AS BATONETES:
Uma etnografia de mulheres caminhoneiras no Brasil
AS BATONETES:
Uma etnografia de mulheres caminhoneiras no Brasil
Florianópolis, 2011
FRANCINE PEREIRA REBELO
AS BATONETES:
Uma etnografia de mulheres caminhoneiras no Brasil
Banca Examinadora:
_______________________________________________
Profª. Drª. Miriam Pillar Grossi (Orientadora)
________________________________________________
Profª. Drª. Edviges Marta Ioris
_________________________________________________
Profª. Drª. Carla Giovana Cabral
REBELO, Francine Pereira. AS BATONETES: Uma etnografia sobre
representações de gênero a respeito de caminhoneiras. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais). Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011. Orientadora: Profª.
Drª. Miriam Pillar Grossi.
Mais do que escrito por mim, esse TCC é parte de bons anos
que passei em Florianópolis estudando Ciências Sociais e uma soma
de várias pessoas que fizeram diferença nessa minha trajetória.
Agradeço a todos/as professores/as das diversas disciplinas que
fiz, sem dúvidas, fundamentais para construção dessa pesquisa. Agra-
deço principalmente à professora Miriam Grossi que me orientou não
só nesse trabalho, mas na maior parte da minha graduação, mostrando
com o seu amor à Antropologia e ao seu trabalho – o que é realmente
viver a Antropologia.
Ao NIGS (Núcleo de Identidade de Gênero e Subjetividades)
por todas as oportunidades e por intensa produção e compartilhamento
de reflexões. Antes de ingressar no NIGS eu era realmente “perdida”
na universidade, foi no núcleo onde realmente aprendi como funciona
a estrutura da universidade e da produção científica. Agradeço a to-
dos/as realmente muito queridos/as que me acompanharam nesse tem-
po no NIGS. À Carla Cabral pela doçura e sensibilidade, a Rozeli Por-
to pela simpatia e energia positiva, aos meninos Vini, Rary pela solici-
tude e carinho, a Gicele, minha antiga companheira de NIGS, mas
amiga querida ainda hoje.
À GAFe ( Grupo de Ação Feminista, agora Ação Desgenerada),
pela possibilidade de desabafo , ação, resistência e aprendizado. Esse
trabalho é também da GAFe. Livres ou mortas, jamais escravas!
Obrigada do mais fundo do meu coração à toda minha família,
ao meu avô Abrahão que realmente inspirou esse trabalho. Ao vovô
Zé que é minha inspiração de vida. A toda minha família, nunca cabe-
riam todos os nomes aqui. À minha mãe que sempre me apoiou nas
Ciências Sociais e na vida, ao meu pai que eu sei que quer o melhor
para mim e que vai reclamar por não ter sido o primeiro a ser citado, já
que sem ele eu não estaria na universidade. É verdade, pai, eu não es-
taria nem no mundo se não fosse você, você é fundamental e a Taia
que é minha amiga, irmã, parceira e que me ensina algo novo (nem
sempre útil, haha) todos os dias. A Marianinha minha melhor criação.
À família ( Êêê família), para os/as amigos/as de sala que fize-
ram tudo isso muito mais divertido. Valeu a força, as risadas, conver-
sas sérias, discussões sobre preço de sabão em pó, almoços e tudo
mais. Vocês são demais! Ana, Bocones, Cami, Crise, Bijos, Mineiro e
Raulzito, vocês também estão nesse trabalho, principalmente por nun-
ca esquecerem meu lado caminhoneira. À Nat pela irmandade e a Juli-
nha pela filiação. Vocês são meus amores! É Paula, você também não
podia ficar de fora, assim como o Ricardo, meu querido.
Ao Dú que sempre me apoiou em tudo, me incentivando e me
aguentando por muito tempo. Mongo, ta aí, seu orgulho! Meu colega
de profissão e de vida.
Agradeço aos meus amigos de Jacareí pela preocupação em
sempre saber como estou. Obrigada a Rô, minha irmã, Muri e Flávia,
amigas para toda vida, aos outros tantos que não caberiam aqui. Obri-
gada ao Wagner por se dispor a me ajudar e pelo carinho. Obrigada ao
Rafa por não medir esforços para ajudar sempre. À Laís, minha com-
panheira das Ciências Sociais antes mesmo de sabermos o que era
isso.
Agradeço todas as caminhoneiras por mais um ato de coragem
em receber alguém que mal conheciam dentro de suas “casas” e pela
recepção sempre amigável. Esse campo foi mais que um trabalho,
mas uma possibilidade de reafirmar minha admiração por essas mu-
lheres.
Obrigada a todxs que não couberam aqui e que me ajudaram
com uma palavra, um olhar, uma risada, uma música, uma conversa,
uma viagem. Espero que esse trabalho de certa forma contemple todxs
vocês!
Eu conheço as minhas liberdades,
pois a vida não me cobra o frete.
Introdução ....................................................................................................................... 10
CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 87
Referências ............................................................................................................................. 90
Francine Pereira Rebelo - Trabalho de Conclusão de Curso.
INTRODUÇÃO
1
De acordo com a conversa que tive com a primeira motorista que acompanhei em
campo, “batonete” é o termo utilizado entre os/a caminhoneiros/as para designar mulheres que
dirigem caminhão, posteriormente, outras caminhoneiras destacaram que “batonete” designa
mulher em geral, incluindo “mulheres da estrada”, prostitutas, etc. O termo varia de acordo
com a região, no Sudeste o termo designa menina, enquanto no Sul existe divergências em
relação ao significado. O termo é utilizado como linguagem do px, rádio comumente utilizado
pelos/as motoristas, sendo que nessa linguagem muitas palavras são modificadas, como exem-
plo, esposa é “cristal”, café é “chá de urubu” e Deus é “px maior”. Nas gírias mais comuns
utilizadas pelos programadores/as, divulgada na internet, “baton” e “batonete” significam
mulher ou menina.
2
O próprio Word 2007 não reconhece a palavra caminhoneira, sendo essa sublinha-
da com um traço vermelho, indicando que a palavra está incorreta. O Word reconhece palavras
como pedreira, pescadora, engenheira e presidenta.
3
Estrada situada no extremo norte do Pantanal, ao longo de seus 145 quilômetros,
são 125 pontes de madeira, isto é, a estrada com maior número de pontes do mundo.
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va, mas independente disto, essa profissão sempre foi vista por mim
como uma “carreira de coragem”.
Lembro sempre de conversas sobre caminhões, viagens, cargas,
visitas dos motoristas e churrascos em que se compartilhavam as histó-
rias, passagem em oficinas, transportadoras, revendas, amarração de
caminhão, acidentes, roubos e tudo que se possa ouvir a respeito. Esse
cenário sempre foi algo familiar para mim e apesar de compartilhar des-
se gosto, não pensava em investir academicamente nesse campo.
Meu contato com esse campo continuou mesmo depois do fale-
cimento do meu avô. Em 2006, trabalhei alguns meses como secretária
em uma empresa de logística, tendo contato diário com o setor de amar-
ração de caminhão e desde essa data meu pai abriu uma empresa trans-
portadora na cidade de Jacareí, no interior de São Paulo. Os funcionários
fazem viagens para todas as regiões do país, transportando diferentes
cargas, compostas principalmente de alimentos não perecíveis.
O que vemos e encontramos habitualmente pode ser familiar, mas
não é necessariamente conhecido (DA MATTA, 1978). Apesar de habi-
tuada com a presença dos motoristas, o conhecimento que tinha sobre
suas vidas, crenças e valores era muito limitado ao convívio e conversas
superficiais, nunca, até então, havia mergulhado profundamente em suas
práticas e buscado interpretar seu universo teoricamente. Ao “termos
familiaridade” com determinado assunto não está pressuposto que co-
nhecemos o ponto de vista , modo de compreensão do mundo e regras
que estão por trás das interações dos diferentes atores sociais (VELHO,
1981).
Apesar do contato com o meio e de sempre ter tido vontade de ser
caminhoneira, nunca havia problematizado o fato de nunca ter visto uma
mulher nesta profissão. Eu as via, acompanhando os maridos caminho-
neiros, como frentistas de posto, trabalhando nas transportadoras, mas
nunca dirigindo.
No primeiro semestre de 2010, conversando com o meu pai sobre
a transportadora, ele contou que tinha contratado uma mulher para traba-
lhar de motorista e que várias empresas “estavam começando a contratar
mulheres”. Começando? Mas estamos em 2010, por que eu nunca tinha
visto uma mulher dirigindo? Será que não existiam mulheres caminho-
neiras? Se contrataram, é porque elas existiam. Mas quantas elas são?
Quem elas são? Como tiveram acesso a essa universo? Como seriam
suas vidas?
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Destaco que problematizo a questão de “possibilitar visibilidade e voz”. Foucault
(1985) afirma que, o caminho de “ouvir os agentes, atores, ou sujeitos” aparece como uma
necessidade que deve ser atingida através do seu discurso. É papel do/a cientista social recolher
e analisar este discurso, facilitando a circulação deste conhecimento barrado por um sistema de
poder que permeia sutilmente toda a trama da sociedade. Isso não quer dizer que o/a antropó-
logo deve “dar voz” a determinado grupo, as massas sabem o que dizem e o dizem muito bem.
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CAPÍTULO 1 - C O N S T R U I N D O O G Ê N E R O - R E F E R E N C I A L
TEÓRICO E PROBLEMÁTICA
Nesse capítulo discutirei alguns conceitos dos quais faço uso nes-
se trabalho, desenvolvendo a perspectiva de gênero que embasa teori-
camente esta pesquisa e recuperando as considerações feitas sobre a te-
mática das mulheres caminhoneiras em outros trabalhos. Tenho como
objetivo apresentar o percurso das teorias feministas e representações do
conceito de gênero e da categoria “mulher”. Para tal, utilizo principal-
mente as autoras Segato, Verena Stolke, Grossi e Butler que em suas
obras contextualizaram com muita eficiência o campo de estudos de
gênero. É a partir dessas teóricas que construo meus argumentos e que
exponho minha posição em relação a temática feminista.
Com objetivo de contextualizar historicamente a utilização do
termo “gênero”, inicio a discussão com a perspectiva de Margareth Me-
ad e a construção do viés culturalista a respeito deste conceito. Posteri-
ormente, trago as ideias das feministas estruturalistas que construíam
sua reflexão principalmente através da noção de que o sexo está para a
natureza, assim como o gênero está para a cultura. Após a localização
histórica desse termo, que tem relação direta com as lutas do movimento
feminista, busco através dos estudos pós-estruturalistas mostrar como
não só o termo gênero, mas também o próprio sexo, começou a ser
compreendido como socialmente construído.
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Em entrevista realizada por Guita Debert e Heloisa Almeida (2006), Ortner afirma
que definitivamente não escreveria novamente esse livro, pois na época estava sob efeito da
onda do estruturalismo.
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dissolver, nesse caso, uma coalizão aberta, sem identidades pré afirma-
das, garantiria identidades instituídas e abandonadas, permitindo múlti-
plas convergências e divergências e evitando a obediência a um telos
normativo e definidor.
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De acordo com pesquisas realizadas na internet, Vale do Amanhecer é uma doutri-
na espiritualista cristã fundada em 1959, criada para abrigar a Doutrina do Amanhecer, pela
médium clarividente Tia Neiva.
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Optei por não colocar as fotos devido a má qualidade de grande parte das imagens.
A maioria das fotos encontradas online relaciona Neiva Zelaya a suas atividades nos templos
espíritas.
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O trabalho de Santos traz trechos de uma declaração de Urubatan Helou, presidente
e diretor da Braspress em 1999.
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De acordo com informações do site oficial da empresa, a Braspress atualmente
emprega 757 motoristas, sendo que 264 são motoristas do sexo feminino. A maioria dessas
motoristas não viaja longas distâncias, trabalhando em turnos específicos.
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Disponível on-line: http://www.braspress.com.br/content/146. Fonte: Rede TV –
Leitura Dinâmica – 08/03/11
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fica.
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CAPÍTULO 2 – M E TO D O L O G I A E D E S C R I Ç Ã O D O C A M P O
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Retirado dia 19 de maio de 2011 da rede social Orkut©
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cionaram nas suas redes de amizade mas nunca responderam meus reca-
dos, outras se mostraram imediatamente solícitas e disponibilizaram
seus endereços – e-mail ou messenger – para facilitar o contato.
Entre esse processo e o contato por telefone com as motoristas
houve um intervalo de no mínimo um mês, nesse tempo, verificava com
frequência o Orkut para saber se elas tinham me adicionado, se haviam
me respondido com o telefone delas ou pelo menos com o e-mail. Pensei
muitas vezes sobre a eficácia da metodologia de pesquisa através de
redes sociais e principalmente, no que faria se nenhuma me desse retor-
no. Como eu as encontraria? Felizmente não tive que buscar outra solu-
ção já que depois de mais ou menos dois meses tinha uma rede de conta-
tos por telefone por volta de dez motoristas, o que mostrou que as redes
sociais são hoje um importante espaço de pesquisa. Contraditoriamente
ao que pareceu no momento dos contatos na internet, uma das motoris-
tas que mais me ajudou durante a pesquisa de campo nas estradas foi a
que mais mostrou resistência em disponibilizar o contato telefônico,
chegando a perguntar se eu estava pedindo o seu número de telefone
para prejudicá-la de alguma maneira. Nesta situação me vi obrigada a
repensar as questões éticas envolvidas em pesquisas através de redes
sociais.
Roberto Cardoso de Oliveira (2004), Alcida Rita Ramos (2004) e
Luis Roberto Cardoso de Oliveira (2004), a respeito da questão ética e
da pesquisa com seres humanos, discutem questões práticas e princi-
palmente a utilização do consentimento informado. Segundo Heilborn
(2004), o CONEP12 (Conselho Nacional de Ética na Pesquisa), estabele-
ce regras sobre consentimento informado. O termo de consentimento
informado representa uma manifestação expressa e assinada pelo infor-
mante nas pesquisas. O termo é uma prática de pesquisas em área de
saúde que estendeu-se para outras áreas, como Ciências Sociais.
Roberto Cardoso de Oliveira (2004) aponta dois aspectos princi-
pais das dificuldades encontradas pelo/a antropólogo/a devido ao con-
sentimento informado proposto pelo CONEP. Primeiramente no que se
refere negociação da identidade do pesquisador no campo e segundo no
momento da divulgação dos resultados da pesquisa. No primeiro caso, o
consentimento informado é problemático, pois, ao impor uma visão bi-
omédica, universaliza e normativa a prática de pesquisa. Quando o an-
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CONEP é um órgão atrelado ao Ministério da Saúde que ordena em geral as regras
da pesquisa em seres humanos.
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tropólogo faz uma pesquisa de campo tem que negociar sua identidade e
sua inserção na comunidade, porém, o antropólogo sempre tem mais de
uma identidade no seu campo e com essa normatização, o antropólogo é
impossibilitado de resgatar algumas de suas experiências existenciais no
campo para pensar posteriormente interpretações que não havia pensado
durante o campo. Frequentemente, o objeto teórico da pesquisa é redefi-
nido após a pesquisa de campo, de acordo com a resolução, os sujeitos
de pesquisa têm de ser informados sobre quais intervenções estão sujei-
tos e do que se trata a pesquisa. No segundo ponto, autor afirma que do
ponto de vista da produção antropológica não é produtivo uma definição
bem amarrada e conclusiva formulada no início da pesquisa.
Nessa pesquisa a questão ética foi sempre central. Desde a elabo-
ração do projeto, a defesa na banca de qualificação e através de diversas
conversas com a orientadora da pesquisa, a preocupação ética e princi-
palmente com as informantes foram sempre levadas em consideração.
Apesar de não ter feito uso do termo de consentimento, principalmente
por considerar a discussão sobre o assunto suficiente, sempre busquei
deixar claro entre as caminhoneiras qual era o meu papel durante as via-
gens e relembrá-las que mesmo não gravando e mesmo que elas não me
vissem fazendo anotações, as discussões durante a viagem seriam utili-
zadas na pesquisa. Nesse sentido, concordo com Debert (2004) que a-
firma que um código não substitui o bom senso13.
Entendo que as recentes discussões sobre o uso do Orkut como
campo de estudos através dos debates sobre Antropologia do Ciberespa-
ço, são relevantes na medida em que esse é um dos espaços pelo quais
as caminhoneiras se sociabilizam e constituem suas redes de amizade. O
Orkut, mesmo não constituindo campo central nessa pesquisa, foi uma
eficiente ferramenta de localização e contato com essas profissionais e
foi através da relação virtual com uma delas que se abriu a possibilidade
de encontro com várias outras.
Além do Orkut, contei com a ajuda de dois amigos, que me aju-
daram de diferentes maneiras. Um deles, ex-funcionário de uma trans-
portadora em Jacareí, buscou entre os motoristas que conhecia e na pró-
pria transportadora que havia trabalhado por alguns anos mulheres ca-
minhoneiras ou alguém que as conhecesse. Apesar da busca esse amigo
13
A autora reconhece o caráter de proteção que um código de ética oferece aos pes-
quisadores e a comunidade científica, Debert destaca a importância de que um código de ética
não imponha a todas as disciplinas parâmetros específicos exclusivos da pesquisa em certas
áreas disciplinares.
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Pude entender concretamente em minha pesquisa este conceito cunhado por Mali-
nowski nos Argonatuas do Pacífico Central (1978). O termo se refere ao conjunto de fenôme-
nos relevantes que devem ser compreendidos e observados em sua plena realidade e não em
documentos ou através de perguntas. Entre os imponderáveis estão, por exemplo, a rotina de
trabalho.
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Dentre as motoristas pesquisadas quatro eram da região Sul, sendo três de Santa
Catarina e uma do Rio Grande do Sul, apenas uma era residente em São Paulo, mas nascida na
região Nordeste.
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As viagens foram realizadas nas seguintes datas:
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Em algumas empresas não é possível a entrada de acompanhante no momento de
descarga, nesses casos eu ficava esperando na recepção, algumas vezes por mais de três horas.
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Não cheguei a conhecer pessoalmente algumas das motoristas que me enviaram
links com reportagens e entrevistas, mas agradeço essas profissionais pela solicitude e boa
vontade.
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CAPÍTULO 3 – D I N Â M I C A D A S C A M I N H O N E I R A S E D O
CAMINHÃO
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O Caminhão truck é menor que a carreta. O truck, segundo a CONTRAN ( Conse-
lho Nacional de Trânsito), pode carregar até 23 toneladas no máximo. A carreta, de dois eixos,
pode carregar até 33 toneladas, e a de 3 eixos, pode carregar até 41,5 toneladas. Interessante
destacar que entre os/as motoristas existem disputas entre quem dirige truck e carreta . Várias
piadas são feitos com os/as motoristas de truck e eles/as são chamados de muriçoqueiros. Na
viagem, escutei músicas que tratavam principalmente de caminhão, o DJ Wagner é bem conhe-
cido por suas músicas que zombam dos motoristas de truck. As músicas também falam de
estrada, caminhão, troca de óleo, etc. Fonte: http://www.logisticadescomplicada.com/tipos-de-
caminhoes-tamanhos-e-capacidades
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tudou até 8ª série e depois fez o primeiro ano através do supletivo. Ela
trafega principalmente pelo trecho Santa Catarina – Pará e algumas ve-
zes fica mais de um mês sem voltar para casa. A carreta que dirige é da
transportadora. É evangélica, ainda não batizada, mas pretende ser, ouve
músicas gospel e frequenta, quando pode, o culto da Igreja Renovar.
A caminhoneira Scania tem 32 anos e dirige há 5 anos. É branca,
também natural do interior de Santa Catarina. É casada com um moto-
rista e normalmente viajam juntos, mas em caminhões separados21. An-
tes teve outro marido, agora falecido, com quem tem um filho de 16
anos. Aprendeu a dirigir com o atual marido mas até aprender nunca
tinha pensando em ser motorista, mas quando começou a viajar com o
marido, ficou deprimida por não estar fazendo „nada‟, resolveu então
começar a dirigir também. Antes de ser motorista já foi funcionária de
empresa e mototáxi. Estudou até o segundo grau. Ela viaja pelo país
todo, principalmente no eixo Sul - Nordeste, também fica meses sem
voltar para casa. A motorista tem caminhão próprio, é autônoma e paga
parcelas mensais do veículo. É católica não praticante.
A motorista Mercedes tem 34 anos é motorista faz 5 anos. É
branca, natural do Rio Grande do Sul. Teve três casamentos e só o pri-
meiro marido não era caminhoneiro, com esse marido teve três filhos,
uma menina de 18 anos e dois filhos de 14 e 15 anos. No momento da
viagem, estava divorciada do último marido havia um mês. Aprendeu a
dirigir com o segundo marido, antes de conhecê-lo nunca pensou em ser
motorista e tinha preconceito com caminhoneiros. Antes de ser motoris-
ta trabalhou como empregada doméstica e como operária em uma fábri-
ca de calçados, cursou o primeiro grau completo. Dirige uma carreta
com câmbio automático que é propriedade da transportadora. Ela mora
no Rio Grande do Sul e viaja principalmente pelos estados de Santa Ca-
tarina e Rio Grande do Sul, fica vários meses sem voltar para casa. É
católica pouco praticante.
A caminhoneira Volks tem 39 anos, dirige há 19 anos. É branca,
mora no interior de São Paulo, mas é natural de Pernambuco. Tem dois
filhos, uma menina de 14 anos e um menino de 9 anos. Os filhos são do
primeiro casamento, esse marido não era caminhoneiro. Foi casada com
um caminhoneiro e nesse período morou no Paraná, mas atualmente é
divorciada. Aprendeu a dirigir sozinha, desde criança tinha vontade de
ser caminhoneira e pagava nos fins de semana para que um motorista a
21
Quando viajamos o marido não estava junto no caminhão.
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22
Trecho do diário de campo referente à viagem com a caminhoneira Scania realiza-
da entre os dias 08/12/2010 e 11/12/2010.
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Segundo me informaram, o valor da geladeira embutida do lado de fora é de dois
mil reais.
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procurava nas cidades onde parava uma academia, ela negociava para
que pudesse fazer exercícios por um dia. Essa e outras motoristas relata-
ram sentirem dores nas costas.
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MSN é dispositivo online de trocas de mensagens simultâneas.
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Nick, quer dizer nickname, significa apelido em inglês.
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As reivindicações do grupo eram a respeito dos preços abusivos dos pedágios,
precariedade das estradas, más condições de trabalho com longas jornadas e baixos salários,
valores dos fretes e conflitos com policiais. Apesar da visibilidade da greve, seguidas por mais
duas paralisações nos anos seguintes, e das negociações com o Ministro dos Transportes, mui-
tas das exigências não foram cumpridas até hoje.
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Este valor independe do valor do caminhão.
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Google Maps é um serviço de pesquisa e visualização de mapas e imagens de satéli-
te da Terra gratuito na web fornecido e desenvolvido pela empresa Google. O site, através de
um recurso „como chegar‟ permite que se escreva o ponto de partida e destino , oferecendo por
escrito os caminhos possíveis e coordenadas.
30
GPS , do original em inglês Global Positioning System, é um sistema de navegação
por satélite que oferece a um aparelho receptor a posição do mesmo. O GPS permite que seja
indicado um local de destino e a partir de coordenadas o aparelho oferece informações para que
se chegue ao local desejado.
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Caso o veículo não tenha o “sem parar”.
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Caso esses sejam necessários.
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CAPÍTULO 4 – P Ú B L I C O E P R I VA D O : R E L A C I O N A N D O
GÊNERO E CAMINHONEIRAS
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te força de trabalho, mas são seres com sentimentos, como amor, raiva,
ódio, desprezo e etc. A autora afirma que “Através das relações sociais
são trocados não apenas mercadorias, como por exemplo a força de
trabalho, como também sentimentos de toda ordem: tanto a solidarie-
dade quanto a hostilidade, tanto o amor quanto o rancor, tanto a liber-
dade quanto a opressão.” (1992, p. 202)
De acordo com Saffioti, o homem e a mulher enquanto força de
trabalho não utilizam somente a razão e que a dimensão emocional tam-
bém impregna a produção da mercadoria. Ressaltando que a pesquisa se
realiza juntamente a um grupo profissional que se identifica pelo fato de
dirigirem caminhões, é necessário que além da compreensão estrutural e
de classe da situação das caminhoneiras, seja reconhecido que formas
históricas e sociais específicas, relacionadas a subjetividades desse gru-
po, norteiam as vivências e relações de gênero e de trabalho das cami-
nhoneiras.
Grande parte dos textos que li sobre trabalho feminino, aborda-
vam principalmente dupla jornada e trabalho feminino operário. Tive
dificuldade em relacionar essas abordagens a experiências das motoris-
tas de caminhão que apesar de inseridas na lógica de trabalho do sistema
capitalista, se expressam de maneiras diferentes no que diz respeito à
lógica de gênero. Nesse sentido, busquei estudos que tratassem não ape-
nas a questão do trabalho feminino33, mas a inserção de mulheres em
campos profissionais predominantemente masculinos.
Maria Rosa Lombardi (2006), em seu trabalho intitulado: “Enge-
nheiras brasileiras : inserção e limite de gênero no campo profissional”,
afirma que apesar das transformações favoráveis às mulheres nas rela-
ções profissionais dos últimos 30 anos, as dificuldades de inserção das
mulheres na área da Engenharia ainda continuam. Argumentos como
trabalho pesado, ambiente sujo e abrutalhado, falta de infraestrutura de
alojamentos e sanitários para recebê-las, necessidade de viagens e des-
locamentos constantes, entre outros, são utilizados para restringir a par-
ticipação das mulheres34.
33
Bruschini (2007) afirma que apesar do progresso da situação feminina no mercado
de trabalho nos últimos 15 anos, ainda persistem traços de segregação onde as mulheres conti-
nuam trabalhando em maior número em setores, ocupações e áreas de trabalho tradicionalmen-
te femininas, como setor de serviços, social e administração pública.
34
Nesse trecho Lombardi aborda principalmente o caso das engenheiras civis.
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ças foi sempre da avó. Notei através da fala de algumas motoristas que
essa situação incomodava algumas vezes, em outros casos, o cuidado
majoritário da avó, parecia algo já incorporado no cotidiano e não apre-
sentava uma situação de desconforto.
pantes dessa relação, Volvo, destacou a boa relação que tem com a ex-
sogra, avó paterna responsável pela criança.
Em outros casos, quando houve separação conjugal, outros arran-
jos familiares são formados e os/as filhos/as são cuidados principalmen-
te pelo pai e pela madrasta. Duas motoristas, Scania e Mercedes, relata-
ram ótimo relacionamento com as atuais mulheres dos seus ex-maridos,
que não são caminhoneiros, e moraram com os meninos até uma média
de uns 7 anos de idade. Ambas veem os/as filhos/as, mas com pouca
frequência, dada as condições de trabalho. As motoristas mostram-se
muitas vezes a principal provedora econômica do lar e nos casos que
os/as filhos/as são cuidados pelo pai35, preocupam-se em prover mais
conforto aos/as filhos/as através de presentes como celular, computado-
res, roupas, etc.
Podemos notar nessas situações o que afirma Carol Gilligan
(1991) a respeito da noção de cuidado. Para autora, as mulheres que
deixam os filhos em casa recorrem sempre a uma rede de ajuda formada
por outras mulheres, normalmente da família. Nessa situação, as mulhe-
res transmitem os sentidos da cooperação, da responsabilidade e do cui-
dar para outrem (GILLIGAN, 1991).
Carla Cabral (CONGRESSO IBEROAMERICANO DE CIÊN-
CIA, TECNOLOGIA, 2010), em sua obra intitulada “Pioneiras na En-
genharia”, afirma que em sua pesquisa a dificuldade de conciliação dos
papéis de mãe e profissional foi ressaltada, a autora entende a transfe-
rência de cuidados domésticos e responsabilidades com os filhos para
outras mulheres como uma espécie de estratégia de sobrevivência. Am-
bas caminhoneiras que dividem o cuidado dos filhos com a madrasta,
afirmaram que as esposas dos ex-maridos “tratam as crianças como fi-
lhos” e no caso de uma delas, a madrasta “não podia ter filhos”. Assim
nos dois casos, as crianças não estão sob responsabilidade apenas da
figura paterna, mas de uma mulher que ocupa o lugar de mãe no cuidado
da criança.
Sobre a aceitação dos/as filhos/as, as motoristas relataram que e-
les/as acham legal a profissão da mãe, alguns pretendem seguir a carrei-
ra e também se tornarem caminhoneiros/as. Outras, principalmente as
meninas, não gostariam de ser motoristas e não gostam de viajar junto
com a mãe no período de férias. Segundo uma das motoristas,
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As motoristas que deixam os/as filhos/as com os pais relataram boa situação finan-
ceira dos ex-conjugês.
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ristas porque mesmo que ela não seja „culpada‟ pelo acidente, o simples
envolvimento já traz desprestígio profissional para caminhoneira que
deve preocupar-se em fazer tudo “melhor do que o homem”. Quando
conversava sobre a chegada no destino previsto com a caminhoneira
Scania, ela expressou o que sente quando descarrega e não tem nenhum
problema (como quebra na carga, avaria, problemas na hora do descar-
regamento). A comprovação, através da segurança da carga, de que a
motorista é uma profissional, é mais importante para ela do que a com-
pensação econômica:
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Fonte: Jornal Estado de São Paulo. Dia 24/05/2011. O jornal ainda ressalta que a
categoria sofre com 70% de informalidade.
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Sobre a questão de salários diferenciados entre homens e mulheres, não ouvi ne-
nhum tipo de reclamação das caminhoneiras. A dificuldade em calcular os salários, muitas
vezes composto de negociação de carga e de comissão por viagens realizadas impediu que eu
fizesse qualquer comparação entre os salários femininos e masculinos. No caso da transporta-
dora da minha família que tenho acesso à essas informações, não existe nenhuma diferencia-
ção, sendo que o valor pago segue uma tabela de valores de fretes.
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CONCLUSÕES
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REFERÊNCIAS
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