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MOTIVAÇÃO MORFOSSEMÂNTICA DAS CONSTRUÇÕES

COMPOSTAS N-N NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

por
André Luiz Faria
Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas
(Área de Língua Portuguesa)

UFRJ/ Faculdade de Letras


Agosto de 2011
MOTIVAÇÃO MORFOSSEMÂNTICA DAS CONSTRUÇÕES
COMPOSTAS N-N NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

por
André Luiz Faria
Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas
(Área de Língua Portuguesa)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa) da Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial à obtenção do título de
Doutor em Língua Portuguesa.
Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia
Leitão de Almeida.
Co-orientador: Professor Doutor Carlos
Alexandre Victorio Gonçalves.

UFRJ/ Faculdade de Letras


Agosto de 2011
DEFESA DE TESE

FARIA, André Luiz. Motivação morfossemântica das construções compostas N-N no


português brasileiro. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, 2011, 189 fl. mimeo.
Tese de Doutorado em Língua Portuguesa.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida – Orientadora
Departamento de Letras Vernáculas / Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________
Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves – Co-orientador
Departamento de Letras Vernáculas / Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________
Professora Doutora Helena Franco Martins
Departamento de Letras / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________
Professor Doutor Mauro José Rocha do Nascimento
Departamento de Letras Vernáculas / Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________
Professor Doutor Janderson Lemos de Souza
Departamento de Letras / Universidade Federal de São Paulo

___________________________________________________________________
Professora Doutora Sandra Pereira Bernardo
Departamento de Letras / Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Departamento de Letras / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________
Professor Doutor João Antonio de Moraes
Departamento de Letras Vernáculas / Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________
Professora Doutora Mônica de Toledo Piza C. Machado
Departamento de Letras / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Tese defendida em 26/08/2011.


Para Selma e Margarida,
pelo amor edipiano
e sem fronteiras.
AGRADECIMENTOS

Desde o momento em que li uma dissertação (ou tese, não me lembro a

ordem dos fatos!), ainda no curso de graduação em Letras, me apaixonei pela parte

dos “agradecimentos”. Sempre acreditei que aquelas páginas eram, de todas as

outras, as mais sinceras. Isso porque o protocolo sisudo dos trabalhos acadêmicos é

quebrado sem maiores danos à pesquisa do porte, nesse caso, de uma tese.

Já que este espaço me foi facultado, não pouparei elogios a todos aqueles

que participaram direta ou indiretamente da consecução deste texto. Para isso, faço

uma retrospectiva em forma de agradecimento às histórias de vida e, sobretudo das

vozes que aqui ecoam, mas que dificilmente seriam ouvidas ou lembradas, sem

alguma coisa em troca; ou sem uma compensação. Muitos, mas nem todos, não

seriam ouvidos por serem, em sua maioria, analfabetos como se costumava dizer,

ou sendo mais atualizado e politicamente correto – por serem pouco letrados.

Para dar cabo a essa empreitada, começo com as cinco mulheres que

moldaram minha vida, cada uma a sua maneira. A primeira delas foi minha avó,

Margarida Natividade Faria (in memoriam), por ter cuidado de mim a maior parte de

minha infância, a fim de que minha mãe, Selma Maria Faria, com a dignidade que

lhe é peculiar, pudesse trabalhar como empregada doméstica, de segunda a

sábado. O auxílio que vovó Margarida nos deu foi essencial para eu me

transformasse no homem que sou hoje. Fui realmente criado pela avó, e se a marca

impingida por ela for aquela veiculada pelo senso comum, lhe serei grato pelo resto

da minha vida.

Lembro da minha mãe me retirando da cama da minha avó e me levando, à

contragosto, para a cama dela todas as noites. Lembro também de sentir muito calor

durante a noite, devido ao abraço forte que ela me dava, provavelmente por querer
aproveitar o único tempo de que dispunha junto a seu primogênito. Aqueles abraços

fortes e calorosos eram desconfortáveis às vezes, mas me sentia totalmente seguro

por estar nos braços de minha mãe. Lembro também da proteção que dispensava a

mim quando todos se voltavam contra mim. Mesmo quando eu estava errado, ela

me defendia, digamos, como uma leoa à sua cria. A esse amor de mãe, leoa-

protetora, agradeço edipianamente.

A terceira mulher que moldou minha trajetória foi Anariam Alves Silva.

Advogada de profissão, psicóloga por vocação, e pessoa dedicada às causas

sociais, tia Anariam me enxergou e me descobriu no meio de uma multidão, aos sete

anos de idade, pedindo alimentos numa rede de supermercados, vestindo apenas

short e camiseta. Quando nossos olhares se encontraram, nasceu um grande amor.

Desses 27 anos que nos conhecemos, seria difícil enumerar todos os benefícios

morais e intelectuais que ela me proporcionou. Lembro, com vívida lembrança, a

alegria do meu primeiro chinelo de dedo novo, do meu primeiro banho de piscina, do

achocolatado no café da tarde, dos jogos de queimado no play e, sobretudo, do

amor e do “mesmo” olhar carinhoso do nosso primeiro encontro, meio que dizendo

as palavras escritas em parceria, e cantadas por Barry White: “(I love you) just the

way you are”. Não só minha assinatura leva sua marca, mas também minha sede

por justiça, liberdade e aperfeiçoamento.

A quarta delas foi Ângela Maria de Serpa Pinto e Carvalho – a dona Ângela.

Professora apaixonada e apaixonante, que me protegeu da chuva, da fome, do frio;

subiu o Morro dos Macacos e derrubou nosso barraco “na chón”, como diria dona

Armênia, uma personagem de Aracy Balabanian, na novela Rainha da Sucata

(1990), de Sílvio de Abreu! A novela e algumas cenas dela ficaram gravadas em

minha memória, porque foi em 1990, que nos mudados para a casa nova, comprada

por um mutirão de amigos. Se essa atitude não tivesse sido no início dos anos de
1990, provavelmente, teria o nome de uma bolsa. Quem sabe bolsa-proteção? Mas,

mais do que tudo, ela me mostrou que eu poderia ir tão longe quanto eu quisesse,

ao me incentivar e ao acreditar em mim. Me deu apoio nos momentos em que

pensava em desistir; e sempre me dizia: “vale a pena estudar, ser honesto,

trabalhar!” Falando em vale, recebi vários vales dela (em forma de dinheiro, cheque,

ticket). Investiu amor, palavras duras e suaves, compaixão. A minha inspiração de

ser professor veio dela. Logo cedo, percebi que queria ser professor. E hoje,

olhando para trás, só ratifico a escolha que fiz. Ela foi quem realmente me inspirou,

mas a escolha foi minha. Dedico a ela, novamente, parte do soneto de Gregório de

Matos – “A D. Ângela”

Anjo no nome, Angélica na cara!


Isso é ser flor e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara?
Quem vira uma tal flor que a não cortara
De verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus o não idolatrara?

A quinta, mas nem por isso menos importante, foi Maria Virtudes Arosa,

professora-diretora, quem primeiro escreveu minha história de forma mágica.

Conseguiu transformar em poesia a rotina de um menino magro e de olhos

expressivos, nascido na favela. Relendo o texto escrito por ela, “O menino mágico”,

me reconheço e, pela distância temporal que nos separa hoje (o menino e o

homem), consigo enxergar e entender o porquê da palavra “mágico”. Agradeço as

várias orações, os mantimentos, brinquedos, roupas; o carinho, a preocupação, e o

amor.
Estas foram as contribuições – creio eu – mais fortes do “feminino”, no molde

do produto que sou hoje. Vamos agora as outras contribuições igualmente

importantes, mas em outra angulação.

Este trabalho iniciou-se na UFRJ, nas discussões descontraídas e bastante

frutíferas na salinha do NEMP (Núcleo de Estudos Morfossemânticos do Português),

em 2007. Agradeço então à Maria Lúcia Leitão de Almeida (minha orientadora),

porque, ao ingressar no curso da pós, tive o privilégio de ser amparado por ela. Sua

paixão pelas questões linguísticas, inteligência, precisão, diplomacia e hospitalidade

foram muito importantes para minha formação intelectual.

Fui sortudo também por estar sob a co-orientação de Carlos Alexandre

Victorio Gonçalves, meu professor de Morfologia e de História da Língua

Portuguesa, no curso de graduação em Letras, na UFRJ. Sua seriedade e precisão

foram as molas-mestras para a elaboração desta tese. Nesse período, passei a

conhecer (e a aprender) um pouco mais da morfologia das línguas naturais, por

meio de sua orientação segura e amiga.

Agradeço aos professores da graduação em Letras na UFRJ: Carlos

Alexandre Gonçalves, Célia Lopes, Christina Mota Maia, Maria Eugênia Lamoglia

Duarte, Maria Emília Barcelos da Silva, Mônica Rio Nobre, Vera Lúcia Nunes de

Oliveira, Violeta Virgínia Rodrigues; e da pós-graduação em Letras Vernáculas e

Linguística da UFRJ, principalmente Ana Flávia Gerhardt, Carlos Alexandre

Gonçalves, Célia Lopes, Lilian Ferrari, Maria Lúcia Leitão Almeida, Uli Reich.

Sempre ao final de cada curso, ficava com a sensação de que poderia ter me

dedicado mais.

Agradeço ainda à minha banca examinadora, que aceitou participar deste

trabalho com tanta boa vontade e dedicação. À Hanna Jukubowicz Batoréo (da

Universidade de Aberta, em Lisboa) devo as criteriosas observações formais em


relação ao texto, e as válidas críticas, de modo geral, em relação à descrição dos

dados. À Lilian Ferrari devo as sugestões teóricas fantásticas, para lidar como o

objeto de minha pesquisa. Na verdade, me mostrou um caminho alternativo a seguir,

ainda bastante sinuoso na época da qualificação.

Agradeço ainda aos professores José de Sousa Teixeira (Universidade do

Minho), Mauro José Rocha do Nascimento (UFRJ) e Janderson Lemos de Souza

(UNIFESP), pelas indicações bibliográficas valiosas, pela leitura de algumas versões

do que se transformaria nesta tese.

Aos colegas do NEMP: Rafael Rodrigues da Silva Cardoso, Rosângela

Gomes Ferreira, Vitor de Moura Vivas, Daniele Moura Pizzorno, Caio César Castro

da Silva, pelos momentos de alegria e de cumplicidade.

Esses agradecimentos, finalmente, se enceram com os nomes daqueles que,

de uma forma ou de outra, me deram o suporte emocional adequado para a

realização dessa dissertação. Assim, agradeço também:

Ao amigo do coração Nilson Moreira pela descoberta tardia, mas sincera, da

nossa amizade fraternal. Aprendo a cada dia com ele os ensinamentos de vida, de

humanidade. Ao longo de seus “cinquenta” anos, encontra-se livre e jovem!

Aos amigos da Rua São Roberto, no Estácio: Ivan, Cardoso, João e Dantas.

Agradeço a hospitalidade, a amizade, e os “clientes”! Mas o mais importante de

tudo: agradeço por formarem a família que escolheram. E, de certa forma, me sinto

parte dela também. O irmão-amigo que escolhi.

Aos amigos dos vôleis da vida – do Rio de Janeiro e de Jequié.

Aos novos amigos (baianos ou não) que moram em Jequié. Primeiramente

“Chalie’s Angels”: Marcos Salviano Bispo de Queiroz, e Roberto Ives de Abreu

Schettini. Só nós três sabemos o verdadeiro significado disso. Agradeço muitíssimo


à amiga que me ajudou decidir morar na Bahia, Adriana Barbosa. Aos amigos de

conversas e risadas: Elenice, Sirlândia e Isabel.

Aos meus alunos do curso de Letras da UESB, fonte de inspiração, amizade,

carinho, respeito e renovação da prática docente, e como não poderia deixar de ser,

de vários exemplos de língua viva.

Aos professores da UESB-Jequié, sobretudo aos professores da AEL, e do

DCHL, que participaram, indiretamente, desta tese, ao aprovarem as minhas idas ao

Rio de Janeiro para ser orientado.

Aos amigos inesquecíveis: Alessandra, Ana Lourdes, Ana Paula, Babi,

Éderson, Esdras, Francisco, Jaqueline Peixoto, Kátia Mery, Manoel Melo, Miguel

Júnior, Pathrycia (Paty), Patrícia Terezinha (Teuza), Rogério, Sandro, Tatiana

Vivório (Tataia), Tatiana (Tati), Vânia.

À minha mãe, Selma Maria Faria, e aos meus irmãos Anderson, Wilson,

Willian (in memoriam), Ana Paula, Felix e Luiz Fernando pelo sangue que nos

mantêm unidos por onde andarmos, neutralizando, assim, a distância espacial que

nos separa uns dos outros.

Sei que é meio incomum, mas gostaria de agradecer aqueles que esqueci de

mencionar. Quero que se sintam homenageados também, e me perdoem pela gafe.

Mas quem me conhece irá entender perfeitamente o que digo...


Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?1
DRUMMOND

1 DRUMMOND, Carlos (1965). Antologia poética. São Paulo: Círculo do Livro. p. 127
xiii

FARIA, André Luiz (2011). Motivação morfossemântica das construções compostas


N-N do português brasileiro. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Letras
Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro. 150 fl.mimeo.

RESUMO

Este trabalho examina a motivação do mecanismo de formação de palavras


conhecido como composição pós-lexical (LEE 1995), adotando-se a orientação
cognitivista de estudo das línguas, sobretudo as orientações de cunho
construcionista. Dentro do grupo dos compostos pós-lexicais, e entre as várias
categorias que esse processo abarca, optamos pelo estudo das construções
formadas por dois nomes (N-N), em que a cabeça lexical, sempre na margem
esquerda do produto, é ‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’, a exemplo de ‘auxílio
desemprego’, ‘bolsa-escola’, ‘seguro-saúde’ e ‘vale-refeição’, nessa ordem. À luz dos
pressupostos teórico-metodológicos da Linguística Cognitiva, defendemos a
hipótese de que a criação dos compostos N-N do PB constitui um processo regular e
previsível. Diferentemente do que se encontra na literatura de cunho estruturalista, o
processo composicional não se dá de forma idiossincrática, tampouco constitui a
soma concatenativa de bases que formam uma palavra por meio da aplicação de
regras somente. Assumimos, então, que esse fenômeno é o resultado de operações
morfossemânticas sobre construções gramaticais, em cuja base se encontram
princípios cognitivos interligados, que ativam a construção de significados,
categorizando e recategorizando o mundo, ao relacionar esquemas cognitivos
abstratos com instancias desses esquemas (GOLDBERG 1995, JACKENDOFF
2002, LANGACKER 2009, BOOIJ 2010).

Palavras chave: motivação; palavras compostas; Semântica; Morfologia; Linguística


Cognitiva.
xiv

FARIA, André Luiz (2011). Motivação morfossemântica das construções compostas


N-N do português brasileiro. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Letras
Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro. 150 fl.mimeo.

ABSTRACT

This dissertation proposes to explain the motivation of the word formation mechanism
known as post-lexical compounds (LEE 1995). To do so, we adopt the framework of
Cognitive Linguistics, specially the constructionist approach. Take into account post-
lexical compounds, between the various categories deals with this process, we study
NN structure, in which the lexical head, placed on the left of the product is ‘auxílio’,
‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’, like ‘auxílio desemprego’, ‘bolsa-escola’, ‘seguro-saúde’ e
‘vale-refeição’,. In light of the theoretical and methodological assumptions of
Cognitive Linguistics, we support the hypothesis that the rising of the Brazilian
Portuguese NN compounds is guided by regular and predictable cognitive
mechanisms. Unlike what had been found in formal literature, composition does not
occur idiosyncratically concatenative nor is the sum of bases that make up a word by
the application of rules only. We assume that this phenomenon is the result of
operations on morphological semantic grammatical constructions, upon which are
interconnected cognitive principles, which enable the construction of meaning,
categorizing and re-categorizing the world, when the abstract cognitive schemata
relate to instances of these schemes (GOLDBERG 1995, JACKENDOFF 2002,
LANGACKER 2009, BOOIJ 2010).

Keywords: motivation; compounding; Semantics; Morphology; Cognitive Linguistics.


SUMÁRIO

RESUMO xiv

ABSTRACT xv

LISTA DE QUADROS E ESQUEMAS xvii

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ................................................................................. 18

CAPÍTULO 2: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ......................... 28

2.1. Introdução ............................................................................................. 28

2.2. A Linguística Cognitiva ........................................................................ 29

2.3. Gramática das Construções ................................................................ 36


2.3.1. Breve histórico .......................................................................... 36
2.3.2. A proposta de Goldberg ............................................................ 38
2.3.3. Propostas complementares ...................................................... 49
2.3.3.1. Booij (2010) ................................................................. 49
2.3.3.2. Langacker (2009) ........................................................ 58
2.3.3.3. Jackendoff (2002) ........................................................ 60

2.4. Conclusão .............................................................................................. 61

CAPÍTULO 3: ENFOQUES SOBRE A COMPOSIÇÃO DE PALAVRAS ................ 63

3.1. Introdução .............................................................................................. 63

3.2. Perspectiva diacrônica ......................................................................... 65

3.3. Perspectiva tradicional ......................................................................... 69

3.4. Perspectiva descritiva .......................................................................... 75

3.5. Perspectiva linguística ......................................................................... 78


3.5.1. Abordagem estruturalista .......................................................... 78
3.5.2. Abordagem gerativista .............................................................. 86

3.6. Resultados de pesquisas ..................................................................... 98

3.7. Síntese ................................................................................................. 109


CAPÍTULO 4: AS CONSTRUÇÕES TRANSFERENCIAIS N-N ........................... 112

4.1. Introdução ........................................................................................... 112

4.2. As construções compostas transferenciais N-N ............................. 114


4.2.1. As construções bolsa-X .......................................................... 114
4.2.2. As construções auxílio-X ........................................................ 126
4.2.3. As construções seguro-X ....................................................... 129
4.2.4. As construções vale-X ............................................................ 134

4.3. Categorização dos compostos N-N .................................................. 140

4.4. Formação do padrão cognitivo ......................................................... 146

4.5. O frame compensatório ...................................................................... 151

4.6. Esquemas imagéticos ........................................................................ 154

CAPÍTULO 5: MOTIVAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES COMPOSTAS .................... 157

5.1. Introdução ........................................................................................... 157

5.2. Metodologia ......................................................................................... 158

5.3. A proposta de Goldberg (1995) e os compostos transferenciais .. 161

5.4. Análises complementares à motivação dos compostos N-N ......... 172


5.4.1. Aplicação da análise de Booij (2010) ...................................... 172
5.4.2. Aplicação da análise de Langacker (2009) ............................. 174
5.4.3. Aplicação da análise de Jackendoff (2002) ............................ 177

5.5. Conclusão ............................................................................................ 178

CAPÍTULO 6: CONCLUSÃO ................................................................................. 180

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 183

ANEXOS

Anexo 1: Alvará de soltura (vale-night)

Anexo 2: Definição dos compostos


xvii

LISTA DE QUADROS E ESQUEMAS

Quadro 01: Goldberg (padrões sentenciais do inglês) ............................................. 38

Quadro 02: Goldberg (princípios cognitivos da organização linguística) ................. 46

Quadro 03: Regularidade e flexibilidade do sentido em bolsa-x ............................ 123

Quadro 04: Regularidade e flexibilidade do sentido em auxílio-x .......................... 126

Quadro 05: Regularidade e flexibilidade do sentido em seguro-x .......................... 130

Quadro 06: Regularidade e flexibilidade do sentido em vale-x .............................. 135

Quadro 07: Relações de causa e finalidade dos compostos N-N .......................... 137

Quadro 08: Ocorrência do número de “direitos essenciais” ................................... 140

Quadro 09: Ocorrência do número de “ações complementares” ........................... 140

Esquema 01: Booij (palavras compostas do holandês) ........................................... 54

Esquema 02: Langacker (formalização da estrutura abstrata e específica) ............ 58


CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

No esforço para compreender a realidade, somos


como um homem tentando entender o mecanismo
de um relógio fechado. Ele vê o mostrador e os
ponteiros, ouve o seu tique-taque, mas não tem
meios para abrir a caixa. Se esse homem for
habilidoso, pode imaginar um mecanismo
responsável pelos fatos que observa, mas nunca
poderá ficar completamente seguro de que sua
hipótese seja a única possível2.
ALBERT EINSTEIN

É possível identificar palavras compostas em todas as línguas naturais,

sobretudo se levarmos em conta os diversos graus de combinação3 que esse

processo abarca. As descrições já realizadas sobre esse mecanismo de formação

de palavras apontam as dificuldades em definir precisamente o que vem a ser a

composição.

Mutatis mutandi, entende-se a composição como um processo que combina

palavras ou radicais para formar um item morfologicamente complexo. Bauer (2003:

40) a define como um processo de “formação de um novo lexema através da

adjunção de dois ou mais lexemas”. Booij (2007: 75), por outro lado, entende como

palavras compostas a “combinação de duas palavras, em que uma delas modifica o

significado da outra, ou seja, seu núcleo”, o que implica dizer que, em sua visão, a

composição apresenta uma estrutura subordinada.

Além dos vários ângulos que as definições sobre os compostos assumem,

outras questões mais abrangentes foram propostas, tomando-se como base,

sobretudo, a língua inglesa. Indagações como (a) o que de tão especial existe nas

2EINSTEIN, Albert & INFELD, Leonard (1982). A evolução da física. Lisboa: Livros do Brasil. p. 78.
3“(...) a composição abarca a construção de várias construções, tais como expressões idiomáticas, colocações, construções
binominais ou construções pré-fabricadas” (GUEVARA & SCALISE, 2009: 4).
19

palavras compostas? e (b) o que as diferencia das construções sintáticas? ainda

causam inquietações, dependendo da posição teórica que se adote.

Ocorre que essas indagações em relação aos compostos não constituem

excepcionalidades da língua inglesa. Pesquisas realizadas sobre o fenômeno

mostram a complexidade do tema, quando ele é não só analisando sob diversos

enfoques teóricos, mas também descrito e ilustrado com exemplos de diferentes

línguas. Em Lieber & Štekauer (2009), por exemplo, algumas respostas são dadas,

levando-se em conta variadas posições teóricas – gerativas e não-gerativas – e

variadas perspectivas – sincrônica, diacrônica, psicolinguística.

Uma das respostas possíveis à questão de os compostos serem especiais é o

fato de normalmente envolverem dois constituintes, que contraem uma relação

semântica que não se encontra explícita na concatenação dos vocábulos. Esse é o

caso de ‘peixe-boi’ e ‘cantor-compositor’. No primeiro caso, tem-se uma relação

metafórica, em que o composto pode ser interpretado como ‘um peixe com

aspecto/aparência de um boi’; no segundo, tem-se uma relação de adjunção, em

que ‘a pessoa é um cantor e um compositor simultaneamente’.

Mas as relações sintático-semânticas acima não são exclusivas dos

compostos. Muito pelo contrário! Mora aí uma das diferenças (e semelhanças) entre

compostos e as “construções sintáticas stricto sensu”. Observem-se os exemplos

abaixo:

(01) a) Não fui à festa de seu aniversário: não me convidaram.


b) Não fui à festa de seu aniversário: não posso saber quem estava lá.
c) Não fui à festa de seu aniversário: passei-lhe um telegrama.

(02) a) Leite com manga morre!


20

Em (01), se considerarmos a primeira parte da construção como a constante

e a segunda parte como a variável (numa relação XY à imagem e semelhança de

algumas construções morfológicas, a exemplo de ‘cyber café’, ‘cyberdúvidas’, ‘cyber

jogos’), percebem-se claramente os contornos semântico-pragmáticos de causa, de

conclusão e de oposição, os quais (a), (b) e (c) assumem (FAVERO, 1987) na

interdependência entre X e Y.

Em (02), ao contrário, em uma única ocorrência, há sobreposição dessas

relações, a depender do nexo semântico que se infira do todo. Dessa maneira,

emergem, mais claramente, as noções de tempo (‘Quando se toma manga com

leite, morre-se’) e de condição (‘Se tomamos manga com leite, morremos’). A

sobreposição de relações semânticas não constitui grande novidade, visto que a

própria natureza das relações de tempo e condição conduz a leituras desse tipo,

uma vez que a noção de tempo está subentendida na de condição (DECAT, 2010).

Mostraremos que os significados, que emergem a partir das construções

morfológicas XY (a exemplo de ‘auxílio aluguel’, ‘bolsa escola’, seguro desemprego’,

‘vale-refeição’), semelhantemente ao que acontece com as construções sintáticas,

só podem ser inferidos dentro da plenitude do contexto que lhes deu origem.

No português, as gramáticas tradicionais (GT) não divergem muito no

tratamento da composição (BECHARA, 2006; CUNHA & CINTRA, 1985; ROCHA

LIMA, 1972). Segundo as descrições lá encontradas, as construções compostas

podem formar-se mediante a combinação de dois substantivos (‘manga-rosa’), dois

adjetivos (‘azul-marinho’), dois verbos (‘corre-corre’), um advérbio e um adjetivo

(‘sempre-viva’), um numeral e um substantivo (‘mil-folhas’), um pronome e um

substantivo (‘Nosso Senhor’), só para citar algumas dessas associações que,

independentemente do arranjo que estabeleçam, criarão, como produto-final, uma

categoria de status nominal em língua portuguesa.


21

Ao definir compostos, os gramáticos destacam, de modo geral, três critérios:

(a) ser a combinação de dois vocábulos que tenham tido, anteriormente, existência

independente na língua; (b) ser formado por vocábulos que possuam, cada um

deles, seu significado específico; e (c) resultar em um vocábulo único, com um

significado novo – em relação ao dos elementos formadores – e constante (CUNHA

& CINTRA, 1985; BECHARA, 1970; ROCHA LIMA, 1972).

Fora do âmbito da GT, é bastante comum definir composição sempre em

oposição à derivação, como processos diametralmente opostos (BASÍLIO, 2004;

KEHDI, 1990). Segundo esses autores, na derivação por sufixação, por exemplo,

cada sufixo apresentaria noção semântica previamente definida e transferida, após a

adjunção a uma base, para a nova palavra. Tomemos como exemplo o sufixo –ite,

que, nessa visão, “portaria” o significado de “inflamação”. Desse modo, quando

afixado a uma base, o significado do produto será igual à inflamação da base, como

em ‘tendinite’ (inflamação nos tendões) ou ‘bronquite’ (inflamação nos brônquios).

Nessa angulação, o significado seria composicional e, por isso mesmo, previsível, já

que, sabendo o significado do sufixo, é possível determinar o significado da nova

palavra.

No caso da composição, ao contrário, o significado não seria previsível, dado

o fato de estarem envolvidas duas bases livres, cujo produto-final não apresenta

relação com o significado isolado de cada membro. Como prever o significado de

palavras como ‘louva-a-deus’, ‘mil-folhas’ e ‘copo-de-leite’, como um inseto, um

salgado e uma flor, apenas pela soma das palavras que as compõem?

Por conta dessa questão, é certo afirmar que, na composição, não importa o

significado de cada um dos membros, mas sim o do produto, cujo significado se

distingue da noção expressa por cada uma das bases. Em vista disso, fala-se das

dificuldades de padronização desse mecanismo de formação de palavras, uma vez


22

que, diferentemente da derivação sufixal, não é possível construir um paradigma em

que determinada base carregue um significado fixo para diversas formas finais,

conforme a perspectiva adotada por esses estudiosos. Sobre a flexibilidade e

continuidade entre composição e derivação, textos como os de Marchand (1969),

Naumann & Vogel (2000), Booij (2005), Cunha & Cintra (1985) e Gonçalves (2011)

são extremamente elucidativos, por considerarem que as fronteiras entre esses dois

processos são bastante maleáveis de ambos os lados. Nada, porém, é dito sobre a

motivação desses compostos.

Pesquisas em língua portuguesa sobre a composição de palavras

consideradas clássicas, como Bessa (1978, 1988), Villalva (1994), Martins (1995),

Lee (1995), Sandmann (1996), Moreno (1997), Almeida (1999), e outras mais

recentes, como Santos (2009), confirmam não só a complexidade do assunto, mas

também as diversas abordagens teóricas já testadas na explicação do tema. De

modo geral, tais pesquisas apontam alguns fatos como perturbadores a uma

descrição mais precisa dos compostos: (a) poderem ter dois acentos (tóca díscos),

(b) poderem flexionar-se entre os constituintes (garotas propaganda), (c) só

poderem ser vocábulos [+N], (d) poderem formar DIM (diminutivo) entre os

constituintes (guardinha noturno) e (e) poderem flexionar-se mais de uma vez

(homens rãs).

Lee (1995: 52), ao estudar a interface entre a fonologia e a morfologia do PB,

assumindo os pressupostos teóricos da Morfologia Lexical (KIPARSKY, 1982, 1985)

– que considera que “a formação dos compostos, como um processo de formação

de novas palavras, acontece no léxico” – bem como as considerações de Villalva

(1994), que atesta que “os compostos do português são palavras sintáticas

reanalisadas, de tal maneira que a formação de composto acontece na sintaxe”,

propõe dois tipos de compostos presentes na variante brasileira: os lexicais e os


23

pós-lexicais. Aqueles, por serem formados no léxico, são sintaticamente opacos e

estes, por se formarem no componente sintático, são sintaticamente transparentes.

Consoante as ideias do autor, os compostos lexicais seriam os únicos

verdadeiros, já que independeriam de operações morfológicas. O autor enumera

algumas características presentes nesses compostos, tais como: comportarem-se

como palavras únicas; não permitirem flexão interna; não permitirem derivação no

primeiro constituinte; não manterem concordância entre seus componentes; e

poderem, como palavras comuns, servir de base para derivações. Diferentemente,

os compostos pós-lexicais permitem flexão interna; admitem derivação no primeiro

constituinte e mantêm concordância entre seus constituintes. Assim, os vocábulos

‘rádio-taxi’, ‘espaçonave’ e ‘autopeça’4, segundo o autor, constituiriam casos de

compostos lexicais, por apresentarem a sequência determinante (DT) + determinado

(DM), ao passo que os itens ‘sofá-cama’, ‘trem-bala’, ‘mesa-redonda’ e ‘pé-de-

moleque’ seriam compostos pós-lexicais, por apresentar a sequência (DM)+(DT).

Tomemos como exemplo o composto lexical ‘rádio-taxi’ e o pós-lexical ‘sofá-

cama’, cada um representando, respectivamente, as duas categorias sugeridas por

Lee (op. cit.). No primeiro caso, seguindo as restrições listadas pelo autor para os

compostos lexicais, ‘rádio-taxi’ não permite flexão interna (*‘rádios-taxi’), mas

somente externa, como em ‘rádio-taxis’; não permite também derivação no primeiro

elemento (*‘radinho-taxi’), mas somente no segundo, como em ‘rádio-taxista’;

finalmente, não mantêm concordância entre seus componentes (*‘rádios-taxis’). No

segundo caso, ‘sofá-cama’ permite flexão interna (‘sofás-cama); admite derivação no

primeiro constituinte (‘sofazinho-cama’) e mantêm concordância entre seus

constituintes (‘sofás-camas’).

4Embora o autor cite o vocábulo autopeça como um caso de composição, há autores que preferem agrupar tal fenômeno
como um caso de recomposição (IORGU & MONOLIU, 1980; CUNHA & CINTRA, 1985). Como não é nosso objetivo, no
momento, estabelecer a diferença entre composição e recomposição, deixamos apenas a indicação da diferença que se faz
entre os dois termos.
24

Nesta tese de doutoramento, usando dados do PB, pretendemos explicar a

motivação5 do mecanismo de formação de palavras conhecido por composição pós-

lexical (LEE, 1995), baseado no modelo construcionista goldbergiano, denominado

Gramática das Construções (GOLDBERG, 1995, 2006), e em algumas postulações

cognitivistas vinculadas direta ou indiretamente a esse tipo de gramática (LAKOFF,

1987; LANGACKER 1987, 2008, 2009; BOOIJ, 2010; JACKENDOFF, 2002).

Dentro do grupo dos compostos pós-lexicais, e entre as várias categorias que

esse processo abarca, optamos pelo estudo das construções formadas por dois

nomes (N-N), em que a cabeça lexical, sempre na margem esquerda do produto, é

‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’, a exemplo de ‘auxílio desemprego’, ‘bolsa-escola’,

‘seguro-saúde’ e ‘vale-refeição’, nessa ordem.

Tendo como alicerce o quadro teórico que escolhemos para esquadrinhar

esta pesquisa, minha tese é a de que a criação dos compostos N-N do PB constitui

um processo regular e previsível. Diferentemente do que se encontra na literatura de

cunho estruturalista, o processo composicional não se dá de forma idiossincrática

(CÂMARA JR., 1970). Assumimos que esse fenômeno é o resultado de operações

morfossemânticas sobre construções gramaticais, em cuja base se encontram

princípios cognitivos interligados (cortes, apagamentos, sombreamentos e

focalizações), que ativam a construção de significados, categorizando e

recategorizando o mundo, ao relacionar esquemas cognitivos abstratos com

instâncias desses esquemas (GOLDBERG, 1995; JACKENDOFF, 2002;

LANGACKER, 2009; BOOIJ, 2010).

Embora os trabalhos e pesquisas acerca da composição (BASILIO, 2004;

BESSA, 1978; KEHDI, 1990; VILLALVA, 1994; LEE, 1995; SANDMANN, 1996)

5Entendemos motivação aqui no sentido goldbergiano, a saber: possibilidade de extração das regularidades e padrões
existentes no pareamento forma-sentido.
25

apresentem seu valor na delimitação e compreensão do tema, tais estudos diferem

deste, sobretudo pela abordagem teórica adotada.

Na GC, não há modelos que trabalhem especificamente com fenômenos de

interface, como a composição, por exemplo6. A aplicação da máxima de “não

existirem fronteiras rígidas entre léxico e gramática” funciona até que medida? A

noção de construção que encontramos, na maioria das vezes, se refere a padrões

sintáticos em que propriedades formais específicas se correlacionam com

propriedades semânticas específicas que, apesar de não serem completamente

composicionais, são previsíveis. Por conta disso, também, mesclamos algumas

abordagens, com o intuito de tornar a análise mais condizente com as bases

epistemológicas da LC.

O interesse em encontrar justificativas empíricas para a motivação do

fenômeno em exame nos impulsionou para os domínios teóricos da Linguística

Cognitiva (LANGACKER, 1987 2008, 2009; LAKOFF, 1987; LAKOFF & JOHNSON,

1980) e, mais especificamente, para os domínios do modelo da Gramática das

Construções (GOLDBERG, 1995; BOOIJ, 2010), justamente por ser um modelo que

pode ser aplicado a fenômenos de fronteira, como é o caso das construções

compostas. A investigação do tema em língua portuguesa se justifica, devido à

inexistência de análises acerca da motivação das palavras compostas e, mais

especificamente, dos compostos nominais N-N do PB, sobretudo no paradigma da

GC. Nesse âmbito, uma questão a ser respondida e a seguinte: qual é a motivação

cognitiva dos compostos?

Diante das diretrizes epistemológicas adotadas, alguns problemas se colocam

na compreensão das construções compostas aqui estudadas: (a) se sentidos de

diferentes construções compostas são sistematicamente relacionados, a partir de

6A exceção é o recente modelo teórico conhecido como Morfologia Construcional (Construction Morphology), de Geert
Booij.
26

que esquema construcional abstrato essas construções são instanciadas? (b) se há

relação semântica entre as construções compostas, como elas podem ser

organizadas de modo a refletir regularidades? É possível pensar em instanciações

construcionais a partir de componentes distintos da gramática?

Em confronto com os objetivos traçados para a realização deste trabalho, as

hipóteses em que circunscrevemos esta pesquisa são as seguintes: (a) as palavras

compostas são construções gramaticais, projetadas de construções sintáticas,

depreendidas a partir de nossas experiências no mundo; (b) o significado do produto

do composto dependerá de conhecimentos sócio-histórico-culturais, inferidos a partir

de uma cena compensatória.

A tese se estrutura em cinco capítulos, além desta introdução. No capítulo

dois, apresentamos os pressupostos teóricos que embasaram esta pesquisa,

mostrando a trajetória que se empreendeu no estudo da linguagem, objetivando

focalizar a ruptura epistemológica que ocorreu com a inserção da LC no campo das

ciências cognitivas. Desembocamos nos modelos de Goldberg (1995), Booij (2010),

Langacker (2009) e Jackendoff (2002), que sustentarão as análises realizadas no

capítulo 5 desta tese.

No capítulo 3, descrevemos, sumariamente, algumas das principais questões

acerca dos compostos, em geral e, especificamente, do português, restringindo-nos

à descrição dos compostos subordinativos, por ser esse tipo de composto o objeto

de nossa análise.

No capítulo subsequente, discutimos as novas formações, que batizamos de

compostos transferenciais N-N, construções essas surgidas no PB a partir de

meados da década de 1980. Essas construções (com cabeça lexical ‘auxílio’, ‘bolsa’,

‘seguro’ e ‘vale’) vêm tomando espaço na fala e na escrita e se aclimatando em solo


27

brasileiro mediante o desenvolvimento socioeconômico do país. Como se verá, o

cenário socioeconômico parece motivar a ativação de um padrão na língua.

O capítulo 5 dedica-se à análise construcional dos compostos N-N

transferenciais a partir dos pressupostos teóricos da LC, principalmente aqueles

relacionados às construções gramaticais. Apresentamos a metodologia adotada na

pesquisa logo no início do capítulo. Partindo das postulações de Goldberg (1995)

sobre a construção bitransitiva, vamos refinando a análise com outras postulações

que, segundo nosso conhecimento, tornam a análise das construções compostas N-

N mais condizentes com as postulações da LC.

Finalmente, à luz dos dados analisados sob a perspectiva cognitivista, e por

meio das inserções feitas ao longo do trabalho, concluímos esta tese procurando

mostrar que ela é (i) mais uma interpretação aos dados do português (ii) e que suas

contribuições poderão trazer para a pesquisa linguística insights no que tange aos

compostos N-N do PB e de outras línguas.

Parafraseando a reflexão de Albert Einstein que abre esta introdução,

poderíamos dizer que, no esforço para compreender os compostos N-N do PB,

somos, também, como o homem citado por ele, que tenta entender o mecanismo de

um relógio fechado. Assim como a personagem do físico-filósofo, não temos como

abrir a caixa, porém nossos órgãos de sentido, nosso corpo e nossa sociedade

percebem a formação desses compostos. Para tentar desvendar os mistérios dessa

caixa-cérebro, usaremos uma arma poderosa para sustentar nossa hipótese: uma

teoria de viés inferencialista, assunto do próximo capítulo.


CAPÍTULO 2: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Quando se olha uma coisa de um ponto de vista


diferente, ela pode parecer mais simples que antes;
essa simplificação permitirá mais clareza na
compreensão que se tem do fenômeno, deixando-o,
porém, tal como é e sempre foi. [...] Mesmo
admitindo que a facilidade e clareza se recobrem até
certo ponto, tornar claro não é necessariamente a
mesma coisa que tornar fácil7.
LOUIS HJELMSLEV

2.1. Introdução

Qualquer investigação acerca da natureza das palavras compostas deve

responder a uma questão fundamental: qual a arquitetura da gramática e qual a

concepção de linguagem adotada na análise dos compostos? No que tange à

arquitetura da gramática, indagaríamos ainda se essa arquitetura dispõe de

componentes distintos especialmente projetados para a formação dos compostos ou

se, embora separados, esses componentes se intercomunicariam em toda sua

extensão.

Respondendo a essas questões, este capítulo apresentará a concepção de

linguagem adotada neste trabalho, assim como a arquitetura do modelo em que

estamos nos baseando. Inicialmente, damos uma visão geral da Linguística

Cognitiva e, mais especificamente, do modelo descritivo dela derivado, conhecido

como Gramática das Construções (GC). No modelo da GC, focalizaremos a

proposta goldbergiana para a análise dos compostos, não deixando de levar em

7 HJELMSLEV, Louis (1968). La structure fondamentale du langage. Paris, Munuit. p. 176-7.


29

conta aspectos que consideramos relevantes, encontrados em autores como Booij,

Langacker e Jackendoff.

2.2. A Linguística Cognitiva: concepção de linguagem e arquitetura da

gramática

A Linguística Cognitiva (LC) surge a partir da linguística praticada pelos

professores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e, mais tarde, também em

San Diego, no final da década de 1970. Daí se irradiou mundialmente e, entre 19898

e 19909, adquire oficialmente sua “certidão de nascimento”.

Esse novo paradigma teórico inicia-se a partir do desenvolvimento das

pesquisas empreendidas nesses centros acadêmicos norte-americanos, cujos

pesquisadores consideravam lacunares as posições teóricas utilizadas até então,

sobretudo no que tange à arquitetura da gramática em geral e, particularmente, à

arquitetura da gramática gerativa.

Diferentemente dos modelos teóricos anteriores, como o estruturalismo e o

gerativismo, a linguagem não é uma faculdade autônoma em relação às outras

faculdades humanas, como a visão, a audição, a memória, a capacidade de pensar

e de se emocionar. Nas palavras de Langacker (1987: 12), “a linguagem é parte da

cognição humana”. A linguagem, entendida como parte que interage com outros

sistemas cognitivos, é responsável por apenas uma parcela da cognição, ao

contrário do que advoga, por exemplo, o gerativismo, que a concebe como

capacidade inata, localizada em um módulo autônomo – único e específico – da

mente.

8Primeira Conferência Internacional de Linguística Cognitiva.


9Primeiro número do periódico Cognitive Linguistics. Para muitos estudiosos, a publicação do período é o que marca a institucionalização
da LC.
30

Diametralmente contrária ao inatismo chomskyano, a LC entende as

construções linguísticas como manifestações de capacidades cognitivas gerais.

Essas capacidades referem-se à organização conceptual, aos princípios de

categorização, aos mecanismos de processamento, sempre se levando em conta as

experiências individuais, sociais e culturais às quais os indivíduos estão submetidos.

Além disso, a gramática constitui-se por uma rede de construções. Nessa

visão, postula-se que as unidades mínimas da gramática são construções –

“unidades linguísticas complexas que estabelecem relação forma/sentido

absolutamente impreditível a partir de simples cálculos combinatórios” (cf. MIRANDA

& SALOMÃO, 2009: 25) – que diferem apenas no caráter de sua constituição formal.

Segue-se a isso a máxima de que há continuidade entre léxico e gramática, numa

relação direta com o uso linguístico.

O que se rotula LC abarca um espectro de postulações teóricas bastante

heterogêneo. O movimento se interconecta tanto com os domínios das chamadas

“Ciências Cognitivas” (Psicologia Cognitiva, Neurociência, Inteligência Artificial)

quanto com os de outros campos do saber (Antropologia, Sociologia, Filosofia etc.),

na tentativa de “explicar tanto quanto possível a linguagem”10 (LAKOFF &

JOHNSON, 1980), já que a rede de informações perpassa diversos âmbitos. A

interseção entre esses domínios de conhecimento seria, segundo Almeida et alii

(2010: 16), a hipótese da motivação conceptual da gramática, segundo a qual

fenômenos léxico-gramaticais devem ser explicados a partir de mecanismos

cognitivos mais gerais.

Vale destacar que a significação, na visão da LC, apresenta um viés

inferencialista, o que a diferencia da posição referencialista advogada pelos

10O texto original é o que se segue: “Cognitive linguistics is a linguistic theory that seeks to use the discoveries of second-
generation cognitive science to explain as much of language as possible. As such, it accepts the results of second
generation cognitive science and does not inherit the assumptions of any full-blown philosophical theory” (LAKOFF &
JONHSON, 1980: 496)
31

estudos tradicionais. O significado das construções vai se calcar tanto em processos

mentais (metafóricos ou metonímicos) quanto em aspectos socioculturais. Esse

modo de entender o significado se relaciona com a visão filosófica empreendida pela

LC. O que está por trás dessa discussão epistemológica, portanto, é a divisão entre

‘mente e corpo’, tão comum à tradição cartesiana.

A posição filosófica e epistemológica da LC é o experiencialismo (realismo

corporificado ou realismo básico), perspectiva segundo a qual a cognição humana

(e, logo, a linguagem) é determinada pelas experiências individual (incluindo a

experiência corporal) e coletiva. O experiencialismo, segundo Lakoff (1987), se opõe

ao objetivismo. Nesse último, os símbolos que compõem o mundo físico são

etiquetados, numa relação direta entre linguagem e mundo material. Nas palavras

de Johnson (1990),

(01)
O corpo foi ignorado pelo Objetivismo, porque se acreditava que ele
introduziria elementos subjetivos considerados irrelevantes à natureza
objetiva do significado. O corpo foi ignorado porque a razão era
considerada abstrata e transcendente, ou seja, não vinculada a
nenhum dos aspectos corpóreos da compreensão humana11.

Na angulação objetivista, o pensamento seria apenas uma manipulação de

símbolos abstratos, numa espécie de manipulação da natureza. É daí que vem a

ideia, ainda defendida por alguns autores, de que o pensamento é uma massa

amorfa que será moldada segundo a lógica das normas gramaticais. Ademais, essa

visão do pensamento o coloca em uma posição de “limbo”, ou seja, ele não teria

relação com o corpo e suas limitações, tampouco com os sistemas perceptual e

nervoso.

11O texto original é o que se segue: “The body has been ignored by Objectivism because it has been thought to introduce
subjective elements alleged to be irrelevant to the objective nature of meaning. The body has been ignored because reason
has been thought to be abstract and transcendent, that is not tied to any of the bodily aspects of human understanding”
(JONHSON, 1990: xiv).
32

Outra característica desse pensamento seria o que se convencionou chamar

atomicidade. O pensamento seria semelhante a um conjunto de “peças de montar”,

tipo o brinquedo lego, brinquedo cujo conceito se baseia em partes que se

encaixam, permitindo inúmeras combinações. Essas combinações, no caso do

pensamento, seriam manipuladas por regras.

Por último, o pensamento, no âmbito objetivista, é lógico. Sua modelação

segue sistemas precisos, de modo bastante semelhante aos conceitos de lógica

utilizados na (lógica) matemática.

Em contrapartida, o experiencialismo defende a ideia de que o pensamento

relaciona-se diretamente com o corpo humano. A maneira como nos movimentamos,

o jeito como nossos sentidos percebem a realidade à nossa volta, bem como a

forma segundo a qual interagimos com o mundo, seres e objetos ajudam a formar

sistemas conceptuais que, por meio dessas experiências, fazem emergir os

significados das construções.

Além disso, em vez de um pensamento lógico, como no objetivismo, o

pensamento, na perspectiva experiencialista, é imaginativo. Conceptualizamos

conceitos abstratos que vão além do que podemos perceber através de nossos

órgãos de sentido, utilizando-nos da metáfora e/ou da metonímia. Como esses dois

mecanismos são também baseados em nossa experiência, sobretudo corpórea,

nossa capacidade imaginativa é baseada indiretamente nessas experiências. A ideia

é a de que, se não estamos falando de coisas que refletem a natureza, ou seja,

categorizando as coisas da natureza, estamos usando necessariamente nossa

capacidade imaginativa.

A visão experiencialista se contrapõe ao atomismo do pensamento. O

pensamento, em vez de ser constituído por partes que se encaixam por meio da

manipulação de regras, apresentaria propriedades gestálticas. Os conceitos teriam


33

uma estrutura geral, que, de alguma forma, se articulariam a outros sistemas com a

finalidade de fazerem sentido, indo, portanto, além da manipulação mecânica de

símbolos abstratos.

A abordagem da linguagem que a LC adota é interessada não no

conhecimento da linguagem, mas no conhecimento através da linguagem e em

como ela contribui para o conhecimento do mundo (SILVA, 2006). Na verdade, a

interpretação do significado das construções pode ser pensada por meio de

conceitos e categorias pré-existentes, que funcionariam como protótipos. Tais

protótipos, aliados à experiência individual, não só determinariam o conhecimento,

mas também, nas palavras de Silva (op. cit.), transcenderiam à famosa dicotomia

pós-cartesiana empirismo/racionalismo.

Nesse processo de compreender como adquirimos conhecimento, as

primeiras investigações cognitivistas tentavam reconhecer as habilidades do ser

humano de encontrar as similaridades entre duas ou mais entidades e agrupá-las

(LAKOFF, 1987: 5). Essa aptidão ficou conhecida como categorização, uma forma

de organizar as informações a que somos expostos, orientando-nos sobre os

comportamentos dos animais, plantas, movimento dos corpos celestes etc., o que

maximizou a forma de viver e de pensar dos seres humanos (CUENCA &

HILFERTY, 1999: 32). A categorização é uma das capacidades cognitivas que nos

permitem formar conceitos e organizar a vasta rede de conhecimento por meio de

duas operações cognitivas: a generalização (as propriedades semelhantes) e a

especialização (as propriedades distintas).

A tradição filosófica, desde Aristóteles a Wittgenstein, entende a

categorização como caixas abstratas dentro das quais são depositados elementos

que compartilham o mesmo conjunto de propriedades. Lakoff (1987) afirma que as

categorias em ciências são vistas como formadas por condições necessárias e


34

suficientes (CNS). Na biologia, um caso problemático foi a descoberta do

ornitorrinco, em 1789, denominado primeiramente pela comunidade científica como

“fraude”. Como classificar um animal que é (a) ovíparo como os répteis e (b) tem

bico e nadadeiras como os patos? Com essas características, o ornitorrinco poderia

ser classificado como uma ave, mas teria o inconveniente de ser uma ave que

mama. Como sabemos, o ornitorrinco encontra-se na classe dos mamíferos, apesar

de não apresentar “todas” as características atribuídas aos mamíferos, o que mostra

que uma categorização compartimentada, formada por uma lista idealizada de

aspectos de todos os membros de uma classe, é insuficiente para organizar a

realidade. Esse fato não acontece apenas com os animais, mas com qualquer

categoria que pretendemos estabelecer.

Uma alternativa satisfatória para o modelo de compartimentos é o modelo de

classificação com base em protótipos. Psicólogos cognitivos como Rosch (1977),

antropólogos como Berlin & Kay (1969) e linguístas como Lakoff & Johnson (1980)

demonstraram que as pessoas, de modo geral, organizam as categorias em forma

de protótipos. Consideram que alguns membros de uma categoria compartilham

todas as propriedades dessa categoria, e seriam, portanto, seus protótipos. Outros

membros, diferentemente, compartilhariam apenas algumas propriedades,

afastando-se do modelo.

Para ilustrar o conceito de protótipo, consideremos duas categorias no âmbito

dos esportes. Suponhamos que A represente a categoria “jogador de futebol” e que

B represente a categoria “piloto de fórmula 1”. Nessas categorias, enquadremos (a)

o jogador do Santos Neymar Júnior (negro, oriundo da classe baixa, filho de

proletários, grau de escolaridade baixo) e o ex-jogador do Flamengo Leonardo

Araújo (branco, oriundo da classe média-alta, grau de escolaridade alto); e (b) o


35

piloto Rubens (Rubinho) Barrichello (branco, oriundo da classe alta, grau de

escolaridade alto).

Somente com essas características, podemos notar que Neymar poderia ser

o representante prototípico da categoria A, uma vez que a história brasileira mostra

que, frequentemente, os jogadores de futebol12 provêm das classes

economicamente mais baixas da sociedade brasileira, são negros ou mulatos e

frequentaram os bancos escolares por pouco tempo. O jogador Leonardo, ao

contrário, seria uma exceção nesse contexto, afastando-se do membro mais

representativo Neymar, ou seja, afastando-se do representante mais modelar.

De modo bastante semelhante, o piloto Rubinho Barrichello configura-se

como representante prototípico da categoria B. Na fórmula 1, justamente pelo alto

investimento no início da carreira, encontram-se, quase exclusivamente, esportistas

brancos, da classe alta e com grau de escolaridade alto.

Essas ideias foram transportadas para a descrição linguística e trouxeram

excelentes resultados. Em vez da categorização aristotélica, baseada em

oposições discretas (sincronia X diacronia, competência X desempenho,

composição X derivação), utiliza-se a categorização baseada em protótipos, que,

entre outras características, revela os casos intermediários, sem tratá-los como

exceção.

Outra característica ligada ao conhecimento dentro da LC são os frames.

Podemos defini-los como o conjunto das cenas que vêm a nossa mente quando

fazemos menção a uma construção qualquer. Esse domínio semântico vincula-se a

uma palavra, formado tanto por um conjunto de elementos prototípicos como

também por elementos vinculados à imaginação. Em Fillmore (1977), onde o autor

lança as bases da LC no que tange à compreensão da cognição relativizada a

12 Vejam-se, por exemplo, Pelé, Dener, Viola, Romário, Ronaldinho, Ronaldinho Gaúcho etc.
36

cenas, vemos os elementos da cena comercial. Nessa cena, apresentam-se, pelo

menos, uma pessoa que compra um “bem”; uma pessoa que vende esse “bem” sob

a condição de algum tipo de retorno financeiro; o “bem” em si (ou o objeto

transferido de uma pessoa para outra); e, finalmente, a moeda de troca.

Evidentemente, outros elementos adjacentes poderão ser incluídos na cena, como o

valor do bem, a forma de pagamento, uma terceira pessoa beneficiada etc.,

conforme a necessidade comunicativa.

A LC abarca, além da Teoria dos Protótipos e dos frames, outras maneiras de

capturar e organizar o conhecimento, como, por exemplo, o modelo de descrição

conhecido como Gramática das Construções. Este será o tópico da próxima seção.

2.3. Gramática das Construções

2.3.1. Breve histórico

Há aproximadamente quatro décadas, estudos que integram estruturas

linguísticas e processos cognitivos para entender a motivação e a competência

linguística do falante têm sido desenvolvidos em larga escala. A teoria linguística

denominada Gramática das Construções13 consubstancia esse esforço no final na

década de 1970, impulsionada pelo desenvolvimento da Semântica Cognitiva.

Dessa época, destacam-se dois trabalhos: (a) o texto de Lakoff (1977), onde se

sugere que não só as expressões idiomáticas seriam uma potencialização de

padrões linguísticos lexicalmente abertos, cuja configuração contribuiria

semanticamente para a interpretação da sentença, mas também se propõe uma

forma de conceber a indistinção entre léxico e sintaxe; e (b) o artigo de Fillmore

13
Foge ao escopo deste trabalho diferenciar as diversas abordagens que o rótulo “Gramática das Construções” abarca.
Segundo Goldberg (2006: 205), existem diferentes abordagens construcionais e, por conta disso, remetemos o leitor ao
texto da autora.
37

(1979), centrado nos idiomatismos e, como dissemos acima, questionando os

modelos que interpretavam o significado composionalmente e satirizando o artifício

do falante/ouvinte ideal proposto pelo gerativismo, criando o “falante/ouvinte

inocente”.

Na década de 1980, os resultados de mais duas pesquisas de peso foram

publicados, analisando construções típicas do inglês que não podiam ser explicadas

dentro das pressuposições da gramática gerativa: Lakoff (1987), sobre as

construções com there, e Fillmore, Kay & O’Connor (1988), sobre o operador escalar

let alone. Na década de 1990, Fillmore & Kay (1993) desenvolvem um trabalho

acerca das construções gramaticais, propondo um continuum de especificação dos

elementos que formam as construções. Os mesmos autores publicam, no final da

década de 1990 (cf. FILLMORE & KAY, 1997, 1999), artigos sobre a construção

“What’s X doing Y” (ou WXDY), instanciadas em sentenças do tipo “O que você está

fazendo fumando”, em que mostram que mesmo expressões altamente

idiomatizadas se formam a partir de construções de outros níveis sintagmáticos, que

expressam regularidades na língua. Desses estudos conclui-se, pois, que os

mesmos princípios que atuam nos fenômenos considerados canônicos também

atuam nos fenômenos ditos periféricos, já que tanto uns quanto outros são

construções gramaticais.

Ainda na década de 1990, Goldberg (1995) publica um dos trabalhos que

mais contribuiu para a análise da gramática das construções. O modelo das

construções gramaticais, conforme proposto formalmente pela autora, tem

enfatizado o papel das construções na estruturação da gramática. Especificamente

nesse trabalho, tomando por base a variação das valências abordadas a partir da

proposição de regras lexicais, a autora atesta que as construções abertas

apresentam significado próprio, que se complementa por elementos instanciados –


38

que, por seu turno, também completam o significado das construções. Na subseção

seguinte, subscrevemos o modelo de análise construcional de Goldberg (1995).

É evidente que a ideia de construção não é aquela velha afirmação de que há

construções, como as passivas, por exemplo, mas sim a visão de que a gramática é

essencialmente feita por um grande conjunto de construções que forma um sistema

interconectado, uma rede. Há algum tempo, tal visão de inventário era considerada

não-realística, sobretudo por causa do custo da aquisição (TOMASELLO, 2000).

Atualmente, entretanto, dado o conhecimento de quanta informação o cérebro

humano pode armazenar, associado ao conhecimento de processamento sintático

online, retorna-se à noção de construção como o princípio organizador da gramática.

Sendo mais específicos, a unidade básica da gramática é a construção

gramatical, definida como o pareamento de forma (informações lexicais, sintáticas e

morfofonológicas) e significado (informações semânticas e pragmáticas). Em que

pesem as complexidades internas entre morfemas, vocábulos, sintagmas etc., a GC

presume não haver diferença entre léxico e sintaxe, de um lado, e semântica e

pragmática, de outro.

2.3.2. A proposta de Goldberg

Goldberg (1995) descreve sentenças básicas do inglês, analisando, em

seguida, o que entende por construção. Para ela, construções correspondem a

pareamentos forma-significado, que existiriam independentemente dos verbos

instanciados, o que significa dizer, em outros termos, que (a) as construções

carregam um significado anterior às palavras que as integram e, (b) para cada

componente que participa da face formal da construção, há um correlato na face

conceptual. Nas palavras da autora:


39

(02)
C é uma construção se C é um par de forma/sentido <Fi,Si>, de forma
que algum aspecto de Fi ou algum aspecto de Si não seja estritamente
preditível das partes componentes da construção ou de outras
construções previamente estabelecidas. (GOLDBERG,1995, p. 04)

Se as construções forem entendidas dessa forma, evitam-se malabarismos

argumentativos no âmbito sintático e, em consequência disso, angariam-se

generalizações mais precisas (GOLDBERG, 1995: 40). O verbo ‘espirrar’,

classicamente descrito como intransitivo, pode ocorrer em construções como ‘Ele

espirrou o guardanapo para fora da mesa’, mesmo que seu sentido, visto

isoladamente, não apresente três argumentos. No entanto, a construção que o verbo

integra prevê como sentido central uma cena dinâmica, básica à experiência

humana. Essas cenas dizem respeito aos atos de (a) “alguém transferindo algo a

alguém”, (b) “alguém fazendo algo mover-se”, (c) “alguém modificando o estado de

algo”, (d) “algo movendo-se”, (e) “alguém experienciando algo” etc. A partir da

codificação dessas cenas, Goldberg distingue cinco padrões sentenciais do inglês,

resumidos no quadro a seguir:

Construções Significados Configurações Exemplos


básicos sintáticas
1) Bitransitiva X CAUSA Y Sujeito+Verbo+ Pat faxed Bill the
RECEBER Z Objeto1+Objeto2 latter
2) Movimento X CAUSA Y Sujeito+Verbo+ Pat sneezed the
causado MOVER Z Objeto+Oblíquo napkin off the table
3) Resultativa X CAUSA Y Sujeito+Verbo+ She kissed him
TORNAR-SE Z Objeto+XComp unconscious
4) Movimento X MOVE Y Sujeito+Verbo+ The fly buzzed into
intransitivo Oblíquo the room
5) Conativa X DIRECIONA Sujeito+Verbo+ Sam kicked at Bill
AÇÃO PARA Y Oblíquoat
Quadro 01: Padrões sentenciais do inglês

Para transpormos os exemplos para o português, teremos de fazer algumas

adaptações. Assim, teríamos em (a) ‘Patrícia enviou [a] Igor uma carta’, (b) ‘Ana
40

Carolina pôs o livro na estante’, (c) ‘O açougueiro cortou a carne em pedaços’, (d) ‘A

abelha voava no jardim’ e (e) ‘Miguel Júnior cantou para o público’, exemplos de

construções bitransitivas, movimento causado, resultativas, movimento intransitivo e

conativas, respectivamente.

O padrão bitransitivo, segundo Goldberg (2006), apresenta a peculiaridade de

o recipiente ocorrer imediatamente na posição pós-verbal e sem preposição, seguido

do argumento tema, indicando a ideia de transferência. A ideia de transferência, com

esse tipo de construção, não se encontra apenas no inglês, mas também em outras

línguas, como o suaíle, o mandarim e o vietnamita, por exemplo. Similarmente, nas

línguas românicas, indica-se a ideia de transferência por meio da construção dativa

preposicional (SILVA, 2001), cuja configuração prototípica é formada por sujeito

(SU), verbo (V), objeto direto (OD) e objeto indireto (OI), normalmente nessa ordem.

A configuração sintática da construção dativa preposicional é [X CAUSA Y

RECEBER Z]14, constituindo-se como uma construção aberta, que agrega, entre

outras, a noção de transferência de posse, como se observa em (03) e (04) abaixo:

(03)
Nesta quarta-feira, durante chat do site oficial do BBB 10, Dourado
voltou a dizer que dará o carro que ganhou no programa para
Jose. “Falei que o carro era dela. Ela me deu um abraço e falou que foi
campeã junto comigo, foi uma coisa muito linda. Ela falou que não
queria nada, mas é uma questão de merecimento, que eu gostaria de
fazer. E eu vou presentear, não me interessa o que ela vai fazer com o
carro, ela só tem que vir buscar aqui no Rio”, garantiu ele. (O GLOBO,
14/09/10)

14 Essa também é a configuração da construção bitransitiva do inglês, descrita por Goldberg (1995).
41

(04)
Mais uma confusão envolvendo os nomes dos estados de Mato Grosso
do Sul e Mato Grosso causam revolta na população do estado caçula.
No capítulo da última sexta-feira (21) da novela Insensato Coração, um
diálogo entre as personagens Luciana (Fernanda Machado) e Pedro
(Eriberto Leão) deu a entender que a cidade sul-mato-grossense de
Bonito, a mais importante riqueza turística da região, ficaria no Mato
Grosso. A Fundação de Turismo do Estado enviou uma carta a
Gilberto Braga, autor da novela da Rede Globo, pedindo “possíveis
reparações, pois a cidade de Bonito está situada em Mato Grosso do
Sul e não no Mato Grosso como deu a entender no diálogo”. (PORTAL
BONITO, 25/01/11)

Na construção sintática de transferência, considera-se o verbo dar (03) como

prototípico desse tipo de relação (SALOMÃO, 1990; SILVA, 2006). No entanto,

podem ocorrer desdobramentos polissêmicos dessa relação, instanciando,

respectivamente, as configurações [X causa Y não receber Z], como em (05), [X

pretende causar Y receber Z], como em (06), e [X atua para causar Y receber Z em

algum momento futuro], como em (07):

(05)
Pedro recusou o carro a Marcos

(06)
Pedro assou um bolo para Marcos

(07)
Pedro legou seus bens a Marcos

No evento instanciado pela construção dativa transferencial, encontram-se

três participantes (agente, paciente e recipiente), que correspondem aos argumentos

da construção. Desse modo, tanto a construção dativa quanto o verbo que a

instancia vão apresentar uma estrutura de argumentos que se combinarão, caso

sejam compatíveis.
42

Se quisermos falar de um sentido básico da construção dativa transferencial,

poderíamos dizer que se trata de um agente que realiza uma transferência bem-

sucedida de um objeto a um recipiente. Esse sentido central da construção se

compatibilizará com verbos como os de (05) a (07) acima.

A representação esquemática da estrutura argumental da construção é:

CAUSAR-RECEBER <agente receptor paciente>. O esquema da construção como

um todo é o seguinte:

Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente>

R: instância, PRED < >


meio

Sintaxe V SUJ OBJ 1 OBJ 2

Nesse tipo de esquematização, PRED (predicador) é a variável que será

preenchida quando a construção for instanciada; os símbolos <> representam os

papéis participantes nos verbos instanciados; a linha pontilhada refere-se a um

papel argumental que pode (ou não) ser designado.

Se tomarmos como exemplo o verbo dar, prototípico desse tipo de

construção, veremos que haverá necessariamente um “doador” (SU), um

destinatário (OI) e um objeto dado (OD). Esquematicamente, os elementos

envolvidos no ato de dar podem ser explicitados da seguinte forma: dar <“doador”

destinatário objeto dado>, cuja fusão com a construção dativa se dá da seguinte

forma:
43

Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente>

R: instância, DAR <“doador” objeto dado destinatário>


meio

Sintaxe V SUJ OBJ 1 OBJ 2

Vejamos isso mais de perto. Numa construção como Douglas deu um

presente à namorada, tem-se um agente-sujeito (Douglas), um paciente-objeto (um

presente) e um recipiente-dativo (à namorada).

Segundo a autora, o pareamento não se dá de forma desordenada, o que

implica a operação denominada FUSÃO (GOLDBERG, 1995: 50). Ou seja, para que

haja integração entre os papéis instanciados pela construção e os papéis

instanciados pelo verbo, dois princípios devem ser obedecidos:

(a) o Princípio da Coerência Semântica, princípio segundo o qual somente papéis

semanticamente compatíveis podem fundir-se, e

(b) o Princípio da Correspondência, princípio segundo o qual cada papel

participante lexicalmente perfilado e expresso deve ser fundido com um papel

argumental da construção. Em termos mais diretos, para que um elemento possa

aparecer concretamente em uma sequência sintática, deve corresponder a um papel

previsto na configuração da construção.

É possível, no entanto, que um argumento previsto na estrutura da construção

deixe de ser designado, em condições muito específicas. Segundo Goldberg (1995:

56), há quatro diferentes motivos para que isso aconteça.

O primeiro dos motivos é o que a autora chama de sombreamento (shading).

Esse procedimento está baseado na metáfora de que o perfilamento é análogo a


44

uma câmera cinematográfica, focando certos participantes em momentos distintos.

O participante existe e pode ser recuperado pragmaticamente, mas não é

evidenciado, já que é “posto nas sombras”. Um exemplo clássico de sombreamento

pode ser notado na construção passiva ‘João foi atacado’, em que o papel

participante é sombreado (aquele que se funde com o papel de agente). Entretanto,

a mesma construção pode ser dita com o agente da passiva expresso, como em

‘João foi atacado pelo bandido’. Outro exemplo do mesmo procedimento, mas agora

com verbo na voz ativa, é ‘O candidato do PT distribuía compras antes das eleições’.

Os participantes a quem o candidato distribuía as compras foram sombreados, mas

poderiam estar na sentença, o que não ocorreu.

O segundo é o que se denomina corte (cutting). Esse procedimento, segundo

a autora, evoca a cena de um diretor cortando um dos participantes do filme. A

construção que apresenta corte não admite argumento previsto no evento evocado

pelo verbo – nesse caso, o papel participante não pode ser expresso, ao contrário,

por exemplo, do sombreamento. No PB, os exemplos clássicos de corte são dados

com verbos cuja configuração sintática exige dois papéis participantes, como os

verbos amassar (‘alguém que amassa’ e ‘o objeto amassado’) e rasgar (‘alguém que

rasga’ e ‘o objeto rasgado’), como em ‘Selma amassou o papel e o jogou na lata de

lixo’ e ‘Anariam rasgou a cortina ao abrir a janela’. Porém, em construções como

‘Esse tecido amassa facilmente’ e ‘Minha calça rasgou’, o papel participante

referente ao agentivo não está previsto na construção e, em consequência disso,

não pode ser expresso. Esse é o caso do corte.

O terceiro motivo para um argumento não aparecer na construção é o que a

autora denominou de absorção de papel (role merging). Nesse fenômeno, nas

construções reflexivas, um papel participante é absorvido por outro, fundindo-se em

um só argumento, de modo que estes papéis serão instanciados na construção por


45

meio de um único termo sintático. Esse fenômeno ocorre em alguns dialetos do PB

contemporâneo e foi objeto de análise da dissertação de Pulhiese (1994), que

estuda essas construções no gênero discursivo “redação escolar”. Tomemos como

exemplo a construção potencialmente reflexiva ‘Eu me machuquei com a faca’, que

aparece destransitivizada, como ‘Eu machuquei com a faca’. Nesse caso, o SN “eu”

instancia simultaneamente os dois papéis temáticos requeridos no evento perfilado

pelo verbo machucar-se. Essas construções foram chamadas por Pulhiese (op. cit.)

de “construções desreflexivizadas”.

O quarto, e último, motivo para que um argumento não seja designado é

quando há complementos nulos (null complements). Segundo a autora, esses

complementos nulos podem ocorrer de duas maneiras: de forma indefinida ou

definida. No caso da forma indefinida, o papel não-expresso recebe uma

interpretação indefinida, uma vez que a identidade do referente é desconhecida ou

irrelevante, como se vê no exemplo ‘Felix comeu Ø tanto no rodízio de massas, que

chegou a passar mal’, em que o objeto do verbo comer não está expresso e a

identidade é irrelevante – ou não é lexicalmente designado. O segundo caso, o da

forma definida, diz respeito ao fato de a identidade do referente ser recuperável pelo

contexto, como na resposta “Ø vi Ø” para a pergunta “Você viu o programa da

Marília Gabriela ontem?” ou na sentença “O Flamengo perdeu Ø mais um

campeonato brasileiro contra o Botafogo”, em que os participantes dos verbos

recebem uma interpretação definida contextualmente.

Ademais, conforme Goldberg (op. cit.), as construções são tipicamente

associadas a uma família de sentidos estritamente relacionados em vez de um único

sentido abstrato e fixo. Para entender essa colocação, deve-se reforçar que a teoria

construcional não considera rígida a divisão entre léxico e sintaxe, já que padrões
46

construcionais, composição de palavras e morfemas são tratados como o mesmo

tipo básico de dados.

O padrão sentencial bitransitivo, como já dissemos acima, apresenta o

sentido básico de transferência de posse, o que implica dizer que “um agente realiza

uma transferência bem-sucedida15 de um objeto a um destinatário”. No âmbito

sintático, esse sentido básico da construção compatibiliza (a) verbos que

inerentemente significam atos de cessão (‘dar’, ‘passar’, ‘entregar’), (b) verbos que

significam causação instantânea de movimento (‘atirar’, ‘arremessar’, ‘chutar’) e (c)

verbos que significam causação contínua de movimento em uma direção

deiticamente especificada (‘trazer’, ‘levar’).

Embora a autora não mencione o âmbito morfossintático claramente,

argumentamos que essa construção básica é polissêmica no sentido de perpassar

os diversos níveis da arquitetura da gramática. Ao considerar esse fato, e sobretudo

que o inventário das construções constitui um conjunto altamente estruturado,

Goldberg salienta a capacidade reiterativa das construções. Essa possibilidade

ocorre mediante a existência de dois princípios:

MOTIVAÇÃO: possibilidade de extração das regularidades e padrões existentes

entre o par forma/sentido;

HERANÇA: capacidade que esse padrão possuiria de captar certos aspectos numa

relação de hierarquia.

15 Goldberg (1995) argumenta que algumas formas bitransitivas não implicam transferência bem-sucedida do argumento
paciente a seu destinatário potencial. Nesse sentido, aponta alguns verbos de sentidos menos básicos da construção
bitransitiva.
47

A efetivação dos princípios supracitados se dá por meio de links (elos)

estabelecidos entre as construções. O número de links identificados pela autora é,

no mínimo, quatro. Vejamos então as relações de herança entre as construções:

(a) Elos por polissemia: nesse tipo de construção, captura-se uma relação de

sentido particular de uma construção e qualquer extensão de sentido, que

serão herdadas das especificações sintáticas da construção central.

(b) Elos por subparte: ocorre quando uma construção é subparte de outra,

existindo independentemente dela, constituindo, assim, uma outra construção

à parte. Observa-se também a redução da valência verbal, conforme se

observa em Goldberg, no que se refere à relação existente entre a construção

de movimento causado e a construção de movimento intransitivo.

(c) Elos por instanciação: ocorre quando uma construção particular é um caso

especial de outra (motivada por outra), mas apresentando alguns elementos

especificados. Nesse tipo de link, pode haver ocorrência múltipla de herança

(sintática e semântica), associada a outras construções.

(d) Elos por extensão metafórica: duas construções serão relacionadas

metaforicamente se a semântica da construção central (dominante) for

mapeada na semântica da construção decorrente (dominada). Falando em

termos de espaços mentais, podemos dizer que é no sentido central da

construção que se encontra o domínio fonte da extensão metafórica.

Goldberg postula ainda, por conta do alto grau de abertura das construções

(fechadas, semi-abertas, abertas), quatro princípios psicológicos que governariam a

organização linguística. Vejamos esses princípios no quadro abaixo:


48

PRINCÍPIO POSTULAÇÃO DO PRINCÍPIO


I) Princípio da Motivação Maximizada Se uma construção A está relacionada a
uma construção B sintaticamente, então
o sistema da construção A é motivado
em algum grau e está relacionado à
construção B semanticamente.
II) Princípio da Não Sinonímia Se duas construções são sintaticamente
distintas, então elas devem ser
semântica ou pragmaticamente distintas.
Corolário A: se duas construções
são sintaticamente distintas e
S(emanticamente) sinônimas, elas não
devem ser P(ragmaticamente)
sinônimas.
Corolário B: se duas construções
são sintaticamente distintas e P-
sinônimas, elas não devem ser S-
sinônimas.
III) Princípio do Poder Expressivo O inventário das construções é
Maximizado maximizado por propósitos
comunicativos.
IV) Princípio da Economia Maximizado O número de construções distintas é
minimizado tanto quanto o possível,
respeitado o princípio 3.
Quadro 02: Princípios cognitivos de organização linguística

Consoante o Princípio I, se uma construção A baseia-se na construção B,

então A herda todas as propriedades de B que não conflitam com as suas próprias

especificações. Poderíamos dizer que, nessa abordagem, depreende-se a natureza

das relações semânticas entre o sentido central de uma construção e suas

extensões, de sorte que as construções estendidas a partir da construção

bitransitiva herdam suas especificações (léxico-morfossintáticas) e a ideia

transferencial. Desse modo, cada extensão constitui uma construção minimamente

diferente, motivada pelo sentido central.

Parafraseando o exemplo dado em Nascimento (2006: 39), o referente [casa]

não faz prever, de modo algum, a forma linguística mesa: esse signo não é

previsível, e sim arbitrário. Entretanto, o vocábulo derivado mesário tem alguma

previsibilidade se conhecermos previamente a base mesa. Nesse sentido, mesário é


49

uma construção motivada. Quanto mais motivada for a forma, mais fácil será

depreender e memorizar seu significado, e quanto mais formas motivadas tiver um

sistema, mais eficaz na comunicação ele será.

Pela depreensão do Princípio II, vemos que uma diferença na forma sintática

sempre indica uma diferença de significado (semântica ou pragmática). O corolário A

pode ser exemplificado com os pares das sentenças formadas pelo verbo

inacusativo ‘chegar’, consubstanciado distintamente em “Chegou a polícia” e em “A

polícia chegou”. Em termos de condição de verdade, não há diferença entre elas. No

entanto, há diferenças pragmáticas bastante interessantes. A primeira sentença

seria utilizada num contexto em que não houvesse expectativa a respeito da

chegada da polícia, ao passo que, na segunda, há pressuposição de que a polícia

era esperada. Em relação ao corolário B, Nascimento (op. cit.) analisa os exemplos

“Os cinzeiros estão cheios” e “Esvazie os cinzeiros”. Essas sentenças podem ser

interpretadas como variantes do mesmo ato ilocucionário caso sejam ditas por uma

pessoa com autoridade socialmente reconhecida; ambas são inequivocadamente

interpretadas como ordens. Semanticamente, são diferentes: apenas “Esvazie os

cinzeiros” é uma ordem, já que há uma construção de imperativo; em “Os cinzeiros

estão cheios”, tem-se, fora de contexto, nada mais que uma afirmativa.

Diferentemente, o Princípio III indica que uma diferença no significado leva a

uma diferença na forma. Já o Princípio IV restringe o número de construções,

atendendo à necessidade de simplificação linguística. Assim, tanto o princípio III

quanto o IV atendem aos propósitos comunicativos, já que haverá tantas

construções quantas forem necessárias para atender às necessidades da

comunicação (Princípio do Poder Expressivo Maximizado), mas não mais do que o

necessário (Princípio da Economia Maximizado).


50

2.3.3. Propostas complementares

2.3.3.1. Booij (2010)

Segundo Booij (2010: 201), padrões de formação de palavras podem ser

vistos como esquemas abstratos que se generalizam sobre um conjunto de

palavras complexas pré-existentes dentro de uma correlação sistemática entre forma

e significado. Esse esquema abstrato também especificaria como essas palavras

podem ser criadas. Basilio (2010) confronta as abordagens gerativistas lexicalistas e

propostas da LC na descrição dos processos de palavras em língua portuguesa.

Segundo a autora, na abordagem cognitivista, há vantagens nas generalizações das

formações de palavras, já que “as estruturas se depreendem das formações

existentes, e a frequência de uso determinará a força do processo de

esquematização”.

O processo de formação de palavras dos compostos endocêntricos do inglês

e do holandês, por exemplo, pode ser representado conforme o esquema (01) a

seguir:

(08) [[a]X [b]Yi]Y ‘Yi com relação R para X’

Na notação do esquema (01) acima, as variáveis ‘X’ e ‘Y’ representam as

principais categorias lexicais (N, V, A e P); as variáveis ‘a’ e ‘b’ representam

sequências de sons arbitrários; e, por fim, a variável ‘i’ representa o índice lexical

das propriedades das palavras no nível fonológico, sintático e semântico.

Esse esquema, de modo geral, pode ser interpretado como a representação

formal da construção, agregada a um significado específico. Tanto o fato de o núcleo

do composto posicionar-se à direita (como ocorre com os compostos endocêntricos),

como o fato de a estrutura como um todo ser dominada pela mesma categoria
51

sintática Y revela a expressão formal da generalização. Nesse caso, a generalização

é a seguinte: no inglês e no holandês, a categoria sintática dos compostos será

determinada por seu constituinte à direita.

Tomemos como exemplo o núcleo do composto ‘Yi’. Se essa variável de ‘Yi’

for um nome (N), o composto como um todo será um N, como se nota em ‘wolf

children’. Correlacionando o exemplo com o esquema, teríamos a seguinte

configuração: [[wolf]N [children]Ni]N ‘Ni com relação R para N’.

O significado acionado pelo constituinte à direita funciona como núcleo

semântico do composto, e evoca-se relação semântica entre os constituintes da

esquerda e da direita. Entretanto, a natureza específica dessa relação é deixada

indeterminada no esquema, pois, segundo o autor, não é previsível, por razões

estruturais.

Conforme Booij (op. cit.), a noção tradicional de construção, bem como sua

importância para as teorias estruturalistas, têm recebido atenção renovada dentro do

arcabouço teórico da Gramática das Construções (GOLDBERG 2006 e a literatura lá

listada). A ideia central da Gramática das Construções pode ser resumida da

seguinte forma:

(09)
Na Gramática das Construções, a gramática representa um inventário
de complexos forma-significado-função, em que as palavras se
distinguem das construções gramaticais apenas em relação a sua
complexidade interna. O inventário das construções não é
desestruturado, sendo mais parecido com um mapa do que uma lista
de compras. Elementos deste inventário são relacionados através de
hierarquias de herança, contendo padrões mais ou menos gerais16.

(Michaelis and Lambrecht 1996: 216)

16 O texto original é o que se segue: “In Construction Grammar, the Grammar represents an inventory of form-meaning-
function complexes, in which words are distinguished from grammatical construction only with regard to their internal
complexity. The inventory of constructions is not unstructured; it is more like a map than a shopping list. Elements in this
inventory are related through inheritance hierarchies, containing more or less general patterns”.
52

A citação sugere que tanto padrões sintáticos quanto padrões de formação de

palavras podem ser vistos como construções. Essa ideia de padrões morfológicos

como construções tem sido desenvolvida em um número expressivo de publicações

(JACKENDOFF, 2002; BOTELHO, 2004; BOOIJ, 2005; NASCIMENTO, 2006).

A ideia de modelos de formação de palavras e de léxico hierárquico pode ser

ilustrada por meio das palavras compostas. Em diversas línguas, os compostos são

processos produtivos de formação de palavras, e a noção de “regras” tem

desempenhado papel importante na explicação desse tipo de formação. Em

holandês, por exemplo, encontram-se compostos com núcleo à direita, cujas

categorias podem ser nominais, adjetivais e verbais. Em vista dessa constatação,

Booij (op. cit.) assume a seguinte regra morfológica dos compostos holandeses:

(10) X+Y→ [XY]Y

Nessa regra, X e Y representam as categorias sintáticas N, A e V, e o Y

subscrito constitui o resultado categorial do composto. Em línguas como o holandês,

o alemão e o inglês, a generalização é a de que os constituintes à direita funcionam

como seus núcleos. Essa generalização ficou conhecida na literatura, por conta do

artigo de Williams (1981), como Regra de Adjunção de Núcleo à Direita, conforme

amplamente discutido em Villalva (1992).

Regras de formação de palavras, como as em (10), apresentam duas

funções: (a) funcionam como regras de redundância em relação às palavras

complexas pré-existentes e (b) especificam como as palavras complexas podem ser

formadas (JACKENDOFF, 1975; ARONOFF, 1976; BASILIO, 1980). Observe,

contudo, que a regra (10), da maneira como está formulada, nada diz a respeito das

regularidades semânticas na interpretação dos compostos.


53

Por conta disso, em vez de falar sobre regras de formação de palavras, Booij

(op. cit.) prefere falar sobre modelos (ou esquemas) de formação de palavras.

Substitui-se, então, a regra (10) pelo modelo de formação de palavras do holandês.

Esse modelo, como se viu acima, é uma generalização acerca da estrutura de

compostos pré-existentes, que, adicionalmente, também pode ser usado para criar

novos compostos. Veja a repetição do esquema (10), agora numerado como (11),

por conveniência à leitura:

(11) [[a]X [b]Yi]Y ‘Yi com relação R para X’

O uso das variáveis fonológicas (‘a’ e ‘b’) indica que as informações

fonológicas não desempenham um papel restritivo nesse tipo de formação. Em (11),

o significado geral da contribuição do modelo do composto está especificado, uma

vez que a morfologia diz respeito ao pareamento entre forma e significado. A

natureza de R não está especificada, mas está determinada para cada composto

individualmente, na base do significado dos constituintes do composto e segundo o

conhecimento enciclopédico e cultural (DOWNING, 1977).

O modelo em (11) ainda não expressa que ele não é apenas uma categoria

sintática do núcleo, que é idêntica àquela do composto como um todo, mas aquelas

duas dos nós Y são também idênticas no que diz respeito às propriedades como

gênero e classe de declinação para os nomes e classe de conjugação para os

verbos. Desse modo, Booij elabora o modelo (11) como (11)’, a seguir, em que [αF]

explica o conjunto de traços de subclasses relevantes:


54

(11)’ [[a]X [b]Yi]Y ‘Yi com relação R para X’

│ │

[αF] [αF]

O modelo (11)’ especifica a categoria núcleo à direita dos compostos

endocêntricos da língua holandesa. Esse formato sugere que o composto é uma

construção do nível morfológico, com um pareamento sistemático entre forma e

significado. Isso especifica que o núcleo Y não é apenas o núcleo formal, mas

também o núcleo semântico: um composto holandês denota um certo Y, não um

certo X.

Além disso, o modelo (11)’ deve ser visto como o nódulo no léxico hierárquico

do holandês que domina todos os compostos existentes dessa língua. Assim, um

composto qualquer do holandês herda suas propriedades (formais e semânticas) do

seu nódulo dominante e de seus lexemas constituintes. Por exemplo, a seguinte

subestrutura do léxico do holandês pode ser levada em conta para os compostos

adjetivais (‘sneeuwwit’, cujo correspondente em inglês é ‘snow-white’):

(12) [XYi]Y ‘Yi com relação R para X’

[ [sneeuw]N [wit]A]A ‘branco como a neve’

/ \

[[sneeuw]N ‘neve’ [wit]A ‘branco’

A árvore acima se caracteriza como uma “árvore de herança múltipla”, já que

apresenta dois tipos de relações: (a) a relação de ‘instanciação’ e (b) a relação de

‘parte de’. A palavra ‘sneeuwwit’ é uma instanciação do modelo geral, formalizado no


55

topo da árvore, e os lexemas ‘sneeuw’ e ‘wit’ formam partes do composto adjetival.

Nesse exemplo, a relação R é interpretada como “como”, uma vez que a palavra

significa “branco como a neve”.

Uma representação como (12) torna claro que as palavras complexas

acionam diversos tipos de relações. Não é apenas uma instância do esquema

abstrato de formação de palavras, essas palavras estão ligadas a outras palavras do

léxico. O composto ‘sneeuwwit’, por exemplo, está ligado a ‘wit’ e a ‘sneeuw’,

simultaneamente. Da mesma forma, os lexemas ‘wit’ e a ‘sneeuw’ estarão ligados a

outras palavras complexas.

É nessas condições que se formam as famílias de palavras {‘wit’, ‘sneeuwwit’}

e {‘sneeuw’, ‘sneeuwwit’ etc.}. A existência dessas relações de família, mediada

pelas palavras, manifesta-se por intermédio do “efeito de tamanho de família”:

quanto maior o tamanho da família de uma palavra, mais rapidamente essa palavra

poderá ser recuperada numa tarefa de escolhas lexicais. A existência de esquemas

abstratos de formação de palavras, por outro lado, manifesta-se, também, por meio

da possibilidade que os usuários da língua têm de criar novas palavras compostas,

baseadas cognitivamente nessas relações familiares.

Obviamente, o esquema de formação de palavras em si baseia-se num

conjunto de compostos pré-existentes. A condição sine qua non para que os falantes

desenvolvam esse esquema abstrato é justamente o conhecimento dos compostos

já existentes, ou seja, tanto a relação de instanciação quanto a relação de “parte de”

estão embasadas em parentescos paradigmáticos (paradigmatic relationships) entre

palavras e léxico. No exemplo ‘sneeuwwit’ do holandês visto acima, a estrutura

morfológica atribuída a esse vocábulo é uma projeção de parentescos

paradigmáticos no eixo sintagmático da palavra.


56

Uma vantagem dessa abordagem de formação de palavras é que

generalizações sobre subpadrões podem ser expressas de maneira bastante

simples. As generalizações, a seguir, valem para o conjunto de compostos

endocêntricos do holandês: apenas o padrão de composto N-N17 é recursivo tanto

no que diz respeito à posição nuclear quanto em relação à posição não-nuclear –

seus constituintes podem ser compostos por si sós.

Generalizações sobre subconjuntos de palavras podem ser expressos através

da noção de léxico hierárquico, assumindo-se níveis intermediários de abstração

entre os modelos mais gerais e entre os compostos individuais pré-existentes. Veja-

se que a estrutura abaixo (13) espelha a forma de como as palavras compostas do

holandês podem ser assumidas no léxico:

(13)

[XY]Y

[XN]N [XA]A [XV]V

[AN]N [VN]N [NN]N [AA]A [VA]A [NA]A [NV]V [AV]V [VV]V

Esquema 01: palavras compostas do holandês

Tomemos [XN]N como exemplo. Cada um dos nós mais baixos desse nível vai

dominar um subconjunto de compostos do holandês. Apenas os compostos

formados a partir da estrutura [VN]N [NN]N não terão restrição na complexidade

interna de seus lexemas constituintes, ao passo que, em todos os outros nós, a

17
E sob certas condições que serão vistas a seguir, os composto VN.
57

condição ‘X e Y ≠ do composto’ terá de ser respeitada. Isso explica o que foi dito

sobre o grande número de compostos nominais no holandês, o que permite fazer

generalizações acerca de subconjuntos de compostos e, ao mesmo tempo,

expressar propriedades comuns de todo o conjunto de compostos dessa língua.

Essa possibilidade de generalização em diferentes níveis de abstração constitui uma

das claras vantagens desse padrão de representação de formação de palavras.

Na abordagem do léxico hierárquico, as exceções de generalização são

entendidas como padrão de herança (default inheritance), ou seja, as propriedades

dos nós mais altos irão sempre se infiltrar para os nós mais baixos a menos que

esses nós comportem especificações contraditórias para as propriedades

relevantes.

Um dos aspectos centrais dessa abordagem de formação de palavras é que

esquemas abstratos e instâncias individuais desses esquemas co-existem.

Assim que os esquemas abstratos são identificados, os itens lexicais, cujo espelho

são esses esquemas, não vão ficar, necessariamente, perdidos na memória lexical.

Evita-se a regra. Mas o fato de existir uma regra de produtividade de formação de

certas construções linguísticas não implica que o output daquela regra não deva ser

especificado no léxico. É óbvio que precisamos desse recurso para o estudo dos

compostos. O que se deve fazer é especificar tanto o conjunto existente (ou

estabelecido) de compostos de uma língua quanto assumir que a maioria deles é

formada conforme um esquema regular e produtivo, que dá origem a novos

compostos.

No que tange às descobertas realizadas no âmbito da aquisição da

linguagem, a ideia de léxico hierárquico está de acordo com o pressuposto de que

as pessoas, no processo de aquisição, adquirem um sistema morfológico abstrato.

Na verdade, hipotetiza-se que esse esquema se baseia no conhecimento prévio de


58

um conjunto de palavras, palavras essas que instanciam esse padrão. Uma vez que

as pessoas se deparam com um número de palavras de certo tipo, elas inferem

esse esquema abstrato e são capazes de criar novas palavras a partir dele. Desse

modo, o ponto final da aquisição pode ser definido “em termos de construções

linguísticas, comportando diferentes graus de complexidade, abstração e

sistematicidade” (TOMASELLO, 2000: 238) herdadas desse esquema.

A necessidade de generalizações para a subclasse dos compostos torna-se

mais clara no estudo de fenômenos de fronteira, como a composição e a derivação

(BOOIJ, 2005). Conclui-se, pois, que alguns insights básicos da Gramática das

Construções podem ser aplicados no domínio da composição e que a composição

fornece aporte empírico para esse modelo de gramática.

Em resumo, Booij (2010) mostra como generalizações (formais e semânticas)

sobre subconjuntos de palavras compostas podem ser feitas, enquanto propriedades

comuns ou padrões podem ser expressos. Além disso, observa que as

regularidades acerca da posição do núcleo dos compostos são mais complicadas do

que podem ser tratadas, levando-se em conta um simples parâmetro de posição de

núcleo. A noção de “idioma construcional” parece ser a chave para uma explicação

satisfatória das complicações, assim como lidar com as palavras compostas como

‘telespettatore’ (telespectador).

Em Booij (op. cit.), a possibilidade de fusão de esquemas de formação de

palavras é vista para fornecer uma explicação formal para a co-ocorrência de

padrões de formação de palavras, sobretudo no domínio da composição sintética.

Finalmente, a diferença entre os compostos que são, de um lado, palavras

morfológicas e, de outro, sintagmas lexicais recebe uma representação simples

nesse modelo de gramática.


59

2.3.3.2. Langacker (2009)

Segundo Langacker (2009), as unidades linguísticas têm a mesma natureza

básica que a existente nas ocorrências de que são abstraídas. Isso implica que as

unidades linguísticas possuem propriedades que lhes são próprias (imanentes) e

que se manifestam nas expressões que ajudam a caracterizar.

Há uma mudança bastante significativa na formalização utilizada para

representar a estrutura abstrata e a estrutura específica, caso comparemos a análise

realizada por Langacker (1987) com a proposta por Langacker (2009), tal qual

mostram Almeida et alii (2010):

LANGACKER 1987

LANGACKER 2009

Esquema 02: Formalização da estrutura abstrata e da estrutura específica

A alteração no modo de formalizar tais estruturas se dá justamente pela

constatação da imanência. Em Langacker (1987), a estrutura abstrata e a mais


60

específica estão separadas por boxes e a seta indica a elaboração do último

elemento; a formalização presente em Langacker (2009) indica mais claramente que

A está imanente em A’. A seta, nesse caso, pode ser entendida como uma atividade

de processamento adicional requerida para articular a concepção A em uma

concepção mais refinada. Uma vez que A’ envolve especificação mais detalhada,

precisa também de processamento mais elaborado.

A ideia que nos interessa mais especificamente nessa proposta é a de que,

para Langacker (2009), A é um esquema, e A’ uma instanciação desse esquema.

Como veremos no capítulo 5, A’ constitui-se como uma das facetas do evento e A, a

unidade linguística abstrata, que pode ser um som, um sufixo ou uma lexia, entre

outras possibilidades.

Segundo resumem Almeida et alii (2010: 99) acerca dessa esquematização, a

imanência das unidades nas expressões traz consequências para como nós

pensamos suas abstrações e usos. Uma delas é que a abstração de uma unidade

não requer nenhum mecanismo especial, aqui concebido como essencialmente

automático, dado o princípio comprovado neurobiologicamente de que padrões que

ocorrem na ativação neural deixam vestígios, o que, evidentemente, facilita sua

própria ocorrência.

2.3.3.3. Jackendoff (2002)

A hipótese central em Jackendooff (2002) é a de que todo conhecimento

linguístico armazenado na memória de longo-termo é parte do léxico; são itens

lexicais. Esse léxico, então, deixa de ser o lugar das idiossincrasias para ser o lugar

do conhecimento, da idiomaticidade, com regras e princípios que apresentariam

naturezas especificas, assim definidas:


61

(a) Princípios de combinação livre: agrupam princípios de combinação livre e

princípios que constroem output maiores, do mesmo tamanho ou menores

que uma palavra no léxico. Nesses termos, refere-se à noção gramatical de

palavra. Além disso, são marcadas pela regularidade e pela produtividade.

(b) Regras de redundância lexical: aplicadas ao léxico, essas regras são

caracterizadas por produtividade e regularidade parciais, expressando

generalizações nas relações entre pares de entradas lexicais, ou seja, nas

restrições de padrões admissíveis.

Os itens lexicais, tanto os mais simples quanto os mais complexos, respeitam

certas condições de licenciamento e armazenamento presentes no componente

lexical, podendo existir de várias formas: signos portadores de

significado/significante, signos sem realização fonológica, signos sem expressão

semântica e signos sem realização fonológica e semântica. É a partir dessas

constatações que a proposta de Jackendoff (op. cit.) abarca o conceito de

construção (Gramática das Construções), alargando-o e flexibilizando-o para

incorporar os padrões (ou construções) “defectivos”.

Ademais, o autor nega a ideia de hierarquia de heranças e mostrando que

entre os itens lexicais se estabelece correspondência entre certos constituintes

sintáticos com as estruturas fonológicas e conceptuais.

2.4. Conclusão

Podemos dizer que a teoria construcional, qualquer que seja sua vertente,

pretende caracterizar todas as construções que formam o repertório linguístico, tanto

as centrais quanto as periféricas. Parte-se do princípio de que é possível obter


62

informações fundamentais, quando consideramos os casos periféricos, por conta de

o modelo ser capaz de dar conta dos casos não centrais e, dando conta deles, poder

explicar os casos centrais.


CAPÍTULO 3: ENFOQUES SOBRE A COMPOSIÇÃO DE PALAVRAS

Compreender não consiste em elencar dados. Mas


em ver o nexo entre eles e em detectar a estrutura
invisível que os suporta. Esta não aparece. Recolhe-
se num nível mais profundo. Revela-se através dos
fatos. Descer até aí através dos dados e subir
novamente para compreender os dados: eis o
processo de todo verdadeiro conhecimento. Em
ciência e também em teologia18.
LEONARDO BOFF

3.1. Introdução

Já apontamos, no capítulo introdutório desta tese, os problemas de

delimitação das palavras compostas de base livre do português, vistas como

estruturas idiossincráticas e arbitrárias. Isso acontece porque os autores consideram

as palavras compostas, em comparação com a derivação, um fenômeno de difícil

sistematização (KIPARSKY, 1982; CUNHA & CINTRA, 1985; KEHDI, 1990;

ANDERSON, 1992; BASILIO, 2004). Seguindo as recomendações da epígrafe que

inicia este capítulo, não só elencaremos as abordagens acerca da composição, mas

tentaremos detectar o nexo entre as perspectivas apresentadas.

Especificamente, mostramos que os limites entre a composição e outros

processos são bastante movediços. A indecisão que existe em relação à sua

delimitação, às suas flexões e à sua própria existência como fenômeno

morfossintático aparece nos discursos, codificados por gramáticos normativos,

filólogos e linguistas. Essa imprecisão ocorre justamente por conta do território

incerto em que os compostos são formados: no limite entre léxico, morfologia e

18 BOFF, Leonardo (1998). A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Editora Vozes, p. 78.
64

sintaxe. A única certeza é a de que os compostos fazem parte do léxico das línguas,

seja sua formação efetivada no componente lexical, seja no componente morfológico

ou sintático19.

Como se verá, apesar de os teóricos utilizarem-se de parâmetros (fonológico,

morfológico, sintático ou semântico) para tentar delimitar as palavras compostas, até

agora, tanto no português como em outras línguas, não há critérios utilizados

isoladamente que delimitem compostos. Seria necessária uma posição teórica que

perpassasse os componentes para que as análises ficassem mais claras, para

detectar a estrutura invisível de que fala Leonardo Boff. Conforme já apontado no

capítulo anterior, dedicado aos pressupostos teóricos, a inquietação que preocupa

alguns estudiosos – o lugar da formação dos vocábulos compostos – não se coloca

nesta tese, por conta da assunção de não haver separação rígida entre léxico e

gramática.

Reiterando o que dissemos nos capítulos anteriores, defendemos a hipótese

de que a criação dos compostos não se dá nem de forma idiossincrática, nem

constitui a soma concatenativa das bases – através de regras – que formam uma

palavra, mas é o resultado de operações sintático-semânticas sobre construções

gramaticais.

Neste capítulo, fazemos um relato panorâmico20 de como a composição vem

sendo tratada na literatura. Vale ressaltar que esse relato não constitui uma

comparação numa escala avaliativa, mas procura compreender o quadro em que

esses estudos foram produzidos. Primeiramente, partimos da definição de palavra

19 Há diversas formas de explicar como as palavras compostas (e já lexicalizadas) ingressam no léxico. Esse procedimento
foge aos objetivos deste trabalho e, portanto, remeto o leitor a Lee (1995), Moreno (1997), por exemplo.
20 Como relato panorâmico e a fim de seguir os objetivos traçados, não tratamos aqui das regras de pluralização dos

compostos, do gênero dos compostos, da questão do hífen, da controvérsia da prefixação (Para maiores detalhes sobre
esses pontos, cf. Martins (1995)). Como se perceberá, utilizamos o vocabulário e o “sotaque” estruturalista na análise e
descrição dos termos. Conscientemente, “viramos a casaca” vocabular a partir do capítulo seguinte, em que delineamos as
diretrizes epistemológicas desta tese.
65

composta manifesta em algumas de nossas primeiras gramáticas (históricas ou

não); em seguida, relatamos o que prescreve a tradição gramatical normativa e, logo

depois, descrevemos o que alguns linguistas que se dedicaram ao assunto

entendem sobre o fenômeno. Na última seção, resenhamos os resultados de três

trabalhos acadêmicos realizados acerca do tema no final das décadas de 1970,

1980, 1990 e contrastamos os pontos principais de cada visão, ratificando a posição

assumida nesta tese.

3.2. A perspectiva diacrônica

Estamos chamando de perspectiva diacrônica as gramáticas do português do

período de 154021 a 1964 que, influenciadas pelas descrições do grego e do latim,

inauguraram uma tradição gramatical que se estende, no Brasil, até a publicação

conjunta da Gramática do Português Culto Falado no Brasil, projeto coordenado pelo

linguista Ataliba Teixeira de Castilho.

Visto que essas descrições, no âmbito da morfossintaxe, intentam ratificar a

hegemonia do português europeu frente às modalidades transplantadas para as

diversas colônias portuguesas espalhadas pelo mundo, observam-se, nos discursos

desses gramáticos, vocábulos como “composição perfeita”, “composição

verdadeira”, espelhando não só o amálgama de duas bases, mas também a

tentativa de uma pretensa unidade vocabular de prestígio, baseada, claro, na

modalidade europeia. Há, pois, de modo geral, uma espécie de tradução do padrão

de formação do grego e do latim para os dados do português.

21 Embora saibamos que a primeira gramática escrita em língua portuguesa foi a de Fernão de Oliveira em 1536, não a

descrevemos aqui, por não se encontrar lá uma seção dedicada à formação de palavras e, mais especificamente, à
composição. O autor refere-se, no capítulo XXXV, às “dições juntas ou compostas”, que define como “aquellas em que se
ajuntam diversas dições ou suas partes, fazendo hũa só dição, como ‘contrafazer’, ‘refazer’, ‘desfazer’ (...). Em ‘contrafazer
se ajuntam ‘contra’ e mais ‘fazer’; e em ‘refazer’ se ajuntam ‘re’ e mais ‘fazer’”. As formas apresentadas pelo autor
correspondem hoje a formas entendidas pelos gramáticos tradicionais do português como prefixadas. Segundo Maria
Carlota Paixão Rosa (em conversa pessoal), o autor estuda a noção de palavra ora no âmbito da etimologia ora no da
analogia.
66

Na Gramática da língua portuguesa, de João de Barros (1540: 307), a

composição é descrita por meio do número de unidades envolvidas e da categoria

gramatical dessas unidades. Nas palavras do autor,

(01)
“Nome composto tem o contrário deste (o autor está falando do
nome simples) porque, partido em duas partes, sempre per úa
delas entendemos cousa algúa, como guárda-pórta, que é
composto deste verbo guárdar e deste nome pórta.”

(02)
“Nós fazemos a nossa composiçam de duas [partes], e,
compondo um nome com outro, dizemos: rede-fole, de rede e
fóle; arquibanco, de árca e banco. Compondo vérbo e nome:
“torçicolo, de torçer e cólo”. Compondo ú verbo com outro:
“morde-fuge, de morder e fugir”. Compondo vérbo com advérbio
dizemos: “puxavante, de puxár e àvante”. Compondo nome com
preposiçám dizemos: “tràspé, de trás e pé”. E per ésta maneira
fazemos nóssas composições: Éstas bástam por exemplo.”

Na Grammatica Philosophica da língua portuguesa, de Jerônimo Soares

Barbosa (1871: 65), as palavras compostas estão inseridas na categoria de nomes

apelativos derivados (entenda-se substantivos comuns) e se caracterizam por serem

compostos de “duas ou três palavras portuguezas, ou inteiras ou alteradas com

alguma mudança”. Observa-se que os esquemas fornecidos por Barbosa (op. cit.)

apontam para uma classificação baseada em critérios fonológicos e morfológicos;

estes últimos, principalmente quando o autor enumera os seguintes tipos de

compostos: S+S (archibanco, varapau, norte-sul, pontapé); S+A (boquirroto,

cantochão, logartenente, malfeitor, manirroto); A+S (antibaixo, centopéia, meiodia,

salvoconduto); V+S (baixamar, beijamão, pintasilgo, sacabuxa, torcicollo); A+ADV

(passavante, puxavante); PREP +S (antemanhã, contramestre, sobressalto); V+V

(ganhaperde, mordefuge, vaivém). Barbosa (op. cit.) aponta, embora não mencione
67

a categoria morfológica do composto, a existência de compostos “de três palavras”,

tais como capaemcollo, fidalgo, malmequer, vent’apôpa. Nas palavras do autor,

(03)
“Finalmente, os appelativos derivados compostos são os que se
compõem de duas ou três palavras portuguezas, ou internas ou
alteradas com alguma mudança.”

Por intermédio da Gramática do português antigo, de Joseph Hüber (1933),

temos notícia de que a composição no português antigo não é muito utilizada e,

quando aparece, é, na maioria das vezes, por justaposição (dona-virgo, ricomen,

boandança, malandante). Além desses exemplos, inclui filho d’algo e dona d’algo –

talvez pela presença da preposição de.

Em Pontos de gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho (1958), a

composição é definida como

(04)
“o processo de formação de palavras pela união de dois ou mais
elementos vocabulares de significação própria, que se
combinam para representar uma idéia nova e única:
sobrenadar, amor-perfeito, fidalgo”

Coutinho (op. cit.) chama a atenção para o que denomina “composição

perfeita”, quando há subordinação a um acento único (fidalgo, pudanor, morcego,

avestruz22), e “composição imperfeita”, quando os dois elementos mantêm a sua

integridade morfofonológica (carta-bilhete, saca-rolha, guarda-chuva).

Conforme sua análise, a composição seria subdividida em quatro modos: por

prefixação, por justaposição, por aglutinação e por locução. Parece que a distinção

22 É bastante questionável considerar tais exemplos como compostos, pelo menos sincronicamente.
68

entre justaposição e locução está no uso de um elemento preposicional relacionando

os elementos da locução.

Na Gramática histórica da língua portuguesa, de M. Said Ali (1964b), lê-se

que composição é um processo de formação de palavras e a palavra composta é o

resultado da

(05)
“combinação de dous ou mais vocábulos”, passando a designar
“algum conceito nôvo, diferenciado do sentido primitivo dos
têrmos componentes”

Na Gramática histórica (1964a: 258), o autor acrescenta que a composição

(06)
“o resultado da evolução e fusão semântica destes elementos,
devendo-se notar que muitas das atuais palavras compostas,
antes de se fundirem semanticamente para representar uma
idéia simples, tiveram um período de existência bastante longo
em que não se distinguiam de outros grupos sintáticos. Em
outros casos o processo da composição efetua-se desde logo
ou em tempo muito breve” [ênfase acrescida]

Percebe-se que, a partir da leitura do excerto acima, os compostos podem ser

vistos sob dois ângulos: o diacrônico e o sincrônico. Nesse sentido, o autor

menciona o processo gradual por que alguns compostos por justaposição passam, à

medida que vão se constituindo como “verdadeiros” compostos.

Em suma, algumas questões utilizadas pelos autores da perspectiva

diacrônica merecem destaque pelo fato de serem úteis na definição de palavra

composta adotada nesta tese. Retomamos, no fim de capítulo, essas questões:

• número de unidades e de categorias envolvidas na definição de composto;


69

• não reconhecimento das relações sintáticas que se estabelecem entre os

compostos;

• desconsideração da extensão polissêmica das palavras;

• graus distintos de composição de palavras: prefixação, justaposição,

aglutinação e locução; ou palavra simples, grupo sintático e composto;

• não se considera a continuidade entre palavras simples e compostas – as

palavras simples são o contrário das compostas.

3.3. A perspectiva tradicional

De acordo com a visão da gramática tradicional, num recorte meio que

aleatório dos representantes mais atuais dessa tradição, a composição é um dos

recursos mais produtivos de expansão lexical – juntamente com a derivação –, em

que “se juntam dois ou mais elementos vocabulares de significação própria, para

darem a idéia de um novo ser ou objeto” (ROCHA LIMA, 1972: 90). Observa-se que,

embora os gramáticos sigam a tradição das primeiras gramáticas, os exemplos são

retirados das modalidades escritas literárias brasileira e portuguesa, alicerçadas na

noção de certo versus errado23.

As gramáticas de Cunha & Cintra (1985), Gramática da língua portuguesa, de

Rocha Lima (1972), Gramática normativa da língua portuguesa, de Bechara (1970),

Moderna gramática portuguesa, de Kury (1976), Gramática objectiva da língua

portuguesa, e de Luft (2002), Gramática resumida, no que se refere à formação de

palavras por composição, não apresentam diferenças substanciais acerca dos

conceitos de que se valem. Nesse sentido, pode-se dizer que se mostram unânimes

23 Estamos nos referindo mais especificamente ao processo de pluralização do composto nominal. Para maiores detalhes,

remetemos o leitor a Martins (1995).


70

quanto à conceituação do processo em apreço, de modo que se percebem, apenas,

a preferência de um termo por outro e a crença na unicidade semântica dos

vocábulos compostos, como se observa nos excertos a seguir:

(07)
“A composição, como o sabemos, consiste em formar uma nova
palavra pela união de dois ou mais radicais. A palavra
composta representa sempre uma idéia única e autônoma,
muitas vezes dissociada das noções expressas pelos
componentes. Assim, criado-mudo é o nome de um móvel; mil-
folhas, o nome de um doce; vitória-régia, o de uma planta; pé-
de-galinha, o de uma ruga no canto externo do rosto”. (Cf.
CUNHA & CINTRA, 1985: 121) [ênfase acrescida]

(08)
“Dá-se a composição, já o sabemos, quando se juntam dois ou
mais elementos vocabulares de significação própria, para
darem a idéia de um novo ser ou objeto. O que caracteriza, em
última análise, a composição é, além da unidade de
significação, a existência de mais de um radical”. (Cf. ROCHA
LIMA, 1972: 198) [ênfase acrescida]

(09)
“A composição consiste na criação de uma palavra nova
composta por meio de duas ou mais outras cuja significação
depende das que encerram as suas componentes”. (Cf.
BECHARA, 1970: 215) [ênfase acrescida]

(10)
“Nessa combinação, os elementos primitivos perdem a
significação própria em beneficio de uma significação nova,
global. A palavra composta exprime um conceito novo, mais
ou menos distinto do sentido primitivo dos elementos
componentes”. (Cf. LUFT, 2002: 131) [ênfase acrescida]

Numa leitura mais acurada, tem-se a impressão de que os autores utilizam as

categorias morfológicas aleatoriamente. Enquanto Cunha & Cintra (op. cit.) e Rocha

Lima (op. cit.) preferem o termo “radical”, Bechara (op. cit.) e Luft (op. cit.) optam,

respectivamente, pelos termos “palavra” e “elementos”.

Em relação à identificação da categoria morfológica (radical ou palavra),

Villalva (2000: 349) argumenta que


71

(11)
“a distinção tradicional entre tipos de compostos nunca
identificou, com rigor, a categoria morfológica dos seus
constituintes. Note-se que enquanto VASCONCELOS (1911-
1913: 41) e NUNES (1919-1975: 288) consideram que a
composição consiste na “união de duas ou mais palavras”,
CUNHA & CINTRA (1984, 1991: 106) afirmam que este
processo consiste na concatenação “de dois ou mais radicais”.
Os termos palavra e radical são indevidamente utilizados de
modo aleatório”.

Percebe-se, também, no que diz respeito ao processamento semântico das

bases que figuram na composição, certa condescendência entre as definições

arroladas. Grosso modo, pode-se dizer que tanto Rocha Lima e Cunha & Cintra

quanto Luft acreditam que o sentido de uma “base composta” é dissociado do

sentido de seus constituintes imediatos. O primeiro mostra-se mais categórico, uma

vez que acredita que a dissociação semântica é absoluta; os outros dois, embora

concordem com o princípio da unicidade semântica, advogam que, no fenômeno da

composição, há sentidos parcialmente previsíveis (‘navio-escola’, ‘sofá-cama’) e

sentidos não previsíveis (‘guarda-vestido’, ‘olho de sogra’) a partir das bases que os

constituem.

Em contrapartida, Bechara (1970) é o único “que sustenta a idéia de que o

sentido de uma palavra composta é uma função semântica dos sentidos de seus

constituintes imediatos” (BESSA, 1978: 76).

Com relação à classificação da composição, encontramos outras diferenças

entre as gramáticas consultadas. De um modo ou de outro, os autores utilizam uma

tipologia que leva em conta a forma (classificação fonológica), o sentido

(classificação semântica) e a classe (classificação morfológica) em que podem ser

concatenadas as bases para formar o composto. Mas é somente em Cunha & Cintra

(1985) que essa subdivisão se encontra expressa nitidamente.


72

Desse modo, quanto à forma, a composição é classificada por (a)

justaposição (quando há conservação da integridade fônica, como em ‘beija-flor’) ou

por (b) aglutinação (quando há perda da ideia de composição [ou perda fonológica,

normalmente por meio de processos de sândi], como em ‘aguardente’)24.

Quanto à classe, verificamos dez possibilidades de classes gramaticais (e em

alguns casos algumas subclasses). Vejam-se, a seguir, algumas possibilidades,

retiradas de Cunha & Cintra (1985):

a) S+S (manga-rosa)
b) S+P+S (pai de família)
c) S+A/A+S ( amor-perfeito/belas-artes)
d) A+A (azul-marinho)
e) N+S (segunda-feira)
f) Pro+S ( Nosso Senhor)
g) V+S (guarda-roupa)
h) V+V (corre-corre)
i) ADV+ADJ (sempre-viva)
j) ADV+V (bem-aventurar, maldizer)

Quanto às relações entre núcleo e adjunto, é somente em Cunha & Cintra

(1985) que encontramos essa possibilidade de classificação. Os autores levam em

conta a “relação de determinação” que se estabelece entre duas bases. Assim, em

(a) ‘navio-escola’, (b) ‘sofá-cama’, (c) ‘guarda-vestido’, (d) ‘olho de sogra’ e (e) ‘mãe-

pátria’, tal relação desempenha papel importante no reconhecimento do elemento

principal (determinado) e no reconhecimento do elemento secundário

(determinante). No composto ‘escola-modelo’, a interpretação se processa da

esquerda para a direita e, em ‘mãe-pátria’, da direita para a esquerda. Em outras

palavras, o significado dos exemplos (a) e (b) acima é transparente, em virtude de

estarmos diante de um navio que serve como escola e, por inferência, de um sofá

que funciona como cama. Mas o que dizer dos exemplos (c) e (d)? Parece não

24 Outros autores, como Macedo (1970), falam em compostos por locução, por considerarem que os elementos do

composto são ligados, ou não, por preposição. Assim, para Macedo (op. cit.), ‘pé-de-moleque’ constitui composto por
locução, ao contrário de ‘guarda-chuva’, que seria um composto por justaposição.
73

haver indícios claros de que os vocábulos se referem a uma peça de mobiliário ou,

em (d), a um doce feito de ameixa. Nas palavras do gramático

(12)
“Nos compostos tipicamente portugueses, o determinado de
regra precede o determinante, mas naqueles que entram por
via erudita, ou se formaram pelo modelo da composição latina,
observa-se exatamente o contrário – o primeiro elemento é o
que exprime a noção específica, e o segundo a geral. Assim:
‘agricultura’ (=cultivo do campo), ‘suaviloqüência” (=linguagem
suave), etc”. (Cf. CUNHA & CINTRA, 1985: 122) [ênfase
acrescida]

Vê-se, na explicação do excerto acima, que deixar de levar em consideração

o aspecto semântico é altamente problemático para uma análise mais precisa do

fenômeno, visto que, com conhecimento do significado, é possível não só fazer

generalizações, mas também precisar, ainda mais, os mecanismos que subjazem à

formação dos compostos em nossa língua.

Mesmo que reconheçam a importância do aspecto semântico na

caracterização dos compostos, os autores só mencionam a posição ocupada pelos

formativos (determinados ou determinantes), o que, no nosso entendimento, parece

revelar uma mistura de critérios (sintático e semântico). Seria mais econômico dizer,

conforme se observa em Basilio (1987: 32), que há exemplos em que os

componentes determinam o sentido (‘navio-escola’) e outros em que o significado

nada tem a ver com os elementos da composição (‘olho de sogra’). Basilio (op. cit.)

pontua essas nuanças ao classificar ‘couve-flor’ e ‘louva-a-deus’ como compostos

descritivo e metafórico respectivamente, já que em ‘couve-flor’ se deduz tratar-se de

um tipo de couve por ter alguma coisa de flor, ao contrário de ‘louva-a-deus’, em que

não se pode inferir tratar-se de um inseto.


74

Os autores abordam também a questão de alguns radicais gregos e latinos25

que, sincronicamente, se comportam como prefixos, já que se prestam a formações

em série ao apresentarem comportamento “incomum” para uma base presa, como

se observa nos exemplos de (13) a (15) a seguir, em que as bases agro-, aero-, e

auto-, chamadas pelos autores de pseudoprefixos ou prefixóides, por apresentarem

não só um acentuado grau de independência, mas também uma “significação mais

ou menos delimitada e presente na consciência dos falantes, de tal modo que o

significado do todo a que pertencem se aproxima de um conceito complexo e,

portanto de sintagma”, além de terem, de um modo geral, menor rendimento do que

os prefixos propriamente ditos.

(13)
Assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos últimos
dias de 2009, o decreto é uma carta de intenções que prevê
ações em diferentes áreas do governo. Ao tratar do
agronegócio, aos olhos do ministro da Agricultura, o
documento gera “insegurança jurídica” por flexibilizar as regras
para reintegração de posse de propriedades invadidas e gera
“preconceito” contra a agricultura comercial. (O Globo,
08/01/10)

(14)
Quanto você pagaria por uma lasanha? Na última semana, em voo que
levou a delegação do Corinthians a Bogotá, onde a equipe enfrentou o
Independiente Medellín (COL), pela Copa Libertadores, Ronaldo teria
reclamado do sanduíche oferecido pela companhia aérea. De acordo
com publicação da "Folha de S. Paulo", minutos após a crítica, uma
aeromoça passou pelo atacante com uma lasanha para o piloto. - Te
pago cem reais para você deixar essa lasanha aqui - disse o
Fenômeno. Apesar da proposta tentadora, a funcionária recusou o
"suborno". (O Globo, 17/03/10)

25 Sobre a análise dos compostos de base presa em português, ver Gonçalves (2011).
75

(15)
Uma mulher que fazia aulas para exame da habilitação de motorista
em Piracicaba, interior de São Paulo, perdeu o controle do veículo,
atropelou a instrutora da auto-escola e caiu no Rio Piracicaba na tarde
de segunda-feira (7). Ela não ficou ferida e foi retirada por outra mulher
que estava no local e também fazia aulas. (O Globo, 08/06/10)

Mesmo que o foco desta pesquisa não esteja nos compostos V-N, vale

ressaltar a abordagem feita por Barros (1540). Esse gramático defende a fonte

sintática do composto, dando-nos a ideia de reconstituição da origem da

composição, ao mencionar que um composto como ‘guárda-pórta’ resulta de uma

oração que tem como predicado o verbo guardar e como complemento direto porta.

Aqui, reiteramos, por intermédio dos pressupostos da LC, que não só a

relação existente entre V-N, mas, sobretudo, as relações entre N-N são o resultado

de operações sintático-semânticas sobre construções gramaticais (cortes,

apagamentos, sombreamentos e focalizações) que ativam a construção de

significados. De modo geral, compostos surgem de uma unidade simbólica

complexa que, após uma série de links muito bem delimitados através de

operações cognitivas que se processam sobre ela, forma um padrão cognitivo de

formação de palavras na língua.

3.4. Perspectiva descritiva

Entre as gramáticas contemporâneas de cunho descritivo26, encontra-se, até

onde sabemos, um capítulo em Basílio et alii (1993), na Gramática do português

falado. A seção 4, dedicada à composição no português falado, fica a cargo de

Antonio José Sandmann. O objetivo da seção é delimitar, de um lado, grupo sintático

paralelo (permanente ou eventual) e, de outro, palavra composta. A diferença entre

26 A Gramática descritiva do português, de Perini (1996), não apresenta um capítulo dedicado à formação de palavras.
Temos notícia de que o projeto Gramática do português culto falado no Brasil, já com três volumes publicados, num total de
cinco, dedicará o próximo volume, organizado por Rodrigues & Alves, à “Construção morfológica da palavra”. Acreditamos
que aí apareçam descrições relacionadas à composição de palavras.
76

esses três rótulos será possível, segundo o autor, mediante quatro critérios:

fonológico, morfológico, sintático e semântico.

Em termos ilustrativos, enumeram-se os exemplos citados pelo autor: (a)

grupo sintático eventual (“Recolhi a roupa do varal e esqueci um pé de meia” e “O

inimigo lança foguetes continuamente”), em que “pé de meia” e “lança foguetes” são

grupos sintáticos eventuais; (b) grupo sintático permanente – sequências linguísticas

de valor lexical, ou rótulos fixos para fatos do universo biofisicopsicosocial que nos

cerca, distinguindo-se do composto porque são transparentes (‘cheque de viagem’,

‘meio ambiente’); (c) composto (“Eu já fiz meu pé-de-meia” e “A Nasa está

desenvolvendo um novo lança-foguetes”), em que “pé-de-meia” significa “economia”

e “lança foguetes”, uma “máquina”.

Para demonstrar a diferença entre os critérios supracitados, Sandmann arrola

pares de exemplos como ‘copo-de-leite’ (flor) versus ‘copo de leite’, no caso do

critério semântico, argumentando que o formato e a cor da flor levaram à

comparação com ‘copo de leite’, constituindo, portanto, um processo metafórico.

Para o critério sintático, opõe o adjetivo do grupo sintático ‘casa grande’ (casa

grande e velha) com o composto ‘casa-grande’ (oposto de senzala). Segundo ele, o

composto A+S se distingue do grupo sintático eventual justamente pelo critério

sintático. O interessante para esta tese é a menção do autor, quando afirma que nos

compostos S+S (que aqui tratamos como N-N), do tipo DM-DT, é que o critério

sintático ainda continua válido, dado o fato de não termos um substantivo

especificando outro substantivo, como acontece em ‘trem-bala’. Em exemplos como

“Ele é um homem menino” ou “Ele é um menino homem”, há especificação, mas os

substantivos ‘homem’ e ‘menino’ são empregados como ‘maduro’ e ‘ingênuo’,

respectivamente. Fonologicamente, em compostos S+S do tipo DT-DM, há

tendência de o primeiro elemento perder sua tonicidade, o que assegura seu status
77

de vocábulo fonológico, sendo que a mudança da vogal final constitui um aspecto

morfofonológico, conforme se constata em ‘tomaticultura’ (cultura de/do tomate) e

‘pacotologia’ (ciência dos pacotes (econômicos)). Finalmente, o critério morfológico

tem a particularidade de, em compostos S+S do tipo DT-DM, somente o segundo

elemento receber flexão: ‘cinejornal’ – ‘cinejornais’; ‘motoserra’ – motoserras’;

planalto – planaltos.

No caso dos compostos DM-DT, a prática da flexão de plural é variada:

‘cartas-bomba’ e ‘cartas-bombas’ etc. A conclusão a que o autor chega é a de que,

excetuando os compostos de S+S do tipo DT-DM, o critério morfológico pouco

socorre na caracterização dos compostos.

Acerca das condições de produtividade e das condições de produção,

Sandmann diz que, no campo da criação lexical, há tipos estruturais muito diversos.

Os mais produtivos seriam os compostos copulativos (‘cantor-compositor’, ‘político-

partidário’), os determinativos (‘mulher-mãe’, ‘velha-guarda’), os reduplicativos

(‘corre-corre’, ‘oba-oba’), os onomatopaicos (‘bem-te-vi’, ‘quero-quero’) e os

“exóticos” (‘não-te-esqueças-de-mim’, Maria-vai-com-as-outras’, ‘ai-jesus’).

Revistando a visão da gramática descritiva acerca da formação de palavras

por composição, comentamos, na seção seguinte, a posição de linguistas e de

teóricos que se debruçaram sobre o tema. Na verdade, os comentários elencados a

seguir visam apenas a situar a discussão nos âmbitos estruturalista e gerativista,

abordagens que se utilizam de critérios formais.


78

3.5. Perspectiva linguística

3.5.1. Abordagem estruturalista

Bloomfield (1933) dedica dois capítulos de sua obra clássica Language ao

estudo da composição de palavras. Para tal, laça mão do “princípio dos constituintes

imediatos” (PCI) que, segundo ele, possibilita a distinção de certas classes de

palavras, classificadas em (a) primárias e (b) secundárias. Estas seriam as formas

independentes (o vocábulo composto constitui uma de suas subclassificações

(‘obra-prima’, ‘surdo-mudo’), assim como as palavras secundárias derivadas (‘surdo-

mudez’)). Aquelas, as primárias, se diferenciariam das secundárias por

apresentarem formas presas, sendo classificadas em primárias derivadas (‘de-ter’,

‘re-ceber’) e palavras-morfema (‘mar’, ‘paz’).

O que se nota na análise empreendida com o PCI é o fato de palavras

derivarem de formas livres (as primárias derivadas) e de palavras compostas

(secundárias derivadas). Nesse âmbito, fica clara a divisão que o autor faz ao utilizar

três tipos de construções morfológicas: (a) a composição, (b) a derivação secundária

e (c) a derivação primária.

Percebe-se, nas palavras do autor, um tipo de antecipação das ideias que só

viriam à tona no final da década de 1970 – e por certo inspiradas em Remarks on

nominalization de Chomsky (1970) – acerca da composição entendida como o

resultado de uma transformação: “[...] as construções das palavras compostas são

mais semelhantes às construções da sintaxe”27.

É digna de nota a intuição do autor ao perceber que a natureza e a

constituição das palavras compostas diferem de língua para língua, embora

mencione também as similaridades existentes em alguns casos. Mesmo

27 O texto original é o que se segue: “Of the three types of morphologic constructions which can be distinguished according

to the nature of the constituents – namely, composition, secondary derivation, and primary derivation – the constructions of
compound words are most similar to the constructions of syntax.” (BLOOMFIELD, 1933: 227)
79

considerando esse fato, propõe duas linhas de classificação: (a) relação das partes

que integram os compostos em si, e (b) relação entre os compostos.

Na relação das partes que integram os compostos, Bloomfield (op. cit.)

subdivide essas formações em sintáticas (seus membros estão numa mesma

relação gramatical conforme as palavras de um enunciado sintático homônimo,

como em ‘dedo-duro’/ ‘dedo duro’), semissintáticas (relação correlata, mas com um

traço que as diferencia, não permitindo a perfeita identidade entre o composto e o

grupo sintático, como em ‘puro-sangue’/ ‘sangue puro’); e assintáticas (alguns de

seus constituintes não se combinam em outras construções, como é o caso de

‘pintassilgo’, em que o membro ‘silgo’ é componente único desse composto, sendo

reconhecido apenas por razões históricas).

A segunda frente de classificação atestada no pensamento bloomfieldiano

refere-se às construções endocêntricas e às construções exocêntricas. Os

compostos endocêntricos apresentam a mesma classe morfológica que os seus

constituintes ou, pelo menos, que o constituinte nuclear. Em ‘salário-família’, os

constituintes individualmente, assim como o todo, pertencem à mesma classe

gramatical. Diferentemente, se a classe gramatical não for a mesma que a dos

componentes, como em ‘bem-fazer’, o composto será considerado exocêntrico.

Mudemos o rumo da prosa, focalizando agora o trabalho de Câmara Jr.

(1970) e Monteiro (2002). Pela análise que se fez da obra28 mattosiana, constata-se

que os verbetes sintagma, locução e vocábulos compostos por justaposição são

extremamente importantes para o entendimento global da visão do autor em face

das prescrições da GT. O autor assim se expressa sobre tais conceitos:

28 Refirimo-nos, especificamente, a quatro delas: (1) Dicionário de linguística e gramática (DLG), (2) Problemas de
lingüística geral (PLG), (3) História e estrutura da língua portuguesa (HELP) e (4) Estrutura da língua portuguesa (ELP).
80

(15)
LOCUÇÃO – Reunião de dois vocábulos que conservam
individualidade fonética e mórfica, mas constituem uma unidade
significativa para determinada função. Em português, temos
locuções: 1) preposicionais, conjuncionais; 2) nominais, em
que, além de haver justaposição, o primeiro vocábulo tem
necessariamente flexão de plural; 3) verbais, nas
conjugações perifrásticas. A locução é um tipo de sintagma,
intermediário entre o sintagma lexical e o sintagma
sintático. [ênfase acrescida]

(16)
SINTAGMA – Termo estabelecido por Saussure (1922, 170)
para designar formas mínimas numa unidade lingüística
superior (...). Tem-se assim: 1) sintagma lexical, que é uma
palavra – primária ou simples ou secundária por derivação
ou composição; 2) sintagma locucional, que é uma locução; 3)
sintagma suboracional, correspondente a uma parte da oração,
como sujeito, predicado, complemento (complexos); 4) sintagma
oracional, que é uma oração e onde o determinado é o sujeito e
o determinante é o predicado; 5) sintagma superoracional,
constituído de uma oração subordinada a outra (...).[ênfase
acrescida]

(17)
JUSTAPOSIÇÃO – Diz-se da reunião de duas formas
lingüísticas num vocábulo mórfico, quando, ao contrário da
aglutinação, cada forma se conserva como um vocábulo
fonético distinto, em virtude da pauta acentual (pré-histórico,
amavelmente, guarda-chuva) (...). Em português, a justaposição
é escassa na derivação por sufixo, mas o prefixo, em virtude de
sua natureza lexical, conserva não raro individualidade fonética
e fica em justaposição.

(18)
VOCÁBULO – Como forma lingüística, seqüência de fonemas,
resultante dessa divisão, que é a forma livre ou forma
dependente, isto é, pode constituir por si só uma frase, ou pode
desprender-se na frase de outra forma a que necessariamente
se liga pela intercalação livre de outras formas ou pela mudança
de posição.

Comecemos pelo conceito de locução. Além de reconhecer as locuções

preposicionais, conjuncionais e verbais, como o faz a tradição gramatical, Câmara

Jr. lista também as nominais, com a peculiaridade morfossintática de o primeiro


81

vocábulo apresentar necessariamente flexão de plural, como em ‘via férrea’ / ‘vias

férreas’; ‘estrada de ferro’ / ‘estradas de ferro’ (exemplos do autor).

Conforme a visão mattosiana, a locução seria um sintagma situado entre o

sintagma lexical – composto por nomes simples, nomes compostos e nomes

derivados – e o sintagma sintático – composto pelos sintagmas suboracional,

oracional e superoracional. Em outros termos, isso significa dizer que, no DLG, há

uma divisão entre nomes compostos, de um lado, e locuções nominais de outro.

Em contrapartida, em PLG, o autor diferencia (a) vocábulo composto por

justaposição e (b) locução. Define aquele como a união de dois vocábulos

fonológicos (justapostos) num só formal, como em ‘guarda-chuva’ e ‘grande chuva’,

exemplos que, para o autor, não se distinguiriam acentualmente, visto apresentarem

a mesma pauta acentual. Define esta como a união de dois vocábulos mórficos

numa unidade formal, havendo, ainda, duas alternativas básicas: a concatenação

entre uma forma autônoma e uma forma não autônoma – proclítica ou enclítica –,

como em ‘fala-se’; ou a concatenação entre duas formas autônomas, em que se

estabeleceria um vínculo de subordinação por meio de uma forma não autônoma,

como em ‘chapéu de sol’ ou ‘estrada de ferro’.

Segundo Bessa (1978: 160), o fato de Câmara Jr. considerar as formações do

tipo NprepN como locução – e não como nomes compostos, como faz a tradição

gramatical – “constitui uma das posições inusitadas” do autor frente ao que esposa

nossa tradição gramatical.

Ao longo das obras consultadas, Câmara Jr. re-elabora o conceito de locução

e justaposição, chegando a afirmar que


82

(19)
“a justaposição é frequentemente também locução. Os dois
conceitos coincidem, por exemplo, em substantivos
compostos por justaposição, como guarda-chuva, rosa-chá etc.”
(Cf. CÂMARA Jr., 1969: 38) [ênfase acrescida]

Bessa (1978: 161) observa que, “em História e estrutura da língua

portuguesa, ‘guarda-chuva’, ‘beija-flor’, ‘ganha-pão’, etc. são ‘locuções’”. Menciona

ainda que “não há como entender que uma unidade como ‘guarda-chuva’ possa a

um só tempo ser ‘vocábulo formal constituído de dois vocábulos fonológicos’ e ‘dois

vocábulos formais’”.

Outro argumento proposto por Câmara Jr. (1970), e que não se encontra nas

obras anteriores, é a supressão de um dos termos, ou, nas palavras do autor, “a

supressão do qualificador”. O autor assim se expressa:

(20)
“Parece-me que a chave da solução está na possibilidade,
para a locução, e na impossibilidade, para o composto por
justaposição, de se suprimir um dos elementos (o
qualificador) sem maior prejuízo ou verdadeira subversão do
que se quer dizer. Não há esse prejuízo ao se dizer – ‘Apanhei
uma chuva’, em vez de – ‘Apanhei uma grande chuva’, ou –
“Tomei uma decisão’, em vez de – ‘Tomei uma livre decisão’.
Mas já é outra coisa dizer – ‘Apanhei a chuva’ em vez de –
‘Apanhei o guarda-chuva’ (já sem falar na mudança do gênero
expressa pelo artigo) (Cf. CÂMARA Jr., 1970: 61) [ênfase
acrescida]

Em resumo, pode-se dizer que, do ponto de vista formal, o tipo mais comum

de composição é a junção de duas palavras independentes, em que cada uma

conserva a sua individualidade mórfica, como se observa (21) e (22):


83

(21)
1865 - Publicação de Alice no país das maravilhas, de Lewis
Carroll, obra clássica da literatura inglesa, considerada uma
das mais célebres do gênero literário nonsense. O livro conta a
história da menina Alice, que vê um coelho branco correndo
com um relógio na mão e, curiosa, decide segui-lo. Acaba
caindo em um buraco, indo parar em um lugar fantástico,
povoado por criaturas bizarras, no reino da tirânica rainha de
Copas (semelhanças com a rainha Vitória, soberana inglesa do
tempo de Carroll, não são mera coincidência). Em 1951 foi
lançado o desenho Alice no país das maravilhas, de Walt
Disney, considerada uma obra-prima da animação. (O Globo,
04/07/09)

(22)
O presidente eleito de Honduras, Porfírio Lobo, ofereceu nesta
quarta-feira um salvo-conduto para que o presidente deposto,
Manuel Zelaya, parta para a República Dominicana, disse um
porta-voz da presidência dominicana. (O Globo, 20/01/10)

Pelos exemplos, vê-se que ocorre uma associação significativa e formal entre

as duas palavras, resultando em uma nova, em que se combinam as significações

que a constituem.

Do ponto de vista morfológico, o composto pode ser um sintagma em que há

subordinação de um determinante com um determinado (‘carro-pipa’) ou uma

sequência de elementos coordenados (‘anglo-americano’)29. Mas o que

caracterizaria a composição, segundo o autor, não seria a junção de duas formas

independentes ou a existência de uma pauta acentual, mas a distinção que reside,

sobretudo, no campo morfossemântico.

Portanto, pode-se dizer também que o limite entre locução e composição é

bastante movediço na visão mattosiana, talvez presumivelmente porque foi cunhada,

quase exclusivamente, por intermédio de critérios formais. Nesse sentido, a

característica que mais se destaca é a questão da pluralização, restrição segundo

29
Parece bastante estranha essa argumentação. Ora, se os elementos estão numa relação de coordenação (paratática),
um não poderia ser determinante do outro.
84

a qual o vocábulo considerado composto admite pluralização apenas no último

componente, como ilustrado nos dados abaixo:

(23)
a) vaivém vaivens
b) beija-flor beija-flores
c) malmequer malmequeres

Por outro lado, seriam consideradas locuções (ou grupos sintáticos), “as

combinações de palavras que recebem a marca de plural em todos os componentes

ou somente no primeiro” (CÂMARA JR., op. cit.):

(24)
a) mula-sem-cabeça mulas-sem-cabeça
b) salário-família salários-família
c) pé-de-moleque pés-de-moleque

Uma segunda característica postulada na diferenciação entre locução e

composição é a ordem fixa dos elementos. Esse princípio não é categórico, mas

serve de parâmetro em algumas situações. Monteiro (2002: 183), analisando as

sentenças abaixo, e abstraindo a indicação gráfica do uso das maiúsculas,

(25)
a) O Mato Grosso ainda crescerá muito
b) O mato grosso ainda crescerá muito

constata que a alteração da ordem é impossível na primeira construção, podendo,

no entanto, ocorrer na segunda, sem grande variabilidade semântica, como ilustrado

a seguir:
85

(26)
a) * O Grosso Mato ainda crescerá muito
b) O grosso mato ainda crescerá muito

Os contra-argumentos, em relação à ordem dos elementos, elencados a fim

de definir uma locução ou um composto dizem respeito ao fato de, nas locuções, a

troca de posição mudar o significado e a função dos termos de uma expressão

(‘cachorro amigo’ X ‘amigo cachorro’) e, na composição, ocorrer a manutenção do

significado, mesmo com a inversão dos componentes (‘franco-italiano’ X ‘ítalo-

francês’).

Uma terceira característica diz respeito à impossibilidade de intercalação

de determinantes nos compostos e sua possibilidade nas locuções. Ainda tomando

como exemplos os dados de Monteiro (2002: 183), ilustrados em (26) acima, vemos

que, em (a), se torna impossível intercalar qualquer elemento entre as bases que

formam o composto; entretanto, em (b), tal interposição é possível:

(27)
a) O Mato Grosso ainda crescerá muito
b) O mato verde e grosso ainda crescerá muito

Um questionamento que pode ser aventado após o critério da intercalação de

determinantes é o de considerar os vocábulos ‘segunda-feira’, ‘amor-perfeito’, ‘obra-

prima’ como nomes compostos ou locuções. Se o critério da supressão de um dos

termos, sugerido por Câmara Jr. (1970) para definir a locução, for válido, exemplos

como ‘guarda-chuva’ vs. ‘grande chuva’ funcionam perfeitamente. Entretanto,

algumas locuções, ditas fechadas, adverbiais, prepositivas e conjuntivas, não se

prestam à argumentação encetada pelo autor. Monteiro (2002: 183) assim se

expressa sobre tal imprecisão:


86

(28)
“Pelo visto, as fronteiras que distinguem o vocábulo composto
da locução são bastante imprecisas. Nossas gramáticas alistam
entre compostos muitos exemplos que, segundo o critério acima
exposto, consistem em verdadeiras locuções. Estariam nesse
rol segunda-feira (segunda), terça-feira (terça), hora-aula
(aula) etc.?”

Conforme Monteiro (op. cit. 185), essa complexidade de distinguir composto

de locução estaria na ideia de se

(29)
“interpretar a composição como um mecanismo morfológico. Na
realidade, na maioria das situações tem-se um processo de
natureza sintático-semântica”.

Parece que os critérios usados na definição dos compostos seriam os

sintáticos, na medida em que apresentam a estrutura dos sintagmas e das orações,

como se observa em ‘dedo-duro’, forma em que há combinação de um substantivo e

de um adjetivo, no plano morfossintático, a julgar pelo processo de concordância

nominal. Ao analisar ‘dedo-duro’, o autor enumera dois equívocos encontrados nas

gramáticas tradicionais. O primeiro deles seria enquadrar a composição na parte

referente à morfologia, apresentando exemplos que, devido às relações de

concordância ou regência, não constituiriam vocábulos morficamente compostos,

mas sim grupos sintáticos (‘bolsa-escola’, ‘couve-flor’) ou sintagmas locucionais

(‘abridor de garrafa’, ‘casa de detenção’, ‘fim de semana’). O segundo seria o que

apresenta a aglutinação e a justaposição como aspectos peculiares ou propriedades

da composição, uma vez que, por um lado, a aglutinação e a justaposição são

processos fonológicos e não morfológicos e, por outro, não apenas na composição

se verificam tais processos, mas também na derivação, como em ‘forma + oso’ =

‘formoso’; ‘cento + avo’ = ‘centavo’ (derivação por aglutinação); ‘alegre + mente’ =


87

‘alegremente’; ‘sabia + zinha’ = ‘sabiazinha’ (derivação por justaposição); ‘perna +

alta’ = ‘pernalta’; ‘água + ardente’ = ‘aguardente’ (composição por aglutinação); ‘beija

+ flor’ = ‘beija-flor’; ‘passa + tempo’ = ‘passatempo’ (composição por justaposição).

Monteiro (op. cit.) ainda ressalta o fato de nem sempre podermos determinar

o significado do composto a partir das palavras que os constituem, visto que o

significado de um composto não é a soma de suas partes. Ilustra sua afirmação com

os exemplos ‘pernalta’ e ‘boquiaberto’, afirmando que o significado de cada

composto inclui, pelo menos em certa medida, os significados das partes,

diferentemente de outros compostos como, por exemplo, ‘mal-me-quer’ e ‘bem-te-vi’,

que não parecem estar relacionados com o significado das partes.

3.5.2. Abordagem gerativista

É na perspectiva gerativista que fica mais clara a indecisão acerca do

componente em que os compostos são criados. Percebe-se claramente uma

polarização entre os defensores do componente morfológico e aqueles que

defendem a criação dos compostos no componente sintático. Conforme mostramos

na subseção acima, desde Bloomfield (1933), as construções compostas são

consideradas mais assemelhadas às construções sintáticas. O autor já afirmava que

“as gradações entre um vocábulo e uma frase podem ser muitas; muitas vezes não

se pode fazer uma distinção rígida. As formas que classificamos como compostos

exibem alguns traços que, em sua língua, caracterizam vocábulos unitários em

contraposição a frases” (p. 227).

O trabalho de Lees (1960)30 é considerado pioneiro na descrição dos

compostos como originários de sentenças. O autor descreve os compostos a partir

das relações sintáticas depreendidas pelas estruturas subjacentes que, segundo ele,

30 Outro trabalho de peso dessa mesma época é o de Marchand (1960, 1969), no que se refere ao estudo da composição.
88

são facilmente percebidas pelos analistas. Dessa percepção, chega a mencionar o

grande número de regularidades entre os compostos nominais e as nominalizações.

Em 1970, depois da publicação do clássico Case grammar (1968), de

Fillmore, Lees revisa as postulações do trabalho de 1960, não focalizando apenas

as relações sintáticas existentes, mas considerando também os papéis de agente,

paciente, instrumento, segundo a teoria fillmoreana. Nesse segundo momento, diz o

autor que a análise se torna mais apurada, apresentando conexão mais aproximada

entre o sentido do composto e suas estruturas sintáticas profundas.

Tomemos como exemplo ‘drawbridge’ (‘ponte levadiça’), utilizado pelo próprio

autor. Conforme Lees (op. cit.), o composto seria a transformação da construção

relativa “bridge which is for someone to draw”. Essa construção seria reduzida a

“bridge for someone to draw”, com o apagamento do verbo e do pronome relativo,

respectivamente. Segundo ele, a etapa “bridge for someone to draw” apresentaria a

frase encaixada “Someone draws the bridge” e, desse encaixamento, surgiria o

composto ‘drawbridge’, por conta de outros apagamentos, demonstrando a relação

sintática entre os componentes ‘draws’ e ‘bridge’, que, na estrutura subjacente, se

encontram na condição de verbo e objeto direto.

O autor organiza os compostos segundo a relação gramatical encontrada nas

sentenças, dividindo-os em grupos: (I) sujeito-predicado (suject-predicate), (II)

sujeito-verbo (subject-verb), (III) objeto de verbo transitivo indireto (verb-prepositional

object) etc. Apenas como ilustração da ideia do autor, listamos alguns exemplos de

compostos que sofreram transformações a partir de sentenças:

(30)
The friend is a girl - girlfriend (namorada)
The plane is a fighter - fighter plane (avião de combate)
89

(31)
The Indian has red skin ----
… Indian with the red skin…
Redskin (pele-vermelha)

A ideia é que todos os compostos são gerados a partir da sobreposição de

regras, aplicadas diversas vezes, até que o composto seja então formado. No

entanto, como se disse acima, o artigo de 1970 re-estuda alguns compostos, como

‘windmill’ (moinho de vento), por exemplo, afirmando que os compostos vão se

encaixar em conjuntos de verbos que, entre si, trazem traços semânticos mínimos –

os chamados verbos generalizados, ou seja, alguns compostos estariam ligados a

um subconjunto de verbos, facilmente reconhecíveis.

Grosso modo, na angulação gerativista desde então, a composição configura-

se como um processo autônomo de formação de palavras, que ocorre no léxico ou

na sintaxe. Se a formação ocorre em algum lugar antes da sintaxe, diz-se tratar de

um composto morfológico (ou lexical); se ocorre no componente sintático, esse

composto será chamado de pós-lexical.

Di Sciullo & Williams (1987) afirmam que os compostos do inglês podem ser

de dois tipos: objetos morfológicos (frase na morfologia) e palavras sintáticas

(palavra na sintaxe), formados pela regra Y → XP, em que Y representa a categoria

lexical e XP, as categorias lexicais máximas (VP, NP, AP e PP). Em português, o

output dessa regra resultará sempre em uma categoria de cunho nominal, podendo

ser reescrita, segundo Lee (1995), da seguinte forma: Y = [+N]. Nesse caso, essa

categoria nominal [+N] pode se consubstanciar em N ou A.

Em termos mais precisos, poderíamos dizer que a regra Y → XP prediz que

qualquer categoria sintática pode ser analisada como uma palavra. A fim de

distinguir os dois tipos de compostos, os autores usam o critério da posição do

núcleo, afirmando que, nos compostos que são objetos morfológicos, o núcleo se
90

posiciona à direita (‘wolf children’), como nas derivações; e, nos compostos que são

palavras sintáticas, o núcleo se posiciona à esquerda (‘break down’).

Os autores afirmam, ainda, que, nas línguas românicas, não existem os dois

tipos de compostos presentes no inglês. Nessas línguas, todos os compostos seriam

palavras sintáticas, ou seja, compostos com núcleo à direita. Essa posição contraria

a visão de Lee (1995), que defende a prerrogativa de que o português, por ser uma

língua que segue outros parâmetros, apresenta também compostos que são objetos

morfológicos. Ademais, a posição do núcleo nessa língua não é conditio sine quo

non à delimitação dos tipos de compostos que existem. Isso ocorre, segundo Lee

(op. cit.), devido ao fato de o português apresentar, diferentemente do inglês,

compostos com núcleo à direita (como se vê em (32)); com núcleo à esquerda

(como se vê em (33))31; e até mesmo sem núcleo (como se vê em (34))32:

(32) NN AN
a) ponta pé (m.) (m.+m.) baixo relevo (m.)
b) cafei cultura (f.) (m.+f.) alto relevo (m.)
c) vaso constrição (f.) (m.+f.) primeiro ministro (m.)
d) vara pau (m.) (f.+m.) segunda-feira (f.)
e) água pé (m.) (f.+m.) vanglória (f.)

(33) GRUPO A GRUPO B


AN NN
a) amor perfeito homem rã
b) senso comum navio escola
c) sangue frio sofá cama
d) estado maior beira mar

31 Segundo Lee (1995), essa categoria de compostos é a menos comum de todas as três.
32 Todos os exemplos foram retirados de Lee (1995).
91

(34) VN NA/AA
a) ganha pão boca mole
b) beija-flor surdo mudo
c) salva vidas
d) toca discos
e) arranha céus
f) porta aviões

Nos compostos NN de (32), vemos a aplicação da IV Convenção de Lieber,

idealizada para a descrição dos compostos do inglês, que determina que, se dois

radicais formam um composto, traços do radical à direita infiltram para o nó que

domina esses radicais. Analisando-se os exemplos, pode-se generalizar que a

categoria do todo é determinada pelo nome à direita – vejam-se as categorias de

gênero (masculino ou feminino) e classe gramatical (todos são nomes (N)). Moreno

(1997) alerta que parece bastante sedutor defender esta parametrização para o PB,

posto que esse tipo de categorização estaria mais de acordo com a estrutura das

palavras derivadas do PB, em que as categorias e os traços mais à direita rotulam o

nó mais alto, como em ‘insensatez’, cuja formalização é a que se segue

[[insensat]A ez]N +fem

Entretanto, esse tipo de composto não é frequente no PB, diferentemente de

línguas como o alemão, inglês e latim. Sem dúvida, no português, as estruturas mais

comuns são as N-N, com núcleo à esquerda. Segundo Lee (1995), porém, as

estruturas mais comuns dos compostos, respeitando-se a convenção do núcleo à

direita, são os AN.

Em (33), encontram-se os compostos com núcleo à esquerda, que, segundo

Lee (op. cit.), são os menos produtivos, caso os comparemos com os compostos

com núcleo à direita. Estabelece-se uma relação de modificação entre N+N ou N+A,
92

sendo o segundo elemento do composto (N ou A) com valor adjetivo. No grupo B, os

núcleos são bastante fáceis de serem identificados; os do grupo B são os

verdadeiros compostos endocêntricos. No grupo A, o composto ‘sangue frio’, por

exemplo, designa o subconjunto do significado contido (ou designado) pelo

substantivo ‘sangue’. Segundo Moreno (1997), é o determinado ‘sangue’ que

adquiriu a característica de ‘frieza’ e, por conta disso, deve ser considerado o núcleo

do composto.

Nos dados em (34), encontram-se os compostos “sem núcleo”, cujas

combinações geram compostos exocêntricos, como ‘boca mole’ ou ‘beija-flor’. O

composto ‘boca mole’ não é uma boca que é mole, mas uma pessoa que fala (e

age) sem firmeza. Numa sequência como “Marta é um boca mole”, o gênero do

artigo não concorda com o ‘boca’, mas com um nome ausente subentendido. Em

‘beija-flor’, o nome à direita é feminino, e este traço deveria se infiltrar até o deverbal

‘beija’; no entanto, o produto do composto é masculino (um beija-flor). Se

considerarmos como núcleo o elemento à esquerda, o composto deveria ter como

produto final um composto verbal.

Lee (1995: 52), ao estudar a interface entre a fonologia e a morfologia do PB,

assumindo os pressupostos teóricos da Morfologia Lexical (KIPARSKY 1982, 1985)

– que considera que “a formação dos compostos, como um processo de formação

de novas palavras, acontece no léxico” – bem como as considerações de Villalva

(1986), que atesta que “os compostos do português são palavras sintáticas

reanalisadas, de tal maneira que a formação de composto acontece na sintaxe”,

propõe dois tipos de compostos no PB: os lexicais e os pós-lexicais.

Consoante as ideias do autor, os compostos lexicais seriam os únicos

verdadeiros, já que independeriam de operações morfológicas, diferentemente dos

pós-lexicais que, em sua terminologia, são pseudo-compostos, justamente por


93

permitirem processos morfológicos entre seus constituintes. Assim, os vocábulos

‘rádio-taxi’, ‘espaçonave’ e ‘autopeça’33, segundo o autor, constituiriam casos de

compostos lexicais, por apresentarem a sequência determinante (DT) + determinado

(DM), ao passo que os itens ‘sofá-cama’, ‘trem-bala’, ‘mesa-redonda’ e ‘pé-de-

moleque’ seriam compostos pós-lexicais, por apresentarem a sequência (DM)+(DT)

e constituírem unidade semântica que funcionaria independentemente de operações

morfológicas.

Sandmann (1989, 1991, 1997) analisa os compostos levando em conta

aspectos morfossintáticos e semânticos. Em que pese o aspecto morfossintático, o

autor divide as palavras compostas em duas categorias: copulativos e

determinativos34. Os primeiros apresentariam entre si uma relação sintática de

coordenação (relação paratática), em que não há relação de dependência

(preponderância de) de um termo a outro, como em ‘bar-restaurante’, em que cada

um dos elementos envolvidos na formação pode responder pelo conjunto, não

estando numa relação determinado (DM) + determinante (DT), como se observa

também em ‘copa-cozinha’. Os segundos, por outro lado, pressuporiam uma relação

sintática de subordinação (relação hipotática) entre seus constituintes, de modo que

essa dependência, criada na formação da nova palavra, sobressaltaria um elemento

periférico (DT) e um elemento nuclear (DM), como se observa em ‘piano-bar’, que

nomeia um bar onde se toca piano.

O autor ressalta ainda três características que distinguem os compostos

copulativos dos compostos determinativos: (i) o fato de os copulativos pertencerem,

normalmente, à mesma classe referencial, como em ‘contribuinte-consumidor’, e

consequentemente, a não observância de tal princípio para os determinativos, como

33Ver nota 2, capítulo 1.


34 Sandmann (1989) analisa diversas combinações entre categorias (A+S, A+S, S+de+S, S+S, V+S). Restringimos, porém,
nossa análise à formação S+S, por motivos que ficarão mais claros na seção seguinte. Ressaltamos também que não será
discutida, por ora, a distinção entre composição e grupo sintático (sintagmático).
94

em ‘meio-fundista’; (ii) a distinção da relação, se de hipotaxe ou de parataxe,

somente acontecer mediante contexto, como em ‘médico-professor’, na seguinte

situação: “No hospital Antônio Pedro espera-se para hoje o retorno dos médicos-

professores”, em que se tem, nesse caso, um composto copulativo. Caso se avente

a hipótese de que, no referido hospital, haja médicos que não são docentes, então é

certo pensar que ao lado dos médicos-professores haja também médicos-médicos

(SANDMANN, op. cit. p. 119); e, finalmente, (iii) o caso dos compostos copulativos

do tipo S+S, quando não abreviados ou unidos com “e”, receberem plural nos dois

itens, como em ‘copeiros-jardineiros’, ao passo que, nos determinativos do mesmo

tipo, numa sequência DM-DT, somente o DM ser flexionado, como em ‘navios-

oficina’.

Sandmann (1997: 43) empreende uma análise de cunho mais semântico dos

compostos, separando-os em duas outras categorias: (a) metáfora e metonímia, de

um lado, e (b) endocentrismo e exocentrismo35, de outro. O que pretende, com isso,

é estabelecer o grau de transparência semântica do composto.

Entende-se por composto metafórico a formação em que “o referente repousa

na semelhança”, como em (35), em que nos três primeiros exemplos se estabelece

uma relação metafórica em todo o composto, enquanto no quarto a relação

metafórica só se dá com o determinante ‘espada’ (SANDMANN, 1997: 42).

(35)
copo-de-leite (flor)
perna-de-moça (tipo de pescada)
pente-fino (operação policial)
peixe-espada (espécie de peixe)

35
Note-se que as designações endocêntrico e exocêntrico utilizadas por Sandmann não se referem à classe gramatical do
composto como em Bloomfield (1933).
95

Os compostos metonímicos ocorrem quando o “referente do nosso universo”

se fundamenta na “contiguidade ou na coocorrência espaço-temporal dos referentes,

dito de outra maneira, quando a transferência se dá com base na contiguidade

física” (SANDMANN, op. cit. 42), como se ilustra em (36):

(36)
beija-flor (pássaro de língua comprida que retira néctar das flores)
dedo-duro (pessoa que delata algo ou alguém)
boina-verde (categoria de militar das Forças Especiais do Exército dos
EUA)
cara-pálida (pessoa de pele branca)

No que concerne aos compostos endocêntricos, pode-se dizer que se referem

à presença, no próprio composto, da palavra que permite identificar o nome do

referente, como acontece em ‘peixe-agulha’ (um tipo de peixe), por exemplo, em que

o núcleo do composto (peixe) se refere diretamente ao objeto ao qual designa e seu

determinante (espada) é usado metaforicamente.

Os compostos exocêntricos são caracterizados pelo fato de não

apresentarem, explicitamente, o referente do mundo exterior ao qual se referem,

como em ‘perna-de-moça’ (também um tipo de peixe), em que toda a sequência é

usada – e entendida – metaforicamente.

Ao mencionar que “para entender um composto exocêntrico precisamos ser

literalmente iniciados”, o autor abre espaço para aspectos culturais na motivação

dos compostos e mescla a classificação que fizera anteriormente utilizando-se das

noções de metáfora e metonímia. Em (37), abaixo, encontramos compostos

metonímicos e exocêntricos:
96

(37)
mão-fechada (aquele que é sovina; avarento)
pé-de-meia (dinheiro economizado e reservado para uma
eventualidade futura)
mata-burro (fosso construído à entrada de uma propriedade para evitar
a passagem de animais)
chapa-branca (automóvel usado no serviço público e que se identifica
por ter a placa de licenciamento com fundo branco)
barriga-verde (catarinense)
mão-aberta (indivíduo perdulário, esbanjador; generoso)

Sandmann (op. cit.) faz, por fim, uma distinção entre composição vernácula e

não-vernácula, em que a diferença se centra na relação determinante-determinado.

Ao passo que os compostos vernáculos (formados na própria língua), como ‘sapo-

boi’, apresentam estrutura DM+DT, os não-vernáculos, em especial os chamados

neoclássicos, como ‘eurocopa’, têm ordem DT+DM.

Vale ressaltar o que o autor diz em relação à produtividade de certas bases

presas, como as que se listam em (38). Segundo ele, essas bases se prestam a

formações em série e, por isso mesmo, fariam parte do processo de derivação, por

expressarem ideia geral, fato que negaria seu status de base presa. Por esse

motivo, não haveria razão de o Dicionário Aurélio incluir esses elementos no

processo de composição, segundo o autor.

(38) autocrítica pseudo-irmão multinacional


macroeconômica auto-suficiente pseudo-emprego
multiangulado macroestrutura auto-estima
pseudopai multifacetado microcrédito
autodestrutivo minissaia

Basílio (1987: 31) lança mão do papel que a composição desempenha, ou

seja, a função de denominação. Na realidade, reconhece que as duas bases que se

combinam para formar o composto desempenham papel definido pela estrutura.


97

Nesse sentido, a composição empregaria estruturas sintáticas para construir

palavras que, por sua vez, serviriam para nomear e/ou caracterizar seres, eventos.

Devido a tais características, diz que “a nomeação dos seres pode ser descritiva ou

metafórica – além dos casos de acidentalidade ou nomeação arbitrária”.

Segundo Basílio (op. cit.), ‘água-de-cheiro’ e ‘sofá-cama’ são exemplos de

nomeação descritiva, dado o fato de apontarem as características objetivas

(concretas, denotativas) mais salientes do objeto referido; ‘amor-perfeito’ e ‘louva-a-

deus’ ilustram nomeações metafóricas, devido às associações que são realizadas

para caracterizar o objeto nomeado, com base em uma relação de semelhança.

Para Alves (1994), uma das características mais importantes dos compostos

é a de que a palavra composta, que funciona morfológica e semanticamente como

um único elemento, não costuma apresentar formas recorrentes, o que a distingue

da derivação, em que se constata essa propriedade.

Villalva (2000), ao apresentar uma proposta de descrição e classificação,

também de cunho gerativista36, em relação aos compostos, distingue três tipos de

formações: compostos morfológicos (39a), compostos sintáticos (39b) e expressões

sintáticas lexicalizadas (39c):

(39)
(a) antropófago (b) guarda-jóias c) pica-pau
ortografia homem-rã vaivém
sócio-cultural surdo-mudo corrimão

Em (39a), encontra-se o que a autora chama de composto morfológico. Esses

exemplos, segundo a autora, constituem o que a tradição gramatical classifica como

compostos eruditos (CUNHA & CINTRA, 1985: 109), ou seja, compostos formados a

36 A ideia é a de que “os compostos do português são as palavras sintáticas reanalisadas, de tal maneira que a formação de

composto acontece na sintaxe” (VILLALVA, 2000).


98

partir da ordem DT+DM, ordem essa presente no modelo de composição greco-

latina.

Os compostos sintáticos, em (39b), são “estruturas formadas por um mínimo

de duas variáveis, mas, contrariamente aos primeiros, são palavras que integram

expressões sintáticas” (CUNHA & CINTRA, op. cit.).

As expressões sintáticas lexicalizadas, por sua vez, ocorrem quando a flexão

não se apresenta em conformidade com a construção sintática, nas estruturas

V+COMPL e V+V, como se constata em (39c) acima.

Passemos agora aos resultados de pesquisas sobre os compostos.

3.6. Resultados de pesquisas

Após apresentar as perspectivas que consideramos relevantes sobre a

composição, cabe comentar alguns resultados de pesquisas acerca do tema no

âmbito do português brasileiro. Focalizamos três momentos do estudo da

composição de palavras, empreendidos nos finais das décadas de 1970, de 1980 e

de 1990, sendo o primeiro de cunho estritamente descritivo, o segundo descritivo-

explicativo e o último de caráter explicativo. Vale ressaltar que as três pesquisas se

pautam nas formulações dadas pela gramática gerativa.

Um dos primeiros trabalhos acadêmicos de cunho gerativista que enfocam “os

nomes compostos do português, de maneira como, atualmente, são gerados pela

gramática de alguns de nossos escritores” foi o desenvolvido por Bessa (1978,

1988). No estudo de 1978, o autor concentra-se na descrição do que chama de

“problemas”, cujas soluções se baseariam nos pressupostos teóricos da gramática

gerativa da década de 1970.


99

Os problemas a que o autor se refere são os seguintes: (a) a questão do

hífen, (b) a controvérsia da prefixação e (c) o gênero dos nomes compostos. Como

consideramos a primeira questão de menor importância, uma vez que diz respeito a

convenções da escrita, focalizamos as questões (b) e (c).

Em relação à controvérsia em considerar a prefixação como um processo

derivacional ou como um caso de composição, de um lado, há os partidários que

acreditam que a prefixação é um caso de derivação, por alegarem que os prefixos

são meras partículas sem existência no idioma (BASÍLIO, 1987); de outro, há os

defensores da tese da prefixação como caso de composição, por se apoiarem no

fato de que as preposições e os advérbios funcionam não só como palavras

independentes, mas também como prefixos (CÂMARA JR., 1970). A respeito dessa

imprecisão, Bessa (1978: 101) assim se expressa:

(40)
“Celso Cunha lembra a possibilidade de distinção entre prefixos
‘que são meras partículas, sem existência própria no idioma
(como ‘dis-’, em ‘dispor’, ‘re-’, em ‘reler’)’ e prefixos ‘que
costumam funcionar também como palavras independentes
(assim: ‘contra-’ em ‘contrapor, ‘entre-’ em entreter’)’, concluindo
que ‘no primeiro caso haveria ‘derivação’ e que, ‘no segundo,
seria justo falar-se em ‘composição’”.

Em seguida, aplica a terminologia gerativa às palavras compostas, em

relação à categoria lexical dos outputs, ou seja, “com as palavras compostas, tanto é

possível um output pertencer à mesma categoria lexical a que pertencem as bases

(compostos endocêntricos, como se atesta em (a)) como é também possível um

output pertencer a categoria lexical distinta da categoria ou das categorias lexicais a

que pertençam as bases (compostos exocêntricos, como se atesta em (b))” (BESSA,

op. cit. p. 109):


100

a) [ [X]A – [X]A ...]A (franco-prussiano)

b) [ [X]Adv – [X]V ...]N (bem-estar)

A fim de corroborar suas colocações, Bessa lembra o estudo realizado por

Maurer Jr. acerca do sufixo –zinho, em que esta demonstrou que a dupla flexão de

gênero e número não constitui característica exclusiva dos compostos. Observem-se

os dados do estudo em referência:

(41)
a) coração/coraçõezinhos carro-restaurante/carros-restaurantes
b) animal/animaizinhos livre-docente/livres-docentes

(42)
a) professorzinho/professorazinha tio-avô/tia-avó
b) patrãozinho/patroazinha médico-operador/médica-operadora

Isto posto, indaga se faria sentido distinguir “composição”, “prefixação” e

“sufixação” chegando à conclusão de que a melhor solução seria não discriminar as

diferenças entre esses processos e considerá-los modalidades de um único

processo: a derivação. Assim, “composição”, “prefixação” e “sufixação” não seriam

processos distintos de criação lexical, mas modalidades da derivação, já que,

segundo ele, “todos os casos podem ser explicados mediante um correlacionamento

com frases de base” (BESSA, op. cit.: 125) com exceção daqueles que já atingiram

o estágio da irregularidade semântica.

Em relação à questão do gênero dos nomes compostos, a primeira denúncia

que faz é a de que a gramática normativa do português, apesar de ser tão minuciosa

no que concerne ao gênero dos nomes simples, não confere igual tratamento aos

nomes compostos. Nesse sentido, menciona as duas questões-chave que se

colocam no tratamento do gênero dos compostos: (a) a determinação do gênero em


101

casos de compostos de constituintes pertencentes à mesma categoria lexical e (b) a

predominância do gênero masculino nos compostos de verbo e substantivo.

Segundo o autor, a segunda questão é a mais importante, não só por ter

despertado atenção de linguistas como Rosenblat, mas também pelo fato de a

omissão da gramática não se justificar, pois, segundo ele, é possível estudar os

nomes compostos do português com base no confronto direto com os nomes

simples.

Outro aspecto salientado pelo autor são as semelhanças entre nomes simples

e nomes compostos. O autor assim se expressa sobre o assunto (BESSA, op. cit.:

146)

(43)
“Em primeiro lugar, ambos se identificam do ponto de vista
acentual: nos nomes compostos como nos simples só existe
um acento principal. Em segundo lugar, muitos compostos se
comportam, morfologicamente, como nome simples, o que se
verifica, por exemplo, na pluralização e na substituição da
vogal temática por uma desinência de gênero (Ex.: ‘mestre(s)’
vs ‘mestra(s)’ VC ‘contramestre(s) vs ‘contramestra(s)’)”.

Outros dois argumentos utilizados pelo autor são os nomes simples

terminados em –ão (‘corrimão, corrimãos, corrimões’) e os nomes compostos

ambíguos (‘porta-voz’). No primeiro caso, há oscilações quando entram em

composição; no segundo, exemplos como ‘porta-voz’ possuem um sentido literal e

um sentido figurado, o que implica um não alinhamento, digamos, semântico com

nomes, também compostos, do tipo ‘porta-estandarte’ e ‘guarda-vida’ (substantivos

compostos comuns de dois gêneros).

Os dois últimos argumentos são os derivados sufixais em –zinho e os nomes

compostos caracterizados pela dupla flexão de número e gênero; e a predominância

do masculino sobre o feminino. O autor mostra, no primeiro caso, que os nomes


102

simples mantêm sua individualidade quando entram na composição. No segundo

caso, levando em conta o estudo feito para o espanhol por Rosenblat, Bessa afirma

que nomes simples e compostos se colocam em pé de igualdade ante a

predominância, em ambos os casos, do gênero masculino sobre o feminino.

A conclusão a que chega sobre a questão do gênero é a de que as

gramáticas tradicionais têm condições de empreender uma abordagem que confira

igual tratamento a nomes simples e compostos no que se refere ao número e,

particularmente, ao gênero. Além dessa conclusão, afirma que os resultados para o

português foram semelhantes ao que Rosenblat atestou no espanhol: a

predominância do gênero masculino sobre o feminino (e nesse sentido, o feminino

como um gênero derivado) e, no grupo dos compostos V+N, constatou também uma

preferência pelo masculino.

Após listar os “problemas” que envolvem o processo de composição, o autor

conclui seu texto denominando de judiciosa a atitude de nossas gramáticas

normativas ao perseguirem os aspectos semânticos. A solução, então, pelo que se

infere do texto, é que somente uma análise pautada nas hipóteses do modelo

gerativo poderiam explicar, de forma satisfatória, as nuanças problemáticas dos

nomes compostos do português. No entanto, como se disse anteriormente, o autor

não explica o processo se utilizando do modelo gerativo. Há apenas a indicação de

que os princípios da gramática gerativo-transformacional o explicariam

satisfatoriamente.

Na pesquisa empreendida em 1988, Bessa agrupa os problemas relacionados

à identificação de nomes e adjetivos compostos – numa perspectiva estritamente

sincrônica do português escrito literário37 –, objetivando, por conseguinte, resolver os

problemas levantados em sua dissertação de 1978. O autor justifica a escolha da

37
Textos publicados nos períodos compreendidos entre os anos 30 e 60 do século XX.
103

modalidade literária pelo fato de o ensino da língua portuguesa conduzir-se, em

geral, com base nessa modalidade. Assim, o objetivo maior da tese é oferecer uma

introdução que abarque problemas e métodos e culmine na análise gramatical do

corpus, análise essa que serviria a fins didáticos.

Diferentemente da dissertação de mestrado – de cunho explicitamente

gerativista –, na pesquisa de 1988, o autor afirma que a introdução que faz dos

compostos, apesar de conservar, sob certos aspectos, o espírito da teoria gerativa,

não está comprometida com qualquer tipo de abordagem particular, constituindo o

que denomina “análise eclética”, em que se reúnem diversos e distintos paradigmas

da Linguística, visto que a solução para tais problemas, segundo ele, não se

resolveria sob uma única ótica epistemológica.

Desse modo, antes de enumerar os 16 grupos de problemas na identificação

e análise dos compostos, lista as maiores dificuldades que encontrou em seu

empreendimento: (i) a ênfase dada ao aspecto semântico e (ii) a inconsistência do

plano de representação ortográfica dos compostos. Em seguida, hierarquiza os 16

grupos, a fim de oferecer uma visão de conjunto de tais dificuldades e demonstrar

que requerem soluções teóricas e metodológicas. Tais grupos de problemas são

reunidos em 3 grandes blocos (bloco 1: do grupo 1 ao 9; bloco 2: do 10 ao 13; bloco

3: do 14 ao 16)38.

Os dados do grupo 1 foram classificados de problemas intravocabulares; os

do bloco 2, de intervocabulares; e os do bloco 3, de unidades da língua e unidades

do discurso. Segundo o autor, os primeiros seriam problemáticos sob os seguintes

aspectos: (a) analisabilidade ou não em perspectiva estritamente sincrônica; (b)

controvérsia da prefixação; e (c) ambiguidade de formação de vocábulos (vernáculos

ou eruditos). Os segundos, por sua vez, seriam problemáticos pela(s) (a)

38 No anexo 1, encontram-se os 16 problemas dispostos em tabela adaptada de Bessa (1988: 37-60).


104

inconsistência do sistema ortográfico da língua portuguesa, (b) não-dicionarização e

(c) deficiências formais lexicográficas. Os terceiros, finalmente, seriam sequências

monemáticas graficamente unitárias, que, num primeiro momento, não ofereceriam

obstáculos à classificação como vocábulos compostos. Seriam problemáticos,

porém, no que concerne à distinção entre unidades da língua e unidades do

discurso. Para este grupo, Bessa não oferece solução, visto considerar não ser

relevante e vital para a compreensão exata do fenômeno da composição lexical.

Os resultados a que o autor chegou foram os seguintes:

1) muitos traços seriam indevidamente atribuídos aos vocábulos compostos da

língua portuguesa, não havendo, entre os critérios destinados à identificação de

vocábulos compostos, nenhum verdadeiramente operacional e dotado de suficiente

generalidade;

2) os critérios fonológico, morfológico e semântico são restritivos, porque, não

captando as reais características da composição românica e, em particular, da

portuguesa, excluem do estatuto da composição muitos tipos de formação, que são,

indubitavelmente, verdadeiros vocábulos compostos;

3) os critérios sintáticos são particularizantes, porque refletem características de

classes particulares de vocábulos compostos; e

4) ainda que particularizantes, os critérios sintáticos são ainda preferíveis aos

demais, dada a possibilidade de convergirem para um critério metodológico menos

particularizante.
105

O terceiro estudo aqui resenhado é a tese de Almeida (1999). Na verdade, o

caráter inovador do empreendimento deve-se ao fato de ser uma pesquisa

explicativa da composição – diferentemente dos trabalhos anteriores, de cunho

descritivo –, assumindo os pressupostos teóricos do Gerativismo – mais

especificamente o arcabouço teórico que ficou conhecido, depois da publicação de

Knowledge of Language, de Chomsky (1986), como teoria de Princípios e

Parâmetros (P&P). Trata-se, pois, de uma análise que focaliza o aspecto sintático

das novas formações.

Almeida (op. cit.) utiliza exemplos de três fontes: (a) da seção de política e de

esportes da revista Veja, (b) das obras de Sandmann (1989, 1990, 1991, 1992 e

1993) e (c) de pequena pesquisa histórica do português do século XVI. Dessa

maneira, ancorada nos dados dos três corpora acima e na teoria de P&P, considera

a composição como um fenômeno que apresenta as seguintes características:

(a) o output da formação dos compostos em português é sempre um substantivo ou

um adjetivo;

(b) compostos e sintagmas determinantes (DPs)39 sempre apresentam as mesmas

ordens sintáticas, ou seja, seus núcleos estão à esquerda;

(c) tanto os compostos como os DPs sempre terão um núcleo;

(d) a formação dos compostos é sensível a operações sintáticas; e

39Sintagma determinante (do inglês Determiner Phrase), na Teoria X-barra, corresponde ao sintagma que engloba um
nome (SN) e um determinante (D), como em ‘O menino ama a menina’, em que há dois DPs – ‘o menino’ e ‘a menina’. Aqui
especificamente, DP seria o que Sandmann chama de grupo sintático.
106

(e) segundo o parâmetro do núcleo (“head parameter”)40 das línguas românicas, os

complementos se posicionam à direita do núcleo e este núcleo marca as categorias

morfossintáticas (pessoa, gênero e número) que são checadas no DP; além disso,

os compostos com núcleo semântico recebem a classificação de endocêntricos, ao

passo que os compostos com núcleo visível, exocêntricos.

Uma vez que compostos e DPs compartilham mesma ordem sintática, a

autora examina diferentes critérios semânticos para a delimitação daqueles,

apresentando um breve estudo semântico-cognitivo da metáfora e da metonímia

segundo as postulações de Lakoff (1990). As conclusões a que a autora chega são

as seguintes:

1) No que diz respeito ao critério que deve ser utilizado para distinguir compostos de

DPs, afirma que, apenas no nível sentencial, se distinguem os dois significados de

‘pé de pato’. O critério que distinguiria os dois sentidos seria o semântico, já que a

ordem léxico-sintática dos constituintes é a mesma.

A autora percebe que o número de compostos com a mesma estrutura de um

DP é bem menor do que aqueles cuja estrutura é diferente, o que contraria a ideia,

amplamente difundida, de que não há compostos nas línguas românicas, como

defendem Villalva (1992) e Di Sciullo & Williams (1987). Esses linguistas defendem

que não há, nas línguas românicas, qualquer composto diferente dos sintéticos.

Almeida (op. cit.) defende, ainda, que um número considerável de compostos

inicia sua trajetória como endocêntricos (com núcleo semântico) e, ao passar por

processos metafóricos ou metonímicos, “se transforma” em exocêntricos (com

40 Esse parâmetro diz respeito à variação possível na ordem dos elementos. Ao comparar o português e o japonês, por
exemplo, vê-se que, no japonês, a ordem entre o verbo e o DP complemento é invertida [KatoDP doceDP comprarV],
diferentemente do português, cuja configuração é [KatoDP comprarV doceDP].
107

núcleo visível). Nesse sentido, analisa o composto ‘meia sola’, uma metáfora sobre

algo que se faz pela metade, referindo-se, na década de 1990, às medidas

governamentais empreendidas para enfrentar a crise econômica no Brasil. Com

esse dado, mostra que, mais uma vez, um composto exocêntrico se inicia como

endocêntrico.

2) A segunda conclusão relaciona-se às operações sintáticas que envolvem os

compostos. Argumenta, primeiramente, que os compostos apresentam a mesma

estrutura que os DPs e, por conseguinte, são sensíveis ao que acontece no

sintagma funcional (FP), por meio de princípios que determinam as categorias

léxico-sintáticas dos compostos. Opera também sobre os compostos a incorporação,

tanto no processo de composição quanto no processo de derivação.

Na derivação, ao contrário, o núcleo encontra-se à direita. Por conta desse

fato, mostra que a mesma estratégia pode explicar o truncamento (clipping, em

inglês), como, por exemplo, hilário de hilariante.

3) A terceira questão destacada pela autora diz respeito à generalização do núcleo

dos compostos. Menciona que, embora argumente em favor da generalização do

parâmetro do núcleo para todos os compostos, existem certas restrições com as

categorias Adj+N e adposições. Segundo ela, em tais compostos, haveria

movimento dos adjetivos para a esquerda, com a finalidade de estabelecerem maior

coesão com os substantivos. Assumiriam assim um significado mais referencial (um

mau caráter, ao contrário de caráter mau, que não é um composto).

4) Outra questão que discute é o núcleo dos compostos exocêntricos41. Afirma que,

além de diferentes categorias de compostos poderem ser exocêntricas, o núcleo de

tais compostos é sensível a operações sintáticas e utiliza o gênero e o número do

FP, como, por exemplo, em [o/a/s sem terra].

41O conceito de exocêntrico, em Almeida (op. cit.), é diferente do de Sandmann, assemelhando-se, portanto, às descrições
de caráter mais prescritivo.
108

5) Em quinto lugar, a autora menciona a relação da moldura sintática (syntactic

frame) face aos novos dados que recolheu. Diz que, em seus dados, se confirma a

ideia de que os compostos surgem como endocêntricos e passam a exocêntricos.

Para ilustrar tal afirmativa, cita os compostos ‘meia sola’, ‘troca-troca’ e ‘vira casaca’,

todos se referindo ao cenário político da época.

6) Os últimos dois aspectos tratados pela autora acerca dos compostos são o (i)

estudo metafórico dos compostos formados a partir de partes do corpo e (ii) a

demonstração de mudança das línguas.

No primeiro caso, chega à conclusão de que em dados como ‘cabeça-X’

estão envolvidos princípios da semântica cognitiva, tais como esquema imagético,

análise conceptual, já que, em cabeça quente, percebe-se não só um estado

causado por elemento externo, mas também que os sentimentos e as emoções

podem contribuir com o significado.

No segundo caso, afirma que os compostos analisados diacronicamente são

opacos para os usuários da língua, visto que não reconhecem os constituintes das

palavras e aprende-nas como um todo, como em ‘manipular’ e ‘fidalgo’.

3.7. Síntese

Expusemos, neste capítulo, o modo segundo o qual a GT e alguns estudiosos

e especialistas tratam a composição. As gramáticas do português, na visão

diacrônica, no modelo greco-latino de fazer gramática, definem composição como

dois ou três elementos de significação própria, que se unem para darem ideia de um

novo ser ou objeto e versa em torno de duas questões basicamente: (a) o número

de unidades e a categoria gramatical envolvidos na definição dos compostos e (b) a


109

continuidade da composição, partindo da prefixação, passando pela justaposição e

aglutinação e desembocando na locução – atualmente também chamada de lexia

complexa (POTTIER, 1973) ou grupo sintático (SANDMANN, 1993). Apesar de os

autores observarem essa continuidade, justaposição e aglutinação são os

mecanismos que ganham mais destaque nesse tipo de descrição, usando, para

tanto, a nomenclatura composição perfeita (aglutinação), como em ‘fidalgo’, e

composição imperfeita (justaposição), como em ‘carta-bilhete’. Finalmente, vale

ressaltar, para os propósitos desta tese, a posição de Barros (1540), ao defender a

fonte sintática das palavras compostas.

No âmbito da GT, a definição de composição não sofre alterações

significativas. Especifica-se, entretanto, que a classificação dos compostos pode se

dar pela forma quando se refere a uma classificação fonológica (justaposição e

aglutinação), pelo sentido quando se refere a uma classificação semântica

(transparentes e opacos) e pela classe gramatical quando se refere às variadas

combinações possíveis entre os compostos (SS, SA, VS etc.). Bechara (2006),

citando as postulações de Benveniste (1976), menciona o fato de os compostos do

português serem produtos da transformação sintática em expressão nominal.

Do único trabalho descritivo que resenhamos, ressalta-se a diferença que se

estabelece entre, de um lado, grupo sintático e, de outro, palavra composta.

Na perspectiva que denominamos linguística, autores representantes de

posições teóricas distintas (BLOOMFIELD, 1933; LEES, 1960) reconhecem que as

construções compostas são mais semelhantes às construções da sintaxe ou,

segundo as postulações gerativistas da época, essas construções são geradas a

partir da sobreposição de regras, aplicadas diversas vezes, até que o composto seja

formado. Pode-se dizer que, conforme essa perspectiva, a composição é um

processo autônomo de formação de palavras.


110

As duas teses e a dissertação resenhadas “aplicam” as postulações teóricas

gerativistas na análise dos compostos. Enquanto Bessa (1978, 1988) examina como

os compostos literários do português são gerados pela gramática de alguns

escritores, Almeida (1999) diferencia grupos sintáticos de palavras compostas,

aventando a hipótese de que, embora com a mesma estrutura, a diferença entre

esses dois mecanismos se efetiva por conta de relações extralinguísticas.

Como se viu, o processo não é trivial, sobretudo se atribuirmos um (ou

acreditarmos num) lugar fixo para esse mecanismo em um dos níveis de análise

linguística. Em vista de tudo que dissemos até aqui, não seria exagero afirmar que

os trabalhos resenhados alegam, de uma forma ou de outra, que a origem do

composto é sintático-semântica, sua análise é morfossintática e semântica, mas o

desaguadouro final é o léxico ou a morfologia lexical (MARTINS, 1995: 89). No caso

da composição, esse é o “nexo” de que fala Leonardo Boff na epígrafe que abre este

capítulo. Ainda nos referindo à epígrafe, “a estrutura invisível” que suporta a

formação dos compostos N-N é uma construção abstrata, consubstanciada

sintaticamente pela construção bitransitiva e morfologicamente pela construção

transferencial N-N.

Quando rejeitamos a ideia de que o composto é apenas a somatória de duas

bases lexicais ou mesmo o resultado de um processo metafórico somente, o ponto

de vista que pretendemos defender é o da hipótese da motivação conceptual da

gramática, segundo a qual fenômenos gramaticais devem ser explicados a partir de

mecanismos cognitivos mais gerais. Isso implica que, para o estudo dos compostos

de base livre do PB aqui realizado, não existe diferença entre léxico e gramática e os

compostos são motivados cultural e cognitivamente, existindo padrões específicos

que autorizam sua instanciação. Mais especificamente, defendemos que, de uma

unidade simbólica abstrata, consubstancia-se uma construção sintática


111

transferencial. É a partir dessa construção que os compostos de base livre N-N são

formados, por meio de processos cognitivos.

Para que a análise que se empreenderá no quinto capítulo fique mais clara,

apresentamos, a seguir, os compostos que denominamos de transferenciais N-N, a

exemplo de ‘bolsa-escola’ e ‘vale-refeição’. Batizamos esse tipo de construção de

compostos de transferenciais, visto que, em sua configuração cognitiva, emerge a

ideia de transferência de algum bem, consubstanciado, muitas vezes, por um frame

compensatório.
CAPÍTULO 4: OS COMPOSTOS TRANSFERENCIAIS N-N

Expressões linguísticas não significam: elas são


propostas de significação para que nós construamos
os significados trabalhando com processos que já
conhecemos. De maneira alguma o significado de
[uma]...enunciação está “diretamente nas palavras”.
Quando nós entendemos uma enunciação, nós, de
maneira alguma, estamos entendendo “exatamente
o que as palavras dizem”; as palavras por si
mesmas não dizem nada independentemente do
conhecimento magnificamente detalhado e dos
eficientes processos cognitivos que trazemos como
suporte42.
MARK TURNER

4.1. Introdução

Diversos setores da sociedade, nas duas últimas décadas, a começar pelo

início do governo do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2002, à presidência da

república, denunciam, na mídia e em outros espaços, o caráter assistencialista de

um dos principais carros-chefes da política social do partido: o programa bolsa-

família. Segundo alguns deputados, por meio de projetos de lei, outros benefícios

são criados com base na filosofia do ‘bolsa-família’, o que pode lhes garantir futuros

benefícios políticos frente aos colegas e, principalmente, ao povo através do voto.

Por outro lado, alguns articulistas denunciam a ineficácia do programa e sugerem a

criação de outros benefícios de cunho hipotético. Essa efervescência de criações

lexicais demonstra a regularidade e, ao mesmo tempo, a flexibilidade do significado

que essas construções podem assumir em contextos determinados.

42 TURNER, Mark (1996). The literary mind. New York: Oxford University Press.
113

As construções compostas formadas a partir de ‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e

‘vale’ surgem em decorrência de questões sociais, sobretudo nas áreas do trabalho

e da educação. A ideia de ‘benefício social compensatório’ que perpassa as

construções compostas aqui estudadas encontra guarida na Constituição Brasileira

de 1946, onde o benefício ‘seguro-desemprego’ foi previsto pela primeira vez, mas

somente implementado em 1986 e instituído como lei em 1990. Em 1985, institui-se

também lei que valida a atribuição do ‘vale-transporte’ aos empregados.

Ao estudarmos essas construções, baseados em pressupostos cognitivistas,

percebemos que existe regularidade na formação dessas palavras compostas,

contrariando a visão estabelecida de que a composição é um fenômeno

idiossincrático e de difícil sistematização (CÂMARA JR., 1970; KEHDI, 1990;

BASILIO, 2004). Pode-se capturar tal regularidade por meio de estruturas e

processos cognitivos que subjazem ao nosso conhecimento de mundo. Acreditamos,

pois, que essa regularidade constitui um padrão que pode ser reconhecido e se

encontra disponível cognitivamente.

O padrão que temos em vista aqui é aquele que considera o significado como

central para a análise linguística. Como argumentamos no capítulo anterior, esse

significado é bastante flexível, volátil e mutável, e essas construções seguem esse

padrão devido, sobretudo, a fatores de ordem cognitiva, evidenciando a inerente

instabilidade do significado. Esse significado, dependendo do ponto de vista da cena

focalizada, sofrerá também alterações que podem ser explicadas cognitivamente. É

o que acontece, por exemplo, com o significado que cada texto instancia em cada

aparição de ‘auxílio-x’, ‘bolsa-x’, ‘seguro-x’, ‘vale-x’, como veremos mais adiante.

O objetivo deste capítulo é descrever tais construções e revelar os aspectos

mais relevantes em cada cena instanciada, em cada um dos padrões. No final do

capítulo, usamos a noção fillmoreana de frame para generalizar os aspectos


114

perfilados por esses compostos. Nos anexos, exibimos quatro quadros com as

definições das construções compostas utilizadas ao longo desta tese, bem como “as

datas” em que provavelmente foram criadas.

Como o padrão ‘bolsa-x’ parece ser o mais proeminente, comecemos nossa

descrição por ele.

4.2. As construções compostas N-N transferenciais

4.2.1. As construções bolsa-x

Conforme registrado no dicionário Houaiss (2009: 308), a palavra ‘bolsa’

originou-se do grego byrsa (pele curtida, couro, odre para vinho) e do latim bursa

(bolsa, receptáculo, mercado de bens e moedas). Pelas acepções dos verbetes, o

sentido tal qual conhecemos hoje e se fixou na língua é decorrente de uma extensão

metonímica, já que, a partir do material de que era feito – “couro”, primeira acepção

de bolsa –, formou-se a acepção “utensílio que carrega algo de valor”.

Em língua portuguesa, as lexias complexas mais antigas por nós encontradas

foram ‘bolsa de estudos’ e ‘bolsa de valores’43. No primeiro caso, o composto indica

“a quantia pecuniária concedida pelo Estado ou por outras entidades a estudantes

ou investigadores”; no segundo, refere-se a “um mercado público de transação de

bens mobiliários, tais como títulos, ações, obrigações”. Embora tanto na modalidade

brasileira quanto na europeia esses dois padrões estejam lexicalmente

43
Descartamos esses dados, por não atenderem ao recorte que fizemos – estudar apenas o padrão N-N –, embora
saibamos que no caso de ‘bolsa de estudos’ existe ideia de benefício. Na qualificação desta tese, ficamos sabendo através
da professora Hanna Batoréo que o padrão N-de-N no Português Europeu (PE) é bastante recorrente. No PE, entretanto, o
padrão bolsa-X não funciona. Eles têm ‘bolsa de estudos’ como nós. O que se tem lá que, de certa forma, nos diferencia
são as palavras ‘subsídio de desemprego’ (em oposição ao nosso ‘seguro-desemprego), ‘subsídio de pesquisa’ (bolsa-
pesquisa/bolsa de pesquisa), ‘subsídio de deslocação’ (em oposição ao nosso ‘seguro-automóvel’), ‘subsídio de viagem’
(em oposição ao nosso ‘seguro-viagem), lexias formadas com o padrão N-de-N. Uma análise em termos de esquemas
imagéticos pode considerar ‘bolsa’ ora como contentor ora como conteúdo. Nesse caso, ‘bolsa’ como o contentor – ou lugar
– onde se guarda o dinheiro ou o conteúdo deste mesmo contentor. Pensando assim, ‘bolsa de estudos’ seria,
metonimicamente, o conteúdo, e ‘bolsa de valores’ o contentor.
115

estabelecidos, as novas formações compostas N-N do português brasileiro vinculam-

se mais diretamente à ideia de benefícios concedidos pelo Estado ou instituições.

Não nos debruçamos no estudo dessas construções, porque fugiríamos dos

objetivos traçados. Mas aventamos duas hipóteses bastante razoáveis para explicar,

por exemplo, a decorrência de N-N de N-de-N. Antes, porém, vejamos o que dizem

as pesquisas diacrônicas.

Com base em dados do Português Arcaico (sécs. XIII-XVI), Santos (2009:

123) afirma ter encontrado em seus dados apenas as formações N-de-N, padrão

esse bastante produtivo e recorrente no PE contemporâneo. A partir desse fato, a

autora aventa a hipótese de que o padrão N-N é mais atual nas formações

compostas do português, tendo sido originado do padrão N-de-N. Santos (op. cit.),

no entanto, não explica o porquê dessa mudança. Para nós, como dissemos, há

duas formas de focalizar a questão.

A primeira suposição é a de que a perda da preposição esteja a serviço da

própria formação dos compostos N-N no PB. Após a perda, destitui-se a ideia de

lexia complexa, atribuindo à nova formação uma feição, verdadeiramente, de um

composto. Quanto mais integrada for a construção, mais característica de palavra

composta ela terá. Essa é uma das diferenças, dentro do estudo da composição de

palavras, entre, de um lado, lexias compostas e, de outro, lexias complexas

(POTTIER et alii, 1973).

A segunda saída para explicar a motivação do não-uso da preposição ‘de’ é

adotar o Princípio da Não Sinonímia nos termos de Goldberg (1995). Segundo esse

princípio, se duas construções são sintaticamente distintas – como é o caso de

‘bolsa de pesquisa’ e ‘bolsa pesquisa’ –, devem ser semântica ou pragmaticamente

distintas. A construção ‘bolsa pesquisa’ difere, semanticamente, de ‘bolsa de


116

pesquisa’, por apresentar ideia de compensação, ideia essa não recorrente em

‘bolsa de pesquisa’.

No momento histórico, social, cultural e, principalmente, econômico em que

vivemos, novas palavras foram criadas. Da extensão metonímica a partir do material

de que era feito, ‘bolsa’ passa a indicar a ajuda de custo para um determinado fim

social, de caráter periódico, e frequentemente mensal. Trata-se, portanto, de um tipo

de benefício social.

A maioria dessas formações é criada por instituições, seja em nível federal

(‘bolsa família’), seja em nível estadual (‘bolsa escola’), seja por críticas aos

benefícios já criados por essas instituições do governo (‘bolsa eleição’), por “Projeto

de Lei” (‘bolsa estupro’)44 ou mesmo por entidades particulares (‘bolsa transporte’).

Essas formações são, à primeira vista, opacas para aqueles que ou vivem em outro

enquadramento socioeconômico ou, mesmo vivendo no Brasil, desconhecem as

discussões travadas no campo sócio-político-econômico do país.

Vejamos como o site do Serviço de Assistência Social define ‘bolsa família’ e

‘bolsa escola’, uma das primeiras formações com ‘bolsa’ seguindo o padrão N-N, no

período em que estamos nos calcando:

44 As críticas a que nos referimos podem ser assim resumidas: (a) a ‘bolsa eleição’ constitui uma crítica ao governo do PT
porque, às vésperas das eleições presidenciais, os candidatos aos cargos públicos usavam o ‘bolsa-família’ como ação
bem-sucedida e que deveria continuar em seus governos, caso tais candidatos fossem eleitos; (b) a ‘bolsa estupro’ é a
crítica feita pelos movimentos feministas favoráveis à legalização do aborto contra a bancada evangélica do governo.
117

(01)
O bolsa família é um programa de bem-estar social e de transferência
de renda com condicionalidades criado pelo Governo Lula em 2003,
por sugestão de Marconi Perillo, então governador de Goiás pelo
PSDB, para integrar e unificar ao Fome Zero, os antigos programas
implantandos no Governo FHC: o "Bolsa Escola", o "Auxílio Gás" e o
"Cartão Alimentação". O bolsa família é tecnicamente chamado de
mecanismo condicional de transferência de recursos. Consiste-se na
ajuda financeira às famílias pobres, definidas como aquelas que
possuem renda per capita de R$ 70,01 até 140,00 e extremamente
pobres com renda per capita até R$ 70,00. A contrapartida é que as
famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com
frequência na escola e vacinados. O programa visa a reduzir a pobreza
a curto e a longo prazo através de transferências condicionadas de
capital, o que, por sua vez, visa a quebrar o ciclo geracional da
pobreza de geração a geração.”

Sobre ‘bolsa escola’, lemos no mesmo site o seguinte:

(02)
Bolsa Escola ou ainda bolsa-escola é um programa de transferência
de renda, idealizado pelo prefeito de Campinas (SP) José Roberto
Magalhães Teixeira do PSDB e implantado no município durante sua
gestão no ano de 1994, cujo objetivo é pagar uma bolsa às famílias de
jovens e crianças de baixa renda como estímulo para que esses
frequentem a escola regularmente. O programa Bolsa Escola federal
foi implementado em 2001 pelo governo de Fernando Henrique
Cardoso

Além da noção de ajuda de custo (benefício social) que as formações ‘bolsa-

família’ e ‘bolsa-escola’ acionam, percebemos também a noção compensatória,

advinda de uma política de compensação em que o governo oferece “benefícios”

aos cidadãos, de modo a suprir direitos básicos (saúde, educação, trabalho,

alimentação, lazer, moradia), na tentativa de mascarar os fracassos sucessivos da

administração pública ou, poderiam dizer alguns, de mascarar a corrupção tão

conhecida nossa no cenário político brasileiro.


118

Vejamos alguns dos perfilamentos desses novos compostos. Comecemos

nossa descrição com alguns dos compostos formados a partir das críticas realizadas

por “pessoas influentes” na mídia.

Bolsa bandido (2010)

O nome oficial da ‘bolsa bandido’’45 é auxílio-reclusão, benefício transferido à

família do “egresso do Sistema Prisional” enquanto estiver recluso sob regime

fechado ou semi-aberto.

A ‘bolsa bandido’ foi um dos benefícios concedidos pelo governo que causou

mais polêmicas. As questões mais comentadas diziam respeito à quantia de R$

798,30 (setecentos e noventa e oito reais e trinta centavos), valor maior que o

salário mínimo, que paga R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais). Veja a

indignação de um leitor:

(03)
“De todas as besteiras que li hoje (e li muitas) nada como a proposta
do governo do estado de conceder bolsas especiais às famílias dos
menores infratores. A idéia é "reconstruir os laços familiares para
reintegrar os menores à sociedade" -- como se isso fosse questão de
dinheiro, e como se todos os menores infratores fossem filhos de
chocadeira.
Mas de que mente iluminada saiu essa idéia de jerico?! Quem foi o
gênio que criou este incentivo explícito à bandidagem?! Pela primeira
vez na história teremos menores infratores estimulados pelos pais
graças a uma ação de governo:
-- Cumequié?! Foi à escola, cachorro?! Não assaltou ninguém, não
estuprou ninguém, não matou ninguém?! É assim que tu cuida da tua
família?!
Desculpem o lugar comum, mas não há outra coisa a dizer: seria
cômico se não fosse trágico.”

45
Alguns preferem a denominação ‘auxílio-criminoso’, mas isso não vem ao caso (http://mercuriana-
precisofalar.blogspot.com/2009/09/bolsa-bandidoengula-essa.html).
119

Novamente, o caráter periódico é mantido: a bolsa é dada pelo governo com

uma função social, destinada à população de baixa renda (ou a um grupo

marginalizado que de alguma forma encontra dificuldade de inserção social). No

entanto, a ‘bolsa’ não é atribuída diretamente para o “segurado recolhido à prisão”,

mas para sua família, numa relação metonímica. O curioso e, para alguns,

indecente, é o fato de as famílias das vítimas do “bandido” não gozarem do mesmo

direito nem sequer serem mencionadas nesse projeto.

Bolsa blindagem (2008)

O composto ‘bolsa blindagem’ é uma criação do escritor João Ubaldo Ribeiro.

No texto46, o autor destaca a necessidade de tornar popular e aumentar a “indústria

da blindagem, pelo menos no eixo Rio-São Paulo”, pois, segundo o escritor, “não há

como projetar a trajetória galopante dessa nova atividade econômica, que

certamente nos levará em breve à liderança mundial no setor, ainda mais se o

governo vier a intervir, com a sabedoria e a presciência que o caracteriza”. Pela

leitura do texto, percebe-se que João Ubaldo faz alusão ao que havia previsto em

outro texto (“O sonho do urutu próprio”) com a indústria da blindagem. Fingindo falsa

modéstia pela previsão acertada, aproveita para criticar o presidente, já que, nessa

época, Lula dava várias entrevistas e não perdia a chance de se elogiar.

Vê-se claramente que a indústria da “blindagem” é uma “atividade econômica”

que está crescendo tão rapidamente quanto os programas sociais do governo.

Como a indústria aumenta não só em relação aos carros, mas apartamentos

também, sugere ironicamente que o governo deveria criar uma bolsa para tal fim: “E

mais satisfeito ainda ficarei quando o governo, destinando para isso uns oito ou dez

46 Todas as citações referentes a esse item foram retiradas de RIBEIRO, João Ubaldo. O Bolsa Blindagem. Disponível em

<http://www.almacarioca.net/obolsa-blindagem-joao-ubaldo-ribeiro/>
120

bilhões de euros tirados do caixa pequeno do Pré-Sal, cria o programa Bolsa

Blindagem”.

Com a angulação dada pelo escritor, o sentido de bolsa se flexibiliza. Na

verdade, esse conceito até então associado à contribuição obrigatória, regular,

fundamental, destinada a pessoas de baixa renda, ganha um contorno de caráter

supérfluo, embora ainda governamental, e sem a propriedade periódica que bolsa

costuma carregar. Esse benefício, agora, destina-se à classe alta, conforme lemos

no excerto abaixo, acerca das prováveis cenas propostas na crônica:

(04)
“Cena 1: Casal no lindo esplendoroso living de um apartamento bem
decoradíssimo, assistindo, na companhia de três ainda lindos petizes,
a uma tevê de 240 polegadas, ou do tamanho mais próximo a isso que
deverá ser obtido até lá, ou seja, toda parede. Cena 2: Estampido e
leve barulho de choque, vindo da janela, para onde todos olham. Cena
3: Ninguém se abala e o pai comenta: “AR-15 de novo, parece até
pipoca, nessa nossa janela. Será que eles não arranjaram nada de
mais moderno? Bazuca só teve naquela vez, lembram? Naquela hora,
eu pensei que tinha alguém batendo no vidro da janela.” Mais uma ou
duas cenazinhas dessa invulnerabilidade tão relaxante e a voz do
locutor em off: “Condomínio Fort Knox – mais um blindado da
Construtora Bunker, a única com SAI – o Selo Aquiles de
Invulnerabilidade. E com vista para o mar, é claro”

Apesar do caráter governamental se manter, alarga-se o conceito de bolsa,

porque ativamos mais uma faceta do significado, de modo a tornar evidente a

flexibilidade do significado (FAUCONNIER & TURNER, 2002: 25). Ao conhecermos

minimamente a história dos benefícios criados pelo governo brasileiro, a dificuldade

de compreensão do que vem a ser uma ‘bolsa blindagem’ torna-se quase nula.

Bolsa boiola (2008)

O composto ‘bolsa boiola’ foi cunhado pelo jornalista Hugo Studart. O também

professor e “pesquisador dos Direitos fundamentais do século XXI” mostra-se


121

indignado pelo ato do Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao comprar “15

milhões de lubrificantes KY para distribuir aos gays.”47 Nesse mesmo ato, inclui-se a

“distribuição de camisinhas e de pênis de borracha e uma cartilha ensinando as

técnicas mais prazerosas do sexo anal”, ações destinadas à comunidade gay do

país.

Nesse contexto, ‘bolsa’ se refere ao quite composto por camisinhas,

lubrificantes (KY), pênis de borracha e uma cartilha, diferentemente do sentido de

‘bolsa’ como ajuda de custo. Ofensas à parte48, reconhecemos semelhanças

bastante claras com a ‘bolsa’ como benefício. A verba, por exemplo, usada para tais

aquisições é retirada dos cofres públicos, da mesma maneira como acontece com

‘bolsa família’, ‘bolsa escola’, ‘bolsa bandido’ e, hipoteticamente, com ‘bolsa

blindagem’.

Bolsa eleição (2009)

Às vésperas das eleições, os candidatos usaram o ‘bolsa família’ como carro-

chefe em seus discursos, a fim de vencerem a disputa aos cargos de senadores,

governadores, prefeitos e, sobretudo, no caso do PT, de presidente da república. Se

pudermos falar em motivação aqui, esta seria uma motivação político-partidária. A

crítica, a partir disso, começa a se referir ao ‘bolsa família’ como ‘bolsa eleição’.

Bolsa, nesse caso, funciona como passaporte aos cargos políticos. Calcados

num programa de “sucesso”, os candidatos, de modo geral, diziam que o benefício

iria continuar, que o valor iria aumentar. Como a ‘bolsa eleição’49 é, de certa forma, a

47 STUDART, Hugo. Abaixo a ditadura gay, o Bolsa-Boiola e o KY do Temporão. Disponível em


<http://www.conteudo.com.br/studart/manifesto-contra-a-ditadura-gay-obolsa-boiola-e-o-k-y-do-temporao>
48
Estamos nos referindo mais especificamente às palavras de cunho pejorativo (“O ministro sucumbiu à Gaystapo”, “Gestão
transviada”) usadas, no texto, pelo “jornalista e historiador, professor e pesquisador dos Direitos fundamentais do século
XXI, militante ecológico e das causas sociais”, Hugo Studart.
49
Uma formação fresquinha, dentro desse mesmo campo de significação, é ‘bolsa palestra’. A crítica gira em torno do
enriquecimento rápido de políticos que, ao serem questionados sobre o assunto, dizem que deram consultorias a empresas
particulares após a saída do governo.
122

‘bolsa família’, seria paga pelo governo (representado agora pelos candidatos

eleitos). Diferentemente dos outros usos, os beneficiários precisam votar nesses

candidatos para que o benefício continue sendo pago, numa espécie de troca de

favores.

Bolsa estupro (2010)

A ‘bolsa estupro’ é o nome batizado pelos movimentos feministas favoráveis à

legalização do aborto ao projeto de lei aprovado pela Comissão de Seguridade

Social da Câmara. Segundo a jornalista Simone Iwasso, trata-se de um

(05)
projeto de lei que pretende combater o aborto em gestantes resultantes
de estupro – prática permitida no Brasil desde o Código Penal de 1940
– com base em um pagamento pelo Estado de um salário mínimo para
a mulher durante 18 anos. A ideia que se propõe com a bolsa citada é
de dar estímulo financeiro para a mulher ter o filho (...) a proposta inclui
ainda outro item bastante polêmico, que prevê que psicólogos, pagos
pelo Estado, devem atender essas mulheres para convencê-las da
importância da vida, fazendo com que elas desistam do aborto.

Pela leitura do excerto acima, o caráter periódico de ‘bolsa’ paga pelo governo

com finalidade social retoma a noção de bolsa já institucionalizada no Brasil. O fato,

digamos, novo é a atmosfera de cunho religioso que envolve o composto ‘bolsa

estupro’. Vejamos as afirmações do deputado evangélico Henrique Afonso, um dos

co-autores do projeto:

(06)
“O aborto, para os evangélicos, é um ato contra a vida em todos os
casos, não importa se a mulher corre o risco ou se foi estuprada; e
essa questão do Estado laico é muito debatida, tem gente que me diz
que eu não devo legislar como cristão, mas é nisso que eu acredito e
faço o que Deus manda, não consigo imaginar separar as duas
coisas.”
123

Os fundos governamentais, e neles os sistemas de bolsas, não são

destinados a causas religiosas, o que contraria a estrutura legal do Brasil nesse

aspecto, mas, ao mesmo tempo, particulariza e perspectiviza mais uma acepção do

sentido de ‘bolsa’. O movimento de mulheres, de um lado, afirma que o ‘bolsa

estupro’ reforçará duplamente a punição sobre a própria mulher.

Complementarmente, advogados favoráveis ao direito de decidir chamam atenção

para a confusão que se faz entre direito e moral e entre religião e política pública.

Segundo a advogada Samantha Buglione, “propostas como essas corrompem toda

estrutura legal que nós temos, pois pretendem impor uma determinada crença, um

pensamento único, baseado numa moral”.

Bolsa gargalhada (2008)

A referência de ‘bolsa’ aqui está relacionada “aos artistas que fazem rir, que

se oferecem ao ridículo, ao constrangedor e ao grotesco, só para nos divertir, rindo

deles – e de nós mesmos.”50 O composto foi criado pelo programa “Toma lá, Dá cá”,

criado por Miguel Falabella e dirigido por Roberto Talma.

Assim como a relação hipotética do ‘bolsa blindagem’, em ‘bolsa gargalhada’

não há fundo governamental nem investimento financeiro, tampouco política social,

com a finalidade de mascarar alguma necessidade emergencial da população. A

periodicidade se mantém por conta do intervalo semanal do programa, que é

diferente do intervalo mensal das ajudas de custo institucionalizadas.

Há um deslocamento de quem transfere o benefício – metaforizado na alegria

momentânea ocasionada pelas gargalhadas dadas pela população. A transferência

50 MOTTA, Nelson. A bolsa-gargalhada. Disponível em <http://resende.blogspot.com/2008/12/bolsa-gargalhada.html>


124

desse benefício seria função dos artistas (e não mais do governo) que estariam

prestando serviços ao público.

Bolsa miséria (2009)

Embora não tenha sido criada pelo jornalista Reinaldo Azevedo, a ‘bolsa

miséria’ seria a ‘bolsa família’ disfarçada. Segundo ele, a ‘bolsa família’ teria mais

finalidade eleitoreira do que a de diminuir a miséria realmente e, por isso mesmo,

seria uma miséria.

Antes de 2009, os alunos da Faculdade de Letras da UFRJ criaram o

composto ‘bolsa miséria’ com sentido baseado em outro beneficio – a bolsa de

iniciação PIBIC concedida pelo CNPq. Como se sabe, as universidades, de modo

geral, têm programas de bolsas de iniciação científica e estas são normalmente mais

baixas que as dos órgãos de fomento, como CNPq, FAPERJ, só para citar alguns

desses órgãos.

É em vista desse cenário que os alunos que recebiam as bolsas dadas pela

UFRJ começaram a chamá-la de ‘bolsa miséria’. De um lado, temos o composto

‘bolsa miséria’ que se refere à crítica dos alunos universitários ao baixo investimento

destindo à pesquisa; de outro, temos o composto ‘bolsa miséria’ referindo-se à

crítica presente nos blogs consultados, fazendo alusão ao baixo custo da ‘bolsa

família’ em si.

Na acepção de ‘bolsa miséria’ dos blogs, a crítica gira em torno do valor e do

fim eleitoreiro basicamente. Na acepção dos alunos da UFRJ, porém, tem-se uma

comparação crítica entre o valor das bolsas oficiais e o valor da bolsa concedida

pela Universidade.

Além disso, outra regularidade que pudemos depreender nos dados com

‘bolsa’ foram as seguintes: de um lado, depreendem-se as construções em que o


125

segundo elemento do formativo é sempre um nome +humano, beneficiário da ação

evocada pela cena, em que se reconhece uma relação semântica de finalidade.

Esse é o caso, por exemplo, de ‘bolsa-família’, ‘bolsa atleta’, ‘bolsa adolescente’.

Ainda ligadas pela relação semântica de finalidade, encontram-se as construções

‘bolsa-pesquisa’, ‘bolsa escola’, ‘bolsa alimentação’.

Por outro lado, encontram-se as construções em que o segundo elemento do

formativo é um nome –humano51, em que se estabelece relação de causa entre eles.

Esse é o caso de ‘bolsa miséria’, ‘bolsa-estupro’. As relações de finalidade e de

causa não são tão estanques assim. Nos mesmos casos em que se podem inferir as

relações de finalidade e de causa, dependendo da perspectiva que se adote,

baseados em nosso conhecimento sociocultural, encontraremos tais relações

semânticas imbricadas nesses tipos de compostos.

O quadro a seguir mostra (a) as regularidades mantidas na formação dos

compostos a partir das propriedades de ‘bolsa’ como ajuda de custo paga pelo

governo com fim social e certa periodicidade e (b) e as propriedades que não se

adéquam ao conceito prototípico de ‘bolsa’:

51
Com a relação de causalidade mais nítida, só encontramos um dado: ‘bolsa-bandido’. Esse dado é bem interessante por
que mostra a perspectiva que os falantes adotam em sua conceptualização para entender esse composto.
126

Quadro 03 – Regularidade e flexibilidade do sentido em bolsa-X

Formação lexical Referência de ‘bolsa’ nos Regularidades do Flexibilidade de sentido


do padrão bolsa-X textos da mídia padrão bolsa-X ativada pelo padrão bolsa-X
Bolsa-bandido Recurso transferido à família - Paga pelo - Destina-se à família do recluso
do egresso no sistema governo
- o valor da ‘bolsa’ é maior do
prisional.
- Medida que os outros valores das
emergencial bolsas sociais
- Periodicidade - A família da vítima não goza
dos direitos do recluso
- Finalidade social
Bolsa-blindagem Sugestão de blindar carros, - Paga pelo - Destina-se à classe alta
casas e o que mais for governo
- Caráter supérfluo
possível.
- Medida
- Não é periódico
emergencial
- Não tem fins sociais
Bolsa-boiola Nome dado ao kit composto - Verba decorrente - Trata-se de utensílios
por camisinhas, lubrificantes dos cofres públicos (acessórios) sexuais
(KY), pênis de borracha e
- É destinado a um - Não é periódico
cartilha ensinando técnicas
grupo
do sexo anal. - É destinado a todas as classes
marginalizado que,
sociais dentro do grupo dos
de certa forma,
homossexuais
encontra
dificuldade de
inserção social no
Brasil
Bolsa-eleição - Nome dado ao ‘bolsa- - Paga pelo - Passaporte para os cargos
família’ no período de eleição governo políticos
- Periodicidade
- Destinada ao
mesmo grupo que
recebe a ‘bolsa-
família’
Bolsa-estupro Salário mínimo pago pelo - Paga pelo - É destinada a todas as classes
governo por 18 anos a governo sociais
mulheres que foram
- Periodicidade - Tratamento médico
estupradas e engravidaram.
O tratamento com - Finalidade social - Caráter religioso
psicólogos, para influenciar o
não-aborto, também está
previsto no projeto de leis.
Bolsa-gargalhada Sugestão dos artistas do - Periodicidade - Não há fundo governamental
programa da TV Globo (semanal)
- Não há investimento financeiro
“Toma lá dá cá”. A criação
da ‘bolsa’ seria por conta - Trata-se de pessoas e do que
desses artistas nos fazerem elas proporcionam
rir.
Bolsa-miséria Sugestão de uma ‘bolsa- - Paga pelo - Destinada aos estudantes do
família’ disfarçada, já que governo (ou pela curso de graduação
seu objetivo seria universidade) (licenciatura)
meramente eleitoreiro; valor
- Periodicidade - Desenvolvimento de
inferior à ‘bolsa’ dada pelos
conhecimento artístico e/ou
órgãos de fomento à - Finalidade social
científico
pesquisa.
127

Passemos agora à descrição das construções auxílio-X.

4.2.2. As construções auxílio-X

A palavra ‘auxílio’ origina-se do latim auxiliaris (útil, prestativo, cooperante),

que, por sua vez, dá origem ao vocábulo auxilium (auxílio, ajuda, assistência,

proteção, sustento, amparo, patrocínio). Além dessas acepções, Nascentes (1932)

registra auxiliaris como um substantivo do campo da área militar, que significa uma

“tropa de estrangeiros a serviço de uma nação na guerra”.

A ideia de ajuda de custo dada por entidades governamentais (cujo valor

monetário é normalmente mais baixo do que o dos outros aqui estudados), a

periodicidade, a finalidade social e a destinação a um público que, por razões,

sobretudo, econômicas, necessita de patrocínio, permanecem presentes nos

compostos formados a partir de ‘auxílio’, não exatamente pela semântica do

composto, mas pela semântica do vocábulo ‘auxílio’, que, juntamente com seus

determinantes, particulariza e perspectiviza a natureza do tipo de assistência.

Os dois aspectos que parecem destacar-se nas construções compostas com

‘auxílio’ são o caráter emergencial e a periodicidade do benefício. No que tange ao

caráter emergencial, catástrofes causadas por fenômenos naturais, como os que

dão origem a ‘auxílio-aluguel’, ‘auxílio-reação’, são bastante recorrentes. Os

excertos a seguir explicam e definem esses benefícios:

(07)
“O valor máximo do auxílio-aluguel é de R$ 600 por mês, para
proprietários e inquilinos que tiveram suas propriedades interditadas e
não podem voltar para onde moravam. As famílias a serem
beneficiadas terão de solicitar o auxílio na Secretaria da Assistência
Social, comprovar que têm renda familiar de até quatro salários
mínimos (R$ 2.180) e apresentar laudo da Defesa Civil de interdição da
moradia. A família também deverá escolher o imóvel que deseja alugar
e apresentar o contrato de locação na secretaria”.
128

(08)
“O auxílio-reação é um benefício financeiro, instituído pelo Governo do
Estado do Rio de Janeiro, através da lei nº 14.606, de 31 de dezembro
de 2008, que é destinado às vítimas das fortes chuvas ocorridas em
novembro de 2008, que tiveram suas casas destruídas ou interditadas,
que não estão em abrigos públicos e que possuem renda familiar de
até cinco salários mínimos.”

Em relação à periodicidade, percebe-se um grupo de benefícios destinados

ao término (ou manutenção) de atividades de formação estudantil, em várias fases

da vida escolar. Esse é o caso de ‘auxílio-aluno’, ‘auxílio-creche’, ‘auxílio-

dissertação’, ‘auxílio-docente’, ‘auxílio-educação’, ‘auxílio-estudante’, ‘auxílio-recém-

doutor’, ‘auxílio-tese’.

É fácil notar também que o termo ‘auxílio’ é o mais geral entre as bases

estudadas, tanto que encontramos alguns nomes de benefícios que ora são

referidos como auxílios ora como ‘bolsa’, ‘seguro’ ou ‘vale’. Tomemos como exemplo

‘auxílio-desemprego’ e ‘auxílio-reclusão’:

(09)
“O número de pedidos de auxílio-desemprego52, reportados nos EUA
na última semana veio pior do que as expectativas do mercado,
conforme dados divulgados pelo Departamento de Trabalho do país
nesta quinta-feira (27)”.

(10)
“Estão circulando e-mails falando de auxílio-reclusão53para presos no
Brasil. É verdade. Como está no site do Ministério da Previdência
Social o auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do
segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso
sob regime fechado ou semi-aberto. O texto explica que "não cabe
concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que
estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em regime
aberto”. (O GLOBO, 22/02/2010)

52 Oficialmente, o nome do benefício é ‘seguro desemprego’.


53 Como já dissemos, a formação ‘auxílio-reclusão’ é bastante curiosa. Este benefício foi apelidado de ‘bolsa-bandido’ pela
imprensa brasileira. A crítica em geral é a seguinte: por que apenas a família do recluso recebe o benefício e a família da
vítima (caso haja uma) não o recebe?
129

Outros casos dessa flexibilidade, não só com auxílio, são os seguintes:

‘auxílio-transporte’, ‘bolsa-transporte’, ‘vale-transporte; ‘seguro-saúde’, ‘vale-saúde’;

‘bolsa-alimentação’, ‘vale-alimentação’; ‘bolsa-auxílio’, ‘bolsa-auxílio-educação’.

Assim como nos outros formativos, as ideias de finalidade e de causa

encontram-se nas construções deverbais auxílio-X. Similarmente às construções

bolsa-x, finalidade liga-se aos determinantes ±humanos, e causa, aos elementos –

humanos, numa espécie de relação metonímica do todo pela parte. No primeiro

caso, podemos citar ‘auxílio-estudante’ e ‘auxílio-funeral’ e no segundo, ‘auxílio-

creche’.

Quadro 04 – Regularidade e flexibilidade do sentido em auxílio-X

Formação lexical do Referência de Regularidades do Flexibilidade de


padrão bolsa-X ‘auxílio’ nos textos padrão auxílio-X sentido ativada pelo
da mídia padrão auxílio-X
Auxílio-aluguel Recurso transferido - Pago pelo governo - Destina-se a
pelo Estado às proprietários e inquilinos
- Medida emergencial
famílias que tiveram
- O valor do ‘auxílio’ é
suas propriedades - Periodicidade
de R$ 600
interditadas e não
- Finalidade social
podem voltar para
onde moravam.
Auxílio-reação Benefício financeiro - Pago pelo governo - Destina-se somente às
destinado às vítimas do Estado vítimas das chuvas
das fortes chuvas de
- Medida emergencial
novembro de 2008,
no Rio de Janeiro.
Auxílio-desemprego Assistência - Verba capitalizada - Pago em até 5
financeira temporária com a participação de parcelas
empregados,
empregadores e
governo
- Destinado a todos os
trabalhadores do
comércio, indústria, e
do setor público,
oficialmente
registrados
Auxílio-reclusão - Nome oficial dado - Pago pelo governo - Destinado aos
ao ‘bolsa-bandido’. dependentes do preso
- Periodicidade
Trata-se de benefício
devido aos - Finalidade social
dependentes do
recluso
130

4.2.3. As construções seguro-X

A palavra ‘seguro’, do latim sēcūrus, apresenta relação primária de fato,

acontecimento esse que, por sua vez, apresenta as ideias de ‘certo e indubitável’ e

‘isento de risco e de perigo’. Nas enunciações em que a palavra aparece, percebe-

se ideia de ‘seguridade’ e de ‘certeza’.

Segundo o dicionário Houaiss (2009), as construções com ‘seguro’ estariam

mais ligadas ao campo jurídico. Nesse âmbito, ‘seguro’ estabelece relação de um

contrato em virtude do qual uma pessoa assume a obrigação de pagar uma quantia

em dinheiro a uma instituição, ou a quem esta designar, a fim de receber uma

indenização, em forma de capital ou renda, no caso em que advenha o risco

indicado e temido. No caso dos ‘seguros de vida’, a seguradora abona dos familiares

do morto a soma dos débitos devidos e, a depender do tipo de contrato feito entre as

partes, paga-lhes o prêmio estabelecido.

Identificam-se nas construções seguro-x, cunhadas a partir do padrão

‘seguro-desemprego’, noções culturalmente motivadas. Além das noções de (a)

periodicidade, (b) benefício pago pelo governo, (c) medida emergencial e com

finalidade social, agregam-se noções específicas da história brasileira, relacionadas

aos direitos sociais (trabalhistas), que começaram a entrar na agenda

governamental em 1930.

Diferentemente dos seguros vigentes, a criação dos compostos a partir de

‘seguro-desemprego’ envolve a participação monetária de três ramos: o governo, o

empregador e o empregado, cada um contribuindo com parcelas mensais, o que

ratifica o caráter periódico desse benefício, mas com uma angulação um pouco

diferente dos outros tipos de seguros.


131

(11)
“(...) em 1990, foi criado o Programa Seguro-Desemprego, com seu
desenho institucional bem delineado, buscando prover assistência
financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de
dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, além de auxiliá-lo na
manutenção e busca de emprego por meio de ações integradas de
orientação, recolocação e qualificação profissional. Para financiar o
Programa, foi criado um fundo público, o Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT), e, para geri-lo, foi instituído o Conselho Deliberativo
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), constituído por
representantes dos trabalhadores, empregadores e do governo,
considerado um grande avanço nas relações do Estado com a
sociedade civil em razão do seu caráter tripartite e paritário” (Blog
“B&D – Brasil e Desenvolvimento”, consultado em 30/07/10)

De modo geral, quando se contrata um seguro, estabelece-se uma relação

lícita entre um valor e um bem. Esse bem pode ser material (como ‘seguro-

bagagem’, ‘seguro-animais’, ‘seguro-automóvel’) ou imaterial, no caso de um

prejuízo econômico ou de lucro cessante (como ‘seguro-incêndio’, ‘seguro-garantia’).

Vejamos a definição de ‘seguro-bagagem’, ‘seguro-incêndio’ e ‘seguro-garantia’:

(12)
“O seguro-bagagem é uma indenização em caso de extravio, roubo,
furto qualificado ou destruição da bagagem, desde que sob
responsabilidade da companhia, comprovado mediante apresentação do
relatório comprobatório de perda

(13)
O seguro-incêndio oferece cobertura básica para danos causados por
incêndios, queda de raios e explosão causada por gás empregado no
uso doméstico (quando não gerado nos locais segurados) e suas
consequências tais como desmoronamento, impossibilidade de
proteção ou remoção de salvados, despesas com combate ao fogo,
salvamento e desentulho do local.

(14)
O seguro-garantia é um seguro utilizado por órgãos da administração
direta e indireta (federais, estaduais e municipais), públicos e privados,
que devem exigir garantias de manutenção de oferta (em caso de
concorrência) e de fiel cumprimento dos contratos e também para as
empresas privadas que, nas suas relações contratuais com terceiros,
desejam garantir-se contra o risco de descumprimento dos contratos
132

Observa-se, nos casos do ‘seguro-bagagem’ e do ‘seguro-incêndio’, o seguro

de bens materiais. Essa relação é mais direta em ‘seguro-bagagem’, já que se faz o

seguro dos bens carregados. Em ‘seguro-incêndio’, percebemos essa relação, mas

de forma mais indireta, uma vez que o seguro não foi feito para o incêndio, mas para

seus efeitos, ocasionando, assim, um prejuízo econômico. Em ‘seguro-garantia’, o

contrato é estabelecido com a finalidade de permanência dos direitos e obrigações

jurídicas.

Vale destacar que nessas construções há uma espécie de garantia que, de

modo geral, poderíamos denominar de garantia contrafactual, tanto nos casos de

proteção de bens materiais quanto dos bens imateriais. Estamos entendendo como

contrafactual a situação (ou evento) do mundo possível que não aconteceu, mas que

poderia ter acontecido.

Ademais, em ‘seguro-bagagem’ e ‘seguro-incêndio’, observa-se que a

formação criada a partir de seguro exprime uma necessidade voltada para proteger

os bens materiais. Dentro do mesmo MCI, mas numa angulação diferente, ‘seguro-

garantia’ protege o contrato firmado entre partes caso uma deixe de honrar seu

compromisso. Não deixa de ser uma forma de proteger os bens do cidadão, porém

em outra esfera.

Outro composto bastante instigante é ‘seguro-silicone’. Como garantia de bom

rendimento e saúde, estipula-se um valor com a seguradora para proteger a parte do

corpo siliconado, em caso de acidente. Conforme uma seguradora, tal seguro é uma

(15)
“apólice de seguro no caso de acidente em que o segurado estipula o
valor com a seguradora em termos de valor e a parte do corpo em que
utiliza prótese siliconada”
133

Assim, por conta dos variados acidentes, inclusive mortes, causados pelo uso

indiscriminado do silicone, criam-se expedientes para garantir a saúde das pessoas

por meio de técnicas estéticas, em muitos casos consideradas supérfluas.

Esse tipo de prevenção que as construções com seguro-x veiculam ora

focaliza o segurado (‘seguro-bagagem’) ora focaliza o segurador (‘seguro-garantia’).

Contrariamente às outras formações, os compostos com o padrão seguro-x são os

únicos que pressupõem relação de pagamento monetário de ambas as partes:

segurado e segurador(es).

Para finalizar, percebem-se, inferencialmente, as mesmas relações de

finalidade e de causa presentes nos outros formativos:

Quadro 05 – Regularidade e flexibilidade do sentido em seguro-X

Formação lexical do Referência de Regularidades do Flexibilidade de


padrão seguro-X ‘seguro’ nos padrão seguro-X sentido ativada pelo
textos da mídia padrão seguro-X
Seguro-desemprego Benefício que - Pago pelo governo - O desemprego como
permite assistência causa da concessão do
- Medida emergencial
financeira benefício
temporária aos - Periodicidade
trabalhadores pago
- Finalidade social
pelo governo, com
a finalidade de - Indenização
minimizar as
perdas desse
trabalhador num
curto espaço de
tempo.
Seguro-bagagem Indenização das - Quantia pecuniária - Indenização por
companhias aéreas recebida extravio, roubo, furto
qualificado ou
destruição da bagagem
Seguro-incêndio Indenização - medida emergencial - Indenização por perda
causada por de bens de natureza
- indenização
incêndios, queda variada
de raios e explosão
causada por gás
doméstico.
Seguro-garantia - Pago pelo governo - Passaporte para os
cargos políticos
- Periodicidade
- Destinado ao mesmo
grupo que recebe a
134

‘bolsa-família’
Seguro-silicone Indenização - Indenização - Caráter estético
estipulada pelo
cliente em
decorrência de
erros médicos
(cirurgião plástico)

4.2.4. As construções vale-X

Consoante datação atribuída pelo dicionário Houaiss (2009), poder-se-ia dizer

que as construções vale-x são formadas a partir do verbo valer. Além do sentido

advindo do verbo valer, o caráter de concretude se dá talvez pelo caráter espacial

que a palavra vale agrega (HOUAISS, 2009: 1918)54. Essa concretude se dá, por

exemplo, por meio do composto ‘vale-refeição’.

(16)
O comércio de vale-refeição no centro de São Paulo acompanhou as
inovações tecnológicas. Estão desaparecendo as barracas de camelôs
que compravam os tíquetes de papel, sempre com desconto, e estão
começando a crescer as lojas especializadas em comprar o crédito
eletrônico. Mas que ninguém se engane: também na era eletrônica, o
cliente sai perdendo. (O GLOBO ONLINE, 07/10/2007).

Esse composto aparece em documentos em 1985, nas súmulas das leis

trabalhistas. A periodicidade do benefício durará enquanto o trabalhador estiver

empregado e, diferentemente dos outros benefícios compensatórios, o ‘vale-

transporte’ é pago anteriormente, ou seja, assim que o trabalhador entra no

emprego, recebe o benefício. Além disso, empregado e empregador participam do

pagamento dos vales. O empregado paga até 6% de seu salário, cabendo ao

empregador o restante caso necessário.

54
O dicionário registra três dadas para as possíveis entras da palavra vale na língua portuguesa. Para vale com acepção de
terreno, cita o século XIII; vale, como declaração escrita, 1856; e como verbo valer, 1192. O sentido de ‘valor’ também se
encontra presente, mas não como moeda de troca especificamente, mas como ‘mérito, excelência, dignidade’.
135

(17)
SÃO PAULO - A empresa de benefícios Visa Vale resolveu expandir
sua atuação. A partir desta semana começa a trabalhar também no
segmento de vale-transporte, que movimenta R$ 8 bilhões por ano.
Para entrar na área, a Visa Vale comprou a Smart Benefícios, quarta
maior do segmento. O valor da aquisição não foi divulgado (O GLOBO
ONLINE, 28/02/2008).

Compostos ‘vale-x’ nomeiam uma espécie de documento com valor monetário

determinado, consubstanciado em ticket, com propósito de (a) substituir o troco

(‘vale coxinha’) ou de (b) receber, a título de brinde, um produto (‘vale CD’), um valor

em dinheiro (‘vale livro’), uma viagem (‘vale lazer’), um desconto (‘vale desconto’).

Veja a definição de cada uma dessas formações a seguir:

(18)
O vale-coxinha é o novo valor de referência para o “vale-refeição” em
estabelecimentos comerciais não reconhecidos oficialmente, como
barraquinhas, trailers etc.

(19)
Vale CD é um presente de valor barato que geralmente é dado a
alguém que não se gosta ou que não é tão intimo, geralmente não há
opção de escolha do Cd. O vale CD recebeu esse nome porque só
serve como “VALE” para ser trocado, mas não tem valor algum.

(20)
O vale-livro é um benefício concedido a estudantes e professores na
9ª bienal do livro da Bahia no intuito de incentivar a visita às Stands do
evento. Para isso devem trocar dez documentos fiscais pelo vale no
valor de R$ 10,00 para compra de um livro.

(21)
O vale lazer tem o objetivo de incentivar a cultura no Rio Grande do
Norte, estimulando o cidadão a exigir a nota ou cupom fiscal no ato da
compra. É este o objetivo do viés cultural da Campanha Cidadão Nota
10, “Show de Nota”. Além de exercer sua cidadania e contribuir, assim,
com o desenvolvimento do Estado, a sociedade poderá trocar seus
documentos fiscais por vales-lazer e ter entrada franca nos principais
eventos, como shows artístico-culturais, teatros, cinemas, jogos
desportivos, entre outros.
136

(22)
O vale-desconto é um benefício concedido por uma rede bancária na
compra de ingressos, academias, cursos de inglês, restaurantes e
lojas.

Percebe-se que, quando os “vales” são emitidos por instituições, normalmente

são emitidos em papel timbrado, contendo o nome da instituição, o valor do ticket e

a data de validade. Diferentemente, quando a emissão do vale não é

institucionalizada, recebe-se uma espécie de recibo, em que duas pessoas (física ou

jurídica) fazem um trato, algumas vezes sem as formalidades legais. Um aspecto

que aparece em boa parte desses “vales” não institucionalizados é a rubrica ou a

assinatura do responsável pela emissão do ticket. Esse é o caso de ‘vale coxinha’,

por exemplo.

Com a rapidez exigida na era eletrônica, e com ela a preocupação com o

meio ambiente, alguns tickets de papel estão sendo substituídos por cartões

magnéticos, em que constam o nome, a matrícula ou a inscrição dos verdadeiros

proprietários do benefício. Nesse sentido, acompanhamos o surgimento, no Rio de

Janeiro, do ‘vale-transporte riocard’, nome esse já substituído por ‘riocard’ ou vale-

transporte eletrônico.

(23)
O vale-transporte riocard é um bilhete único carioca em que se pode
fazer a integração entre ônibus, trem e metro, pagando apenas o preço
de R$ 3,70. O serviço está disponível em todo o estado do Rio de
Janeiro como se funcionasse como um porta-dinheiro que, a cada
utilização, se desconta uma quantia do seu cartão. Quando acabarem-
se os créditos do cartão, você precisa recarregá-lo, pois, dessa forma,
se economizam muitos papéis, o que ainda auxilia o meio-ambiente, de
maneira que os vales-transportes de papel são utilizados somente em
casos excepcionais.
137

Ressaltemos, também, que as construções formadas com vale estão

adquirindo noção mais abstrata de permissão concedida por alguém. A música Vale

Night, cantada pela banda baiana Asa de Águia, revela esta afirmação:

(24)
Vale Night, o passaporte da folia
Encontrei a solução pra essa agonia,
Peça o seu vale night e caia na folia.

Pelo contexto de uso do termo na capital baiana, a ideia é a de que, para que

os relacionamentos atuais durem mais, é necessário que os parceiros sejam

flexíveis e não demonstrem atitudes possessivas em relação a(o) namorado(a). O

‘vale night’ entra então nesse contexto como uma permissão concedida por um dos

membros do casal para que, numa noite, sobretudo a de carnaval, um deles saia

para as festas e baladas como se não tivesse compromisso algum:

(25)
Vem de Salvador a promessa de conciliar o que parecia impossível:
permitir aos foliões pularem o Carnaval e a cerca ao mesmo tempo. E
sem prejuízos aos namoros, casórios, relacionamentos vai-e-vem ou
coisa do tipo. Uia! Quem lançou o produto e garante que funciona é a
banda Asa de Águia, na música Vale Night. Consiste em um "ok" do(a)
parceiro(a) para o outro fazer... bem, fazer quem ele(a) quiser fazer,
desde que volte no dia seguinte. Se funciona ou não, só o tempo e os
advogados especializados em divórcios dirão. Pra quem quiser testar a
eficácia do vale por conta e risco, segue a letra.
(http://diversao.terra.com.br/carnaval/2010/noticias)

De forma jocosa, circula na internet um “documento” (em anexo) que exige a

assinatura do cônjuge para a concessão do ‘vale night’:

(26)
Sim, trata-se de um Alvará de Soltura - ou para os mais foliões, um
Vale Night - que pode ser concedido para ficantes, namorados,
maridos e afins.
138

Além desses sentidos, pouco (ou nada) românticos, o ‘vale night’ tem o

sentido de permissão a apenas ir a várias festas, boates numa mesma noite,

estando ou não solteiro. Nesse sentido também, alguém (um amigo promoter) lhe

daria o vale ao escrever seu nome na lista de convidados das festas promovidas por

tais amigos:

(27)
Os convidados VIP’s agora têm mais um atrativo nas festas de Aracajú.
Recebem entradas grátis nas boates da cidade. O povo já apelidou tais
concessões de ‘vale night’, fazendo alusão à música do grupo Asa de
Águia, que ficou conhecida no último carnaval, em Salvador. (O
GLOBO ONLINE, 23/04/2010)

As construções vale-x são deverbais, exprimem noção semântica de

finalidade e agregam aspecto semântico [+ concreto]. Fato instigante é o de não

termos encontrado, em nossos dados, exemplos que expressassem ideia de causa,

como nos outros formativos.

Quadro 06 – Regularidade e flexibilidade do sentido em vale-X

Formação lexical Referência de ‘vale’ Regularidades do Flexibilidade de


do padrão vale-X nos textos da mídia padrão vale-X sentido ativada
pelo padrão vale-X
vale Recurso transferido - Pago pelo governo - Destina-se à família
à família do egresso do recluso
- Medida emergencial
no sistema prisional.
- o valor da ‘bolsa’ é
- Peridiocidade
maior do que os
- Finalidade social outros valores das
bolsas sociais
- A família da vítima
não goza dos direitos
do recluso
Sugestão de blindar - Pago pelo governo - Destina-se à classe
carros, casas e o alta
- Medida emergencial
que mais for
- Caráter supérfluo
possível.
- Não é periódico
- Não tem fins
sociais
139

Nome dado ao kit - Verba decorrente dos - Trata-se de


composto por cofres públicos utensílios
camisinhas, (acessórios) sexuais
- É destinado a um grupo
lubrificantes (KY),
marginalizado que, de - Não é periódico
pênis de borracha e
certa forma, encontra
cartilha ensinando - É destinado a todas
dificuldade de inserção
técnicas do sexo as classes sociais,
social no Brasil
anal. dentro do grupo dos
homossexuais
- Nome dado ao - Pago pelo governo - Passaporte para os
‘bolsa-família’ no cargos políticos
- Peridiocidade
período de eleição
- Destinado ao mesmo
grupo que recebe a
‘bolsa-família’
Salário mínimo pago - Pago pelo governo - É destinado a todas
pelo governo por 18 as classes sociais
- Peridiocidade
anos a mulheres que
- Tratamento médico
foram estupradas e - Finalidade social
engravidaram. O - Caráter religioso
tratamento com
psicólogos, para
influenciar o não-
aborto, também está
previsto no projeto
de leis.
Sugestão dos - Peridiocidade (semanal) - Não há fundo
artistas do programa governamental
da TV Globo “Toma
- Não há
lá dá cá”. A criação
investimento
da ‘bolsa’ seria por
financeiro
conta desses artistas
nos fazerem rir. - Trata-se de
pessoas e do que
elas proporcionam
Sugestão de uma - Pago pelo governo (ou - Destinada aos
‘bolsa-família’ pela universidade) estudantes do curso
disfarçada, já que de graduação
- Peridiocidade
seu objetivo seria (licenciatura)
meramente - Finalidade social
- Desenvolvimento
eleitoreiro; valor
de conhecimento
inferior à ‘bolsa’ dada
artístico e/ou
pelos órgãos de
científico
fomento à pesquisa.

Apenas para efeito de checagem, apresentamos um quadro, a seguir, que

reflete as relações semânticas de finalidade e de causa, bem como seus respectivos

exemplos.
140

Relações auxílio-X bolsa-X seguro-X vale-X


Semânticas
auxílio-docente bolsa-família
Finalidade auxílio aluno bolsa atleta
auxílio gás bolsa-pesquisa seguro bagagem vale-refeição
auxílio transporte bolsa escola seguro silicone vale-transporte
Causa auxílio-reclusão bolsa dedicação seguro-fiança
auxílio retorno bolsa miséria seguro incêndio
Quadro 07: Relações semânticas de causa e finalidade dos compostos N-N

4.3. Categorização dos compostos nominais N-N

Para compreender as construções compostas que chamamos de

transferenciais, é preciso entender o contexto (cultural e social) em que elas foram

criadas, o que foi feito na seção anterior. Ao conceito de frame, podemos aliar o de

categorização, a fim de entender melhor essas construções.

Se consideramos que a categorização está diretamente relacionada a nossa

capacidade cognitiva, e por isso mesmo preenche nossas necessidades funcionais,

necessidades essas ditadas pelas demandas sociais de nossa cultura, podemos

concluir que esse princípio é bastante econômico, já que podemos capturar o

significado de um objeto e/ou expressão recém-criados sem muito esforço.

Mesmo acostumados com as várias formações de palavras a partir do

vocábulo bolsa (‘bolsa alimentação’, ‘bolsa escola’), formações com a mesma base

podem causar algumas dúvidas se estiverem fora de contexto. Vejam-se os

exemplos a seguir:
141

(28)
João Batista Tezza, diretor técnico-científico da Fundação Amazonas
Sustentável, acha que é preciso trabalhar duro na prevenção do
desmatamento. Esse é o projeto da Fundação que foi criada pelo
governo, mas não é governamental, e que tem a função de
implementar o Bolsa-Floresta, uma transferência de renda para
pessoas que vivem perto das áreas de preservação estadual. A idéia é
que elas sejam envolvidas no projeto de preservação e que recebam
R$ 50 por mês, por família, como uma forma de compensação pelos
serviços que prestam. (O GLOBO, 19/07/08)

(29)
É, dá satisfação profissional haver previsto a blindagem. E mais
satisfeito ainda ficarei quando o governo, destinando para isso uns oito
ou dez bilhões de euros tirados do caixa pequeno do Pré-Sal, criar o
programa Bolsa Blindagem. A zelite vai chiar, porque não gosta de
ver pobre blindado, mas logo o trabalhador poderá circular no blindado
para os de baixa renda, oficialmente chamado de Escudo 1.0, mas logo
popularmente batizado de Casca de Coco, na intimidade Casquinha.
Segura uma pedrada no pára-brisa numa boa. (O GLOBO, 14/09/08)

No entanto, como já conceptualizamos as formações que incluem o vocábulo

bolsa, a interpretação dos dados em (28) e (29) torna-se mais fácil, já que as novas

formações – ‘bolsa-floresta’ e ‘bolsa-blindagem’, por exemplo –, obedecem ao

mesmo padrão de formação que os exemplos anteriores: no primeiro caso, os

termos veiculam relação de causa e, no segundo, de finalidade.

Sendo mais específicos, ao pensarmos no conceito de benefício como uma

representação mental – uma unidade do conhecimento, portanto –, podemos supor

que a associação dos significados desse conceito de benefício remete aos

compostos nominais cujas bases são auxílio, bolsa, seguro e vale, baseada na

similaridade (ou não) existente entre eles.

A suposição é a de que esse conceito é adquirido por meio do EI de

transferência de posse – uma cena básica da experiência humana. Na verdade,

acreditamos existir uma inter-relação entre essa experiência básica e nossas


142

interações com o mundo, relação essa que se encontra gravada na estrutura do

pensamento.

Pensando a categorização dos compostos como elemento básico para a

compreensão do pensamento, percepção, ação e discurso, subdividimos a categoria

superordenada “benefício” em duas categorias básicas, que originam categorias

subordinadas, formadas pelos compostos que aqui estudamos. Vejamos agora a

descrição de cada uma das categorias.

As categorias básicas cujo resgate reivindicamos são as seguintes: (I) direitos

essenciais e (II) ações complementares. Em relação ao que denominamos direitos

essenciais, podemos dividir essa categoria em cinco subgrupos, ao especificarmos a

que MCI esses direitos essenciais pertencem. Observando as formações compostas

que encontramos, notamos que tais direitos estão inseridos nos seguintes campos:

saúde (‘seguro saúde’), educação (‘auxílio-aluno’), trabalho (‘vale transporte’),

alimentação (‘bolsa alimentação’), lazer (‘vale lazer’) e moradia (‘auxílio aluguel’). Em

relação às ações complementares, encontramos os seguintes subgrupos: sociais

(‘auxílio-reclusão’), meio ambiente (‘ bolsa floresta’), esporte (‘bolsa Olímpica’),

cultura (‘vale cultura’), material (‘seguro informática’), comercial (‘vale pizza’) e

amoroso (‘vale pecado’).

A distribuição dos compostos no campo dos direitos essenciais e dos

complementares pode ser vista no quadro a seguir.


143

Quadro 08: Ocorrência do número dos “direitos essenciais”


AUXÍLIO BOLSA SEGURO VALE TOTAL
SAÚDE auxílio-doença seguro saúde vale saúde 03

EDUCAÇÃO auxílio-aluno bolsa auxílio 15


auxílio-dissertação bolsa dedicação
auxílio-docente bolsa escola
auxílio-educação bolsa estágio
auxílio-estudante bolsa pesquisa
auxílio-permanência bolsa mérito
auxílio-tese bolsa sanduíche
bolsa universidade

TRABALHO auxílio acidente bolsa blindagem seguro desemprego vale transporte 17


auxílio creche bolsa desemprego
auxílio desemprego bolsa formação
auxílio-funeral bolsa prêmio
auxílio maternidade bolsa transporte
auxílio natalidade
auxílio paternidade
auxílio pensão
auxílio retorno
auxílio transporte

ALIMENTAÇÃO bolsa alimentação vale alimentação 03


vale refeição

LAZER vale lazer 01

MORADIA auxílio aluguel 02


auxílio-reclusão

20 14 02 05 41

Por coincidência ou não, o que salta aos olhos é o número de benefícios

destinado ao campo do trabalho55 (17 ocorrências), seguido dos dedicados ao ramo

da educação (15 ocorrências). Do lado diametralmente oposto, encontram-se os

destinados ao lazer (01 ocorrência). As criações no campo da moradia, alimentação

e saúde contam com frequência mais ou menos equilibrada – o primeiro com duas

ocorrências, e o segundo e o terceiro com três.

Vale destacar que a soma dos compostos que veiculam direitos essenciais

(41 ocorrências) corresponde a 59,7% do total das construções compostas nominais

N-N aqui estudadas, sendo dedicados 25,4% para o trabalho56 e 22,4% para a

55 Dos dados analisados, o campo do trabalho foi o único a apresentar compostos em todas as categorias, a saber: auxílio,

bolsa, seguro e vale.


56 A maioria das criações no ramo do trabalho é, normalmente, destinada aos funcionários públicos.
144

educação, perfazendo 47,8% de um total de 68 dados. Saúde e moradia somam

5,9%; alimentação, 4,5%, e, por último, lazer, 1,5% das ocorrências.

Quadro 09: Ocorrência do número das “ações complementares”


AUXÍLIO BOLSA SEGURO VALE TOTAL
SOCIAL auxílio gás bolsa adolescente 05
auxílio-reclusão bolsa cidadã
bolsa-família

MEIO AMBIENTE bolsa Amazônia 02


bolsa floresta

ESPORTE bolsa atleta 04


bolsa Copa
bolsa Olímpica
bolsa esporte

CULTURA vale cultura 02


vale livro

MATERIAL seguro animais 04


seguro automóveis
seguro bagagem
seguro informática

COMERCIAL vale brinde 08


vale CD
vale compras
vale coxinha
vale desconto
vale pizza
vale presente
vale saúde

AMOROSO vale night 02


vale pecado

02 09 04 12 27

Nesse subgrupo, destaca-se a categoria comercial (08 ocorrências),

constituída pelas formações vale-x. Se somarmos todas as formações, as

construções com vale ainda continuarão em destaque (12 ocorrências), mas agora

seguidas do total das formações com bolsa-x (09 ocorrências).

Em um total de 27 compostos, essas ocorrências correspondem a 40,3% das

construções compostas nominais S-S em um montante de 67 dados. Nesse


145

montante, a categoria comercial corresponde a 11,8%; a social, 7,5%, a material e a

de esporte, 6% cada e, por último, a de meio ambiente, cultura e amoroso, 3% das

ocorrências cada.

Para finalizar esta seção, algumas questões, no âmbito da caracterização dos

compostos, devem ser focalizadas. A primeira dessas questões é o fato de

encontrarmos ‘auxílio desemprego’, ‘seguro desemprego’ e ‘bolsa desemprego’. A

pergunta que se faz é a seguinte: por que o uso de cabeças lexicais distintas? Há

importantes diferenças de significado entre as formas? Entre ‘auxílio desemprego’ e

‘seguro desemprego’, a diferença é tão tênue que os sites governamentais

consultados os consideram intercambiáveis. O nome oficial do benefício é ‘seguro

desemprego’, criado em 1986, mas já previsto na Constituição de 1946. Em

contrapartida, ‘bolsa desemprego’ é uma formação que apresenta a particularidade

de ser atribuída aos trabalhadores das áreas de vendas, administração, indústria,

construção civil, limpeza, para que se qualifiquem profissionalmente. O período da

bolsa – de três meses – é compatível à duração do curso. Esse benefício foi

apelidado pela crítica jornalística de ‘bolsa do Serra’, por conta da criação do

benefício no período eleitoral.

O composto ‘bolsa auxílio’ também causou inquietação inicial, por ser

constituído por duas bases que estamos estudando. A inquietação surgiu porque

esse benefício também é chamado de ‘bolsa-auxílio-educação’ ou até mesmo de

‘auxílio educação’. O que pensamos ser interessante são as combinações possíveis

para o “mesmo” benefício, ou seja: (a) ‘bolsa auxílio’, (b) ‘bolsa-auxílio-educação’ e

(c) ‘auxílio educação’. Além da acepção governamental, a Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia (UESB) concede uma ‘bolsa auxílio’ aos alunos de baixa renda

quando comprovam que realmente merecem o benefício. A instituição resume ‘bolsa

auxílio’ como a junção de subsídio para moradia, alimentação e transporte. Essas


146

inquietações não podem ser caracterizadas como totalmente problemáticas se

levarmos em conta o pressuposto de que as palavras são pistas que acionam

significados.

E, por último, uma nota sobre as formações de criação pela crítica –

jornalística ou popular. A partir da crítica ao Programa Bolsa Família ao longo dos

oito anos do governo do PT, novas palavras foram criadas. Estamos nos referindo a

‘bolsa blindagem’, ‘bolsa eleição’, ‘bolsa estupro’, ‘bolsa miséria’, ‘bolsa bandido’. O

interessante, no nosso entendimento, é que tais construções apresentam somente a

base bolsa em sua formação.

Dessa forma, consideramos que, ligada à ideia de apoio, há uma categoria

superordenada BENEFÍCIO, que engloba a categoria básica AUXÍLIO, que contém

as formações compostas nominais N-N.

4.4. Formação de padrão cognitivo

Por meio da análise de dados, pudemos perceber que existe regularidade na

formação de compostos N-N aqui estudados, regularidade essa que pode ser

capturada por meio das estruturas cognitivas que subjazem a nosso conhecimento

de mundo. Acreditamos, pois, que essa regularidade constitui um padrão que pode

ser reconhecido e se encontra disponível cognitivamente, podendo ser usado de

forma recursiva, como ilustrado a seguir, com pares de palavras que revelam criação

em espelho (por analogia):

(30)
(a) Uma menina de 4 anos foi atacada por um pitbull nesta quinta-feira
em Botucatu, a 224 km da capital paulista. Ela estava sentada no sofá
da sala da casa da tia e o cachorro, que é da própria tia, estava na
garagem. O cachorro conseguiu pular algo que estava na porta
impedindo sua entrada e foi para cima da menina. (O GLOBO,
30/12/10)
147

(b) Tom Cavalcante e seu Pitbicha devem mudar da Globo para o SBT
em 2002. Em reunião esta semana, o humorista rejeitou proposta da
Globo para renovar contrato e já negocia com a TV de Silvio Santos
(FOLHA ONLINE, 12/01/11)

(31)
(a) Seis pessoas morreram e outras 38 ficaram feridas em uma
explosão em um cyber café no sudoeste da China, afirmou a agência
estatal de notícias Xinhua. A explosão aconteceu no fim do sábado na
cidade de Kaili, província de Guizou, de acordo com a Xinhua, citando
a polícia local. A explosão ocorreu por conta de produtos químicos
armazenados ilegalmente na sala adjacente

(b) Agora os cyber dúvidas já podem ser encontrados em vários sites


registrados no Brasil. Basta acessar as maiores empresas do ramo.

(32)
(a) Autoridades do Afeganistão informaram que um atentado com um
carro-bomba matou três guardas de fronteira a bordo de um veículo
policial nesta segunda-feira. O incidente aconteceu na área de Spin
Boldak, cidade perto da fronteira com o Paquistão, na província de
Kandahar. (O GLOBO, 10/01/11)
(b) Uma bomba matou pelo menos 21 pessoas do lado de fora de uma
igreja na cidade egípcia de Alexandria no início do sábado, e o
Ministério do Interior disse que um homem-bomba ajudado por
estrangeiros pode ter sido responsável. (O GLOBO, 01/01/11)

Nos dados de (30) a (32) acima, percebe-se um padrão na configuração dos

itens formados a partir de palavras já existentes no léxico. Basilio (2004: 10) usa a

metáfora do “léxico ecologicamente correto”, metáfora essa bastante pertinente em

período de grande preocupação com o meio ambiente. Nas palavras da autora,

(33)
“Para garantir a máxima eficiência do sistema, portanto, a
expansão lexical é efetuada sobretudo pelos processos de
formação de palavras, que são fórmulas padronizadas de
construção de novas palavras a partir de material já
existente no léxico (...) o léxico é ecologicamente correto:
temos um banco de dados em expansão, mas utilizando
sobretudo material já disponível, o que reduz a dependência de
memória e garante comunicação automática”. [ênfase
acrescida]
148

Seria, então, esse conhecimento de padrões gerais de estruturação que permitiria a

criação e a interpretação dessas novas formas. Referindo-se ao léxico, em total

consonância com o que acabamos de dizer, Basilio (2004: 10) assevera que,

(34)
“do ponto de vista interno, ou mental, o léxico correponde não
apenas às palavras que um falante conhece mas também ao
conhecimento de padrões gerais de estruturação, que
permitem a interpretação e produção de novas formas (...) o
léxico interno é constituído por uma lista de novas formas já
feitas e por um conjunto de padrões, os processos de formação
de palavras, que determinam estruturas e funcões tanto de
formas já existentes quanto de formas ainda a serem
construídas.”

Embora a concepção de linguagem adotada pela autora seja distinta da que

se adota neste trabalho57, queremos ressaltar sua percepção acerca desse padrão.

Para Basílio (op. cit.), esse padrão encontra-se no léxico. Diferentemente da autora,

defende-se aqui que esse padrão abrangeria todos os níveis da descrição linguística

– a gramática, portanto. Assim, tanto formações lexicalizadas (‘Maria-vai-com-as-

outras’) e semi-abertas (bolsa-X) quanto idiomas sintáticos (‘Como vai você?’)

seriam instanciações desse padrão.

A ideia básica é a seguinte: existe um continuum “dos fenômenos linguísticos,

desde aqueles absolutamente idiossincráticos até os que são absolutamente gerais”

(SALOMÃO, 2009: 39), haja vista não haver, até o momento, princípio que distinga

sistematicamente regras e léxico.

Nessa visão, mesmo que se admita a existência de diferentes níveis de

análise linguística, assim como no estruturalismo e no gerativismo, acredita-se que

os mesmos determinantes estruturadores que atuam no léxico atuam também nos

outros níveis: fonologia, morfologia e sintaxe. Admite-se ainda a possibilidade de um

57 Aqui não se consideram as diferenças entre morfologia, sintaxe, semântica e pragmática. Do mesmo modo, o termo
“regra” também não apresenta respaldo na abordagem que defendemos neste trabalho.
149

nível estruturar o outro, numa espécie de interpenetração. Portanto, o padrão que

estamos sugerindo estaria atuando em diferentes momentos.

Um exemplo autoexplicativo dessa condição é a flexão verbal dos verbos

regulares da 1ª conjugação em PB e a formação de palavras por derivação. De um

lado, a 1ª conjugação verbal, por ser a mais produtiva em nossa língua, formaria o

que estamos caracterizando como padrão, servindo, inclusive, como molde de

formação para os novos verbos que surgirão. Verbos como deletar (do inglês to

delete), ‘escanear’ (do inglês to scan), ‘bichinhar’ (do baianês) ilustram esse fato. De

outro, sabe-se hoje, por meio das pesquisas em morfossemântica, que há uma rede

polissêmica envolvendo as formações com o sufixo derivacional –eiro(a)58.

Por acreditar na base conceptual das línguas e, consequentemente, no

conhecimento que emerge a partir da análise dos vocábulos derivados, cremos que

os compostos nominais de base livre podem ser formados a partir de padrões, de

modo semelhante a outros modos de criação de palavras. Na verdade, esses

padrões estariam presentes em todos os processos de formação de palavras. Bom

exemplo de descrição nessa linha é o de Gonçalves et alii (2003) e Rondinini (2004)

sobre a história dos formativos –logo e –grafo, que passaram da composição para a

derivação. Além de –logo e –grafo, outros “compostos” deram origem a derivados.

Por exemplos, ‘autódromo’ (composto, segundo a tradição) gerou ‘sambódromo’,

‘namoródromo’, ‘fumódromo’ (derivados).

Tendo como base esse princípio, entendemos que a formação dos compostos

aqui focalizados é motivada por fatores linguístico-cognitivos, dada a necessidade

58Em Gonçalves & Almeida (2007), admite-se que X-eiro constitui construção gramatical em português. Com base no que
os autores chamam de “cena agentiva”, as diversas acepções do sufixo são descritas a partir de uma rede radial, que tem,
na posição central, o significado “agente”. Pizzorno (2010) revê essa rede e analisa o sufixo X–eiro com base na noção de
prototipia.
150

comunicativa de explicitar um novo benefício59. Diante disso, entendemos também

que há regularidade na formação de compostos nominais de base livre encabeçados

pelos vocábulos (a) auxílio, (b) bolsa, (c) seguro e (d) vale.

Os dados em (35) refletem relação semântica de finalidade. Em (36), por

outro lado, infere-se relação semântica de causa. Podemos hipotetizar a inserção

das preposições “para” (finalidade) e “por” (causa), a fim de tornar mais explícitas as

relações semânticas presentes nos compostos aqui estudados, como se vê abaixo:

(35) (a) auxílio-maternidade (auxílio para maternidade)


(b) auxílio-funeral (auxílio para funeral)
(c) bolsa alimentação (bolsa para alimentação)
(d) bolsa-atleta (bolsa para atletas)
(e) seguro residencial (seguro para residências)
(f) seguro condomínio (seguro para condomínios)
(g) vale-refeição (vale para refeição)
(h) vale-transporte (vale para transporte)

(36) (a) auxílio-desemprego (auxílio pelo desemprego)


(b) auxílio invalidez (auxílio por invalidez)
(c) bolsa-dedicação (bolsa por dedicação)
(d) bolsa miséria (bolsa por miséria)
(e) seguro-desemprego (seguro por desemprego)

No entanto, esse procedimento não resolve o caso, ocasionando até a

ambiguidade de alguns compostos como, entre outros, ‘auxílio-maternidade’. Quem

não conhece o composto poderia pensar num “tipo de benefício que a maternidade

irá receber”. Quem conhece sabe que se trata do “salário que algumas mães

recebem por 120 dias”.

Na perspectiva teórica que adotamos, não precisaríamos desse recurso, já

que a noção semântica emergiria da relação existente entre as duas bases,

alimentada por outras formas de conhecimento, tais como os frames, por exemplo.

59 Segundo Almeida (2008), esse processo também acontece com a necessidade surgida, por exemplo, do progresso

tecnológico (como em ‘deletar’ e ‘escanear’), de comportamentos sociais (‘impetrar recurso’ – ‘recursar’) ou pessoais (‘sentir
a delícia’ – ‘deliciar-se’)
151

4.5. O frame compensatório

O conceito que emerge das construções compostas formadas a partir de

auxílio, bolsa, seguro e vale só pode ser amplamente apreendido caso se

compreendam os aspectos socioculturais em que essas construções se inserem.

Sabe-se que as fatalidades da vida cotidiana atingem o ser humano nos

momentos mais inesperados, o que faz com que os governos atuem nos âmbitos

social, político, cultural. Desastres aéreos, ambientais, naturais e nucleares são

apenas uma parcela das catástrofes com que a sociedade se depara e, por conta

disso, precisa agir rapidamente. Para alterar esse quadro, o homem desenvolveu

maneiras de reduzir os efeitos das adversidades ao criar formas de proteção social

para o coletivo.

Amparar quem necessita constitui uma das atitudes das chamadas

sociedades democráticas. Conforme nos lembra Ibrahim (2009), já no Império

Romano, encontram-se indícios de seguros coletivos, visando à garantia de seus

participantes, além da preocupação com os necessitados, como a licença estatal

para a mendicância, concedida apenas aos indivíduos impossibilitados de trabalhar.

Pode-se afirmar, então, que, à medida que o conceito de Estado se

transforma, a rede de benefícios sociais assegurada por ele se redefine, de modo a

preservar a existência digna da pessoa humana.

No Brasil, o bem-estar social tornou-se obrigação do Estado com a

constituição de 1988. Ao coletar impostos, argumenta-se que as arrecadações

seriam destinadas às necessidades básicas dos brasileiros mais pobres, no âmbito

da assistência social, da saúde, da educação, do trabalho, do lazer, da alimentação,

da moradia. Entre outros fatores, por conta da democratização não só da educação

e da saúde, mas dos diretos sociais, tais benefícios são criados para garantir os

direitos básicos dos cidadãos. Ademais, por conta da violência causada não só pela
152

falta desses direitos básicos, mas também pelo descaso governamental, criam-se

outros benefícios que não têm o cidadão como foco.

Nesse sentido, a língua, como espelho das transformações socioculturais e,

sobretudo, como reflexo de processos cognitivos – e aí estaria inserida a noção de

frame –, tem acompanhado essas mudanças na esfera lexical. As formações

recentes ora estudadas, encadeadas por padrões cognitivos de formação de

palavras, parecem refletir não só a estrutura do pensamento humano, mas as

mudanças socioculturais por que vem passando o Brasil. A partir de 2003, com a

ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, o número de benefícios

destinados à assistencia social tem crescido consideravelmente, sobretudo aqueles

ligados ao trabalho e à educação, áreas bastante focalizadas nas campanhas desse

partido.

Levando em conta Fillmore (1990), para quem o significado é relativizado a

cenas, é possível constatar a ideia de transferência de benefícios. Para que essa

transferência seja efetivada, assim como na cena comercial de Fillmore (op. cit.),

encontram-se elementos básicos que integram uma estrutura de eventos

compensatórios: (a) o agente, (b) a ação, (c) o objeto e (d) o destinatário, que, por

sua vez, pode consubstanciar ideia de causa (bolsa-floresta) e/ou de finalidade

(bolsa-família).

No contexto sociocultural vivido no Brasil, os compostos encabeçados por

‘auxílio’, ‘bolsa’, seguro’ e ‘vale’ ativam uma cena de um evento compensatório em

que um ‘agente institucionalizado’ transfere/doa um ‘valor monetário’ a um

‘destinatário’, ora consubstanciado como alvo do benefício ora como causador da

concessão desse benefício. Mais especificamente, estamos afirmando que, da

relação semântica estabelecida entre o ‘valor’ e o ‘destinatário’, emergem a ideia de

causa e a ideia de finalidade, percebidas não somente pela estrutura do composto


153

em si, mas por fatores de ordem extralinguística. O destinatário receberá o benefício

por uma causa (bolsa-floresta) e/ou para uma finalidade (bolsa-família).

Conforme Fillmore (op. cit.), as cenas podem ser focalizadas sob diversos

ângulos. O autor nos sinaliza que, se levarmos em conta os verbos ‘comprar’ e

‘vender’, a transação pode ter foco no receptor ou no doador, respectivamente.

Nas cenas baseadas no frame de compensação, ocorre processo similar de

focalização, só que em construções compostas. Iluminam-se processos linguísticos

e cognitivos ao focalizarmos determinados elementos e subfocalizarmos outros de

forma altamente regular no que diz respeito ao comportamento sensório-motor

humano. Assim, quando falamos de ‘bolsa-família’, conceptualizamos, em nível

morfossintático, alguém (agente) que transfere algo (objeto) a alguém (beneficiário).

Esse beneficiário perfila o enquadramento de finalidade. No caso de ‘bolsa-floresta’,

o beneficiário perfila o enquadramento de causa. Nos grupos analisados, cada

instanciação perfila uma relação semântica, percebida, como dissemos, na relação

entre os dois elementos do composto.

Vemos então que os compostos não são acidentes da língua, mas

construções motivadas, já que o mesmo princípio que rege os compostos rege

também outros processos morfológicos. Nesse sentido, pode-se entender o léxico

como um padrão gestáltico motivado cognitivamente.

Formalizaremos como isso acontece analisando as formações sob a

perspectiva da gramática das construções, no capítulo 5, a seguir. Como o objeto de

estudo constitui um fenômeno de fronteira, o analisaremos (a) sob o modelo

goldbergiano, modelo mais centrado na variação semântico-pragmática dos

aspectos sintáticos das construções, e (b) segundo a visão construcional booijiana,

perspectiva mais centrada na variação semântico-pragmática dos aspectos

morfológicos das construções, sem esquecer as posições de Fillmore (2009),


154

Langacker (2010) e Jackendoff (2002). Antes, porém, discutimos os esquemas

imagéticos envolvidos nas formações em análise.

4.6. Esquemas imagéticos

Conforme descrevemos no capítulo 2, os esquemas imagéticos são “gestalts

experienciais (...) emergem a partir da atividade sensório-motora, conforme

manipulamos objetos, nos orientamos espacial e temporalmente e direcionamos

nosso foco perceptual com diferentes propósitos” (GIBBS & COLSTON, 1995: 102).

Os esquemas imagéticos codificam padrões de espaço e de força que podem ser

identificados consoante nossa interação com o ambiente, de formas bastante

distintas.

A partir da relação que temos com nosso corpo na criação de conceitos,

percebemos a alternância que se estabelece entre causa e finalidade nos dados

com as construções compostas cuja cabeça lexical é auxílio, bolsa, seguro ou vale.

Isso acontece por conta de uma alteração de perspectiva de um mesmo esquema

imagético. Na realidade, estamos nos referindo mais especificamente ao esquema

imagético PERCURSO60.

Se pensarmos no esquema imagético PERCURSO, veremos, de um lado,

que a relação de causa precede à de consequência caso nossa perspectiva seja da

esquerda para a direita (do agente para o objeto focalizado). Esse é o caso, por

exemplo, de ‘bolsa-palestra’. Como descrevemos no frame compensatório, há um

agente, um objeto e um destinatário. Aqui estamos entendendo como agente aquele

do qual parte a ação, sendo ele a primeira instância da perspectivação, que, no caso

dos compostos aqui investigados, pode ser estabelecida concreta ou

metaforicamente.

60 Encontram-se também na terminologia linguística os seguintes vocábulos para indicar percurso: trajeto, direção, caminho etc.
155

Assim, o que estabeleceria a relação de causa ou consequência seria a

perspectivização dessa cena. Na relação de finalidade, por outro lado, a focalização

partiria do objeto formado em direção ao agente, que agora se encontraria numa

posição prospectivante, ou seja, a partir do “futuro”, o que faz com que o valor da

relação agora seja de finalidade.

A partir também de nossas experiências como o corpo, pensamos que mais

dois EI estão dando suporte aos compostos nominais transferenciais: o EI de

EQUILÍBRIO e o EI de LIGAÇÃO. Pelo fato de sermos bípedes, precisamos nos

manter em equilíbrio constante. Dessa relação emerge também a noção de

sustentação do corpo por meio de auxílios, seguros, bolsas e vales. Nesse caso, o

apoio é dado através de quantias monetárias, com a finalidade de suprir as

necessidades básicas do ser humano: alimentação, lazer, educação etc. Como se

viu na parte dedicada à descrição dos dados (seção 4.2), todas essas necessidades

estão vinculadas à ideia de benefício.

Esse elo faz emergir o EI de LIGAÇÃO. A ligação entre bolsa, auxílio, seguro

e vale se processa de várias maneiras. Uma delas é através do frame

compensatório. Tentando dar assistência à população mais necessitada ou até

mesmo encobrir as falcatruas praticadas por alguns políticos, percebem-se as

ligações entre os aspectos semânticos desses compostos. Além do frame

compensatório, poderíamos pensar, também, na ligação institucional que as

formações compostas agregam.

Desse modo, por defender a tese de que há um padrão na formação de

compostos e por considerar que a gramática de uma língua revela o conhecimento

que o falante apresenta da convenção linguística, propomos que os “benefícios

sociais”, veiculados atualmente, se relacionam à necessidade comunicativa de

explicitar uma nova ação, no caso dos verbos, e um novo benefício, no caso dos
156

nomes formados a partir dos vocábulos auxílio, bolsa, seguro e vale. A formação

desses compostos estaria consubstanciada pelos EI de PERCURSO, EQUILÍBRIO e

LIGAÇÃO, que, por sua vez, estariam sendo atualizados (“encenados”) pelas

formações estudadas. Assim, haveria uma necessidade pragmática na formação

desses compostos, motivada cognitivamente.


CAPÍTULO 5: MOTIVAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES COMPOSTAS

Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois


amigos meus que se haviam zangado um com o
outro. Cada um me contou a narrativa de por que se
haviam zangado. Cada um me disse a verdade.
Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham
razão. Não era que um via uma coisa e outro outra,
ou que um via um lado das coisas e outro um outro
lado diferente. Não: cada um via as coisas
exatamente como se haviam passado, cada um as
via com um critério idêntico ao do outro, mas cada
um via uma coisa diferente, e cada um, portanto,
tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da
verdade61.
FERNANDO PESSOA

5.1. Introdução

Neste capítulo, procedemos à análise dos compostos transferenciais do PB,

levando em conta o modelo de descrição gramatical desenvolvido dentro da LC,

conhecido como Gramática das Construções (GC). Em primeiro lugar, aplicamos a

análise construcional goldbergiana (GOLDBERG 1995) ao estudo dos compostos N-

N, baseando-nos nas propostas já empreendidas para dados do PB, no âmbito

morfológico (MIRANDA & SALOMÃO, 2009; ALMEIDA et alii, 2011). Apoiados nessa

proposta, defendemos a hipótese de que a construção dativa preposicional (ou

transferencial)62 forma uma rede que motiva, por (a) instanciação de subparte e (b)

extensão metafórica, a criação dos compostos pós-lexicais, cuja cabeça lexical é

‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’. Finalmente, utilizamos algumas postulações

61PESSOA, Fernando (1960). Obra poética. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar. p. 47
62Como relatamos no capítulo dedicado à fundamentação teórica desta tese, Goldberg (1995) denomina esse tipo de
construção de construção bitransitiva.
158

teóricas (BOOIJ 2010, FILLMORE 2009, JACKENDOFF 2002), que complementam

nossa tese.

Antes de apresentar a análise propriamente dita, descrevemos a metodologia

que utilizamos em nossa pesquisa.

5.2. Metodologia

Embora tenhamos restringido o campo de estudo desta pesquisa, deve-se

lembrar a dificuldade epistemológica que tivemos. Trata-se da inexistência de

critérios precisos para identificar os compostos63. Conforme se verá ao longo do

texto, autores como Sandmann (1991), por exemplo, mencionam a tarefa laboriosa

que é a de dividir compostos de grupos sintáticos. Em vista disso, tivemos de tomar

algumas decisões tanto em relação a esses critérios quanto aos textos utilizados.

Com relação aos critérios para identificar os compostos aqui analisados,

pode-se dizer que as formações com as matrizes ‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’ (a)

não sofrem redução do determinado (ao contrário do grupo sintático ‘pedra mármore’

(‘mármore’) ou ‘igreja paróquia’ (‘paróquia’)), e (b) apresentam uma coesão tal que

existe uma relação ora de causa (‘seguro tumultos’), ora de finalidade (‘bolsa

família’). Diferentemente, o grupo sintático (condomínio fechado), por ter origem

distinta, não apresenta esse expediente, expressando normalmente a relação de

restrição ou atribuição. Entretanto, vale lembrar que, por conta dos alicerceres

teóricos que fundamentam esta pesquisa, seguimos a prerrogativa, tão cara à LC,

de não fazer distinção rígida entre léxico e gramática. Nesses termos, diferenciar

palavra composta, grupo sintático e expressão idiomática não constitui uma de

63 Um estudo que discute a delimitação das unidades lexicais em diferentes perspectivas, e a partir de diferentes pontos de
conflito, é a revista Palavra (9), publicação do Departamento de Letras da PUC-Rio, organizada por BASÍLIO (1999).
Mesmo com essa tentativa bastante pertinente aos estudos morfológicos, sabe-se que, até hoje, não há critérios utilizados
isoladamente que dê conta da delimitação dos compostos.
159

nossas preocupações. Portanto, as construções aqui focalizadas não suscitam

questionamento sobre o estatuto de composto devido a (a) e (b) acima.

Em relação aos dados, selecionamos palavras compostas do português oral e

escrito contemporâneo, retiradas de textos formais e informais de variados gêneros.

Acerca dos textos formais escritos, visitamos os sites do governo federal brasileiro,

sobretudo os da Secretaria de Assistência Social (SAS), além de editoriais, e

crônicas que mencionam as ações sociais do governo brasileiro. Em relação aos

informais, selecionamos alguns sites de companhias de seguros, de lojas,

lanchonetes etc. Da modalidade oral, observamos o uso dessas construções nos

dados dos projetos de pesquisa, bem como na fala das pessoas em geral.

Fizemos também uma busca por meio da ferramenta eletrônica Google, a fim

de verificar a frequência de cada formação.

Iniciamos o estudo das construções compostas que nos interessam com

corpora coletados a partir das ferramentas de busca automática, por meio do uso do

software de processamento de dados UNITEX64, inserido no banco de dados do

projeto Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro (NURC/RJ) e do grupo de

pesquisa Discurso & Gramática (D&G), ambos desenvolvidos na Faculdade de

Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os corpora NURC e D&G foram convertidos para a extensão *.txt, para que

pudessem ser rastreados pelo programa UNITEX. Esse programa permite a inserção

de qualquer base de dados para a localização de expressões linguísticas no nível

lexical, ou ainda, a análise de dados pode ser feita nos níveis morfológicos e

sintáticos, desde que se reconheçam as palavras pelas classes gramaticais

conforme as informações previamente descritas em seu dicionário, pois o programa

conta com um dicionário de formas flexionadas do PB.

64 Software de processamento de corpus, criado no Labolatoire Automatique Documentaire et Linguistique (LADL), sob a
direção de Maurice Gross.
160

A instrução para que o programa manipule o corpus é feita por um grafo, em

que se organiza a sintaxe, em termos lexicais ou gramaticais, da expressão

linguística desejada. Além de localizar a informação, o programa apresenta dados

quantitativos, como número de ocorrência da palavra, frequência relativa, e número

total de palavras no texto.

De um lado, o NURC-RJ constitui referência nacional para estudos da

variante culta da língua portuguesa. Trata-se de entrevistas gravadas nas décadas

de 1970 e 1990 do século XX, num total de 350 horas, com informantes com nível

superior completo, nascidos no Rio de Janeiro e filhos de pais preferencialmente

cariocas. De outro, o grupo de pesquisa Discurso & Gramática, fundado na década

de 1980, congregou estudantes do doutorado em Linguística da UFRJ. Sua origem,

portanto, está no resultado de atividades do programa de Pós-Graduação em

Linguística desta Universidade. Com o objetivo de trabalhar com dados confiáveis, o

grupo organizou um corpus com informantes de 5 cidades brasileiras: o Corpus

Falado e Escrito do Rio de Janeiro, de Niterói, de Natal, de Juiz de fora e do Rio

Grande do Norte. O corpus apresenta 93 informantes, cobrindo 5 diferentes tipos de

texto: narrativa pessoal, narrativa recontada, descrição, relato de procedimento e

relato de opinião.

Nesta pesquisa, as variáveis sociolinguísticas dos extratos usados tanto no

projeto NURC-RJ quanto no grupo de pesquisa D&G não foram utilizadas, por

estarmos mais interessados na frequência com que os compostos apareciam em

momentos diferentes da história brasileira (décadas de 1970, 1980, 1990).

Além da busca aos dados do NURC/RJ e do D&G, decidimos aplicar o

software UNITEX às versões online de jornais e revistas e, principalmente, aos da

SAS.
161

5.3. A proposta de Goldberg (1995) e os compostos transferenciais

Como dito algumas vezes ao longo do texto, as construções são as unidades

básicas da língua e a única diferença de base entre a construção dativa

preposicional, constituída com um verbo de transferência, como dar ou enviar, por

exemplo, e as construções nominais compostas N-N, aqui analisadas, é “sua

especificação ou complexidade formal interna” (SALOMÃO 2003: 3). A linguagem é

concebida como uma rede construcional que, como se atesta no Princípio da

Motivação Maximizada, quanto mais motivada for a forma, mais fácil será

depreender e memorizar seu significado.

Quando a construção transferencial se projeta de uma configuração mais

sintática para uma configuração mais morfológica, formando, assim, os compostos

nominais, certos princípios cognitivos são aplicados na construção sintática, para o

nascimento da construção composta.

Verificamos que há, nas construções nominais N-N, relação semântica ora de

finalidade, ora de causa. Em um primeiro momento, não encontramos uma

generalização formal entre esses dois conceitos que pudesse explicar a relação

semântica de benefício existente entre essas construções.

No entanto, seguindo a sugestão de Goldberg (1995: 52) acerca do que

denomina “incompatibilidades/inadequações de papéis” (Mismatches of Roles) para

as construções de movimento causado, aventamos a hipótese de que o papel

recipiente da construção dativa se compatibiliza com a relação de finalidade, assim

como o papel alvo da construção de movimento causado se compatibiliza com o de

locação dessa mesma construção, já que o papel locação (put.place role) constitui

um tipo de alvo, como declara a autora.

Goldberg (1995: 50), na discussão que engendra acerca da fusão entre os

papéis temáticos da construção e os papéis envolvidos no evento do verbo, utiliza a


162

construção (01) a seguir, uma instancia da construção de movimento causado, para

defender, levando em conta o Princípio da Correspondência, que o papel “alvo” e o

papel “local” podem ser fundidos, por serem compatíveis, nessa construção. A

representação esquemática dessa construção é dada logo em seguida.

(01) Joe pressionou a bola de borracha (para) dentro do pote65.

Construção de movimento causado


Semântica CAUSAR-MOVER <causa alvo tema>

R: instância, PRED < >


meio

Sintaxe V SUJEITO OBLÍQUO OBJETO

Numa construção de movimento causado “clássica”, como (02) abaixo, os

papéis temáticos da construção (causa, alvo e tema), bem como os papéis

designados pelo verbo “jogar”, seriam perfeitamente compatíveis, pois temos uma

causa (Pedro), um tema (os pratos) e um alvo (pela janela).

(02) Pedro jogou os pratos pela janela.

No caso de (01), ao contrário, percebe-se que o papel “(para) dentro do pote”

não é um alvo, mas um local (pode-se pensar até em um destino). A construção (01)

então é uma instância da construção de movimento causado, em que o papel

argumental “alvo” se funde com o papel “local” designado pelo verbo “pressionar”.

65 A construção de movimento causado citada por Goldberg (1995: 52) é a seguinte: “Joe squeezed the rubber ball inside
jar”.
163

No que chama de “estrutura de fusão compósita”, Goldberg (op. cit.) toma

como exemplo a construção de movimento causado com o verbo “to put”,

representada esquematicamente abaixo.

Composite Fused Structure: Caused-Motion + put


Semântica CAUSAR-MOVER <causa alvo tema>

R: instância, PUT <putter put.place puttee>


meio

Sintaxe V SUJEITO OBLÍQUO OBJETO

Para raciocinar com os dados da autora, traduzimos “to put” por “colocar”, no

sentido de “guardar”, somente para pensar numa sentença como “Joana colocou os

livros na estante”. Num evento com o verbo “colocar”, existem necessariamente um

“colocador” (putter), um alvo (put.place) e um tema ou “a coisa colocada” (puttee).

Na instanciação da construção de movimento causado, há fusão dos papéis

temáticos da construção com os papéis envolvidos no evento instanciado pelo verbo

“colocar”. Nesse caso, o argumento causa se funde com o papel “Joana”, desde que

esse papel seja um tipo de causa. O tema se funde com “os livros”, desde que os

papéis do tema sejam compatíveis. Por último, o alvo se funde com o papel “na

estante” (locação), já que este, segundo a autora, é um tipo de alvo.

O alvo, ainda segundo Goldberg (op. cit.), na construção de movimento

causado, não é um elemento perfilado, pois está ligado a uma função oblíqua,

embora o papel “colocar em” (put.to) seja perfilado, e, ao mesmo tempo, obrigatório.

Isso é possível devido ao Princípio da Correspondência, que permite um papel

participante ser ligado a um argumento não perfilado, em casos em que o verbo

perfila três papéis participantes. Esse fato é o que permite ao papel “colocar em” ser

fundido com o papel não perfilado “alvo”. Ou seja, alvos são lugares.
164

Pensando na fusão entre papéis argumentais e nos papéis envolvidos no

evento evocado pelo verbo, assim como na noção de “Mismatches of Roles”,

tomemos, como exemplo, uma construção dativa preposicional, instanciada com o

verbo “dar”.

(03) Marcos Salviano deu um presente a sua mãe.

Uma instância da construção dativa pode ser, por exemplo, a construção

(04) Governo dá bolsa para as famílias carentes (sobreviverem)

A representação de (03) é a que se segue:

Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente>

R: instância, DAR <governo bolsa família>


meio

Sintaxe V SUJ OBJETO 1 OBJETO 2

Os papéis argumentais da construção e os papéis designados pelo verbo são

fundidos sem maiores problemas, até porque o recipiente apresenta as

características de um verdadeiro dativo. Note-se, no entanto, que não existe uma

inferência de finalidade na construção (04). Pode-se dizer, assim, que recipientes

são finalidades.

Na realidade, ocorre ligação de herança por subparte entre a construção

dativa preposicional e a “construção dativa preposicional com finalidade”. A

construção “dativa preposicional com finalidade” herda o status das características

do dativo da construção que lhe dá origem. Conforme Goldberg (1995: 53), em


165

geral, se um papel participante do verbo se funde com um papel argumental

perfilado, o papel participante herda o status do perfilado66.

Ora, levando em conta a ideia básica de que o significado é o elemento

central da análise linguística, e de que existe, desde o léxico, uma construção

abstrata com a noção de transferência, que se concretiza sintática e

morfologicamente, surge a construção nominal N-N que estamos focalizando, em

que a posição de destinatário é vista como finalidade. Esse fato atesta que a

composição é, realmente, um fenômeno de fronteira entre o léxico e a sintaxe e

entre morfologia e sintaxe.

A motivação dos compostos, segundo a teoria morfológica, é justamente

essa: serem estruturas sintáticas congeladas. Mas vejamos efetivamente a possível

gênese desse mecanismo com base no modelo construcionista goldbergiano.

Numa construção sintática como (32), repetida como (34), a seguir, ocorrem

dois tipos de mecanismos cognitivos, até que se chegue à construção mais

morfológica.

(34) Governo dá bolsa para as famílias carentes (sobreviverem)

O primeiro deles é o sombreamento do agente-doador da ação evocada pelo

verbo “dar”, seguido do corte desse mesmo verbo, criando-se, desse modo, o

composto ‘bolsa-família’. Percebe-se, claramente, a inferência da relação de

finalidade entre o determinado (bolsa) e o determinante (família). Essa relação é

evocada não pela estrutura em si, mas pelo conhecimento enciclopédico que temos

do frame (ou da cena evocada pelo frame) compensatório presente nessas

formações.

66 O texto original é o que se segue: “In general, if a verb’s participant role is fused with a profiled argument role, the

participant role inherits the profiled status”.


166

A configuração da contraparte morfológica, seguindo o esquema de Goldberg

para as construções sintáticas, é a seguinte:

Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente>

R: instância, FINALIDADE <Ø bolsa família>


meio

Morfologia Ø SUBST 1 SUBST 2

Na criação do composto ‘bolsa-família’, entra em cena o Princípio da

Correspondência, o qual defende que cada papel participante lexicalmente

designado precisa ser fundido com um papel argumental da construção. Como se vê

no esquema acima, a noção de transferência, em sua contraparte morfológica,

agrega dois substantivos. O agente-sujeito e o verbo estão sombreados e cortados,

respectivamente, visto não que não são designados nessa construção mais

morfológica.

Após esse processo, o composto pós-lexical ‘bolsa-família’ é criado, como

resultado sobre operações gramaticais. Ou seja, o composto vem de uma estrutura

sintática que, por intermédio de uma série de links muito bem delimitados de

operações sintático-semânticas (sombreamento, corte), se concretiza

morfossintaticamente, ao respeitar um padrão de regularidade presente na língua.

Cognitivamente falando, parece que acontece o seguinte: (a) reconhecemos

uma construção transferencial, (b) depreendemos a construção N-N, (c)

depreendemos a regra de inferência dessa construção transferencial e, por último,

(d) criamos os compostos com esse padrão.

Para as construções morfológicas que apresentam “causa” como link de

inferência, ocorrem os mesmos mecanismos cognitivos de sombreamento e corte,

que ocorrem com as construções que apresentam finalidade como relação


167

semântica estruturadora. No entanto, isso só é permitido por meio de dois links

metafóricos, em que Goldberg (1995, 2006) afirma que “causas são elementos

transferidores” e, pela inferência filosófica de que “finalidade são causas”, tomemos

como exemplo a construção

(35) Governo dá seguro desemprego (aos trabalhadores)

Depois do sombreamento do agente e do corte do verbo, na relação sintaxe-

semântica, nasce o composto ‘seguro-desemprego’, na relação morfologia-sintaxe.

Vale atentar para a inferência que se pode fazer do beneficiário ‘aos trabalhadores’,

escrito no exemplo para deixar essa inferência mais clara.

Diferentemente de ‘bolsa-família’, a inferência agora é causal: o desemprego

é a causa da concessão do seguro. E nesse contexto, também, há inferência de que

“alguém” dá/transfere esse tipo de benefício aos trabalhadores.

A esquematização, seguindo Goldberg (1995) para as construções sintáticas,

é a seguinte:

Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente>

R: instância, CAUSA <Ø seguro desemprego>


meio

Morfologia Ø SUBST 1 SUBST 2

A configuração lexical da construção é [Y/Z CAUSA/RECEBER Z/Y], criada a

partir da construção verbal de transferência, cuja formalização é [X CAUSA Y

RECEBER Z], em que X é sempre subfocalizado na construção nominal. A

construção nominal N-N instancia, por herança por polissemia, um enquadramento


168

de causa ou de finalidade que, segundo nossa compreensão, depende de aspectos

socioculturais, ou na linguagem da LC, de questões ligadas a MCI. Veja-se, por

exemplo, o caso de ‘bolsa atleta’ e ‘bolsa bandido’. Em ‘bolsa atleta’, sabemos, por

conta de informações socioculturais, que o benefício é destinado ao atleta, ao

contrário de ‘bolsa bandido’, em que o benefício é destinado à família do recluso ao

sistema prisional. Saber exatamente a perspectiva dessas diferenças depende de

modelos culturais, ou da perspectiva que adotamos do evento.

Segundo o que observamos, a rede se desdobra a partir de um centro

prototípico – a construção abstrata N-N –, que, por conta da posição por subparte

(herdada da construção de transferência verbal), pode ser compatibilizada por

substantivos de qualquer natureza.

Se a compatibilização da construção se mescla com substantivos deverbais,

não há problemas teóricos em sua explicação, visto que a construção nominal

manterá a transitividade da construção verbal, guardadas a complexidade formal de

cada uma das construções, bem o foco que cada uma ilumina, nas reais situações

de uso.

Não obstante a compatibilização com construções denominais, a exemplo de

bolsa-X, isso é possível porque a construção N-N assume a transitividade da

construção dativa preposicional. Pode-se dizer também que, pelo simples fato de a

construção de transferência estar disponível na língua, as formações com bolsa-x

são criadas, formando uma rede.

A relação de herança que se estabelece entre a construção N-N, formadas

pelos deverbais auxílio, seguro e vale, e pelo denominal bolsa, é aquela denominada

de ligação por polissemia, haja vista a radiação da relação de sentido entre

deverbais e denominais. A suposição é a de que a extensão de sentido que está

presente na construção composta nominal é a de transferência de benefício. Dessa


169

extensão de sentido, emergem, entre os compostos, as duas noções semânticas

supracitadas: finalidade e causa.

A título de esclarecimento da aproximação existente entre causa e finalidade,

abriremos um espaço para uma divagação filosófica a respeito dessas relações

semânticas. Como nos informa o dicionário FERRATER MORA (1994), no verbete

“FIM, FINALIDADE”,

(36)
Desde Aristóteles entendeu-se frequentemente a noção de fim (e a de
finalidade) em relação com a ideia de causa. O fim é a “causa final”, ou
“aquilo pelo que (ou em vista do que)” se faz algo. Assim, a saúde é o
fim (ou causa final) do caminhar, pois caminha-se com o fim de
conseguir, ou manter a saúde. Às vezes é difícil distinguir o fim como
causa final de causa eficiente. Às vezes, por outro lado, como acontece
com as ações humanas, o fim como causal final é o primeiro princípio
do agir. Convém distinguir o ser para o qual algo é um fim do próprio
fim. Segundo Aristóteles, no segundo sentido o fim pode existir nos
seres imóveis, mas não no primeiro sentido. A distinção entre a causa
final e o fim mesmo expressa-se frequentemente na linguagem comum
mediante a distinção entre fim e finalidade.

No verbete CAUSA, o mesmo dicionário registra que

(37)
As ideias de causa, finalidade, princípio, fundamento, razão, explicação
e outras similares relacionam-se com muita frequência, tendo
ocasionalmente se confundido. Além disso, ao se abordarem as
questões relativas à causa e à ação e efeito de causar algo – a
causalidade –, indicou-se não poucas vezes quais coisas ou
acontecimentos, e até que princípio último, podiam ser considerados
propriamente como causas.

Como se observa nos verbetes do dicionário filosófico Ferrater Mora (1994),

existe uma ligação tênue entre as relações de causa e finalidade. Essa ligação

aproxima ainda mais as construções nominais transferências N-N, já que há


170

construções que ora parecem apresentar entre si a relação de causa, ora a de

finalidade. Essa diferença só se torna clara mesmo nas instanciações reais de uso.

Além da ligação por polissemia, encontra-se outro tipo de relação de herança

– a ligação por extensão metafórica. Identificamos um mapeamento entre o domínio

“causa” e o domínio “ação”, gerando a metáfora conceptual CAUSAS SÃO

ELEMENTOS TRANSFERIDORES.

Se aventarmos a hipótese de que as construções nominais N-N, com a

mesma configuração sintática, e com configuração semântica que apresentam um

beneficiário em seu determinante (auxílio aluno, auxílio docente, auxílio estudante,

bolsa adolescente, bolsa atleta, bolsa-família, seguro-animais) bem como aquelas

que não apresentam em seu determinante um beneficiário (auxílio acidente, auxílio

retenção, bolsa bandido, bolsa blindagem, bolsa floresta, seguro automóvel, seguro

bagagem, vale livro, vale saúde) fazem parte de um continuum do mesmo evento,

podem-se reconhecer três fases desse processo, visualizado no esquema abaixo.

Causa Finalidade Meta

bolsa ditadura bolsa pesquisa bolsa-família

Embora não tenhamos usado neste capítulo a relação “meta”, aqui ela será

entendida como um tipo especial de finalidade. No caso específico dos compostos

estudados, notamos que ‘bolsa pesquisa’ e ‘bolsa família’ indicam ideias de causa

no geral, mas a comparação entre esses dois exemplos mostra a angulação que

cada uma delas focaliza. Em ‘bolsa pesquisa’, conceptualizamos a ideia de que o

benefício é transferido pelos órgãos de fomento para o desenvolvimento da

pesquisa, mas a inferência por trás disso são os resultados que essas pesquisas

podem trazer para aumentar o conhecimento da humanidade em geral. O que se


171

quer são os resultados dessas pesquisas. Em ‘bolsa família’, conceptualizamos

também a ideia de finalidade, mas a “família” é o elemento final”, a causa final, ou a

meta desse evento. A ideia de resultado parece também se apresentar nesse

segundo tipo de composto, mas esse resultado apresenta caráter imediatista.

A fim de tornar a análise construcional mais robusta, utilizamos as

postulações de Langacker (2008). Segundo o autor, há dois tipos de escaneamento:

(a) um sequencial e (b) um resumido. Numa conceptualização de evento sequencial,

representado por um processamento verbal, teríamos a construção bitransitiva (ou

transferencial) do PB. Por outro lado, na passagem da construção verbal para

construção nominal composta N-N, teríamos um processamento resumido, já que

passaríamos do processo para a nominalização. Parece que é isso que acontece

com a rede construcional que estamos analisando.

Da passagem do escaneamento verbal para o escaneamento nominal,

explicita-se a noção de finalidade ou a noção de causa, no complemento das bases

auxílio, bolsa, seguro e vale. Em relação ao evento verbal, poderíamos pensar numa

causação metonímica, na medida em que relevamos uma parte do evento verbal

que o composto herda; ou numa finalidade metonímica, na medida em que

perfilamos também uma parte do processamento verbal, escaneado de uma forma

resumida, estabelecendo ideia de finalidade.

O exemplo do ‘jogo de bilhar’ de Langacker (1987) para pensar a gramática

parece ser elucidativo para nós, no que concerne aos compostos. Na comparação

do jogo com a gramática, equipararíamos a bola (com o substantivo), o que imprime

movimento (com o verbo), o taco (com a força), a caçapa (com a finalidade). Assim,

no evento ‘jogo de bilhar’, faz parte da mesma cena o taco, o movimento do taco na

bola, o movimento da bola em direção à caçapa e o “encaçapar” da bola.


172

Nessa cena, se dissermos que “Miguel não sabe dar um tacada na bola”,

estaríamos dando proeminência (ou focalizando) e perspectivizando a causa. No

mesmo domínio ‘jogo de bilhar’, poderíamos dizer que “A bola deu um efeito e não

caiu na caçapa”. Nesse caso, a proeminência estaria voltada para a finalidade.

Nessa perspectiva, finalidade e causa integram, metonimicamente, o mesmo evento.

Em resumo, pode-se dizer que na construção dativa preposicional ocorre

ativação de uma construção morfológica com perfilamento de dativo e agente

causador da ação. Dependendo das informações léxico-gramaticais da construção

verbal e da construção nominal, além de questões ligadas a MCI, são criadas (e

motivadas) as formações nominais transferenciais N-N do PB.

5.4. Análises complementares à motivação dos compostos N-N

5.4.1. Aplicação da análise de Booij (2010)

A análise de Booij (2010) aos dados do inglês e do holandês constitui-se

como uma perspectiva baseada na palavra. Conforme o autor, padrões de formação

de palavras podem ser vistos como esquemas abstratos que se generalizam sobre

um “conjunto de palavras complexas existentes, dentro de uma correlação entre

forma e significado”. Estes esquemas especificariam como novas palavras seriam

criadas.

O processo de formação de palavras dos compostos transferenciais N-N do

português pode ser representado conforme o esquema construcional abstrato a

seguir:

(38) [[a]X [b]Yi]Y ‘Yi com relação R para X’


173

Para atualizar a notação do esquema, tomemos como base o padrão bolsa-x.

Preenchendo as variáveis, teríamos, então, a formalização a seguir:

(39) [[bolsa]N [escola]Ni]N ‘Ni com relação de finalidade para Ni’

Esse esquema é a representação formal da construção composta N-N e, por

conta da relação (R) que se cria entre ‘bolsa’ e ‘escola’, emerge a ideia semântica de

finalidade. Não só o padrão bolsa-x, mas também auxílio-x, seguro-x e vale-x

formariam esquemas construcionais abstratos que serviriam como uma espécie de

molde para as novas formações.

Diferentemente dos compostos endocêntricos do inglês, do alemão e do

holandês, porém, o núcleo dos compostos formados pelo padrão bolsa-x será

sempre à esquerda. Essa é uma das características que revela a expressão formal

da generalização que se pode fazer desses compostos: no português, a categoria

sintática dos compostos independerá da posição de seu núcleo, sendo, portanto,

sempre formada por um nome, e a relação semântica estabelecida entre os dois

itens lexicais não pode ser estabelecida somente por aspectos estruturais, mas por

aspectos semântico-cognitivos.

O significado do composto, além da relação semântico-cognitiva, dependerá

também do conhecimento enciclopédico e cultural. No caso do padrão bolsa-x, deve-

se conhecer que, com o uso, o item ‘bolsa’ passa a fazer referência à ajuda de custo

ou auxílio para um determinado fim social. Pode-se dizer que esse significado

estaria na base da formação dos novos compostos, formados a partir desse

esquema.

O fato de o núcleo à esquerda dos compostos transferenciais N-N controlar o

gênero do composto como um todo mostra que o composto é uma construção em


174

nível morfológico, com pareamento de forma e significado. No caso da forma, temos

a categoria sintática nominal como núcleo do composto, e como núcleo semântico, o

mesmo constituinte à esquerda por ser o elemento controlador da noção gramatical

de gênero.

Em termos de processamento, pode-se dizer que quanto mais conexões

houver entre esses padrões, mais rapidamente as novas palavras poderão ser

recuperadas. A criação de novas palavras pelos usuários fica mais rápida, por conta

desse esquema abstrato, que Booij (op. cit.) também chama, fazendo alusão às

ideias filosóficas de Wittgenstein, de relações de família. Essa ideia, aliás, está bem

de acordo com o princípio goldbergiano da motivação maximizada.

O interessante da proposta é que tanto padrões sintáticos como padrões

morfológicos são vistos como construções, o que mostra, efetivamente, a conexão

entre os módulos da gramática, ou a fronteira pouco rígida entre esses módulos.

Especificamente, Booij (op. cit.) apresenta uma teoria construcional das construções

compostas, uma lacuna nos estudos morfológicos. Ademais, o destaque parece ser

a formalização pensada exclusivamente para as construções compostas que, no

nosso caso, é bastante aplicável.

5.4.2. Análise de Langacker (2009) aos compostos transferenciais

Cabe dizer, de início, que a análise das unidades langackerianas com os

compostos formados pelo padrão ‘bolsa-x’ já foi parcialmente analisado em Almeida

et alii (2011). Por conta disso, nos dedicaremos mais especificamente aos

compostos cuja cabeça lexical é formada por ‘auxílio’, ‘seguro’ e ‘vale’, sem deixar

de fazer menção, quando acharmos conveniente, aos compostos nominais ‘bolsa’.

Conforme estamos vendo até aqui, há um confronto entre o que é dito na

literatura linguística de base estruturalista e o uso efetivo dos compostos em


175

português. Nesse sentido, o que se defende é que as construções compostas N-N

podem ser previsíveis e regulares, contrariando o que preconiza essa literatura. Para

isso, temos de levar em conta não só a continuidade dos módulos linguísticos, mas

também o fato de o significado ser central na análise linguística. Lembramos ainda

que o modelo de gramática baseado no uso é primordial para nossa análise.

Essa dinamicidade da gramática pode ser aplicada aos processos

composicionais em geral. Aqui, no entanto, essa proposta será aplicada aos

compostos N-N analisados até aqui.

Caso tenhamos duas unidades N1 e N2 presentes na língua, e imanentes de

X, que nesse caso pode ser entendido como alguma porção do evento de uso, X

agregaria as características da cena descrita como um benefício. Ativada a cena,

unidades que podem ocorrer com ela podem ser (são) criadas.

Tanto N1 quanto N2 apresentam características presentes em X. Essas

unidades irão competir para caracterizar X. Como N1 apresenta mais atributos, na

continuação do processamento, N1 é inteiramente ativado, vencendo (e

subfocalizando) N2. Desse modo, ao ganhar a disputa, a própria especificação de N1

constitui o alvo (X), o que o caracteriza como uma instância de N1. Vê-se, então,

nessa análise, que uma unidade abstrata é do mesmo escopo tanto do alvo (X)

quanto da forma vencedora N1.

Tomemos como exemplo o composto ‘auxílio-reclusão’. Cada uma das

unidades do composto (N1 ou N2) representa rotinas cognitivas bem estabelecidas.

Segundo Langacker (2009), estruturas complexas que envolvem unidades múltiplas,

como ‘auxílio-reclusão’, por exemplo, são adquiridas em contextos de expressões

maiores sintaticamente. Serão essas expressões sintáticas que definirão as

propriedades gerais do composto.


176

Especificamente, o processamento ocorreria da seguinte forma, caso

levássemos em conta a base ‘auxílio’. Essa base N1 (auxílio) ocorre algumas vezes

com N2 (reclusão) outras vezes com N3 (desemprego), o que ocasiona um gradativo

entrincheiramento de ‘auxílio’. Dependendo da frequência de uso, os compostos

N1N2 ou N1N3 podem se entrincheirar. Ativa-se o esquema construcional desses

compostos quando um de seus componentes é ativado, dando origem a unidades

que podem ser ativadas para a categorização de eventos de uso.

O surgimento de algumas construções nominais N-N no PB demonstra uma

regularidade, baseada numa espécie de uso pré-fabricado da linguagem. No caso

de sequências lexicais colocadas juntas para formar uma nova unidade, há

sobreposições dessas unidades complexas, que alimenta uma base de

processamento. Nesse sentido, esses compostos são armazenados em conjunto, e

sua ocorrência efetiva evoca um padrão de atividade que, no nosso caso, podem ser

os padrões auxílio-x, bolsa-x, seguro-x e vale-x.

A dinamicidade desse tipo de processamento é a constatação de que a

composição é o resultado da coativação de conexões pré-existentes, na forma de

processamento partilhado, entendido aqui como um esquema construcional.

Processamos, então, ‘bolsa bandido’, ‘seguro silicone’ e ‘vale night’, por exemplo,

em termos do esquema pré-existente de bolsa-escola’, seguro-desemprego’ e ‘vale-

transporte’, procedendo aos ajustes necessários às interpretações individuais.

Conclui-se que há uma relação semântica entre essas construções, que podem ser

processadas cognitivamente e, com isso, permitem a previsibilidade das construções

compostas N-N do PB aqui estudadas.


177

5.4.3. Análise de Jackendoff (2002) aos compostos transferenciais

Segundo Jackendoff (2002), todo conhecimento linguístico armazenado na

memória de longo prazo faz parte do léxico e, por isso mesmo, são chamados de

itens lexicais. Esses itens podem ser maiores ou menores que as palavras. O léxico

deixa de ser o lugar das idiossincrasias e passa ser o lugar do conhecimento,

regulado por regras e princípios.

A partir dos dados em análise, tanto ‘vale’ quanto ‘transporte’, ou a

combinação entre eles, gerando a construção ‘vale-transporte’, ou ainda a sentença

‘A empresa já me pagou o vale-transporte’, ou o mecanismo que subjaz a essas

construções (“regra de gramática” em certos modelos) constituem itens lexicais.

No caso específico de um composto como ‘bolsa palestra’, a combinação

seria possível por causa do Princípio de combinação livre, mostrando a regularidade

e a produtividade das formações com o padrão bolsa-x. A generalização do princípio

seria a de que ‘alguém’ transfere ‘algo’ a ‘alguém’.

O interessante da proposta é o fato de a previsão, numa construção como

‘bolsa bandido’ poder-se inferir a construção sintática abstrata com ideia de

transferência, por meio do que o autor chama de itens lexicais defectivos (itens sem

substância fonológica e/ou substância semântica). Se partirmos do item lexical

(sentencial) ‘A empresa já pagou o vale-transporte para os funcionários’ para formar

o item lexical (morfossintático) ‘vale-transporte’, aplicamos o princípio segundo o

qual padrões sintáticos abstratos presentes no léxico podem não apresentar

realização fonológica. Nesse caso, o padrão sintático [SN V OD OI] estaria

expressando somente [OD OI], mantendo tanto o SN sujeito quando o verbo

subfocalizados, ou seja, sem realização fonológica.

Posto nestes termos, o ganho da proposta de Jackendoff (op. cit.) é o de,

além de incorporar o conceito de construção goldbergiano, alargá-lo e flexibilizá-lo


178

para abarcar a ideia de construção defectiva. Segundo o autor, há correspondência

sintática com estruturas fonológicas e conceptuais, além, é claro, com as estruturas

lexicais.

O refinamento da hipótese que adicionamos a nossa análise é a ideia de

construção usada por Jackendoff (op. cit.), que entende construção como o

pareamento de forma e sentido, armazenado no léxico. Esse padrão construcional é

bastante flexível e recorrente e, diferentemente de Goldberg (1995), considera esse

padrão aberto e livre de hierarquias de herança (no aspecto formal) que não se

encontram no cérebro. O autor permanece com a ideia de herança, mas elimina a de

hierarquia.

5.5. Conclusão

Usando as postulações de Goldberg (1995), defendemos que existe no

português uma construção transferencial, que se materializa sintaticamente por meio

da construção bitransitiva e morfologicamente por meio dos compostos N-N de base

livre aqui estudados.

Como Goldberg (op. cit.) não descreve especificamente as construções

morfológicas – mas as faz antever, por conta da máxima de “não existir diferença

rígida entre léxico e sintaxe” –, utilizamos propostas complementares para dar conta

de nossa análise.

De modo geral, após a leitura dessas análises complementares, pode-se dizer

que existe um padrão abstrato transferencial no português. Esse padrão cognitivo

inseminaria tanto as construções sintáticas quanto as morfológicas, por conta da

existência do frame compensatório. Para configuração dos compostos, há

sombreamento do agente da ação e apagamento da ação, ocasionando um tipo de


179

compressão de uma cena de transferência de posse, em que tema (as constantes

‘bolsa’, ‘auxílio’, ‘seguro’ e ‘vale’) e o beneficiário (as variáveis família, docente,

desemprego, floresta etc.) dessa cena são focalizados.


CAPÍTULO 6: CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito deste trabalho foi analisar morfossemanticamente os compostos

nominais de base livre do PB, à luz dos pressupostos teóricos da LC, com base em

construções abertas tais como auxílio-X, bolsa-X, seguro-X e vale-X, construções

essas bastante recentes, veiculadas, sobretudo, na mídia impressa.

A hipótese dessa pesquisa foi a de que os compostos seriam motivados

cognitiva e culturalmente, havendo padrões específicos que licenciassem sua

instanciação, de modo similar aos de outros processos de formação de palavras.

Nesse sentido, no PB, a composição, ao contrário do que admitem os trabalhos até

então estudados, constitui um processo regular e bastante previsível, que resultaria

de operações morfossemânticas sobre construções gramaticais, em cuja base se

encontram princípios cognitivos interligados. Esses princípios ativam a construção

de significados, ao relacionar esquemas cognitivos abstratos com instancias desses

esquemas. Há, pois, uma rede de construções interconectadas que formam, por

meio de focalização e sub-especificação, as construções morfológicas.

Admitimos que a proposta era não só ambiciosa, mas também inovadora.

Ambiciosa porque, embora analisássemos somente as construções N-N, queríamos,

no fundo, encontrar generalizações que dessem conta dos outros casos de

composição; inovadora porque, mesmo sabendo da circulação de pesquisas sobre o

processo de composição no PB, não encontramos trabalhos que tratassem,

especificamente, de suas motivações.

Para alcançar esse fim, iniciamos o trabalho fazendo uma reflexão de como a

formação de palavras, e mais especificamente a composição, é tratada nos estudos


181

linguísticos, principalmente no que se refere à construção do significado e à causa

de criação de compostos.

No capítulo 2, nos ancoramos nos pressupostos teóricos da LC, cuja

concepção de linguagem abrange todos os níveis da descrição linguística, para

fundamentar nossa análise. Na realidade, julgamos que somente uma concepção de

linguagem dessa espessura e quilate pudesse evidenciar a motivação

morfossemântica dos compostos ora estudados. Tomando como farol a noção de

construção gramatical (GOLDBERG), reconhecemos a construção bitransitiva como

aquela que motiva os compostos que batizamos de transferenciais N-N. Utilizamos,

também, outras noções vinculadas à Gramática das Construções para fundamentar

nossa análise.

No capítulo 3, após a reflexão da proposta de estudar a motivação das

construções nominais compostas N-N do PB, analisamos retrospectivamente as

noções que a GT, a linguística e alguns trabalhos acadêmicos apresentam sobre a

composição de palavras em português. Encontramos, apenas, relatos que abriam

espaço para inserirmos os aspectos culturais como causas possíveis da criação dos

compostos (SANDMANN, 1996) e descrições que admitiam a possibilidade de uma

construção sintática motivar a criação de palavras compostas (BARROS, 1540;

LEES, 1960; BENVENISTE, 1976).

No capítulo 4, aplicando essa hipótese de trabalho à análise do corpus, nele

percebemos que a formação desses compostos era motivada por fatores linguístico-

cognitivos, dada a necessidade comunicativa de explicitar um dado benefício. Além

do mais, constatamos haver regularidade na formação dos compostos encabeçados

por auxílio, bolsa, seguro e vale.

No âmbito da construção do significado, lançamos mão do esquema

imagético de “direção de movimento”, aliado à ideia de “troca” (ou transferência de


182

posse), e argumentamos que as construções compostas estudadas fazem parte de

um mesmo campo de significação: benefícios sociais.

Para confirmar nossas suposições, e tornar a análise mais robusta, utilizamos

ideias relacionadas à categorização. O que pudemos concluir dessa abordagem,

aplicada aos dados do corpus, foi o seguinte: a conceptualização dos compostos

organiza-se hierarquicamente, apresentando categorias superordenadas, básicas e

subordinadas. Além disso, os objetivos pragmáticos da criação e uso dos compostos

estão relacionados à ideia de democratização da educação, saúde, trabalho,

moradia.

Em relação à rede de construções, percebemos que existe uma construção

básica – a construção bitransitiva, que ativa a construção morfológica nominal N-N

que, por sua vez, perfila ora o dativo ora o agente causador da ação. E por conta de

questões léxico-gramaticais da construção verbal e da construção nominal, além de

questões ligadas a MCI, as formações nominais transferenciais N-N do PB são

criadas e, consequentemente, motivadas.

A contribuição do trabalho assenta-se na presunção de uma descrição e

análise dos compostos sob outro ponto de vista. Por todas as razões já

apresentadas, sugerimos que existe uma motivação morfossemântica na criação

dos compostos de base livre do PB, percebida apenas se levarmos em conta os dois

princípios básicos da concepção de linguagem da LC: o fato de não haver fronteiras

rígidas entre morfologia, sintaxe, semântica e pragmática, bem como a função

primordial da linguagem de expressar significados.

Consideramos, pois, que nosso trabalho atingiu os objetivos pretendidos, a

partir das hipóteses levantadas, embora se reconheçam lacunas que ele ainda

deixou de preencher.
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Cultural.
ANEXOS
Anexo 1: Alvará de soltura (vale-night)
Anexo 2: Definição dos compostos

1) BASES COM AUXÍLIO

COMPOSTO DEFINIÇÃO
Benefício pago ao trabalhador que sofre um acidente e fica
com sequelas que reduzem sua capacidade de trabalho. É
concedido para segurados que recebiam auxílio-doença. Tem
auxílio acidente
direito ao auxílio-acidente o trabalhador empregado, o
trabalhador avulso e o segurador especial. O empregado
doméstico, o contribuinte individual e o facultativo não recebem
o benefício.
O valor máximo do auxílio aluguel é de R$ 600 por mês, para
proprietários e inquilinos que tiveram suas propriedades
interditadas e não podem voltar para onde moravam. As
famílias a serem beneficiadas terão de solicitar o auxílio na
auxílio aluguel (2010)
Secretaria da Assistência Social, comprovar que têm renda
familiar de até quatro salários mínimos (R$ 2.180) e apresentar
laudo da Defesa Civil de interdição da moradia. A família
também deverá escolher o imóvel que deseja alugar e
apresentar o contrato de locação na secretaria.
O Auxílio Aluno é um programa de transferência de renda
criado pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Saúde
(MS). Seu objetivo é oferecer as condições necessárias para
que os profissionais da área de Enfermagem se aperfeiçoem,
auxílio aluno (2002)
frequentando cursos integrantes do Projeto de
Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem
(PROFAE). Com isso, o governo espera garantir a qualidade
do atendimento ambulatorial e hospitalar da rede pública e
privada de saúde.”
O auxílio-creche - ou reembolso creche - é um valor que a
empresa repassa diretamente às empregadas, de forma a não
auxílio creche (1986) ser obrigada a manter uma creche dentro da empresa. Nesse
caso, o benefício deve ser concedido a toda empregada-mãe,
independentemente do número de empregadas no
estabelecimento, e deve ser objeto de negociação coletiva.
Destina-se a apoiar mestrandos, preferencialmente bolsistas,
auxílio-dissertação
na finalização do seu trabalho de dissertação.
Auxílio destinado a propiciar a vinda de docentes e
auxílio-docente
pesquisadores para participarem de atividades que envolvam
diretamente alunos de graduação e pós-graduação.
Benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por
doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos. No caso
dos trabalhadores com carteira assinada, os primeiros 15 dias
são pagos pelo empregador, e a Previdência Social paga a
partir do 16° dia de afastamento do trabalho. No caso do
auxílio-doença
contribuinte individual (empresário, profissionais liberais,
trabalhadores por conta própria, entre outros), a previdência
paga todo o período da doença ou do acidente (desde que o
trabalhador tenha requerido o benefício). Para ter direito ao
benefício, o trabalhador tem de contribuir para a Previdência
Social por, no mínimo 12 meses.
O auxílio-educação é um benefício que visa oferecer ajuda
financeira aos servidores que têm filhos na escola, ajudando na
auxílio-educação compra de material escolar e uniforme. Terão direito ao Previ-
Educação, no valor de R$ 540,00, os servidores ativos ou
inativos, com filhos menores de 18 anos. Os pensionistas
menores também podem requerer o Previ-Educação.
Recurso que os ajudam a se manter durante os estudos. As
bolsas são para alunos de graduação e pós-graduação. São
auxílio estudante elas três: Bolsa Trabalho, Bolsa Alimentação e Transporte e
Moradia Estudantil. A Bolsa de Trabalho ajuda o aluno a
encontrar um estágio remunerado em sua área que o ajudará
com as despesas de casa.
Benefício assistencial concedido ao cônjuge, companheiro ou
companheira ou, na sua falta, à pessoa que provar ter feito
despesas em virtude do falecimento de funcionário ativo ou
auxílio-funeral inativo. O valor do Auxílio Funeral corresponderá a 1(um) mês
de remuneração. O auxílio funeral será pago, a título de
benefício assistencial no valor de 1(um) mês de remuneração,
ao cônjuge do servidor ativo/inativo falecido, ou procurador
legalmente habilitado.
O auxílio gás foi instituído em 2001 pelo governo federal para
ajudar as pessoas carentes a conseguir comprar um botijão de
auxílio gás (2001; 2003)
gás para poderem cozinhar. Já em 2003 o auxílio gás foi
incorporado à bolsa família e com essa medida, as pessoas
passaram a receber por meio do cadastro único.
Auxílio maternidade ou Salário-maternidade é destinado a
mães adotivas, trabalhadora rural, doméstica, contribuinte
auxílio maternidade
individual e facultativa e até mesmo mulheres desempregadas.
O benefício é pago por 120 dias a partir do parto ou por
definição médica, 28 dias antes e 91 dias após o parto.
Benefício concedido à servidora por motivo de nascimento de
filho, inclusive no caso de natimorto (criança que nasce sem
vida). Se a parturiente (aquela que deu a luz) não for servidora,
o auxílio será requerido pelo pai, na condição de servidor. Na
auxílio natalidade
hipótese de parto múltiplo (gêmeos, trigêmeos etc.) o valor será
acrescido de 50% (cinquenta por cento) por nascituro (por
criança que deverá nascer com vida). O auxílio será pago ao
cônjuge ou companheiro servidor da Instituição, quando a
parturiente não for servidora de órgão público.
“Período de descanso concedido ao empregado, por ocasião
de nascimento de seu filho. Trata-se de uma inovação na lei
trabalhista, introduzida pela atual CF (Art. 7º, XIX), a par da
licença-maternidade (Art. 7º, XVIII), a qual, embora já prevista
auxílio paternidade na legislação ordinária, teve sua duração ampliada de 90 para
120 dias. Nos termos da própria Constituição (Art. 7º, XIX), a
licença-paternidade deverá ser regulamentada em lei ordinária;
enquanto isto não ocorrer, o período de duração do benefício é
de cinco dias, como determina a CF, no Art. 10, § 1º, das DT.”
Benefício pago à família do trabalhador quando ele morre. Para
auxílio pensão concessão de pensão por morte, não há tempo mínimo de
contribuição, mas é necessário que o óbito tenha ocorrido
enquanto o trabalhador tinha qualidade de segurado.
O programa é destinado aos estudantes (universais e cotistas)
auxílio permanência (2010) exclusivamente matriculados nos diversos cursos de
graduação e visa fornecer um auxílio (subsídio parcial) aos
acadêmicos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
O auxílio reação é um benefício financeiro, instituído pelo
Governo do Estado, através da lei nº 14.606, de 31 de
auxílio reação (2008) dezembro de 2008, é destinado às vítimas das fortes chuvas
ocorridas em novembro de 2008, que tiveram suas casas
destruídas ou interditadas, que não estão em abrigos públicos
e que possuem renda familiar de até cinco salários mínimos.
O objetivo do auxílio recém-doutor é apoiar jovens
pesquisadores, os quais tenham obtido o título a menos de 36
auxílio recém-doutor (2010)
(trinta e seis) meses, facilitando a sua inserção a partir de
condições mínimas necessárias para o desenvolvimento de
suas pesquisas nas Instituições de origem.
O auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do
segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver
auxílio-reclusão (1991) preso sob regime fechado ou semi-aberto. Não cabe
concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado
que estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em
regime aberto.
Auxílio destinado ao funcionário que retornar das férias com a
finalidade de proporcionar maior tranquilidade em seu retorno.
“Na Universidade Federal do Maranhão, professores
auxílio-retorno
receberam pela fundação até mesmo “auxílio de retorno das
férias”, segundo o ministro do TCU José Jorge. “Eu queria
saber como o sujeito vai gastar o dinheiro das férias depois que
retornar ao trabalho”, ironizou o ministro.”
O auxílio-tese corresponde ao valor de uma mensalidade
destinado à cobertura das despesas referentes à confecção da
auxílio-tese dissertação ou tese e será pago somente a quem detenha a
condição de bolsista quando entregar a versão do trabalho à
banca examinadora, para posterior defesa, obedecendo aos
critérios estabelecidos nos Regulamentos dos Programas.
“subsídio necessário para o deslocamento, por transporte
municipal, do estudante de sua moradia à Universidade
durante o período de aulas, obedecida a dotação
orçamentária.” É o benefício de natureza indenizatória,
concedido em pecúnia pela União, destinado ao custeio parcial
auxílio transporte
das despesas realizadas com transporte coletivo municipal,
intermunicipal ou interestadual nos deslocamentos realizados
pelo servidor de sua residência para o local de trabalho e vice-
versa. É devido também, mediante opção, nos deslocamentos
"trabalho-trabalho" nos casos de acumulação de cargos
públicos.
2) BASES COM BOLSA

COMPOSTO DEFINIÇÃO
Na proposta do candidato José Serra à Presidência, O Bolsa-
Adolescente seria uma ajuda para que jovens concluam o ensino
bolsa adolescente (2010) profissionalizante e entrem no mercado de trabalho, que está na
origem dos programas sociais do governo Lula. Esta bolsa é
uma das promessas que o candidato fez em sua proposta de
governo.
O bolsa alimentação é um programa criado pelo governo federal
bolsa alimentação (2001) em 2001. Ele visa combater a mortalidade infantil em famílias de
baixa renda e a desnutrição. Crianças com até 6 anos de idade,
gestantes e mães amamentando serão atendidos pelo programa.
Bolsa Amazônia teve inicio em 1992, em quatro comunidades no
Estado do Pará. Bolsa Amazônia é uma empresa local focada
bolsa Amazônia (1992) em facilitar a comercialização sustentável de produtos da
Amazônia, a fim de proteger os recursos naturais e gerar
melhores oportunidades para a população vulnerável da
Amazônia.
Programa de concessão de bolsas de até R$ 3.000, 00 mensais,
criado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), para
estimular a permanência em atividade dos professores do ensino
bolsa aposentadoria (2003) superior das universidades federais que poderiam se aposentar
no ano de 2003. Segundo o MEC, a finalidade do programa era
evitar aposentadorias em massa e, por conta disso, diminuir a
qualidade do ensino superior no país.
O Bolsa-Atleta é um programa do Governo Federal, gerido pelo
Ministério do Esporte, que visa garantir a manutenção pessoal
aos atletas de alto rendimento que não possuem patrocínio. Com
isso, busca-se dar as condições necessárias para que se
bolsa-atleta
dediquem ao treinamento esportivo e possam participar de
competições que permitam o desenvolvimento de suas carreiras.
O valor do benefício mensal varia de R$ 300,00, para atletas
estudantes, a R$ 2.500,00, para esportistas olímpicos e
paraolímpicos.
É um programa do governo para estagiários que busca prover as
condições necessárias para o aluno evitando a evasão por
bolsa-auxílio motivos relacionados à baixa renda familiar. A concessão desse
recurso destina-se ao discente sem acesso a recursos sócio-
econômicos suficientes para suprir necessidades básicas de
alimentação, transporte, moradia e aquisição de livros.
“De acordo com a Lei n.º 007/91, de 27 de março de 1991, o
Poder Executivo Municipal concede em forma de “bolsa-auxílio-
educação”, 01 (um) salário mínimo, mensal, a estudantes
matriculados no ensino superior.
A concessão do benefício será feita anualmente, para 05 (cinco)
estudantes, selecionados através de análise do rendimento do
bolsa-auxílio-educação (1991) histórico escolar, este referente ao 2º grau, os quais terão
concessão renovada, após aprovação dos requisitos exigidos
pela lei. O estudante ao se habilitar ao Auxílio-Educação,
assinará um ”termo de compromisso” para com o Poder
Executivo Municipal quando, após a conclusão do curso
universitário deverá ressarcir a quantia percebida em valor
atualizado monetariamente, à Municipalidade, podendo usufruir
da carência de 01 (um) ano para iniciar o pagamento.”
O bolsa-bandido é o benefício auxílio reclusão, que recebe essa
bolsa-bandido (2010) denominação por amparar delinquentes de todo tipo. O valor do
benefício, para quem for preso a partir de 01/01/2010, é de até
R$ 798,30.
Destinado ao trabalhador de baixa renda que poderá circular no
blindado, oficialmente chamado de Escudo 1.0, mas logo
popularmente batizado de Casca de Coco, na intimidade
bolsa blindagem (2008)
Casquinha. Segura uma pedrada no pára-brisa numa boa. Trata-
se de crítica ao governo devido à grande quantidade de bolsas
existentes.
O ministro da Saúde enlouqueceu de vez. Falta verba para
comprar medicamentos para hemofílicos e para bolsas de
coletas de sangue. Mas Temporão mandou comprar 15 milhões
de lubrificantes KY para distribuir aos gays. Vai torrar cerca de
R$ 40 milhões no dia 22 de dezembro. Recentemente, o ministro
mandou distribuir pênis de borracha e uma cartilha ensinando as
bolsa boiola (2008) técnicas mais prazeirosas do sexo anal. É o Bolsa-Boiola.
Temporão está confundindo a defesa da liberdade de opção
sexual com boa administração do dinheiro público. Sucumbiu à
"Gaystapo", as patrulhas do movimento GLS. Chegou a hora de
reagirmos contra as loucuras desse ministro.
(http://www.conteudo.com.br/manifesto-contra-a-ditadura-gay-o-
bolsa-boiola-e-o-k-y-do-temporao)
O Bolsa Cidadã é um programa estadual que visa proporcionar
ao cidadão capacitação nas áreas de educação, saúde, meio
bolsa cidadã (2003) ambiente, cidadania, esporte e cultura, preparando-o para a
inserção futura no mercado de trabalho, despertando o
sentimento de solidariedade, de preservação do bem público e
promovendo a geração de renda.
Faltando menos de um ano para as eleições presidenciais, o
governo poderá lançar o Bolsa Celular, um novo projeto de
telefonia móvel, destinado às classes D e E. O ministro das
Comunicações, Hélio Costa, disse que já apresentou ao
presidente Luiz Inácio Lula da Silva a proposta que vai permitir
que as 11 milhões de pessoas que recebem o Bolsa Família
também contem com telefone celular sem pagar nada. Segundo
Bolsa celular (2009)
o ministro, as empresas dariam para cada família um aparelho
celular e também depositariam R$ 7 por mês para que as
famílias pudessem gastar fazendo ligações telefônicas. Ele disse
que o interesse das operadoras é expandir o sistema, que já
chegou ao seu limite. As empresas acreditam ainda que as
pessoas acabariam usando mais do que os R$ 7, podendo
chegar a R$ 12.
Bolsas Copa e Olímpica é destinada a policiais civis, militares,
bombeiros e guardas municipais que irão trabalhar nos Jogos.
No caso da Bolsa Copa, policiais e bombeiros das capitais que
sediarão as competições vão começar recebendo R$ 550 a mais
bolsa copa (2010) em 2010. A partir de 2011, a bolsa passa a ser de R$ 665. Em
2012, o acréscimo passa a ser de R$ 760, e em 2013 de R$ 865.
No ano da Copa do Mundo, os profissionais de segurança
pública passarão a receber R$ 1.000 a mais no salário. O valor
não será perdido após os Jogos, e será incorporado pelos
governos estaduais permanentemente.
O programa existe desde 2008 e beneficia os estudantes do
Programa Nossa Bolsa, para que possam se dedicar
integralmente aos estudos. Podem se inscrever os alunos que
bolsa dedicação (2008)
são beneficiados com bolsa integral, pela Nossa Bolsa,
ingressaram no ensino superior no ano de 2010 e estejam
matriculados nas áreas de saúde, engenharias e ciência da
computação.
É para quem foi demitido sem justa-causa, e estava no emprego
há pelo menos 6 meses, o valor máximo do benefício é de 2
bolsa desemprego (2008)
salários mínimos, ele é recebido por no mínimo 3 e no máximo 6
meses, conforme o tempo em que o empregado ficou na
empresa.
O bolsa-desmatamento. Depois de não dar ouvidos aos alertas
de institutos de pesquisa e de organizações não-governamentais
e ser “surpreendido” pelo ascendente desmatamento amazônico,
o governo chama ministérios e bancos públicos para a mesa no
Palácio do Planalto. Nesta segunda-feira (11), todos irão
saborear o prato de discutir como os financiamentos públicos
poderiam deixar de estimular atividades que devoram árvores da
floresta, como a agropecuária e a indústria madeireira. Mas
bolsa desmatamento (2008) antes disso, a Presidência da República decidiu agir e pode ter
revelado as cores de suas intenções: publicou decretoreduzindo
as taxas de juros praticadas nos fundos constitucionais do Norte
(FNO), Centro-Oeste (FCO) e Nordeste (FNE). A medida pode
ser uma bolada nas costas da parcela verde governista, pois
esses fundos são vistos por algumas entidades e pelo próprio
Ministério do Meio Ambiente como fonte de desmatamento na
Amazônia. Com juros menores, tornam-se mais atrativos ao
mercado. (http://www.oeco.com.br/reportagens/2171?task=view)
Aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional, em 2002, a
lei 10.559 – ou simplesmente o Bolsa Ditadura (como foi
batizado pela imprensa) – tinha o objetivo de reparar danos
impostos a cidadãos brasileiros durante o regime militar
estabelecido em 1964. As pensões – mensais, permanentes e
bolsa ditadura (2002) continuadas – variam entre 800 e 8.000 mensais. Já as
compensações – indenizações pagas de uma só vez – podem
ultrapassar a casa do milhão de reais. A lei, vigente desde o
governo Fernando Henrique – concede reparação a todos os
perseguidos políticos que apresentarem requerimento e
documentação à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Benefício “bolsa família” que, segundo a crítica da imprensa se
bolsa-eleição (2009)
tornou o “bolsa-eleição” como segurança para vencer a disputa
ao cargo de presidente da república.
Bolsa Escola ou ainda bolsa-escola é um programa de
transferência de renda, idealizado pelo prefeito de Campinas
(SP) José Roberto Magalhães Teixeira do PSDB e implantado no
município durante sua gestão no ano de 1994, cujo objetivo é
bolsa escola (1994; 2001)
pagar uma bolsa às famílias de jovens e crianças de baixa renda
como estímulo para que esses frequentem a escola
regularmente. O programa Bolsa Escola federal foi
implementado em 2001 pelo governo de Fernando Henrique
Cardoso.
Através da complementação da renda familiar dos beneficiados,
o Bolsa Esporte proporciona o desenvolvimento humano através
bolsa esporte
do esporte, realizando ações que possibilitem o combate à
pobreza e a melhoria da qualidade de vida, além da descoberta
de novos talentos esportivos.
"Projeto de Lei (PL) de autoria do Deputado Luiz Bassuma (PV-
BA) e Miguel Martini (PHS-MG), que propõe instituir o Estatuto
do Nascituro. O PL considera sujeito pleno de direito o óvulo
fecundado, ou seja, o concebido e não nascido passa a ter mais
direitos do que a mulher. Tal Projeto pretende legalizar a
violência sexual, especialmente o estupro que sofrem as
bolsa-estupro (2010)
mulheres, tornando inadmissível o aborto consequente desta
violação e instituindo o pagamento de auxilio para sustentação
do nascido até os 18 anos. A “Bolsa Estupro” reforçará que a
punição recairá sobre a própria mulher. A bolsa terá que ser
paga pelo agressor e caso não o faça o ônus recairá sobre o
Estado.(...)"
É a quantia em dinheiro paga ao estagiário para que ele faça
bolsa estágio frente aos seus gastos parciais de manutenção, despesas
escolares e outras decorrentes do Estágio. Sobre o valor da
bolsa não incidem INSS e FGTS.
Entende-se por bolsa de extensão o auxílio financeiro
bolsa-extensão
dispensado a um projeto de extensão pago a um estudante pelo
desempenho das atividades vinculadas a um referido projeto.
“O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de
transferência de renda com condicionalidades criado pelo
Governo Lula em 2003, por sugestão de Marconi Perillo, então
governador de Goiás pelo PSDB, para integrar e unificar ao
Fome Zero os antigos programas implantandos no Governo
FHC: o "Bolsa Escola", o "Auxílio Gás" e o "Cartão Alimentação".
O PBF é tecnicamente chamado de mecanismo condicional de
bolsa família (2003) transferência de recursos. Consiste-se na ajuda financeira às
famílias pobres, definidas como aquelas que possuem renda per
capita de R$ 70,01 até 140,00 e extremamente pobres com
renda per capita até R$ 70,00. A contrapartida e que as famílias
beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com
frequência na escola e vacinados. O programa visa a reduzir a
pobreza a curto e a longo prazo através de transferências
condicionadas de capital, o que, por sua vez, visa a quebrar o
ciclo geracional da pobreza de geração a geração.”
O programa bolsa floresta facilita e executa a aplicação da
Legislação ambiental brasileira por parte de empreendedores e
bolsa floresta (2009) proprietários de terras, no que diz respeito à compensação
ambiental e Averbação de reserva legal. Programa Bolsa
Floresta, que vai investir, mais de R$ 6,7 milhões nas Unidades
de Conservação do Amazonas em 2009.
Bolsa Formação é um auxílio remuneratório destinado a policiais
civis, militares, bombeiros, agentes penitenciários e peritos com
bolsa formação (2008) salários até R$ 1.400. Para ter acesso ao benefício, o
profissional deverá participar de cursos de formação de, no
mínimo 40 horas, oferecidos ou credenciados pelo Ministério da
Justiça.
Aparição na fala dos artistas do programa da TV Globo “Toma
Lá, Dá Cá”. Pelo contexto da criação, deveria ser criada uma
bolsa gargalhada (2007) bolsa para os artistas do programa, ja que eles nos fazem rir,
que nos divertem. É uma forma de crítica aos benefícios criados
pelo governo Lula.
A Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior Público
bolsa mérito (2009) (Lei nº37/2003, de 22 de Agosto), pelo disposto no n.º 2 do art.
22, veio possibilitar a atribuição de bolsas de estudo por mérito a
estudantes com aproveitamento escolar excepcional.
É o benefício bolsa família que recebeu o nome bolsa miséria em
bolsa miséria (2009) 2009 porque tem mais finalidade eleitoreira do que diminuir a
miséria realmente, por isso é uma ‘miséria’. É considerada a
maior rede assistencialista da América Latina.
Criação do jornalista Reinaldo Azevedo por conta do
bolsa palestra (2011) enriquecimento rápido dos ex-políticos. Na maioria dos casos,
ex-presidentes, ex-ministros dizem que suas rendas aumentaram
por conta das consultorias prestadas após saírem do governo.
Os nove vereadores de São João do Sabugi (310 quilômetros de
Natal) criaram um auxílio anual de R$ 525, apelidado pelos
moradores de"bolsa paletó", para que eles possam comprar a
peça de roupa ou blazer. O valor da bolsa corresponde a 35% do
bolsa paletó (2011) salário de R$ 1.500 dos vereadores, que não poderão participar
das sessões sem paletó. O auxílio custará R$ 4.725 à Casa. A
criação do auxílio foi motivada após uma lei obrigar, desde julho,
o uso de paletó ou blazer durante as sessões da Câmara da
cidade. A gravata é dispensável.
O Programa Bolsa pesquisa objetiva incentivar a
bolsa pesquisa institucionalização da pesquisa e contribuir para a implantação
da pós-graduação stricto sensu nas Instituições de Educação
Superior; fomentar processos de inovação e estimular interação.
Abrange as seguintes modalidades: Iniciação Científica Júnior,
Iniciação Científica, Iniciação Tecnológica, Recém-Mestre,
Recém Doutor, Pesquisa e Desenvolvimento, Pesquisador
Visitante, Inovação para Competitividade Empresarial e Apoio
Técnico a Projetos de Pesquisa/Desenvolvimento/Inovação.
bolsa-prêmio (2002) Beneficio destinado a promover a diversidade e o pluralismo no
preenchimento de cargos.
Esta bolsa proporciona aos estudantes de cursos de doutorado a
bolsa sanduíche ()
oportunidade de desenvolver parte de sua pesquisa em
instituição no exterior de reconhecida excelência.
Crítica encabeçada pelas redes sociais da internet acerca da
bolsa-táxi (2009)
instituição, no Rio de Janeiro, da “Lei Seca”, em março de 2009.
Serviço oferecido por empresas particulares, prefeituras e
bolsa transporte
universidades com objetivo de ajudar o estudante a pagar o
transporte durante sua permanência na universidade.
O Programa Municipal Bolsa Universidade, de que trata a Lei n.
1.357, de 08 de julho de 2009, destina-se à concessão de bolsas
de estudo integrais, bolsas de estudo parciais de 75% (setenta e
cinco por cento) e de 50% (cinquenta por cento) do valor das
mensalidades para estudantes de cursos de graduação e
sequenciais de formação específica, em instituições de ensino
bolsa universidade (2009)
superior da cidade de Manaus, com ou sem fins lucrativos, que
tenham aderido ao PROGRAMA BOLSA UNIVERSIDADE nos
termos da legislação aplicável e do disposto neste Decreto.
Primeiramente instituído em Manaus.
3) BASES COM SEGURO

COMPOSTO DEFINIÇÃO
O Seguro Animais garante a indenização dos bovinos e equinos
seguro-animais em diversas situações, porque tão importante quanto cuidar do
seu animal, é proteger seu investimento.
O seguro pode cobrir qualquer tipo de veículo, tanto os
nacionais quanto os importados, com diferentes opções de
seguro automóvel
coberturas e serviços. O bônus é cumulativo, caso não haja
sinistro no período anterior, tornando assim o valor do prêmio
mais um atrativo para nossos clientes.
Indenização em caso de extravio, roubo, furto qualificado ou
destruição da bagagem, desde que sob responsabilidade da
seguro bagagem
companhia, comprovado mediante apresentação do relatório
comprobatório de perda.
Esse benefício permite uma assistência financeira temporária.
seguro desemprego (1946, 1986) O valor varia de acordo com a faixa salarial, sendo pago em até
cinco parcelas, conforme a situação do beneficiário.
Seguro que cobre sua empresa totalmente contra roubo ou
furto de qualquer natureza, incêndio, danos praticados por
terceiros, sinistros decorrentes de casos fortuitos e sinistros
seguro empresa
decorrentes de colisão contra seu patrimônio. Qualquer
renovação sem sinistro receberá descontos. A data do
pagamento é estabelecida pelo cliente
Este seguro oferece cobertura básica para danos causados por
incêndios, queda de raios e explosão causada por gás
empregado no uso doméstico (quando não gerado nos locais
seguro incêndio
segurados) e suas consequências tais como desmoronamento,
impossibilidade de proteção ou remoção de salvados, despesas
com combate ao fogo, salvamento e desentulho do local.
O seguro-fiança, previsto dentro da Lei do Inquilinato, substitui
a figura do fiador na contratação de aluguéis de imóveis. Ele
tem a finalidade de garantir ao proprietário o recebimento das
seguro fiança
mensalidades. Para contratá-lo basta procurar uma corretora. A
seguradora, por sua vez, faz uma análise de risco - além de
verificar se o inquilino tem alguma restrição cadastral, avalia se
a renda dele é suficiente para pagar os encargos.
Este seguro tem por objetivo garantir o empregador por
prejuízos que sofra em consequência de roubo, furto,
seguro fidelidade apropriação indébita ou quaisquer outros atos que provoquem
danos a seu patrimônio, previstos no Código Penal Brasileiro,
cometidos por seus empregados, com vínculo empregatício.
Seguro de notebooks, laptops, palmtops e handhelds. É a
seguro-informática
proteção de que você precisa, onde que você esteja.
É um seguro utilizado por órgãos da administração direta e
indireta (federais, estaduais e municipais), públicos e privados,
que devem exigir garantias de manutenção de oferta (em caso
seguro garantia
de concorrência) e de fiel cumprimento dos contratos e também
para as empresas privadas que, nas suas relações contratuais
com terceiros, desejam garantir-se contra o risco de
descumprimento dos contratos.
O seguro prestamista objetiva ao pagamento de prestações ou
a quitação do saldo devedor de bens, ou planos de
financiamento, adquiridos pelo segurado, em caso de morte,
seguro prestamista invalidez permanente, invalidez temporária e desemprego. Este
seguro configura-se como uma proteção financeira para
empresas que vendem a crédito, bem como ao segurado que
fica livre da responsabilidade em caso de sinistro.
Seguro que disponibiliza um plano completo de previdência
seguro previdência
privada, atendendo assim as necessidades emergenciais.
seguro saúde Este seguro garante ao segurado as despesas com assistência
médico-hospitalar.
Apólice de seguro no caso de acidente em que o segurado
seguro silicone (2010)
estipula o valor com a seguradora em termos de valor e a parte
do corpo em que utiliza prótese siliconada.
O seguro viagem normalmente cobre acidentes pessoais,
seguro viagem assistência médico-hospitalar e odontológica, assim como
extravio de bagagem. Existem basicamente dois tipos de
seguros: por tempo de duração da viagem ou planos anuais.
seguro transporte Seguro para cargas transportadas pelas estradas.
Este seguro garante os danos decorrentes de aglomeração
cujas manifestações pertubem a ordem pública, com atos
seguro tumultos predatórios ou danosos ao patrimônio do segurado. É o caso de
tumultos, greve e lockout (cessação de atividade por fato ou ato
do empregador).
4) BASES COM VALE

COMPOSTO DEFINIÇÃO
Cartão-benefício voltado ao pagamento das refeições em ampla
vale alimentação rede credenciada que incluem restaurantes, bares, lanchonetes
e similares.
VALE-BRINDE é uma modalidade de distribuição gratuita de
prêmios, na qual as empresas autorizadas colocam o brinde, o
vale brinde objeto, no interior do produto de sua fabricação ou dentro do
respectivo envoltório, atendendo às normas prescritas de saúde
pública e de controle de pesos e medidas.
Vale CD é um presente de valor barato que geralmente é dado
a alguém que não se gosta ou que não é tão intimo, geralmente
vale CD não há opção de escolha do Cd. O vale CD recebeu esse nome
porque só serve como “VALE” para ser trocado, mas não tem
valor algum.
O Vale combustível é utilizado para pagamento de despesas
em postos de combustível, estacionamento, peças e
vale combustível acessórios, lavagem, troca de óleo e outros serviços
automotivos dos veículos da empresa e dos seus
colaboradores.
Benefício concedido por empresas por meio de sorteio para
vale compras clientes contemplados em algum evento proporcionado pela
loja que recebe um cartão no valor de uma compra.
Novo valor de referência para o “vale-refeição” em
vale coxinha (2008) estabelecimentos comerciais não reconhecidos oficialmente,
como barraquinhas, trailers etc.
Política pública governamental voltada para o consumo da
cultura. O benefício de R$ 50 é voltado para aquisição de
vale cultura (2009)
ingressos de cinema, teatro, museu, shows, livros, CDs e
DVDs.
Benefício concedido por uma rede bancária na compra de
vale desconto
ingressos, academias, cursos de inglês, restaurantes e lojas.
Benefício concedido a estudantes e professores na 9ª bienal do
livro da Bahia no intuito de incentivar a visita às Stands do
vale livro (2009)
evento. Para isso devem trocar dez documentos fiscais pelo
vale no valor de R$ 10,00 para compra de um livro.
“Vale Night” tem como pano de fundo a música que estourou no
carnaval de Salvador, em fevereiro de 2010. Segundo a
vale night (2010)
música, todo mundo tem direito a uma noite de solteiro,
sobretudo no carnaval.
O vale pecado é uma “permissão” que os o pai ou alguém
vale pecado concede ao filho ou amigo para que faça o que quiser no final
de semana sem julgamentos.
Serviço promocional em que se juntam cupons dados pelos
estabelecimentos comerciais quando se atinge um preço
vale pizza
mínimo, e depois de certo número de cupons, esses são
trocados por alimentos.
É uma quantia em dinheiro ou cheque, até mesmo autorização
vale presente escrita para alguém comprar o próprio presente, evitando
transtorno de não gostar do que ganhou.
O vale para refeição, fornecido por força do contrato do
trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do
vale-refeição
empregado para todos os efeitos legais e visa atender a uma
necessidade do trabalhador.
Desconto concedido na realização de exames e consultas
vale saúde
médicas.
Benefício que o empregador antecipará ao trabalhador para
vale transporte (1985) utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-
trabalho e vice-versa.
Incentivar a cultura no Rio Grande do Norte, estimulando o
cidadão a exigir a nota ou cupom fiscal no ato da compra. É
este o objetivo do viés cultural da Campanha Cidadão Nota 10,
“Show de Nota”. Além de exercer sua cidadania e contribuir,
vale lazer
assim, com o desenvolvimento do Estado, a sociedade poderá
trocar seus documentos fiscais por vales-lazer e ter entrada
franca nos principais eventos, como shows artístico-culturais,
teatros, cinemas, jogos desportivos, entre outros.

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