados Em um único estudo controlado foi


quanto aos efeitos dos medicamentos, adequadamente estudada a questão da dose da
especialmente os indesejáveis. Deve ser explicado imipramina eficaz no transtorno de pânico,
que os medicamentos demoram semanas para comparando-se três níveis, 50, 100 e 200 mg/
induzir os efeitos terapêuticos, ao contrário dos dia. Os níveis de 100 e 200 mg/dia foram
indesejáveis, que surgem depois do primeiro comparavelmente eficazes e superiores ao
comprimido5-7(A)8(C). placebo. O nível de 50 mg/dia foi tão eficaz
quanto o placebo10(A).
TRANSTORNO DE PÂNICO
Tanto em ensaios clínicos controlados quanto
Antidepressivos Tricíclicos na experiência de especialistas é notada a
A imipramina é o medicamento com eficácia particular sensibilidade dos pacientes que sofrem
comprovada no maior número de casos, em ensaios do transtorno de pânico aos efeitos indesejáveis
duplo-cego, placebo-controlados, no tratamento do dos tricíclicos, especialmente a exacerbação da
transtorno de pânico. A eficácia da clomipramina ansiedade no início do tratamento. Por isso,
também foi demonstrada, em menor número de recomenda-se que o tratamento seja iniciado com
ensaios duplo-cego, placebo-controlados7(A). doses muito pequenas (10–20 mg/dia) e que o
aumento até os níveis terapêuticos habituais
A imipramina deve ser empregada em doses (100–150 mg/dia) seja feito de modo gradual,
de 150 a 250 mg/dia, em dose única, à noite. ao longo de 2 a 4 semanas.
A dose única diária é possível por causa da meia-
vida plasmática longa. Com o medicamento Inibidores da Recaptação de Serotonina
tomado à noite são minimizados os efeitos (IRSs)
indesejáveis associados com o pico plasmático, Dois Inibidores da Recaptação de Serotonina
principalmente a sedação. (IRSs), a sertralina e a paroxetina, têm eficácia

Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento 5


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bem demonstrada no tratamento do transtorno de ansiedade nos períodos em que o nível


de pânico em estudos randomizados, duplo-cego, plasmático diminui.
placebo-controlados11,12(A)13(B)14(C).
O clonazepam é outro benzodiazepínico de
Nos estudos com diferentes níveis de doses alta potência com eficácia bem demonstrada em
fixas, os níveis de 50, 100 e 200 mg/dia de estudos randomizados, duplo-cego, placebo-
sertralina foram comparavelmente eficazes e controlados, no tratamento do transtorno de
todos superiores ao placebo15(A). No estudo de pânico. O espectro de doses do clonazepam que
doses fixas com a paroxetina, com 10, 20 e 40 foi eficaz, nesses estudos, foi de 1,5 a 4,0 mg/
mg/dia, houve clara tendência de curva dose- dia. Nesses estudos controlados, o clonazepam
resposta, tendo sido a dose de 40 mg/dia foi administrado em duas doses por dia, por
nitidamente superior às outras16(A). causa de sua meia-vida plasmática mais longa.
Na prática clínica, contudo, é comum o emprego
Inibidores da Recaptação de Serotonina do clonazepam em três doses por dia, o que
e Noradrenalina (IRSNs) induziria um nível plasmático mais
A venlafaxina tem eficácia demonstrada no estável21,22(A).
tratamento do transtorno de pânico, em dois
estudos randomizados, duplo-cego, placebo- TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL (FOBIA
controlados17,18(A). SOCIAL)

Benzodiazepínicos de Alta Potência Inibidor da Monoaminooxidase (IMAO)


O alprazolam, depois da imipramina, é o A eficácia da fenelzina no tratamento do
medicamento mais estudado no tratamento do transtorno de ansiedade social foi bem
transtorno de pânico, com eficácia comprovada demonstrada em estudos randomizados, duplo-
em estudos randomizados, duplo-cego, placebo- cego, placebo-controlados. Em dois desses
controlados19,20(B). estudos, esse medicamento foi comparado com a
terapia cognitivo-comportamental e com o
Na maioria das pesquisas com o alprazolam, placebo, em combinação ou sozinho. Esses
as doses eficazes para o controle da estudos indicaram que a fenelzina é altamente
sintomatologia do pânico foram em torno de 6 eficaz. A combinação do medicamento com a
mg/dia. Poucos estudos foram realizados com terapia cognitivo-comportamental foi mais eficaz
doses fixas. do que os dois tratamentos isolados23(A)4,24(B).
A fenelzina foi eficaz nos estudos controlados
Apesar da evidência obtida em estudos de em doses entre 60 e 90 mg/dia.
doses fixas ser pequena, parece que o alprazolam
pode ser eficaz em grande proporção de casos A fenelzina não está disponível no Brasil.
em doses de 3 a 6 mg/dia. O alprazolam, em O IMAO disponível no Brasil é a
decorrência da meia-vida plasmática curta, deve tranilcipromina. Há um estudo aberto
ser administrado em quatro doses por dia: demonstrando a eficácia da tranilcipromina no
manhã, almoço, jantar e ao deitar. Quando isso tratamento do transtorno de ansiedade social
não é feito, o paciente pode sofrer de sintomas em doses entre 40 e 60 mg/dia25(C).

6 Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento


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Inibidor da Monoaminooxidase Reversível TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO


(RIMA)
Foram realizados quatro ensaios Inibidores da Recaptação de Serotonina
randomizados duplo-cego, placebo-contro- (IRSs)
lados, com a moclobemida, um IMAO A única classe de medicamentos com eficácia
reversível, no tratamento do transtorno de comprovada em pesquisas clínicas no tratamento
ansiedade social. Em dois desses ensaios, a do transtorno obsessivo-compulsivo é a dos
moclobemida foi superior ao placebo quanto à Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRSs).
eficácia e, em dois, não houve diferenças
significativas entre os efeitos terapêuticos A clomipramina foi o primeiro medicamento
obser vados nos grupos tratados com o a ter sua eficácia demonstrada no tratamento
medicamento e nos grupos tratados com o do transtorno obsessivo-compulsivo em estudos
placebo26-28(A)24(B). As doses de moclobemida randomizados, duplo-cego, placebo-
empregadas nesses estudos variaram entre 600 controlados35(B). Isso explica, em parte, a
e 900 mg/dia. melhor diferenciação entre os resultados
terapêuticos da clomipramina e os do placebo
Inibidores da Recaptação de Serotonina obtidos nesses estudos, realizados no final da
(IRSs) década de 80 do século passado. Nos estudos
A eficácia da paroxetina no tratamento posteriores sobre o tratamento do transtorno
do transtorno de ansiedade social foi obsessivo-compulsivo, a resposta ao placebo
demonstrada em dois estudos randomizados, aumentou muito e diminuiu a diferenciação com
duplo-cego, placebo-controlados, em doses os medicamentos ativos.
em torno de 40 mg/dia. Esses estudos foram
multicêntricos e com amostras gran- Em vários estudos randomizados, duplo-
des29,30(A). cego, placebo-controlados, foi demonstrada a
eficácia no tratamento do transtorno obsessivo-
Inibidores da Recaptação de Serotonina compulsivo dos IRSs: clomipramina, sertralina,
e Noradrenalina (IRSNs) fluvoxamina e fluoxetina. As doses desses
A eficácia da venlafaxina foi demonstrada medicamentos que se mostraram eficazes foram
no tratamento do transtorno de ansiedade relativamente altas, 226, 200, 249, e 60 mg/
social em dois estudos randomizados, duplo- dia, respectivamente36(A)37(B).
cego, placebo-controlados31,32(A).
Em duas meta-análises foram avaliados os
Benzodiazepínicos resultados obtidos até 1994 em estudos
Em dois estudos duplo-cego, placebo- randomizados, duplo-cego, placebo-controlados,
controlados, cada um realizado em um no tratamento do transtorno obsessivo
único centro, foi demonstrada a eficácia do compulsivo 36 (A) 37(B). Nessas duas meta-
clonazepam e do bromazepam no trata- análises, a clomipramina foi associada com um
mento do transtorno de ansiedade social, efeito terapêutico em relação ao placebo maior
em doses em torno de 3 e de 30 mg/dia, do que os da sertralina, fluvoxamina ou
respectivamente 33,34(B). fluoxetina. Nos estudos com comparações diretas

Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento 7


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entre a clomipramina e os outros IRSs, contudo, Posteriormente, foi bem demonstrada a


não foram encontradas diferenças quanto à eficácia da sertralina no tratamento do
eficácia. transtorno de ansiedade generalizada em dois
estudos randomizados, duplo-cego, placebo-
A paroxetina, outro IRS, foi compara- controlados41,42(A).
velmente eficaz à clomipramina no tratamento
do transtorno obsessivo compulsivo em um Pacientes que seriam diagnosticados como
estudo randomizado, duplo-cego, placebo- sofrendo do transtorno de ansiedade
controlado38(A). generalizada dos sistemas DSM-IV ou CID-10
são tratados há três décadas, principalmente com
TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA os benzodiazepínicos. Em muitos ensaios
(TAG) clínicos randomizados, duplo-cego, placebo-
controlados, foi demonstrada a eficácia dos
O transtorno de ansiedade generalizada vários benzodiazepínicos no tratamento de
passou a ser considerado um transtorno residual pacientes com o antigo diagnóstico de “neurose
desde a publicação dos critérios diagnósticos da de ansiedade” que, certamente, incluía os casos
Associação Americana de Psiquiatria (DSM-IV) atuais de Transtorno de ansiedade
e da Classificação Internacional de Doenças da generalizada43(D).
O.M.S. (CID-10). Essa situação está mudando
com a demonstração a partir de estudos Tanto os resultados de estudos realizados
epidemiológicos de que o transtorno existe com amostras heterogêneas de casos com
sozinho, é frequente e muito incapacitante39(A). transtornos de ansiedade quanto o emprego
largamente disseminado dos benzodiazepínicos
Por causa das dúvidas quanto à importância para o tratamento da ansiedade não são base
clínica do transtorno de ansiedade generalizada para a orientação quanto ao melhor tratamento
e do predomínio do emprego de outras categorias dos pacientes.
diagnósticas de ansiedade, poucos estudos
controlados foram realizados sobre o tratamento A ESCOLHA DO MEDICAMENTO
dessa condição.
A escolha do medicamento deve recair sobre
O primeiro estudo randomizado, duplo- um composto com eficácia determinada em
cego, placebo-controlado, sobre o tratamento ensaios clínicos randomizados, duplo-cego,
do transtorno de ansiedade generalizada definido placebo-controlados6,7,30,44,45(A)37(B). Outro
de acordo com o sistema DSM-IV, foi realizado elemento é o perfil de efeitos indesejáveis.
com a venlafaxina XR. Três doses de venlafaxina
XR, 75, 150 e 225 mg/dia foram superiores ao Os Inibidores da Recaptação de Serotonina
placebo quanto à eficácia em um período de (IRSs) são associados com vários efeitos
tratamento de seis meses. Os três níveis de doses indesejáveis (sonolência, insônia, ganho de peso,
foram comparavelmente eficazes e todos disfunção sexual, boca seca, constipação, piora
superiores ao placebo40(A). dos sintomas no início do tratamento, efeitos

8 Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento


Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

extrapiramidais, bruxismo, acatisia, movimentos ganho de peso, disfunção sexual, efeitos


involuntários, náusea, diarreia e sudorese). Os cardiovasculares (hipotensão ortostática,
IRSs inibem enzimas do sistema P 450 do fígado prolongamento do intervalo QTc), efeitos
e podem aumentar o nível plasmático de vários extrapiramidais (acatisia, rigidez, tremores). Em
compostos, inclusive dos antidepressivos superdoses, os tricíclicos induzem um quadro
tricíclicos, induzindo interações medicamentosas gravíssimo de intoxicação, frequentemente
perigosas46(D). letal46(D).

Os antidepressivos tricíclicos são associados Os benzodiazepínicos (alprazolam,


com acentuados efeitos anticolinérgicos (boca clonazepam) são associados com sedação,
seca, constipação, efeitos anticolinérgicos distúrbios cognitivos (dificuldade de concentração,
centrais – dificuldade de concentração, amnésia), disfunção sexual, disfunção psicomotora,
perturbação da memória–– tonteira, toxicidade comportamental (irritabilidade,
taquicardia, palpitações, constipação, visão agressividade, desinibição). O uso continuado de
turva, retenção urinária), instabilidade motora, benzodiazepínicos induz dependência fisiológica e

Algoritmo

Transtornos 1ª linha mg/dia 2ª linha mg/dia 3ª linha mg/dia

Pânico IRSs: Tricíclicos: BZDs:


sertralina 50 imipramina 150–200 clonazepam 2–4
paroxetina 20 clomipramina 100–150 alprazolam 2–4
IRSNs:
venlafaxina 75-150

Ansiedade lRS: BZD: RIMA


Social paroxetina 40 – 60 clonazepam 3–– 6 Moclobemida 750 – 900
IRSNs:
venlafaxina 75 -225

Obsessivo- IRSs: Combinações


-Compulsivo sertralina 200 IRS + antipsicótico
paroxetina 60
fluvoxamina 300
fluoxetina 60
clomipramina 300

Ansiedade IRSNs: IRSs: BZD: prazos curtos


Generalizada venlafaxina 75 – 150 paroxetina 20 – 40
IRSs:
sertralina 50 –200

Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento 9


Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

quando da suspensão, especialmente se abrupta, Considerações de ordem prática influenciam


pode ocorrer uma síndrome de abstinência com também na escolha das opções do algoritmo. A
sintomas como tremores, ansiedade acentuada, imipramina é mais acessível às pessoas de menor
sudorese, câimbras, hipersensibilidade sensorial, renda, na forma de genérico ou distribuída por
inquietude, insônia, cefaleia e até convulsões46(D). instituições públicas.

Apesar de induzirem vários efeitos Por quanto tempo deve ser mantido o
indesejáveis, os Inibidores da Recaptação de tratamento?
Serotonina (IRSs) são, no presente, Há estudos que demonstram que os efeitos
considerados uma opção melhor quanto à terapêuticos dos medicamentos se mantêm
tolerabilidade do que os tricíclicos ou os durante períodos de seis meses a um ano no
benzodiazepínicos6,36(A)13,37(B)46,47(D). tratamento do transtorno de pânico6(A). Em
um estudo controlado, randomizado, duplo-
Outro fator que pode pesar na escolha de um cego, placebo-controlado com pacientes com o
medicamento é o custo. Os tricíclicos, transtorno de pânico, o índice de recidiva no
especialmente a imipramina, e os benzodia- grupo que passou para o placebo após seis meses
zepínicos são medicamentos mais antigos, de tratamento bem sucedido com a imipramina
acessíveis na forma de genéricos e de custo menor. foi de 50% em um ano de seguimento48(A).

Em função dos níveis (qualidade e Quanto ao transtorno de ansiedade social,


quantidade) de evidências científicas (resultados há um estudo aberto demonstrando que o
de ensaios clínicos randomizados, duplo-cego, índice de recidiva é muito grande, de mais de
placebo-controlados), descritos nessas Diretrizes, 50%, após quatro anos de tratamento
demonstrando a eficácia dos medicamentos para medicamentoso bem sucedido 49(B), e um
o tratamento dos transtornos de ansiedade e de estudo controlado mostrando recidiva de 40%
problemas associados à tolerabilidade ou riscos, no grupo com placebo em seis meses de
pode-se elaborar um algoritmo (Figura 1). continuação50(A).

Nesse algoritmo, os medicamentos são Estudos controlados mostram que os IRSs


ordenados como de 1ª, 2ª ou 3ª linha, como mantêm seus efeitos terapêuticos em pacientes
opções para o tratamento de um determinado com o transtorno obsessivo-compulsivo durante
transtorno de ansiedade. dois anos de tratamento51(A). Em estudos de
seguimento naturalístico, a frequência de
Na avaliação de cada paciente, o médico recidiva no transtorno obsessivo-compulsivo é
deverá exercer o julgamento clínico e optar por muito alta, maior do que 50% após dois anos
um medicamento não necessariamente na de seguimento8(C).
ordem recomendada pelo algoritmo. Por
exemplo, um paciente que sofre do transtorno Os estudos de seguimento em longo prazo
de pânico e que é hipersensível à piora inicial de todos os transtornos de ansiedade foram,
induzida pelos IRSs pode ser inicialmente predominantemente, naturalísticos, abertos e
tratado com o clonazepam. não-controlados.

10 Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento


Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

Mostram que a evolução desses transtornos nítidas quando a dose do medicamento começa
não é uniforme e com subgrupos diferentes de a ser diminuída.
pacientes. Os pacientes podem ser divididos em
três subgrupos quanto à evolução: crônica, CONFLITO DE INTERESSE
episódica ou quadro agudo seguido de
remissão47(D). Versiani M: o autor recebeu reembolso por
comparecimento a simpósio e congressos da
A conclusão prática para o médico quanto Associação Brasileira de Psiquiatria; honorários
ao tratamento de manutenção dos transtornos por apresentação, conferência ou palestra das
de ansiedade seria a de que períodos de cerca de indústrias Janssen, Pfizer, Ser vier e
seis meses de tratamento farmacológico AstraZeneca; honorários por atividades de ensino
estariam indicados para a maioria dos casos. da UFRJ - Instituto de Psiquiatria;
financiamento para pesquisa - CNPq das
Em muitos casos, o tratamento indústrias Janssen, Pfizer, Servier e Organon;
farmacológico é mantido por períodos muito recurso para membro de equipe - CNPq das
longos, de anos, por motivos como a resolução indústrias Pfizer e Servier e honorários para
apenas parcial da sintomatologia ou pioras consultoria das indústrias Pfizer e Janssen.

Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento 11


DEPRESSÃO

http://1.bp.blogspot.com/_meBgGxAAF4Y/SbzL5hiQrvI/AAAAAAAAANU/r-GgV4e6scA/s400/depressao4.jpg

8
S7

Revisão das diretrizes da Associação Médica


Brasileira para o tratamento da depressão
(Versão integral)
Revision of the guidelines of the Brazilian Medical
Association for the treatment of depression
(Complete version)
Marcelo P. Fleck1,2, Marcelo T. Berlim3,4, Beny Lafer5,6, Everton Botelho Sougey7,8,
José Alberto Del Porto9, Marco Antônio Brasil10,11, Mário Francisco Juruena12,13,
Luis Alberto Hetem14
Resumo
Objetivo: A depressão é uma condição freqüente, em geral recorrente e de curso crônico, associada com níveis altos de incapacitação
funcional. A Associação Médica Brasileira, por meio do projeto “Diretrizes”, buscou desenvolver guias para diagnóstico e tratamento
das doenças mais comuns. O objetivo deste trabalho é o de atualizar as Diretrizes desenvolvidas em 2003, incorporando novas
evidências e recomendações. Método: A metodologia utilizada foi a proposta pela Associação Médica Brasileira para o projeto Diretrizes.
Assim, o trabalho foi baseado em diretrizes desenvolvidas em outros países aliadas a artigos de revisão sistemáticos, ensaios clínicos
randomizados e, na ausência destes, estudos observacionais e recomendações de grupo de experts. A atualização foi realizada a
partir de novas diretrizes internacionais publicadas a partir de 2003. Resultados: São apresentados dados referentes a prevalência,
demografia, incapacitação, diagnóstico e subdiagnóstico de depressão. Em relação ao tratamento, são mostrados dados sobre a eficácia
do tratamento medicamentoso e psicoterápico das depressões, além do perfil de custos e de efeitos colaterais das diferentes classes
de medicamentos disponíveis no Brasil, além do planejamento das diferentes fases do tratamento. Conclusão: As diretrizes têm como
objetivo servir de orientação para a tomada de decisões clínicas baseada nas evidências científicas da literatura disponível.

Descritores: Depressão; Revisão; Diagnóstico; Resultado de tratamento; Sociologia médica

Abstract
Objective: Depression is a frequent, recurrent and chronic condition with high levels of functional disability. Brazilian Medical Association
Guidelines project proposed guidelines for diagnosis and treatment of the most common medical disorders. The objective of this paper
is to present a revision of the Guidelines Published in 2003 incorporating new evidences and recommendations. Method: This review
was based on guidelines developed in other countries and systematic reviews, randomized clinical trials and when absent, observational
studies and recommendations from experts. Brazilian Medical Association proposed this methodology for the whole project. The revision
was developed from new international guidelines published since 2003. Results: The following aspects are presented: prevalence,
demographics, disability, diagnostics and sub-diagnosis, efficacy of pharmacological and psychotherapeutic treatment, costs and
side-effects of different classes of available drugs in Brazil. Strategies for different phases of treatment are also discussed. Conclusion:
Guidelines are an important tool for clinical decisions and a reference for orientation based on levels of evidence in the literature.

Descriptors: Depression; Review; Diagnosis; Treatment outcome; Sociology, medical

1
Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil
2
Programa de Transtornos de Humor (PROTHUM), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre (RS), Brasil
3
Departamento de Psiquiatria, McGill University, Montreal, Quebec, Canada
4
Douglas Mental Health University Institute, Montreal, Quebec, Canada
5
Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil
6
Programa de Transtorno Bipolar (PROMAN), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo
(HC-FMUSP), São Paulo (SP), Brasil
7
Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife (PE), Brasil
8
Núcleo de Assistência, Ensino e Pesquisa dos Transtornos Afetivos, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife
(PE), Brasil
9
Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo (SP), Brasil
10
Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro (RJ), Brasil
11
Ex-Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
12
Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, Divisão de Psiquiatria, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP),
Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto (SP), Brasil
13
Seção de Neurobiologia dos Transtornos do Humor, Instituto de Psiquiatria, King’s College London, London, UK
14
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto (SP), Brasil

Correspondência
Marcelo P. Fleck
Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Rua Ramiro Barcelos, 2350 - 4º andar
90430-090 Porto Alegre, RS, Brasil
Fone: (+55 51) 3316-8413 Fax: (+55 51) 3330-8965
E-mail: PÁHFNYR\#WHUUDFRPEr
Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17
Diretrizes para a depressão S8

Introdução populações específicas, como a de pacientes com infarto recente,


A depressão é uma condição relativamente comum1, de curso é de 33%32, chegando a 47% nos pacientes com câncer33. Em
crônico2 e recorrente3-5. Está freqüentemente associada com in- pacientes internados por qualquer doença física a prevalência de
capacitação funcional6 e comprometimento da saúde física7-9. Os depressão varia entre 22% e 33%22.
pacientes deprimidos apresentam limitação da sua atividade e bem-
estar10,11, além de uma maior utilização de serviços de saúde12. A depressão é mais freqüente em mulheres
No entanto, a depressão segue sendo subdiagnosticada e subtra- A prevalência de depressão é duas a três vezes mais freqüente
tada. Entre 30 e 60% dos casos de depressão não são detectados em mulheres do que em homens, mesmo considerando estudos
pelo médico clínico em cuidados primários13,14. Muitas vezes, os realizados em diferentes países, comunidades ou pacientes que
pacientes deprimidos também não recebem tratamentos suficien- procuram serviços psiquiátricos34.
temente adequados e específicos15. A morbi-mortalidade associada
à depressão pode ser, em boa parte, prevenida (em torno de 70%) A depressão é um transtorno crônico e recorrente
com o tratamento correto16. Aproximadamente 80% dos indivíduos que receberam tratamento
No ano de 2001, a Associação Médica Brasileira (AMB) desenvol- para um episódio depressivo terão um segundo episódio ao longo de
veu o Projeto Diretrizes, cujo objetivo foi o de estabelecer condutas no suas vidas, sendo quatro a mediana de episódios ao longo da vida18. A
reconhecimento e tratamento de uma variedade de condições médicas duração média de um episódio é entre 16 e 20 semanas e 12% dos
comuns, entre elas a depressão. Em 2003, a Revista Brasileira de Psi- pacientes têm um curso crônico sem remissão de sintomas35,36.
quiatria (RBP) publicou uma versão mais detalhada dessas diretrizes17.
Recentemente, por iniciativa da AMB, estas condutas foram revisadas A depressão é um transtorno incapacitante
e a RBP solicitou aos autores que publicassem novamente uma versão A depressão foi estimada como a quarta causa específica nos
mais detalhada dessa revisão sobre depressão. anos 90 de incapacitação através de uma escala global para compa-
Assim, o objetivo principal deste artigo foi o de revisar e atualizar a ração de várias doenças. A previsão para o ano 2020 é a de que será
Diretriz para Depressão publicada em 2003, com ênfase no diagnóstico a segunda causa em países desenvolvidos e a primeira em países em
e tratamento da depressão unipolar. Os objetivos originais das diretrizes desenvolvimento37. Quando comparada com as principais condições
seguem os mesmo, quais sejam: 1) fornecer subsídios para incrementar médicas crônicas, a depressão só tem equivalência em incapacitação
a capacidade de diagnóstico de novos casos de depressão; 2) oferecer às doenças isquêmicas cardíacas graves6, causando mais prejuízo no
uma abordagem racional para o tratamento de depressão, definindo status de saúde do que angina, artrite, asma e diabetes38.
quais casos tratar, como tratar e quando encaminhar ao psiquiatra/
especialista; 3) conscientizar os profissionais da importância do seu A depressão é pouco diagnosticada pelo médico não-psiquiatra
papel na redução do impacto da morbi-mortalidade e na melhoria da Em serviços de cuidados primários e outros serviços mé-
qualidade de vida dos pacientes com depressão. dicos gerais, 30 a 50% dos casos de depressão não são
diagnosticados13,14,39.
Método Os motivos para o subdiagnóstico advêm de fatores relacionados aos
A diretriz original de 2003 foi baseada em quatro documentos pacientes e aos médicos. Os pacientes podem ter preconceito em relação
desenvolvidos por instituições ou grupos de notório saber: Associação ao diagnóstico de depressão e descrença em relação ao tratamento. Os
Inglesa de Psicofarmacologia18, Associação Americana de Psiquia- fatores relacionados aos médicos incluem falta de treinamento, falta de
tria19, Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados tempo, descrença em relação à efetividade do tratamento, reconheci-
Unidos (Depression Guideline Panel)20,21 e o Comitê de Prevenção e mento apenas dos sintomas físicos da depressão e identificação dos
Tratamento de Depressão da Associação Mundial de Psiquiatria22. O sintomas de depressão como uma reação “compreensível”40,41.
critério de seleção destes documentos foi o de terem utilizado priorita- Treinamento de médicos não psiquiatras para diagnóstico de
riamente artigos de revisão sistemática, ensaios clínicos randomizados depressão, bem como utilização de instrumentos de rastreamento
e, na ausência desses, estudos observacionais e recomendações de para depressão não tem demonstrado um impacto substancial nem
grupo de experts. A maioria dos dados utilizados nesses estudos duradouro sobre o adequado manejo dos casos de depressão42,43.
foi de pacientes deprimidos que procuraram serviços psiquiátricos, A detecção da depressão pelo médico não-psiquiatra não parece
devido ao pequeno número (embora crescente) de estudos a partir estar associada à indicação adequada de tratamento44.
de pacientes em serviços de cuidados primários.
Para esta revisão foi feita uma busca no Pubmed com a palavra- Existem perguntas simples que ajudam a melhorar a detecção
chave “unipolar depression”. A busca foi limitada pelo tipo de artigo de depressão pelo médico
(practice guidelines), língua (inglesa) e ano (a partir de 2002). Com Os modernos sistemas classificatórios em psiquiatria operaciona-
esta busca, foram encontradas 23 publicações. Os resumos das lizaram o diagnóstico de depressão, facilitando seu reconhecimento
23 publicações foram examinados, sendo selecionadas cinco que e a comunicação científica entre profissionais (Tabela 1).
preenchiam os critérios de diretrizes para diagnóstico e tratamento Na Tabela 2, são apresentadas algumas perguntas que podem
de depressão unipolar em adultos23-27. melhorar a detecção dos casos de depressão pelo médico não-
Os principais elementos complementares e inovadores desses psiquiatra.
documentos foram acrescentados à Diretriz publicada em 2003.
Além do diagnóstico de episódio depressivo, existem outras
Parte 1 - Depressão: prevalência e diagnóstico apresentações de depressão com sintomas menos intensos, porém
A depressão é um problema freqüente com grau de incapacitação similar, que são muito freqüentes nos
Estudos de prevalência em diferentes países ocidentais mostram serviços de atenção primária
que a depressão é um transtorno freqüente. A prevalência anual na A distimia é um transtorno depressivo crônico com menor intensi-
população em geral varia de 3 a 11%28-30. Uma metanálise de 23 dade de sintomas, presente por pelo menos dois anos com períodos
estudos de prevalência e incidência de depressão, utilizando o pool ocasionais e curtos de bem-estar. Além do humor depressivo, devem
de amostras, encontrou a prevalência de 4,1% em um ano e 6,7% estar presentes até três dos seguintes sintomas: redução de energia
em toda a vida1. Estes dados contrastam com o principal estudo insônia, diminuição da auto-confiança, dificuldade de concentração,
norte-americano sobre o tema, que encontrou respectivamente choro, diminuição do interesse sexual e em outras atividades praze-
6,6% (um ano) e 16,2% (toda a vida)3. rosas, sentimento de desesperança e desamparo, inabilidade de
Estudos desenvolvidos com amostras clínicas (de pacientes) lidar com responsabilidades do dia-a-dia, pessimismo em relação
mostram prevalência superior. Em pacientes de cuidados primários ao futuro, retraimento social e diminuição do discurso45. Evidências
em saúde, Ustun e Sartorius31, em estudo internacional realizado em de estudos naturalísticos mostram que o comprometimento do fun-
14 países, mostraram a mediana de prevalência acima de 10%. Em cionamento social e ocupacional da distimia é maior do que o dos
Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17
S9 Fleck MP et al.

episódios depressivos6,48-51, sugerindo que a extensão do compro-


metimento social e ocupacional seja mais relacionado com o tempo
de permanência de sintomas do que com sua intensidade.
O transtorno misto de ansiedade e depressão inclui pacientes que quando usados em combinação63,64. Tanto antipsicóticos típicos
com sintomas de ansiedade e depressão sem que nenhum dos como atípicos são efetivos, não havendo dados controlados que
dois conjuntos de sintomas considerados separadamente seja comparem “novos” versus “antigos” antipsicóticos25.
suficientemente intenso que justifique um diagnóstico. Neste trans-
torno, alguns sintomas autonômicos (tremor, palpitação, boca seca, A remissão completa de sintomas deve ser a meta de qualquer
dor de estômago) podem estar presentes, mesmo que de forma tratamento antidepressivo
intermitente45. Sua prevalência é 4,1% em serviços de cuidados Existe uma consistente evidência na literatura de que a perma-
primários deste transtorno52,53. nência de sintomas residuais de depressão estão associados a pior
Recentemente, uma particular atenção tem sido dada aos pa- qualidade de vida, pior funcionalidade, maior risco de suicídio, maior
cientes deprimidos leves que não preenchem critérios diagnósticos risco de recaída e aumento de consumo de serviços de saúde65,66.
(depressão subsindrômica), mas que possuem alto risco de apre-
sentarem futuros episódios depressivos22. Os antidepressivos são efetivos no tratamento agudo da
distimia
Antes de iniciar um tratamento antidepressivo é importante Uma meta-análise de 15 ensaios clínicos randomizados para
afastar o diagnóstico de transtorno bipolar tratamento de distimia mostrou que 55% dos pacientes respondem
Aproximadamente 10 a 20% dos pacientes depressivos unipo- a antidepressivos, comparado com 30% com placebo67.
lares têm o seu diagnóstico modificado para transtorno de humor
bipolar ao longo do tempo54,55. É de grande relevância clínica o Tratamentos psicológicos específicos para episódio depressivo são
conhecimento de que antidepressivos podem precipitar mania em efetivos com maiores evidências para depressões leves a moderadas
pacientes com aparente depressão unipolar56. Evidências recentes estabelecidas por estudos de revisão e me-
tanálises mostraram eficácia no tratamento agudo das depressões
Parte 2: Tratamento para as seguintes formas de tratamentos psicológicos: psicotera-
1. Considerações gerais pia cognitivo-comportamental68, psicoterapia comportamental69,
Os antidepressivos são efetivos no tratamento agudo das de- psicoterapia interpessoal70 e psicoterapia de resolução de proble-
pressões moderadas e graves, porém não diferentes de placebo mas71. Outras psicoterapias também mostraram eficácia, embora
em depressões leves sustentada por um menor número de estudos: psicoterapia breve
Existe uma evidência contundente na literatura de que os an- psicodinâmica72, terapia de casal73 e aconselhamento74.
tidepressivos são eficazes no tratamento da depressão aguda de As evidências sugerem 1) uma eficácia semelhante para antide-
moderada a grave, quer melhorando os sintomas (resposta), quer pressivos, psicoterapia cognitivo-comportamental, comportamental
eliminando-os (remissão completa)18. e interpessoal ou tratamentos combinados em depressões leves a
O índice de resposta em amostras com intenção de tratamento moderadas; 2) uma maior eficácia de tratamentos combinados (an-
(intention-to-treat) variam entre 50 a 65%, contra 25 a 30% mostrados tidepressivos + psicoterapia) em depressões moderadas a graves; e
por placebo em estudos clínicos randomizados21,57,58. Uma revisão siste- 3) uma ausência de evidência para depressões muito graves24.
mática de tratamento antidepressivo em transtorno depressivo associado
com doença física mostrou taxas de resposta semelhantes57,59. Outra Os diferentes antidepressivos têm eficácia semelhante para
revisão de estudos de metanálise de pacientes deprimidos tratados em a maioria dos pacientes deprimidos, variando em relação ao
cuidados primários mostrou taxas de 50 a 60% de resposta, resultados perfil de efeitos colaterais e potencial de interação com outros
semelhantes aos obtidos em amostras de pacientes psiquiátricos57. medicamentos
Os antidepressivos não mostraram vantagens em relação ao Revisões sistemáticas e estudos de metanálise sugerem que os
placebo em depressões leves, pois uma boa resposta é observada antidepressivos comumente disponíveis têm eficácia comparável
em ambos60-62. para a maioria dos pacientes vistos em cuidados primários ou em
ambulatório75-77.
Em pacientes com depressão psicótica, a associação de antide- As metanálises sobre efeitos colaterais no uso agudo de antide-
pressivos com antipsicóticos é mais efetiva do que antidepressivos pressivos têm se concentrado na comparação entre os inibidores
isoladamente seletivos de recaptação da serotonina (ISRS) e os tricíclicos. O uso de
Existe uma literatura consistente mostrando que antidepressivos ISRS está associado com menor índice de abandono de tratamento
ou antipsicóticos usados de forma isolada têm pior resultado do comparado com os tricíclicos, mas a diferença absoluta é de apenas 3
Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17
Diretrizes para a depressão S10

a 5%18,78. Esta diferença, no entanto, pode aumentar com a duração 3) longa duração da doença97-100;
do tratamento18 e pode ser maior na prática clínica diária79. 4) dificuldades sociais crônicas e eventos de vida persis-
tentes14,101,102;
Os antidepressivos ISRS têm mais chance do que os tricíclicos de 5) episódio grave ou com sintomas psicóticos5,103-108;
serem prescritos em doses recomendadas por tempo recomendado 6) distimia e transtorno de personalidade grave109-114.
Existe uma evidência consistente de que os antidepressivos
tricíclicos são prescritos em doses inferiores e por um tempo mais As estratégias utilizadas quando um paciente não responde
curto que o recomendado80-84. No entanto, não há evidência direta ao tratamento com medicamento antidepressivo consiste em 1)
que pacientes que receberam ISRS tenham um melhor resultado aumento de dose; 2) potencialização com lítio ou tri-iodotironina
do que os que receberam tricíclico85. (T3); 3) associação de antidepressivos; 4) troca de antidepres-
sivo; 5) eletroconvulsoterapia (ECT); e 6) associação com psi-
Novos antidepressivos são mais caros que as drogas mais coterapia
antigas, mas é controverso se o custo geral do tratamento seria Existem evidências limitadas sobre qual estratégia seria a me-
maior. Não há dados brasileiros sobre custos lhor alternativa quando da não resposta a um tratamento inicial
O preço do medicamento é um dos aspectos do custo do tratamen- proposto115. Um estudo randomizado mostrou que o aumento de
to. Fatores como número de consultas, exames solicitados, faltas fluoxetina até 60mg em pacientes que não responderam a 20mg
ao trabalho, recaídas e dias de hospitalização são alguns outros por oito semanas foi mais efetivo que a potencialização com lítio
dados a serem considerados. Alguns estudos têm mostrado que o ou desipramina116.
custo geral do tratamento com ISRS e tricíclicos se aproxima86. No Aumento de dose, quando não há resposta, parece ser um passo
entanto, a maioria dos estudos de farmacoeconomia tem proble- lógico, considerando que existe uma grande variedade individual
mas de delineamento e/ou conflito de interesses, e sua validade na concentração plasmática de antidepressivos e que existe uma
externa é limitada, já que se referem a custos e rotinas específicas incerteza sobre o que seria uma dose adequada para um dado
de alguns centros ou países18. Não há dados brasileiros referentes indivíduo18.
a este tema. Não há estudos randomizados comparando a continuação de
um tratamento original em relação à troca por um antidepressivo
A prescrição de antidepressivos está associada com diminuição diferente. Os estudos controlados têm problemas metodológicos
do risco de suicídio como tipos particulares de pacientes e amostras pequenas18.
Estudos epidemiológicos das últimas décadas revelam uma Estudos abertos mostram que aproximadamente entre 20 e 60%
redução da freqüência de suicídio com a prescrição de antidepres- dos pacientes respondem à troca de antidepressivos21 ou à troca
sivos. Alguns dados sugerem que o tratamento dom ISRS poderia entre ISRS117.
aumentar o risco de suicídio em alguns pacientes87. O risco estaria Uma metanálise de quatro ensaios clínicos randomizados
aumentado no início do tratamento88. Comparativamente, o risco demonstrou que a potencialização dos antidepressivos com car-
de suicídio é mais alto antes do tratamento antidepressivo iniciar bonato de lítio em pacientes deprimidos resistentes mostrou que
(mês anterior), muito menor na primeira semana de tratamento, aproximadamente 40% responderam comparados com 10% com
diminuindo ainda mais nas semanas seguintes89. placebo118.
Uma metanálise também com quatro ensaios clínicos randomi-
2. Considerações práticas zados avaliando o efeito da potencialização com tri-iodotironina
Consultas com freqüência semanal no início do tratamento mostrou um moderado tamanho de efeito (0,6) em relação à
estão associadas a maior adesão e melhores resultados em curto melhora da sintomatologia depressiva quando comparado ao pla-
prazo cebo, mas uma diferença não significativa em relação ao índice de
Estudos naturalísticos que compararam as rotinas usuais dos resposta (8%)119.
serviços com entrevistas semanais nas primeiras quatro a seis se- Em relação à ECT, estudos abertos mostram índices de resposta
manas mostraram melhor desfecho e maior adesão dos pacientes de 50% em paciente deprimidos resistentes120.
que seguiram o regime semanal57,90. Existem algumas evidências de que a associação de medicação
A necessidade da monitorização de resposta, efeitos colaterais, antidepressiva com psicoterapia cognitivo-comportamental (TCC) ou
adesão a tratamento e risco de suicídio também reforçam a freqüência psicoterapia interpessoal possa melhorar o desfecho de pacientes
semanal como a recomendável na fase inicial do tratamento18. resistentes que procuram serviços psiquiátricos121,122. Após uma
resposta insatisfatória ao antidepressivo (ISRS), pacientes alocados
A resposta ao tratamento agudo com antidepressivo é observada para receber diferentes estratégias antidepressivas tiveram desfechos
entre duas e quatro semanas após o início do uso; contudo o início semelhantes aos que receberam TCC, sendo que a TCC foi melhor
da resposta costuma ocorrer na primeira semana tolerada que a troca por medicação antidepressiva123. A potencia-
A resposta clinicamente significativa ao antidepressivo não é lização do efeito antidepressivo com TCC teve início de efeito mais
imediata e costuma ocorrer entre a segunda e a quarta semana de tardio que os antidepressivos123.
uso18. No entanto, o início de ação parece já ocorrer na primeira
semana. Uma metanálise de 46 estudos mostrou que 35% da A chance de que um próximo tratamento antidepressivo funcione
melhora medida em escalas de avaliação ocorrem na primeira se- decresce a cada nova tentativa que falha
mana91. Melhora nas primeiras duas semanas de tratamento estão O número de tentativas com medicação antidepressiva prévia
associadas com maior chance de resposta92,93. Ausência de resposta é um fator preditor importante para insucesso de tratamento. Os
em quatro semanas diminui a chance de haver resposta posterior estudos de “próximo passo” (next step studies) são, em geral,
com o mesmo tratamento, embora alguns pacientes possam vir a problemáticos por serem com “n” pequenos, não replicados e com
responder em seis semanas94,95. populações muito heterogêneas, o que tornam difíceis as genera-
Quando um paciente não responde ao tratamento a recomenda- lizações24. Uma exceção recente é o projeto STAR*D (Sequenced
ção é revisar os fatores relacionados à não resposta: Treatment Alternatives for the Relief of Depression), que envolveu
1) diagnóstico correto, avaliando a possibilidade de doença em torno de 4.000 pacientes seguidos ao longo de quatro etapas
médica ou psiquiátrica concorrente18; para avaliar o desempenho de sucessivas tentativas com esquemas
2) adesão a tratamento. A adesão ao tratamento antidepressivo é antidepressivos diversos124. Um dos principais achados do projeto
relativamente baixa, variando de 40 a 90% em diferentes estudos, STAR*D foi justamente o de que a resposta a tratamento decaiu
com a média de 65%96; de 49% para 19% e a remissão de 37% para 13% ao longo dos

Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17


S11 Fleck MP et al.

quatro estágios do estudo125. Outros trabalhos recentes corroboram a da remissão, mostra um risco relativo de 0,5 quando comparado
importância da ausência de resposta a um antidepressivo como bom com placebo139.
preditor de resposta insatisfatória a tratamentos subseqüentes36. O benefício de um tratamento por mais de seis meses depois
da remissão foi demonstrado apenas para grupos com história de
A ECT é um tratamento agudo para depressões, sendo mais episódios depressivos recorrentes18.
eficaz que medicações antidepressivas
A maioria dos estudos com ECT envolve pacientes graves e resis- Existem fatores que parecem estar associados a um maior risco
tentes a tratamento. Metanálises mostram que a ECT tem eficácia de recaídas/recorrências
superior a medicamentos antidepressivos126-128. Há evidência de Os seguintes fatores parecem estar associados a um maior risco de
que, quando ECT é usada como 4º passo num estudo seqüencial recaída/recorrência: 1) número de episódios prévios140; 2) sintomas
de tratamentos antidepressivos, 82% obtiveram resposta clinica- residuais141; 3) gravidade de sintomas depressivos142; 4) duração
mente significativa129. mais longa do episódio143,144; 5) psicose145; 6) nível de resistência
a tratamento125; 7) sexo feminino144,146; 8) estresse social/pouco
A estimulação magnética transcraniana e a estimulação do ajustamento social141,147; e 8) eventos de vida148.
nervo vago (ENV) são novas opções para o tratamento da de-
pressão; contudo, as evidências que sustentam seu uso são ainda A dose efetiva do tratamento de continuação é a mesma do
preliminares tratamento agudo
A estimulação magnética transcraniana consiste na estimulação, Não há estudos controlados que definam qual a melhor dose para
através de um campo magnético, do córtex cerebral. Metanálises en- um tratamento de continuação. Estudos naturalísticos mostram um
contraram efeitos clínicos significativos130,131. No entanto, os estudos benefício de continuar com a mesma dose do tratamento agudo
envolvem pequenas amostras, com metodologia heterogênea, na quando comparado com reduzir a dose149.
grande maioria estudos exclusivamente da fase aguda, com poucos
estudos envolvendo seguimento em médio e longo prazos. O tratamento de manutenção reduz a taxa de recorrência em
A ENV como tratamento antidepressivo está baseada nas suas pacientes com três ou mais episódios nos últimos cinco anos
peculiaridades anatômicas, já que se projeta para áreas do cére- Estudos controlados envolvendo pacientes com episódios de-
bro relevantes para a geração e controle das emoções132. A ENV pressivos recorrentes (tipicamente três nos últimos cinco anos) de-
não se mostrou mais eficiente que grupo controle com tratamento monstraram que a manutenção de um medicamento antidepressivo
simulado133, embora outros estudos com doses diferentes tenham previne a recorrência nos próximos um a cinco anos78. O seguimento
mostrado eficácia134. Apesar de a ENV ser aprovada pelo Food and de pacientes com episódios depressivos recorrentes prévios mostrou
Drugs Administration (FDA) como tratamento coadjuvante para que apenas 20% dos pacientes que receberam antidepressivo contra
depressões resistentes, até o momento é questionável se a ENV 80% com placebo apresentaram recorrência150.
exerce efeito superior ao placebo ou outros tratamentos e mais Um estudo naturalístico de cinco anos mostrou um benefício
estudos controlados são urgentemente necessários135. do uso sustentado de antidepressivo além de 28 semanas para
pacientes que tinham cinco ou mais episódios prévios, mas não
O planejamento de um tratamento antidepressivo envolve a para pacientes com menos episódios149.
fase aguda, de continuação e de manutenção, cada uma com
objetivos específicos A dose efetiva do tratamento de manutenção é a mesma do
O modelo predominante na literatura para o planejamento do tratamento agudo
tratamento antidepressivo envolve a fase aguda, de continuação e Dois estudos controlados mostraram uma taxa mais alta de recor-
de manutenção136. rência em pacientes cujo tratamento de manutenção foi realizado
1) Fase aguda. A fase aguda inclui dois a três primeiros meses e com a metade da dose do tratamento agudo nos dois a três anos
tem como objetivo a diminuição dos sintomas depressivos (resposta) seguintes150,151, sugerindo que a dose efetiva na fase aguda deva
ou idealmente ao esbatimento completo com o retorno do nível de ser mantida no longo prazo para evitar recorrências.
funcionamento pré-mórbido (remissão).
2) Fase de continuação. Corresponde aos quatro a seis meses Lítio parece ser uma alternativa aos antidepressivos no trata-
que seguem ao tratamento agudo e tem como objetivo manter mento de manutenção do episódio depressivo, com redução do
a melhoria obtida, evitando as recaídas dentro de um mesmo risco de suicídio
episódio depressivo. Ao final da fase de continuação, o paciente Duas metanálises mostraram superioridade do lítio quando
que permanece com a melhora inicial é considerado recuperado comparado ao placebo no tratamento de manutenção de episódio
do episódio índex. depressivos152,153, sendo que em uma delas esta diferença não foi
3) Fase de manutenção. O objetivo da fase de manutenção é estatisticamente significativa153. Nenhuma diferença de medicamen-
o de evitar que novos episódios ocorram (recorrência). A fase de tos antidepressivos na prevenção de recaídas e recorrências nos
manutenção, portanto, é recomendada naqueles pacientes com pacientes com depressão unipolare foi observada em um período
probabilidade de recorrência. de cinco meses a três anos152,154.
Uma metanálise mostrou que lítio teve uma redução de 85%
Um terço dos pacientes com episódio depressivo com remissão no índice de suicídio comparado com um grupo de pacientes que
inicial recai no primeiro ano usava antidepressivos155.
Os índices de recaída diminuem com o tempo. São estimados
em 20 a 24% nos primeiros dois meses, 28 a 44% aos quatro A suspensão abrupta de medicações antidepressivas está as-
meses, 27 a 50% aos seis meses e 37 a 54% a 12 meses137. sociada ao aparecimento de sintomas de descontinuação
Resultados semelhantes foram descritos para pacientes deprimi- Estudos controlados com ISRS e venlafaxina e estudos abertos e
dos em ambulatórios de medicina geral com 37% de recaída em relatos de caso com tricíclicos e inibidores da monoamina oxidase
um ano138. (IMAO) mostram que a suspensão abrupta do tratamento antide-
pressivo pode levar a sintomas de descontinuação que ocorrem
O tratamento antidepressivo de continuação por seis meses entre os primeiros dias até três semanas156-159. Os antidepressivos
reduz em 50% o risco de recaída têm pouco potencial para abuso160 e não há evidências de que as
Uma metanálise de estudos com pacientes em episódio de- reações de descontinuação façam parte de uma síndrome de adição
pressivo tratados com antidepressivo por dois a seis meses, além a antidepressivos161.

Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17


Diretrizes para a depressão S12

Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17


S13 Fleck MP et al.

APÊNDICE 3) educar o paciente a respeito da natureza do transtorno depres-


RECOMENDAÇÕES18 sivo, dos efeitos colaterais e dos benefícios da medicação;
4) limitar a dose de antidepressivo fornecida em função do risco
de suicídio;
I- ENCAMINHAMENTO/CONSULTORIA AO PSIQUIATRA PELO 5) ao prescrever um tricíclico ou outro antidepressivo que precise
MÉDICO NÃO ESPECIALISTA de aumento progressivo de dose, aumente a dose a cada três a sete
O encaminhamento ao psiquiatra está indicado nas seguintes dias para permitir ajuste dos efeitos colaterais.
situações:
1) risco de suicídio;
V- MANEJO DA AUSÊNCIA DE RESPOSTA AO TRATAMENTO
2) sintomas psicóticos;
PROPOSTO INICIALMENTE
3) história de transtorno afetivo bipolar.
1) Trate um episódio depressivo por pelo menos quatro semanas
O encaminhamento ou consultoria com psiquiatra é apropriado
antes de considerar modificação da estratégia.
nas seguintes situações:
1) médico sente-se incapaz de lidar com o caso; 2) Se ausência de resposta em quatro semanas:
2) duas ou mais tentativas de tratamento antidepressivo mal- a) verificar dose e adesão ao tratamento;
sucedidas ou com resposta parcial. b) revisar diagnóstico, incluindo possibilidade da presença de
comorbidade psiquiátrica ou de doença física, que deve então
II- INDICAÇÕES DE TRATAMENTO ANTIDEPRESSIVO receber tratamento;
Episódio depressivo moderado a grave e distimia c) considerar presença de fatores sociais que devem ser abordados
Os medicamentos antidepressivos são a primeira linha de trata- caso presentes.
mento independente da presença de fatores ambientais. 3) Se resposta parcial em quatro semanas:
a) continuar o tratamento por mais duas semanas.
Episódios depressivos leves (primeiro episódio) 4) Se ausência de resposta em quatro semanas (após verificação
1) Antidepressivos não estão indicados; do item 2) ou resposta parcial após seis semanas:
2) educação, suporte e simples solução de problemas são reco- a) aumentar a dose;
mendados; b) substituir por outra classe de antidepressivos;
3) monitoração para a persistência ou para o desenvolvimento de c) considerar a troca para IMAO em pacientes com sintomas
episódio depressivo moderado a grave. atípicos (ganho de peso, hipersonia, hipersensibilidade a críticas,
humor reativo a eventos externos).
Episódios depressivos leves persistentes 5) Ausência de resposta a um segundo antidepressivo:
Teste terapêutico com medicamento antidepressivo. a) adicionar um agente potencializador;
b) adicionar psicoterapia;
Episódio depressivo leve em paciente com história prévia de c) eletroconvulsoterapia.
episódio depressivo moderado a grave
Considerar tratamento com antidepressivo. OBS: A utilização de agentes potencializadores, prescrição de IMAO
e eletroconvulsoterapia devem ser feitos com consultoria psiquiátrica
Episódios depressivos leves a moderados ou por serviço psiquiátrico.
Psicoterapias específicas para depressão (cognitiva e interpessoal)
são alternativas efetivas aos medicamentos, dependendo da dispo- VI- O TRATAMENTO DE CONTINUAÇÃO
nibilidade de profissionais e preferência do paciente. 1) Continue o tratamento antidepressivo por pelo menos seis meses
após a remissão dos sintomas do episódio depressivo;
III- ESCOLHA DO MEDICAMENTO ANTIDEPRESSIVO 2) nos pacientes que persistem com sintomas residuais, mantenha
1) Individualize o tratamento considerando os aspectos específicos
o tratamento por tempo mais prolongado;
do paciente;
3) mantenha a mesma dose utilizada na fase aguda;
2) na ausência de fatores especiais, escolha antidepressivos bem
4) caso haja uma recaída durante a fase de continuação, use os
tolerados, seguros quando tomados em excesso e mais prováveis de
mesmo princípios de não resposta a tratamento.
serem tomados nas doses prescritas. Há mais evidências em relação
a estes critérios para os ISRS. No entanto, mirtazapina, reboxetina
e venlafaxina são também seguros e bem tolerados; VII- O TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO
3) para episódios depressivos graves em pacientes hospitalizados, 1) O tratamento de manutenção está indicado nas seguintes
considerar o uso dos tricíclicos ou venlafaxina preferencialmente; situações:
4) leve em conta também os seguintes fatores: a) resposta prévia a a) três ou mais episódios depressivos nos últimos cinco anos;
uma droga particular; b) tolerabilidade e efeitos adversos em relação b) mais que cinco episódios ao todo ao longo da vida;
a uma droga prévia; c) perfil de efeitos colaterias (p.ex. ganho de c) risco persistente de recaída.
peso, sedação, alterações na sexualidade); d) baixa letalidade se 2) mantenha a mesma dose utilizada na fase aguda;
risco de suicídio atual ou passado; e) doença física concomitante 3) o tratamento de manutenção deve ser feito por pelo menos
que pode dificultar o uso de um antidepressivo específico; f) uso de cinco anos e, provavelmente, indefinidamente;
medicamentos concomitantes que possa interagir com o medicamen- 4) a recorrência de um episódio depressivo deve ser tratada utili-
to antidepressivo; g) doença psiquiátrica concomitante que possa zando os mesmos princípios de não resposta ao tratamento.
responder a um antidepressivo específico (p.ex. transtorno obsessivo-
compulsivo e ISRS); h) preferência do paciente; i) custo. VIII- PRECAUÇÕES A SEREM TOMADAS QUANDO DA RETI-
RADA DE UM ANTIDEPRESSIVO
IV- O MANEJO DA SITUAÇÃO AGUDA 1) Para retirar um antidepressivo, baixe gradualmente a dose
1) Reconsultas a cada uma ou duas semanas no início do trata- durante, pelo menos, quatro semanas;
mento. Contatos telefônicos e consultas por profissionais de saúde 2) em pacientes em tratamento de manutenção de longa duração,
treinados não médicos podem substituir adequadamente algumas baixe gradualmente a dose ao longo de seis meses;
consultas médicas; 3) se a reação de descontinuação ocorrer, explique e tranqüilize
2) em cada revisão, avaliar resposta, adesão ao tratamento, efeitos o paciente. No caso de reação de descontinuação mais intensa, o
colaterais e risco de suicídio; antidepressivo deve ser reintroduzido e retirado mais lentamente.
Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17
Diretrizes para a depressão S14

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ATIVIDADE EM GRUPO

CASOS CLÍNICOS

1. J.H.F., 35 anos, feminino em uso de fluoxetina 20 mg 2 comprimidos pela manhã há dois


anos inicia tratamento para emagrecimento com sibutramina 15 mg 1 vez ao dia. Após
alguns dias apresenta desorientação, tontura, rigidez muscular, tremor, taquicardia,
mioclonia, sudorese e elevação da pressão arterial.

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2. M.B, 27 anos, feminino, queixa-se de desânimo, desinteresse pelas atividades habituais,


falta de apetite e tristeza profunda. Refere, ainda, dificuldade em se concentrar e um
despertar mais cedo do que o habitual (entre quatro e cinco horas da manhã). Nunca
teve sintomas similares. Ao contrário, sempre teve muita energia. O clínico prescreve
Venlafaxina (XR) 75 mg 1 vez ao dia. Após duas semanas de tratamento a paciente
apresenta humor eufórico, fala rápida, agitação e necessidade reduzida de sono. Os
familiares estão preocupados com a mudança repentina da paciente.

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9
3. G.L.A, 40 anos, masculino, utiliza sertralina 100 mg 1 vez ao dia (manhã) e clonazepan 2
mg ½ comprimido à noite para transtorno depressivo há 6 meses. Queixa-se de
diminuição da memória. Relata que dorme bem com o clonazepam mas que “tem
insônia só de pensar em não tomá-lo”.

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4. K.F., 38 anos, feminino, com diagnóstico de distimia, utiliza citalopram 20 mg 1 vez ao


dia há 9 meses. Embora esteja se sentindo bem, com melhora no humor de forma geral,
ela se queixa de dificuldade de concentração e diminuição da libido.

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TRANSTORNO BIPOLAR

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11
„ Artigo Original

Tratamento farmacológico do transtorno


bipolar: as evidências de ensaios
clínicos randomizados
Pharmacological Treatment of Bipolar Disorder:
Evidence from Randomized Clinical Trials

FLÁVIO KAPCZINSKI1 Resumo


FERNANDO KRATZ GAZALLE1
O presente artigo é uma síntese das evidências provenientes de ensaios clínicos
BENÍCIO FREY1 randomizados sobre o tratamento do transtorno bipolar. A metodologia para a
MÁRCIA KAUER-SANT’ANNA1 busca do material disponível é descrita, e os resultados são apresentados. Com
JULIANA TRAMONTINA1 o melhor nível de evidência disponível, ou seja, revisões sistemáticas de mais
de um ensaio clínico randomizado ou pelo menos um ensaio clínico
randomizado, temos as seguintes recomendações: 1) a mania aguda pode ser
tratada com Lítio, Valproato, Carbamazepina, e antipsicóticos; 2) a depressão
bipolar pode ser tratada com antidepressivos (com risco aumentado de virada
para mania), com lamotrigina e a associação fluoxetina/olanzapina e 3) a
manutenção do transtorno bipolar pode ser realizada com o lítio, valproato,
carbamazepina, olanzapina e lamotrigina (quando o objetivo for a profilaxia
da depressão bipolar). A não existência de ensaios clínicos publicados não
significa que determinadas intervenções não sejam úteis.

Palavras-chave: Transtorno bipolar, diretrizes, ensaios clínicos.

Abstract
The present article is a synthesis of the published clinical trials about the
treatment of Bipolar disorder (BD). The methodology used to search the
literature is described and results are presented. Using the best available
evidence (systematic reviews of clinical trials or at lest one randomized clinical
trial) the following is recommended: 1) acute mania can be treated with lithium,
carbamazepine, valrpoate and antipsychotics; 2) acute depression can be treated
with lamotrigine, olanzapine/fluoxetine combination and with antidepressants
(with an increased risk of switch into mania); 3) maintenance can be performed
using lithium, valproate, olanzapine and lamotrigine (when the aim is
prophylaxis of bipolar depression). The absence of published results about
certain interventions does not mean that such interventions are not useful.

Key words: Bipolar disorder, guidelines, clinical trials.

Recebido: 05/12/2004 - Aceito: 17/01/2005


1 Programa de Transtornos Bipolares (PROTAHBI) e Departamento de Psiquiatria e Medicina
Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Endereço para correspondência: Flávio Kapczinski. Centro de Pesquisas do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre – Rua Ramiro Barcelos, 2350 – 90035-003 – Porto Alegre – RS. Fax: (51) 3222-8047;
e-mail: kapcz@terra.com.br

Kapczinski, F.; Gazalle, F.K.; Frey, B.; Kauer-Sant’Anna, M.; Tramontina, J. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 34-38, 2005
35

Introdução portadores apresentam episódios de mania que se


alternam com episódios depressivos. Mania é caracte-
Diretrizes para o tratamento consistem em reco- rizada por elevação do humor, sintomas psicóticos
mendações derivadas de informações científicas ou de ou conduta perigosa para o próprio paciente ou
consensos nas quais informações e opiniões são suma- outrem. Versões atenuadas de episódios maníacos,
rizadas de forma coerente. Sumários da literatura e em que não ocorre psicose e não há perigo evidente
consensos de especialistas trazem informações comple- para a integridade dos pacientes ou outras pessoas,
mentares, pois o aporte de informações provenientes caracterizam a hipomania. Pacientes que sofrem de
de ensaios clínicos privilegia a qualidade das infor- hipomania e episódios depressivos são definidos como
portadores do transtorno bipolar do tipo II. Estudos
mações, enquanto consensos de especialistas privile-
longitudinais indicam que pacientes que apresentam
giam a experiência clínica de autoridades na área.
o transtorno bipolar do tipo I não tendem a trans-
Por vezes, é difícil compatibilizar os dois enfoques,
formar-se em bipolares do tipo II e vice-versa. Quando
pois as diretrizes oriundas dessas duas metodologias,
um dado paciente preenche simultaneamente crité-
não raro, são conflitantes.
rios para mania e depressão, considera-se que seu
Apesar das dificuldades no estabelecimento de
episódio de humor é do tipo misto (veja artigo “Estados
diretrizes, especialistas nas diferentes áreas do conhe-
mistos e quadros de ciclagem rápida no transtorno
cimento médico são convidados a sistematizar suas
bipolar”, neste suplemento), (Moreno et al. 2005).
práticas. Uma razão para isso é a necessidade de
elaborar políticas de saúde pública que contemplem o
melhor interesse dos pacientes, a melhor informação Tratamento
disponível e a experiência dos profissionais no emprego
das intervenções preconizadas. A elaboração de reco- O tratamento do TB envolve três domínios específicos:
mendações de tratamento tem uma metodologia bem mania aguda, depressão aguda e manutenção. Neste
estabelecida (Eddy, 1990). As recomendações são reali- artigo os estados mistos (EMs) foram agrupados com
zadas para “um paciente com características próximas a mania aguda, pois há poucos ensaios desenhados
à média populacional”. A conseqüência desta premissa especificamente para o tratamento dos EMs.
é que o uso dessas recomendações, sem que seja levado
em consideração o contexto clínico, pode produzir mais Mania aguda/estados mistos
perdas do que ganhos. Para uma revisão mais detalhada veja artigos “Diagnós-
O presente trabalho é um sumário das infor- tico, tratamento e prevenção da mania e da hipomania
mações descritas na literatura sobre opções terapêu- no transtorno bipolar ” (Moreno et al., 2005) e “Estados
ticas, testadas em ensaios clínicos randomizados, para mistos e quadros de ciclagem rápida no transtorno
o transtorno bipolar (TB). bipolar” (Moreno e Moreno, 2005), neste suplemento.
Os estados de mania configuram emergência médica e
seu tratamento deve ser imediato (Belmaker, 2004).
Metodologia Na ausência de tratamento específico, os episódios
maníacos tendem naturalmente à melhora; entretanto,
Este trabalho se origina de um encontro inicial, realizado
sem tratamento, podem durar meses ou anos (Beers,
em 2004, com a presença de diversos especialistas brasi-
1953). A mania aguda pode ser tratada com lítio,
leiros. Nele são sumarizadas as evidências disponíveis
valproato, carbamazepina, antipsicóticos típicos e
na literatura até dezembro de 2004. Para a realização
antipsicóticos atípicos (Goodwin, 2003). Todos estes
do trabalho foi observada a hierarquia adaptada do US
tratamentos possuem vantagens e desvantagens e
Department of Care Policy and Research Classification
devem ser considerados individualmente. Antipsicóticos
(1992), no qual o melhor nível de evidência é o ensaio
atípicos estão menos associados a efeitos extrapiramidais
clínico randomizado. As recomendações foram realizadas
em portadores de esquizofrenia (Geddes et al., 2000).
a partir de dados provenientes de ensaios clínicos rando-
Pacientes bipolares parecem ser mais suscetíveis ao
mizados (ECRs) ou revisão sistemática de ensaios
desenvolvimento de efeitos extrapiramidais do que
clínicos. Os dados foram extraídos de revisões sistemá-
pacientes com esquizofrenia (Goodwin, 2003). Estudos
ticas e ensaios clínicos randomizados utilizando o
naturalísticos de pacientes com esquizofrenia sugerem
Medline, o EMBASE e a Cochrane Library. Foram
que o surgimento de efeitos extrapiramidais agudos é
também utilizadas diretrizes previamente identificadas
um preditor do desenvolvimento de discinesia tardia
na literatura e revisões de especialistas na área.
(Andrew, 1994). Dados referentes à prática clínica
sugerem que o uso isolado do lítio, valproato e carbama-
Definições zepina, embora efetivo, pode ter resultados lentos, o
que não é desejável em pacientes com mania aguda.
O TB, em sua expressão plena, é definido como trans- Portanto, há indicações de que o uso de antipsicóticos é
torno bipolar do tipo I. Isso significa que os pacientes uma escolha superior nesses casos. Recomenda-se que

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o tratamento da mania aguda seja iniciado com antipsi- et al., 2003a). O uso de antipsicóticos está bem
cóticos com a adição de lítio, valproato ou carbamazepina, fundamentado na depressão bipolar com psicose
quando for possível o uso de medicação via oral (Belmaker, (Johnstone et al., 1988). Uma complicação freqüente
2004). O uso de atípicos como a olanzapina, risperidona, da depressão é o suicídio. O lítio é o único medica-
ziprasidona e aripiprazol é eficaz na mania aguda (Tabela mento que apresenta propriedades anti-suicidas
1). O uso da ECT é considerado eficaz no tratamento de (Baldessarini et al., 2003).
quadros mistos e mania, muito embora estudos adequa-
damente desenhados para prover suporte a esta prática Manutenção
ainda não estejam disponíveis (Goodwin, 2003). Para uma revisão detalhada, veja artigo “Tratamento
do transtorno bipolar – Eutimia”, (Souza, 2005) neste
Depressão suplemento. O lítio (Geddes et al., 2004), o valproato
A depressão bipolar é definida como episódio depres- (Macritchie et al., 2001), a carbamazepina (Okuma e
sivo em paciente portador de TB. Para uma revisão Kishimoto, 1998) e a olanzapina (Tohen et al., 2003)
detalhada veja artigo “Tratamento da depressão bipo- apresentam eficácia no tratamento de manutenção,
lar”, (Lafer et al., 2005) neste suplemento. A depressão reduzindo recaídas maníacas e depressivas. Todos esses
bipolar tende a apresentar resposta ao tratamento medicamentos parecem apresentar um viés de maior
com antidepressivos convencionais (Gijsman et al., proteção para episódios maníacos (Goodwin, 2003 e
2004), porém apresenta o risco adicional de virada Belmaker, 2004). A lamotrigina não parece proteger
para mania (Belmaker, 2004). Uma revisão recente pacientes da emergência de episódios maníacos, mas é
recomenda, caso se decida pelo uso de antidepres- um tratamento profilático para a depressão bipolar
sivos, inibidores específicos da recaptação da seroto- (Calabrese et al., 2003).
nina ou inibidores da monoamina-oxidase (Gijsman
et al., 2004). Há um estudo sugerindo vantagens do
uso da bupropiona (Sachs et al., 1994). A utilização Conclusões
da eletroconvulsoterapia na depressão bipolar parece
eficaz, porém estes dados são extrapolados da litera- Existem vários tratamentos baseados em ensaios clínicos
tura sobre pacientes unipolares (Goodwin, 2003). O randomizados para o tratamento das diversas fases do
tratamento da depressão bipolar com monoterapia transtorno bipolar. Com o melhor nível de evidência dispo-
com lítio tem pequeno suporte na literatura (Bhag- nível, ou seja, revisões sistemáticas de mais de um ensaio
wagar e Goodwin, 2002). Da mesma forma, o uso de clínico randomizado ou, pelo menos, um ensaio clínico
monoterapia com carbamazepina e valproato na randomizado, observam-se as seguintes recomendações:
depressão bipolar é pouco documentado (Goodwin, 1) a mania aguda pode ser tratada com lítio, valproato,
2003). Duas intervenções têm base em ensaios clíni- carbamazepina, e antipsicóticos; 2) a depressão bipolar
cos: monoterapia com lamotrigina (Calabrese et al., pode ser tratada com antidepressivos (com risco
1999) e a combinação olanzapina/fluoxetina (Tohen aumentado de virada para mania), com lamotrigina e a

Tabela 1. Tratamento de monoterapia no transtorno bipolar: intervenções baseadas em ensaios clínicos randomizados.
Intervenção Mania aguda Depressão aguda Manutenção Estudos
Lítio + - + Geddes et al., 2004
Valproato + - +* Bowden et al., 1994, 2000
Carbamazepina Weisler et al., 2004;
+ - +** Greil et al.,1997;
Hartong et al., 2003
Antidepressivos - +*** - Gijsman et al., 2004
Lamotrigina - + +/- Calabrese et al., 1999; 2003
Olanzapina + - + Tohen et al., 2003
Risperidona + - - Hirschfeld et al., 2004
Ziprasidona + - - Keck et al., 2003
Aripiprazol + - - Keck et al., 2003

+: evidência de eficácia; - : sem evidência de eficácia; +/-: sem eficácia na profilaxia da mania, mas com eficácia na profilaxia da
depressão; +*: embora o valproato seja eficaz, há evidências da superioridade do lítio; +**: embora a carbamazepina seja eficaz, há
evidências da superioridade do lítio; +***: embora antidepressivos sejam eficazes no tratamento agudo da depressão bipolar, podem
precipitar a virada para mania ou agravamento de certos quadros.

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associação fluoxetina/ olanzapina e; 3) a manutenção do clínica. Fatores como preferência de pacientes, expe-
transtorno bipolar pode ser realizada com lítio, valproato, riência pessoal do clínico e custo–benefício do trata-
carbamazepina e olanzapina (Tabela 1). mento devem ser levados em consideração. Existem
A não-existência de ensaios clínicos randomizados vários estudos sugerindo que a combinação de mais
não exclui a eficácia de outros compostos. O julga- de um tratamento medicamentoso pode melhorar os
mento entre riscos e benefícios das diferentes inter- desfechos do transtorno bipolar. O teste da eficácia de
venções deve ser pesado em cada caso individual. Esse combinações medicamentosas no transtorno bipolar é
julgamento está sujeito às contingências da prática um campo fértil de pesquisa.

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„ Artigo Original

Diagnóstico, tratamento e
prevenção da mania e da hipomania
no transtorno bipolar
Diagnosis, Treatment and Prevention of Mania and Hipomania
within the Bipolar Disorder

RICARDO ALBERTO MORENO1 Resumo


DORIS HUPFELD MORENO2
ROBERTO RATZKE3 Pelo menos 5% (Moreno, 2004 e Angst et al ., 2003) da população geral já
apresentou mania ou hipomania. A irritabilidade e sintomas depressivos durante
episódios de hiperatividade breves e a heterogeneidade de sintomas complicam
o diagnóstico. Doenças neurológicas, endócrinas, metabólicas e inflamatórias
podem causar uma síndrome maníaca. Às vezes, a hipomania ou a mania são
diagnosticadas de forma errada como normalidade, depressão maior,
esquizofrenia ou transtornos de personalidade, ansiosos ou de controle de
impulsos. O lítio é a primeira escolha no tratamento da mania, mas ácido
valpróico, carbamazepina e antipsicóticos atípicos são também freqüentemente
utilizados. A eletroconvulsoterapia está indicada na mania grave, psicótica ou
gestacional. A maioria dos estudos controlados para a profilaxia de episódios
maníacos foi realizada com lítio e mais estudos são necessários para investigar
a eficácia profilática do valproato, da olanzapina e de outras medicações. O
tratamento e a profilaxia da hipomania foram pouco estudados e, de modo
geral, seguem as mesmas diretrizes usadas para a mania.

Palavras-chave: Transtorno bipolar, mania, hipomania, diagnóstico, tratamento.

Recebido: 17/11/2004 - Aceito: 07/01/2005

1 Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e


Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da FMUSP.
2 Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da FMUSP.
3 Médico Assistente de Psiquiatria da Faculdade Evangélica do Paraná.
Endereço para correspondência: Ricardo A. Moreno. Rua Capote Valente, 432, cj. 35 – 05409-001 –
São Paulo – SP. Tel: (11) 3068-0150; fax: (11) 3063-3417; e-mail: rmoreno@sti.com.br

Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005
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Abstract
At least 5% (Moreno, 2004 e Angst et al ., 2003) of the general population have
presented mania or hypomania. Irritability and depressive symptoms during
brief hyperactivity episodes and the heterogeneity of symptoms complicate
the diagnosis. Neurological, metabolic, endocrine, inflammatory diseases,
besides drugs intoxication and abstinence can cause a manic syndrome.
Sometimes hypomania or mania are misdiagnosed as normality, major
depression, schizophrenia, personality, anxiety and impulse control disorders.
Lithium is the first treatment choice for episodes of mania. Valproic acid,
carbamazepine and atypical antipsychotics are frequently used as well.
Electroconvulsive therapy should be used in severe, psychotic or gestational
mania. For the prophylaxy of manic episodes, lithium is the medication with
most controlled studies. More studies are needed to investigate the prophylactic
efficacy of valproate, olanzapine and other medications. The treatment and
prophylaxis of hypomania remains understudied, and usually follows the
guidelines used for mania.

Key words: Bipolar disorder, mania, hypomania, diagnosis, treatment.

Introdução além de enfatizar o diagnóstico diferencial (inclusive


com a mania orgânica) e os tratamentos importantes
O transtorno bipolar (TB) é um dos quadros nosoló- pouco abordados, como a eletroconvulsoterapia (ECT).
gicos mais consistentes ao longo da história da medi-
cina e as formas típicas (euforia – mania, depressão) Descrição do quadro clínico
da doença são bem caracterizadas e reconhecíveis,
permitindo o diagnóstico precoce e confiável. A mania
é o mais característico dos episódios e, apesar de Mania
freqüente e incapacitante (é o que mais resulta em A mania afeta o humor e as funções vegetativas, como
internações agudas em virtude das graves mudanças sono, cognição, psicomotricidade e nível de energia.
de comportamento e conduta que provoca), é pouco Em um episódio maníaco clássico, o humor é expan-
estudada e diagnosticada. A hipomania, sua forma sivo ou eufórico, diminui a necessidade de sono, ocorre
mais leve, era praticamente desconhecida pela aumento da energia, de atividades dirigidas a objetivos
maioria dos clínicos, sendo confundida com a (por exemplo, o paciente inicia vários projetos ao mes-
normalidade ou transtornos de personalidade mo tempo), de atividades prazerosas, da libido, além
borderline, histriônico, narcisista ou anti-social. Nos de inquietação e até mesmo agitação psicomotora. O
últimos anos, o interesse nestes quadros aumentou, pensamento torna-se mais rápido, podendo evoluir para
com maiores pesquisas em diagnóstico, neurobiologia, a fuga de idéias. O discurso é caracterizado por prolixi-
epidemiologia e tratamento. Apesar disso, a identi- dade, pressão para falar e tangencialidade. As idéias
ficação de pacientes pertencentes ao amplo grupo de costumam ser de grandeza, podendo ser delirantes.
bipolares, embora de suma importância clínica, social Geralmente a crítica está prejudicada e os ajuiza-
e econômica, e apesar da terapêutica disponível, mentos emitidos se afastam da realidade do paciente.
continua sendo pouco ou tardiamente diagnosticado A maior dificuldade no diagnóstico ocorre em
e inadequadamente tratado. Em nosso meio, dados episódios em que há irritabilidade, idéias delirantes
recentes do Sistema Único de Saúde de São Paulo paranóides, agitação psicomotora e sintomas depres-
(www.datasus.gov.br) refletem indiretamente o sivos com labilidade afetiva. Quando sintomas de-
problema, pois mais de 10 mil AIHs (Autorizações de pressivos estão presentes em grande quantidade, o
Internação Hospitalar) por ano são devidas ao TB. quadro é denominado de episódio misto ou até
No entanto, em homens, não se mencionam trans- mesmo de depressão agitada. Não há consenso sobre
tornos do humor como indicação para internação e o número de sintomas necessários para esta
prevalecem os diagnósticos de alcoolismo e esquizo- diferenciação. Há muito tempo se conhecem os
frenia. Neste trabalho foram revisadas as evidências estágios de agravamento na evolução natural desses
diagnósticas e terapêuticas da mania/hipomania, episódios quando não tratados (Tabela 1).

Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005
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Tabela 1. Estágios da mania.


Estágio I Estágio II Estágio III
Humor Lábil, eufórico, Disforia e depressão, Claramente disfórico,
irritável se contrariado hostil e irado em pânico, desesperado
Pensamento Expansivo, grandioso; Fuga de idéias, Incoerente,
e cognição hiperconfiante; desorganização, associações frouxas,
pensamento acelerado, idéias deliróides bizarro, idiossincrásico,
coerente ou tangencial; alucinações,
preocupações religiosas desorientação
e sexuais idéias de referência
idéias deliróides
Comportamento Aceleração psicomotora, Hiperatividade, Atividade frenética e
maior iniciativa maior pressão do bizarra
de discurso, discurso,
gastos, tabagismo e agressões físicas
telefonemas excessivos
Sinonímia Hipomania Mania franca Mania delirante
(Psicose indiferenciada)
Fonte: Carlson e Goodwin, 1973.

As classificações mais utilizadas em psiquiatria Hipomania


enfatizam o quadro clássico da mania. O diagnóstico
A hipomania é um estado semelhante à mania, porém
pelo DSM-IV requer humor persistente e anormal-
mais leve. Em geral, é breve, durando menos de uma
mente elevado, expansivo ou irritável durando pelo
semana. Há mudança no humor habitual do paciente
menos uma semana. Caso seja necessária a hospitali-
para euforia ou irritabilidade, reconhecida por outros,
zação antes de uma semana, o diagnóstico também
além de hiperatividade, tagarelice, diminuição da neces-
pode ser feito. Além da alteração de humor, pelo menos
três (ou quatro se o humor é irritável) dos seguintes sidade de sono, aumento da sociabilidade, atividade
sintomas devem estar presentes: grandiosidade, neces- física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, e
sidade diminuída de sono, pressão para falar, fuga de impaciência. O prejuízo ao paciente não é tão intenso
idéias ou pensamentos correndo, distratibilidade, au- quanto o da mania. A hipomania não se apresenta com
mento da atividade dirigida a objetivos ou agitação sintomas psicóticos, nem requer hospitalização.
psicomotora, envolvimento excessivo em atividades No DSM-IV a duração mínima de quatro dias é
prazerosas. Uma falha dessa classificação é não citar necessária para a confirmação do diagnóstico. Os
sintomas psicóticos entre os critérios, apenas especifi- sintomas são os mesmos da mania e também exclui
cadores. Outra é excluir, para o diagnóstico, a mania como hipomania aquela induzida por antidepressivos.
induzida por antidepressivos. A CID-10 cita apenas “vários dias” como necessários
A CID-10 é vaga na sua definição, apesar de enfa- para preencher o critério de hipomania. Um estudo
tizar a mania com e sem sintomas psicóticos. Exige de validação epidemiológica prospectiva demonstrou
no seu manual clínico a presença de elação do humor, que até mesmo um dia já é suficiente para o diagnóstico
que não basta ser irritável, e não operacionaliza uma de hipomania, sendo a duração modal de dois dias
duração mínima ou um número mínimo de sinto- (Angst, 1998).
mas. Inclui também como sintomas o aumento de Os estados patológicos de elevação do humor são
energia, a diminuição da necessidade de sono, a acompanhados de vários graus de sintomas depres-
distratibilidade, a grandiosidade, a pressão para falar sivos e prejuízos funcionais. Embora os instrumentos
e a perda das inibições sociais. Em 2001, Akiskal et diagnósticos separem hipomania, mania e estados
al. propuseram novos critérios para o diagnóstico de mistos, muitas vezes é difícil discriminá-los de forma
mania. Enfatizaram a ativação psicomotora como confiável. O paciente bipolar tipo I comumente exibe
central na mania, humor depressivo ou ansioso, além um curso que flutua entre esses episódios em uma
de eufórico ou irritável, ausência de crítica e quatro progressão que em alguns momentos parece ordenada
dos seguintes sintomas: aumento de energia, e, em outros, caótica. Na prática clínica, o grau de
diminuição da necessidade de ajuda, grandiosidade, incapacitação e as alterações de comportamento, como
sociabilidade excessiva, aumento da libido, fuga de agressividade, agitação, psicose, falta de crítica e da
idéias e distratibilidade. capacidade de julgamento da realidade, além dos

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comprometimentos sociais e ocupacionais, chamam a com transtornos de personalidade, como o anti-social,


atenção e levam à intervenção médica. O que dife- o narcisista, o histriônico e o borderline. O DSM-IV
rencia mais freqüentemente episódios de depressão e resolve o problema deste diagnóstico diferencial
os de elevação do humor é a variabilidade de sintomas permitindo a comorbidade destes quadros. Os trans-
durante o dia. Pacientes em mania podem ter horas tornos de personalidade costumam ser mais crônicos,
ou dias sem sintomas francos e, em alguns casos, a com início na infância ou na adolescência e ter pior
elevação do humor é mais bem caracterizada como resposta ao tratamento medicamentoso. A história
um estado de hiper-reatividade a estímulos. familiar de transtorno do humor também auxilia no
Outros fatores também interferem para o não- diagnóstico diferencial.
reconhecimento da mania, hipomania e dos estados A mania e a hipomania com irritabilidade devem
mistos, tais como (Akiskal et al., 2000): não investigar ser diferenciadas da depressão unipolar. Nesta, se
hipomania; confundir sintomas psicóticos com houver agitação psicomotora, não é tão intensa quanto
esquizofrenia ou sintomas hipomaníacos com no TB. O humor depressivo costuma estar presente,
comportamentos normais; não distinguir episódios mistos a maior parte do tempo, na depressão e não na hipo-
de transtornos de personalidade, impulsividade com mania ou mania. O diagnóstico diferencial também
bulimia ou com transtorno associado ao uso de deve ser feito com transtornos ansiosos que costumam
substâncias; e não consultar o informante ou usar outras acompanhar as depressões, como o de ansiedade
fontes de dados. Pacientes e familiares podem considerar generalizada. De acordo com Akiskal et al. (2001), as
a hipomania como normal, não procurar tratamento ou manias também podem ser caracterizadas por humor
esquecer de relatar episódios anteriores. Por outro lado, ansioso. Novamente a agitação da ansiedade genera-
pacientes podem apresentar ausência de crítica do estado lizada é menor que a da mania. A história familiar de
mórbido motivada por ignorância, preconceito ou medo, TB também auxilia no diagnóstico diferencial. Os
ou mesmo pela presença de sintomas psicóticos. Além transtornos de controle de impulsos, como cleptomania,
disso, os instrumentos diagnósticos focam apenas a piromania e transtorno explosivo intermitente devem
polaridade e não o curso da doença, e a hipomania não ser diferenciados da hipomania e da mania. Em geral,
requer disfunção social/ocupacional para o diagnóstico estes são caracterizados apenas pelo descontrole da
pelo DSM-IV. A avaliação transversal (estado clínico impulsividade, sem queixas de aumento de energia,
atual) e longitudinal (freqüência, gravidade e conse- agitação psicomotora ou diminuição da necessidade
qüências de episódios passados) devem ser levadas em do sono, e o descontrole da impulsividade também cos-
consideração para o diagnóstico e requer atenção tuma ser maior no TB. Outro diagnóstico diferencial
cuidadosa na história clínica. importante é com a intoxicação ou abstinência de
substâncias, já que freqüentemente o TB apresenta
comorbidade com o abuso ou a dependência de álcool
Diagnóstico diferencial ou outras substâncias. Muitas vezes, o diagnóstico
diferencial só é possível por meio de uma pesquisa
A mania, particularmente nas formas mais graves toxicológica de sangue ou urina.
associadas a delírios paranóides, agitação e irritabili-
dade, pode ser difícil de distinguir da esquizofrenia,
que apresenta em geral maior número de delírios Quadros orgânicos que podem gerar
incongruentes com o humor e sintomas schneiderianos estados hipomaníacos/maníacos
de primeira ordem (por exemplo: sonorização do pensa-
mento, alucinações auditivas referindo-se ao paciente A denominação “orgânica” para doenças clínicas, que
na terceira pessoa), além de sintomas negativos, como costumam ser abordadas por outras especialidades
embotamento afetivo. Idéias delirantes de grandeza médicas, em oposição a “funcionais” para os transtornos
também podem aparecer na esquizofrenia, porém sem mentais não é correta, pois há cada vez mais evidências
o humor expansivo ou eufórico observado na mania. de alterações orgânicas também nas doenças psiquiá-
A hipomania pode ser confundida com estados de tricas, como no transtorno bipolar ou na esquizofrenia.
humor normais, como a alegria e a irritabilidade que Porém, o termo “orgânico” foi consagrado pelo uso, sendo
costumam ter fatores desencadeantes positivos ou assim utilizado neste artigo. A mania pode ser originada
negativos (como uma boa ou má notícia), que não pelo uso ou pela abstinência de substâncias (Tabela 2).
necessariamente são percebidos pelos outros como O uso de anfetaminas ou cocaína, por exemplo, pode
diferentes do padrão habitual de humor da pessoa, não originar um quadro indistinguível da hipomania ou
causam prejuízos, nem acarretam envolvimento com mania espontânea, assim como sintomas da abstinência
atividades de risco ou diminuição na necessidade de de álcool ou sedativos. Várias doenças neurológicas,
sono. A hipomania pode ou não ter fatores desenca- como epilepsia, traumatismo craniencefálico, acidente
deantes, podendo estes ser positivos ou negativos, como vascular cerebral, ou, ainda, endócrinas ou metabólicas,
o falecimento do cônjuge. Freqüentemente, a hipomania a exemplo do hipertireoidismo, podem causar quadros
e o transtorno bipolar tipo II podem ser confundidos maniformes (Tabela 3).

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Tabela 2. Substâncias associadas à hipomania e à mania.


Álcool Buspirona L-glutamina
Alfa-interferon Captopril Loxapina
Anfetaminas Ciclobenzaprina Metoclopramida
Antagonistas histamínicos H2 Ciclosporina Narcóticos
Anticonvulsivantes Cloroquina Ofloxacina
Antidepressivos Cocaína Procarbazina
Antiparkinsonianos Corticosteróides Propafenona
Baclofeno Dapsona Pseudo-efedrina
Barbitúricos Dietiltoluamida Quinacrina
Benzodiazepínicos Esteróides anabólicos Sulfonamidas
Bloqueadores beta-adrenérgicos Hormônios tireoidianos Teofilina
Bromocriptina Zidovudina
Fonte: adaptado de Dubovsky e Dubovsky, 2004

Tratamento administração de medicamentos e sim ao gerencia-


mento de uma doença complexa, que abarca fatores
Nos últimos anos, o tratamento do TB tem avançado biológicos, psicológicos e sociais, devendo ser imple-
consideravelmente com o uso de anticonvulsivantes mentado pelo médico psiquiatra. A seguir são descritos
e, mais recentemente, de antipsicóticos atípicos. Teori- os passos para o tratamento.
camente, os tratamentos que corrigem a fisiopatologia A avaliação diagnóstica é fundamental e a utili-
subjacente à mania melhoram todos os sinais e zação de questionários de auto-avaliação e escalas de
sintomas associados à elevação patológica do humor avaliação de mudanças circadianas de humor, além de
e, até o momento, não se dispõe deste tratamento. O afetivogramas, têm sido úteis na prática clínica. Avaliar
tratamento medicamentoso visa restaurar o comporta- a segurança do paciente e das pessoas próximas auxilia
mento, controlar sintomas agudos e prevenir a na determinação do tipo de tratamento. Todos os
ocorrência de novos episódios. Não se limita apenas à pacientes devem ser questionados sobre ideação,
intenção, planejamento ou tentativas de suicídio em
virtude do risco de 10% a 15% em bipolares tipo I. Os
que apresentam risco de suicídio ou de violência devem
ser monitorados de perto e a internação hospitalar está
indicada em casos de ameaça a si ou a outras pessoas,
Tabela 3. Doenças associadas a síndromes complicações psiquiátricas ou médicas, resposta
maniformes. inadequada ou ausência de resposta anterior a
Doenças neurológicas Epilepsia tratamento. Em caso de recusa do paciente, a
Doença de Hungtinton internação involuntária pode ser indicada. O ambiente
Infecções (HIV, neurossífilis) da enfermaria deve ser calmo e estruturado a fim de
Esclerose múltipla evitar estímulos que possam incitar a hiper-reatividade
Lesão traumática cerebral característica da mania e hipomania. O tratamento
Demências agudo deve ser seguido pelo planejamento e pela
Tumores do sistema
execução do tratamento a longo prazo, que requer o
nervoso central
Acidente vascular cerebral
estabelecimento e a manutenção de uma aliança
terapêutica por meio de um bom relacionamento
Doenças metabólicas Insuficiência renal
médico–paciente–família–cuidador, que propicie uma
Deficiências vitamínicas
Distúrbios hidroeletrolíticos relação terapêutica e de apoio. O psiquiatra deve estar
Porfiria aguda intermitente atento a possíveis mudanças no estado clínico, como
Intoxicação por metais pesados ciclagem para estados mistos ou depressão, assim como
ou toxinas ambientais à duração e à gravidade dos episódios.
Doença de Wilson A psicoeducacão do paciente e do familiar ou
Uremia cuidador é fundamental e tem por objetivo oferecer
Encefalopatia hepática informações sobre a doença, seu prognóstico e trata-
Doenças endócrinas Hipertireoidismo mento, propiciando maior entendimento do processo
Doença de Cushing terapêutico e, conseqüentemente, levando a melhor
Disfunção da paratireóide adesão ao tratamento. Isto pode ser feito diretamente
Doenças inflamatórias Lupus eritematoso sistêmico pelo médico ou por meio de encontros psicoeducionais,
Fonte: adaptado de Dubovsky e Dubovsky, 2004 muitas vezes promovidos por associações de pacientes

Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005
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(www.abrata.com.br) ou instituições da rede pública menos graves, a monoterapia com lítio, valproato ou
assistencial, assim como pelo do fornecimento de um antipsicótico atípico, como a olanzapina, pode ser
folhetos educativos, livros e sites na Internet. Avaliar suficiente. Existem menos evidências sustentando a
e estimular sempre a adesão ao tratamento é uma indicação de aripiprazole, ziprasidona e quetiapina
tarefa fundamental porque a ambivalência em relação em lugar de outro antipsicótico atípico e de CBZ ou
ao tratamento ocorre a qualquer momento e por vários oxcarbazepina (OXC) em vez de lítio ou valproato.
motivos, como falta de discernimento (não ser Embora os dados sobre a eficácia da OXC perma-
possuidor de uma doença ou estar curado) ou crenças neçam limitados, este medicamento pode ter eficácia
pessoais (querer vivenciar a “alegria e bem-estar” da equivalente e melhor tolerabilidade que a CBZ. O
hipomania/mania). Efeitos colaterais das medicações, uso concomitante de benzodiazepínicos (BDZ) pode
seu custo e outras demandas do tratamento a longo ser útil se comparado com o de antidepressivos (AD),
prazo devem ser discutidos com o paciente e seu fami- que podem precipitar ou exacerbar mania/hipomania
liar/cuidador de forma efetiva. Estar alerta e ensinar ou estados mistos e, de modo geral, deveriam ser
ao paciente a identificar estressores psicossociais e descontinuados e evitados quando possível.
outros fatores que levem à piora ou ao desenca-
deamento de crises é fundamental e exige vigilância
constante. É importante vigiar possíveis mudanças
Lítio
no estilo de vida e estimular um padrão regular de
O lítio continua sendo o medicamento de primeira
atividades e de sono. Trabalhar junto com o paciente
escolha, apresenta maior número de estudos contro-
e seu familiar/cuidador na identificação precoce de
lados demonstrando sua eficácia na mania/hipomania
sinais e sintomas de recaída auxilia numa intervenção
e na prevenção de recorrências. Além disso, é o único
rápida e incisiva, e pode evitar a progressão de um
com efeito na prevenção do suicídio em bipolares; o
episódio. Os pacientes, muitas vezes, apresentam se-
risco de morte por suicídio foi 2,7 vezes maior durante
qüelas emocionais e funcionais de cada episódio e isto
o tratamento com divalproato que com lítio (Goodwin
também deve ser avaliado e abordado no tratamento
por meio de intervenções psicológicas, como psicote- et al., 2003; Dunner, 2004). O lítio costuma ter melhor
rapias, grupos de orientação ou de auto-ajuda e partici- resposta em episódios clássicos de mania, com humor
pação em associações de pacientes e familiares (Roso eufórico e sem muitos sintomas depressivos ou psicó-
et al., 2005). ticos. O curso mania–depressão–eutimia favorece a
resposta ao lítio, ao contrário do curso depressão–
mania–eutimia. Seu início de ação é mais lento, compa-
Tratamento da mania aguda rado com valproato e antipsicóticos (WGBD, 2004).
Em cinco estudos clínicos comparados com
O objetivo do tratamento da mania aguda é controlar placebo, sendo um deles randomizado, comparado
sinais e sintomas de forma rápida e segura, e restabe- também ao divalproato sódico, o lítio demonstrou
lecer o funcionamento psicossocial a níveis normais. eficácia superior ao placebo em torno de 70% de um
A escolha do tratamento inicial leva em conta fatores total de 124 pacientes (WGBD, 2004). Nos estudos
clínicos, como gravidade, presença de psicose, ciclagem comparativos com outra droga ativa, todos randomi-
rápida ou episódio misto e preferência do paciente, zados, a eficácia do lítio se equiparou às do ácido val-
quando possível, levando em conta os efeitos colaterais. próico, da carbamazepina, da risperidona, da olanza-
Critérios clínicos como uso de antipsicótico intramus- pina, da clorpromazina e do haloperidol. Entre estes,
cular em casos de agitação e maior número de somente três comparativos com a clorpromazina tive-
evidências da literatura sobre eficácia também devem ram amostras suficientes para detectar diferenças de
ser utilizados para nortear a seleção do medicamento.
eficácia entre os tratamentos. Estudos abertos, sendo
Ao selecionar um medicamento antimaníaco,
dois ensaios clínicos, um estudo longitudinal e uma
deve-se dar preferência às medicações com maiores
revisão com análise secundária dos dados, e três
evidências de ação: lítio, valproato (ácido valpróico,
randomizados (dois dos quais revisões com análise
divalproato) e carbamazepina (CBZ), além dos anti-
secundária de dados), indicaram que o lítio é mais
psicóticos típicos, como clorpromazina e haloperidol,
eficaz na mania pura e menos no tratamento dos
e dos atípicos olanzapina e risperidona; por serem
estados mistos (WGBD, 2004).
mais novos, há menos estudos com ziprasidona,
quetiapina e aripiprazole. A combinação de um
antipsicótico com lítio ou valproato pode ser mais Anticonvulsivantes
efetiva do que cada um deles isoladamente. Em casos
de mania grave, recomenda-se como primeira opção O valproato é o anticonvulsivante melhor estudado
a combinação de lítio e um antipsicótico atípico ou na mania aguda, com sete estudos randomizados,
valproato com antipsicótico atípico (Work Group on controlados, e 16 não-controlados, evidenciando
Bipolar Disorder – WGBD, 2004). Para pacientes eficácia em 60% dos casos. Entre os ensaios clínicos

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randomizados, a resposta clínica foi de 48% a 53%: ela possui ação ansiolítica acentuada e pode ser útil
quatro foram comparativos com o placebo, sendo dois no tratamento da síndrome do pânico e da fobia social
estudos pequenos de cross-over e dois paralelos, um (Yatham, 2004). Quanto ao topiramato, estudos aber-
comparado ao lítio e dois à olanzapina (WGBD, 2004). tos e relatos de casos sugeriram efeitos benéficos do
Num deles a eficácia foi semelhante, no outro a olanza- uso combinado, principalmente em casos de mania
pina foi superior ao divalproato. Finalmente, houve ou estados mistos com má resposta aos tratamentos,
resposta comparável ao haloperidol em um ensaio em que cerca de 50% (n = 225) dos pacientes respon-
randomizado, aberto (WGBD, 2004). Duas análises deram (Moreno et al., 2004). Em quatro ensaios clínicos
secundárias do estudo comparativo com lítio e placebo controlados com placebo, dois dos quais comparados
e outro ensaio randomizado comparativo com o lítio com o lítio, sua ação antimaníaca não foi confirmada
sugeriram que sintomas depressivos acentuados (Yatham, 2004). Relatos de casos e estudos abertos
durante a mania e vários episódios anteriores, assim apontam para eficácia em comorbidades com abuso e
como estados mistos, evidenciaram melhor resposta dependência de substâncias, migrânea e transtornos
ao valproato (WGBD, 2004). Outros preditores de boa do comer compulsivo (Yatham, 2004). Há evidências
resposta incluiriam a ciclagem rápida, comorbidade de diminuição de peso e de alterações cognitivas
com transtornos ansiosos, abuso de álcool e subs- importantes com seu uso. A lamotrigina (LTG) não
tâncias, retardo mental, antecedentes de traumatismo apresenta até o momento evidências consistentes de
craniano e lesões neurológicas (Moreno et al., 2004). ação antimaníaca. Em quatro estudos randomizados,
O uso terapêutico da CBZ na mania aguda foi todos com falhas metodológicas e amostras pequenas,
objeto de 15 estudos controlados com placebo, sendo três comparados com placebo, a LTG não se
antipsicóticos e lítio mostrando uma eficácia em 50% destacou como medicação antimaníaca (Yatham, 2004).
a 60% dos casos (Moreno et al., 2004). Contudo, a
interpretação dos resultados foi dificultada pela asso-
Benzodiazepínicos
ciação com outros medicamentos na maioria deles, e
sua ação antimaníaca é menos convincente do que a Entre os benzodiazepínicos (BDZ), o clonazepam e o
do lítio ou do valproato. Nos ensaios realizados apenas lorazepam foram estudados em sete ensaios clínicos
com as drogas de comparação, a CBZ foi superior ao controlados, randomizados com placebo, haloperidol e
placebo em um estudo clínico randomizado de cross- lítio, isoladamente ou associados ao lítio. Metanálise
over e menos eficaz e associada à maior necessidade bayesiana de ambos na mania aguda concluiu que,
de medicação acessória que o valproato em outro apesar das falhas metodológicas confundindo os
estudo randomizado de 30 pacientes hospitalizados, resultados, o clonazepam é útil e seguro, mas os dados
comparável ao lítio em dois estudos randomizados e à sobre o lorazepam são inconclusivos (Curtin e Schulz,
clorpromazina em outros dois ensaios clínicos, um deles 2004). Ao contrário de outros BDZ, o lorazepam é bem
randomizado (WGBD, 2004). absorvido pela via intramuscular, mas, em estudo
Outros anticonvulsivantes, como oxcarbazepina randomizado placebo-controlado com olanzapina
(OXC), gabapentina e topiramato, apresentam evidên- intramuscular, esta última demonstrou maior efeito
cias menos consistentes de eficácia na mania aguda. na agitação maníaca (WGBD, 2004). No geral, os
Em virtude da eficácia teoricamente semelhante à da estudos sugerem que o uso combinado de BDZ pode
CBZ, por não apresentar auto-indução enzimática, ser útil enquanto se aguarda o efeito terapêutico do
porém melhor tolerabilidade, a OXC estaria indicada tratamento primário (WGBD, 2004).
em pacientes que não toleram a CBZ. Sua ação anti-
maníaca foi investigada em dois estudos cross-over e
três controlados, dois deles randomizados, comparados Antipsicóticos
com haloperidol, valproato e lítio, todos com pequena
amostra de pacientes (Yatham, 2004). Pelo seu Sintomas psicóticos (alucinações e delírios) são mais
potencial de uso terapêutico, preferencialmente em freqüentes em episódios de mania do que na depressão
manias leves a moderadas, associado a um bom perfil bipolar. A presença de sintomas psicóticos congruentes
de efeitos colaterais, ela vem sendo investigada com o humor não prediz desfecho mais favorável, e
recentemente em estudos naturalísticos em associação idade de início precoce da mania psicótica sugere maior
ou isoladamente, em diferentes grupos de pacientes gravidade do transtorno. Na presença de sintomas
com TB, apontando para uma eficácia em metade dos psicóticos, o clínico tende a associar medicamentos
pacientes (Yatham, 2004). antipsicóticos, embora não sejam absolutamente
Em dois estudos clínicos randomizados de gaba- necessários; assim, deve-se dar preferência aos atípicos
pentina versus placebo e de associação da gabapentina pelos efeitos colaterais mais benignos.
ou placebo a lítio, valproato ou ambos, a ação foi seme- A eficácia dos antipsicóticos típicos foi evidenciada
lhante ou inferior ao placebo, respectivamente (WGBD, em ensaios clínicos randomizados comparativos com
2004). Entretanto, estudos duplo-cegos sugeriram que o lítio, exibindo efeito clínico semelhante, e a clorpro-

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mazina foi estudada de forma controlada com placebo randomizados comparados com lítio e de associação
(WGBD, 2004). A ação do haloperidol foi investigada ou não à clorpromazina, apontaram para a superio-
em ensaios clínicos randomizados controlados com ridade da eficácia da ECT (WGBD, 2004). Apesar das
placebo, com a risperidona e a olanzapina, mostrando- amostras pequenas, os resultados foram compatíveis
se superior ao placebo e semelhante às drogas ativas com outros longitudinais retrospectivos de desfecho
(Moreno et al., 2004). Seu uso tem diminuído com o na mania (WGBD, 2004). Além disso, a ECT é o
advento dos antipsicóticos atípicos, em virtude dos tratamento potencial para pacientes com episódios
efeitos adversos extrapiramidais e do risco de causar mistos ou com mania grave durante a gestação
sintomas depressivos. Atualmente o uso de antipsi- (WGBD, 2004).
cóticos típicos está justificado apenas em casos de
difícil controle e pelo custo do tratamento.
A olanzapina é o antipsicótico atípico mais estu-
A prevenção de novos episódios de mania
dado na mania aguda como terapia isolada ou adjuvante
Há dois tipos de estudos medicamentosos de longa
e, assim como a maioria destes medicamentos, apresenta
duração no transtorno bipolar: os estudos de prevenção
menos efeitos extrapiramidais e maior risco de ganho de
de recaída e de profilaxia. O primeiro é feito em pacien-
peso, hipercolesterolemia e hiperglicemia. Foi eficaz em
tes que responderam de forma aguda à determinada
dois grandes ensaios randomizados controlados com
medicação, a qual é mantida por pelo menos seis meses,
placebo e em uma série de outros, também randomizados
nos quais se pesquisa o potencial de prevenção de
e duplo-cegos, comparados com lítio, divalproato e
recaídas ou de retorno dos sintomas do episódio para o
haloperidol (WGBD, 2004). Também foi superior ao
qual foi indicado o tratamento agudo. O segundo, de
placebo em um ensaio randomizado de associação a lítio
profilaxia, investiga pacientes remitidos (eutímicos)
ou divalproato (WGBD, 2004). Os antipsicóticos atípicos
para observar se a medicação realmente previne novos
risperidona, ziprasidona e aripiprazole foram eficazes na
episódios. Pacientes em mania toleram tratamentos
mania aguda em estudos clínicos randomizados
agudos e, quando os sintomas remitem, as queixas de
controlados com placebo, e a quetiapina na terapia
efeitos adversos aumentam. Isso pode se dever ao
adjuvante ao divalproato em um estudo pequeno com
aumento nos níveis plasmáticos ou à variação de
adolescentes e em estudo clínico randomizado controlado
percepção estado-dependente. De qualquer forma,
com placebo associado a lítio ou valproato (Sachs et al.,
mudanças na dosagem e outras intervenções podem
2004; Moreno et al., 2004; WGBD, 2004). Quando
ser úteis para evitar rejeição ao tratamento. O trata-
associada a lítio, divalproato ou CBZ em dois estudos
mento usado na fase aguda deve ser mantido no
controlados, duplo-cegos randomizados, a risperidona foi
tratamento de manutenção. As doses devem ser corri-
superior ao placebo, e equiparou-se a ele na combinação
gidas e monitoradas no início e a intervalos de uma a
com a CBZ, que reduziu seus níveis plasmáticos em
duas semanas e, ao atingir-se a estabilização, a dose
40% (Moreno et al., 2004). Em monoterapia, ensaios clíni-
deve ser mantida por longo período ou pela vida toda.
cos randomizados recentes, controlados com placebo,
Para pacientes que apresentam recaída sintoma-
apontam para a eficácia da risperidona na mania aguda
tológica maníaca na vigência do tratamento, o primeiro
(Hirschfeld et al., 2004; Moreno et al., 2004). Em relação
passo é o de otimizar a dose, assegurando-se de que os
a antipsicóticos mais novos, há menos estudos. A
níveis plasmáticos estejam na faixa terapêutica ou,
ziprasidona foi mais eficaz que o placebo em ensaio clínico
se necessário, usar níveis nos limites superiores destes
randomizado controlado com placebo (Moreno et al.,
(WGBD, 2004). Pacientes gravemente doentes ou agi-
2004). Também em estudos randomizados, o aripiprazol
tados podem necessitar da associação por curto tempo
demonstrou eficácia superior ao placebo e ao haloperidol
de algum antipsicótico ou BDZ (WGBD, 2004). Quando
na mania aguda e em estados mistos, sem causar ganho
uma medicação de primeira linha (lítio, divalproato,
de peso (Lyseng-Williamson e Perry, 2004).
olanzapina) não controla os sintomas, a terapêutica
Não há estudos placebo-controlados com a cloza-
recomendada é a adição de outra medicação de primei-
pina, mas um ensaio clínico randomizado de um ano
ra linha. As alternativas seguintes seriam a adição
de duração em bipolares e esquizoafetivos resistentes
de CBZ ou OXC, adicionar um antipsicótico caso não
e outro estudo aberto na mania resistente apontaram
tenha sido prescrito, ou trocar de antipsicótico (WGBD,
para sua eficácia nestes casos de difícil controle
2004). No caso dos antipsicóticos, a clozapina pode ser
sintomatológico (WGBD, 2004).
particularmente efetiva em casos resistentes a trata-
mento. Deve-se ter cuidado com a associação de medi-
Eletroconvulsoterapia camentos por causa da somatória de efeitos colaterais
e das interações metabólicas das substâncias.
A eletroconvulsoterapia (ECT) deve ser considerada A única medicação que se mostrou eficaz nos dois
para pacientes graves ou resistentes a tratamento ou tipos de estudo mencionados acima foi o lítio. Ghaemi
quando preferida pelo paciente (Macedo-Soares et al., et al. (2004) revisaram 14 estudos controlados, duplo-
2004). Três estudos prospectivos, dois deles controlados cegos, randomizados com lítio em 541 pacientes

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demonstrando sua eficácia em bipolares tipo I. Estudos divalproato, houve eficácia similar ao final de 47
recentes que utilizaram a técnica de retirada gradual semanas, apesar de a olanzapina produzir remissão
de lítio em 1.010 pacientes também comprovaram a sintomática e sindrômica mais precoce que o dival-
sua eficácia. Artigos mais antigos com lítio foram proato. Em estudo de 52 semanas comparativo com o
criticados pelas elevadas taxas de abandono. Metaná- lítio, a olanzapina teve menores taxas de recaída, porém
lise de Geddes et al. (2004) incluiu cinco estudos os pacientes foram selecionados pela resposta à
controlados duplo-cegos de lítio contra placebo, olanzapina na fase aguda. Como terapia adjuvante, não
demonstrando mais uma vez a eficácia do lítio na houve superioridade significativa da olanzapina sobre
prevenção de episódios maníacos. o placebo na prevenção de recaídas sindrômicas após
Outras medicações não dispõem do mesmo nível 18 meses da associação a lítio ou divalproato. Em uma
de evidências. Adotando rigor no conceito de estabi- análise secundária verificou-se que a olanzapina foi
lizador do humor, exigindo eficácia aguda em mania e superior ao placebo. Também foi superior em pacientes
depressão e eficácia profilática também nestas duas em mania aguda que haviam respondido à olanzapina,
fases, apenas o lítio preencheria estes critérios (ou nem levando-se em conta o tempo até a recaída durante um
ele, pois sua eficácia profilática em episódios depres- ano de tratamento (Ghaemi et al., 2004).
sivos é questionável). Os custos de estudos controlados
duplo-cegos de longa duração é o principal obstáculo
para sua realização com novas medicações. Além disso, Conclusão
atualmente os comitês de ética são mais rigorosos,
A hipomania e a mania são freqüentes. Falhas e erros
exigindo pacientes menos graves que antigamente, o
diagnósticos são comuns, portanto os profissionais da
que aumenta a resposta ao placebo. Esta é uma das
explicações para o estudo que comparou valproato com saúde mental, além de clínicos gerais, devem conhecer
lítio e placebo por um ano, em que não houve diferença estas síndromes para evitar demora no diagnóstico e
entre os grupos na profilaxia de novos episódios de na instituição do tratamento ou sua inadequação.
mania ou depressão (Ghaemi et. al., 2004). Diversos Recentemente novas opções terapêuticas melhoraram
estudos abertos sugerem a eficácia do divalproato no o tratamento da mania aguda, principalmente das
tratamento profilático de episódios maníacos e depres- formas atípicas, porém o lítio continua sendo a pri-
sivos, com resposta em torno de 63%. A ciclagem meira opção na mania aguda. Outras incluem o
rápida, o transtorno bipolar tipo II e a presença de valproato, a CBZ e os seis antipsicóticos atípicos
alterações neurológicas são descritos como fatores disponíveis, com ênfase na olanzapina, seguida pela
preditores de boa resposta. risperidona, que possuem o maior número de evidên-
O potencial profilático da CBZ começou a ser cias, levando em conta resultados preliminares da
investigado na década de 1970 em vários estudos eficácia antimaníaca de aripiprazole, ziprasidona e
controlados e não-controlados, cujos resultados foram quetiapina. A oxcarbazepina vem sendo cogitada em
enviesados pelo uso combinado de antidepressivos e substituição à CBZ, pressupondo-se eficácia semelhante
antipsicóticos. Dois grandes estudos prospectivos com melhor perfil de tolerância. Evidências em favor
recentes compararam a CBZ ao lítio (Moreno et al., do topiramato são pobres e restringem-se ao uso
2004). No primeiro, aberto de 2,5 anos, o lítio foi superior combinado em casos resistentes, ao passo que a gaba-
à CBZ em bipolares tipo I e comparável nos de tipo II. pentina e a lamotrigina parecem não possuir eficácia
No segundo estudo, duplo-cego de dois anos de duração, antimaníaca em monoterapia. Em casos resistentes a
o lítio também foi mais eficaz na prevenção de eletroconvulsoterapia deve ser indicada e, se necessário,
recorrências que a CBZ, mas a taxa de abandonos foi utilizar clozapina. Na prevenção de novos episódios
semelhante (Moreno et al., 2004). Estudos controlados afetivos, nenhuma medicação tem o nível de evidências
são necessários para melhor avaliação da eficácia do lítio. Embora as evidências de eficácia do divalproato
profilática de oxcarbazepina, topiramato e gabapentina. e da CBZ na prevenção de recorrências permaneçam
Estudos controlados, randomizados, de manu- incertas, ambos são amplamente aceitos como
tenção recentes compararam olanzapina com dival- tratamento-padrão para o transtorno bipolar. Nesse
proato, lítio e placebo e como terapia adjuvante a lítio sentido, as pesquisas favorecem a olanzapina como
ou valproato (Ghaemi et al., 2004). Comparado ao agente alternativo de escolha na terapia preventiva.

Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005
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ATIVIDADE EM GRUPO

LFR, 30 anos, feminino, com história prévia de internamento por mania aguda, é levada ao hospital após
vizinhos perceberem sua tentativa de se jogar da janela de seu apartamento. A paciente relata utilizar
Lítio, mas sua litemia indica níveis subterapêuticos. Após ser examinada pelo médico no hospital e
passar por uma longa entrevista é constatada depressão aguda.

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ATIVIDADE EM GRUPO

A esposa do Sr. EF, de 68 anos, sexo masculino, pede alguns conselhos ao farmacêutico da unidade de saúde
porque ela está preocupada com as mudanças no comportamento do marido ao longo dos últimos meses. Seu
humor está muito instável, a sua memória e concentração estão ruins. Pela primeira vez em sua vida, ele vem
utilizando palavras e expressões de linguagem grosseiras e vulgares. Na avaliação realizada pelo psiquiatra o
paciente apresentava-se confuso, com diminuição da pressão arterial (100/65 mmHg) e de sódio (155 mmol / L).
Ele foi diagnosticado com demência do tipo Alzheimer.

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GH, 27 anos, doutorado em andamento, vem à farmácia em estado bastante angustiado. Ele está
totalmente despenteado e com odor corporal forte. Ele relata que
sente como se insetos rastejassem sob sua pele. Nos últimos dias ele está se sentindo doente, e ele está
absolutamente convencido de que isso é porque o seu vizinho de alguma forma coloca gases tóxicos em
seu apartamento. Ele traz seu próprio vômito para ser analisado para comprovar o que diz e tomar
medidas contra o vizinho.

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