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Fichamento:

Nos limites da vida: Aborto, Clonagem Humana e Eutanásia sob a Perspectiva dos Direitos
Humanos. – (Daniel Sarmento e Flávia Piovesan).

-Legalização do Aborto e Constituição.

(Daniel Sarmento)

A legalização do aborto se mostra como uma grande tendência em diversos países,


porém ainda se levanta constantes debates e questionamentos sobre o assunto. Há idéias que se
divergem totalmente umas das outras, umas que se posicionam em defesa da proteção dos
direitos das mulheres, seja no seu direito à escolha reprodutiva, a sua auto-suficiência, os
direitos humanos das gestantes, a igualdade social, já que afeta mais as mulheres de baixa renda
e de gênero, quando submete as mulheres a “um ônus que em nenhum contexto se exigiria que
os homens suportassem” e a outro posicionamento que tenta sobrepor os direitos relacionados à
vida do nascituro ao das mulheres gestantes.

No Brasil vigora ainda a matéria do Código Penal, que foi editado em 1940, que optou
pela criminalização do aborto nos seus arts. 124 a 128. O contexto social para a instauração
dessas normas repressivas era patriarcal e machista. Daí pode se entender o porquê do seu
conteúdo exaurir a autonomia da mulher para a escolha de seguir uma gestação. A mulher
sempre foi inferiorizada em relação aos homens, não possuía autonomia e era vista, tão
somente, como objeto de desejo e um utensílio importante para a procriação. Atualmente a
caracterização da mulher está sendo modificada no Brasil, mas ainda em passos lentos, de
acordo com uma nova introdução de valores na sociedade, a mulher se apresenta cada vez mais
participativa e com cargos expressivos no mercado de trabalho e a própria constituição de 1988
deixou claro, no art.5º, I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos dessa constituição”. Contudo, há muitas normas que precisam ser modificadas, a
exemplo sobre a criminalização do aborto, no momento, discuti-se a revisão destas normas, com
uma comissão que possui representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e a sociedade civil.
O qual é visto essa comissão, como necessário, para que se possa acompanhar esse progresso de
valores sociais e para pôr fim a essa discriminação e opressão contra a mulher, já que não é
visto no Brasil nenhuma legislação, em nenhum caso, para ato que tente se assemelhar a uma
gravidez indesejada para os homens, “pois não se obriga a nenhum pai doar algum órgão ou
mesmo sangue ao filho, ainda que isto seja indispensável para a manutenção da vida de seu
filho”.
Deve-se legalizar o aborto, pois, as normas existentes, repressivas contra o aborto, não
conseguem alcançar seu objetivo, que seria a maximização da prevenção da gravidez indesejada
e que possui um efeito de contribuir ainda, para que as mulheres façam todo ano milhares de
abortos clandestinos, colocando em risco as suas vidas, principalmente daquelas que são
desfavoráveis financeiramente, pois não possuem recursos para pagar uma cirurgia, mesmo
sendo ela clandestina, pois estas existem e são utilizadas por mulheres mais favoráveis
financeiramente. Então, elas acabam padecendo ou ficando com seqüelas gravíssimas, pois, ou
se tentou medicar sozinha para tentar o aborto ou introduziu em seu corpo metais pontiagudos
para penetrar no útero e agredir o feto. Os gastos que se tem com a cirurgia feita no Sistema
Único de Saúde (SUS) com curetagem, para esses abortos forçados, poderiam ser mais bem
utilizados para a cirurgia para abortar o feto. Essas mulheres são responsáveis pela quinta maior
causa de mortalidade materna no país. Além do que a taxa de condenações criminais motivado
pelo aborto é baixíssima.

Em diversos países como a Alemanha, Itália, França, Estados Unidos, Espanha,


Inglaterra (...) , assim como o Brasil, insurgiu-se temas como a emancipação da mulher, a
laicização dos Estados, os quais foram elementos fundamentais para que se insurgisse com mais
força na década de 60, a postura da legalização do aborto. Postura esta, a qual a maioria dos
países europeus adotou, exceto o Brasil, com limitações de prazos para essa interrupção, que
deve ser feita no primeiro trimestre da gravidez (defendida pelo movimento feminista) e sob
determinadas indicações, havendo também mecanismos de prevenção para este fato, por
exemplo, educação sexual, planejamento familiar e outras formas de proteção social a mulher
resultando que nesses países não foi constatado nenhum aumento significativo de abortos.

O Brasil por ser um Estado laico, não deve buscar sedimentar suas teorias sobre a
criminalização do aborto com argumentos religiosos, apesar da maioria da população ser
católica, mas sim com dados científicos, neutros, sem a influência de dogmas religiosos. De
acordo com fundamentos científicos foi constatado que, “pelo menos até a formação do córtex
cerebral-que só acontece no segundo trimestre de gestação-, não há nenhuma dúvida sobre a
absoluta impossibilidade de que o feto apresente capacidade mínima para a racionalidade”.

O direito à saúde abrange tanto uma dimensão prestacional ou positiva, como também
um aspecto defensivo ou negativo. Esta seria a posição do Estado de não intervir na interrupção
de uma gravidez não desejada, intervindo sobre a liberdade de escolha da mulher, mesmo que
esta gravidez seja de risco à saúde física ou psíquica dessa gestante, penalizando se ocorre o
aborto. E a dimensão positiva, seria que não basta o Estado não penalizar, não impor a
continuidade de uma gravidez, mão ele também deve oferecer serviços gratuitos de saúde para
que essa mulher faça o aborto em um hospital de qualidade, sem oferecer perigos à gestante.
Medidas para contenção de gravidez indesejada poderiam vir através de medidas de prevenção
como planejamento familiar, educação sexual, à garantia do direito à creche e o combate do
preconceito contra a mulher grávida no ambiente de trabalho.

Entende- se que o que prevalece nas decisões dos diversos tribunais constitucionais de
todo o mundo incluindo os do Brasil, é a de que os direitos do nascituro devem ser protegidos
constitucionalmente, sabendo, contudo, que essa proteção aumenta com o tempo que avança o
período de gestação, porém estes direitos não devem ser equiparados aos direitos de uma pessoa
já existente. Um exemplo dado a isso é que “por mais que se trate de um fato doloroso para a
maioria das famílias, o evento não se costuma representar sofrimento comparável à perda de um
filho já nascido, pois a percepção geral é de que a vida vale muito mais depois do nascimento”.

Por fim, a gravidez indesejada na vida de uma mulher pode acarretar em uma mudança
total nos seus projetos de vida. O peso da responsabilidade não só da criação, como também, ás
vezes financeiro recai sobre a mulher, em relação à mudança sensível do seu corpo, sem contar
do intenso preconceito, variado de acordo com a idade, que ela sofre no ambiente social e
profissional. Obrigar a uma mulher a ter um filho, que ela não deseja, relativizando logicamente
com os direitos do nascituro, até determinado período de gestação como foi citado
anteriormente, seria “uma escravização parcial, uma privação de liberdade da mulher”.

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