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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CISÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Resenha

Gonçalves L. L. M. & Benevides de Barros, R. D. Função de publicização do Acompanhamento


Terapêutico: A produção do comum na clínica.

O movimento de Reforma brasileiro projetava promover, muito além da


desospitalização dos usuários da rede de saúde, sua desisntitucionalização. A reforma
então, sob o paradigma do tratamento em liberdade, fez-se através da criação de serviços
territoriais, propondo estratégias terapêuticas não centradas no modelo hospitalar, nem no
saber médico, mas em um serviço disposto em rede, interligadas em um mesmo território.
Para além disso, a reforma traz também propostas que visam mudanças socioculturais,
propondo espaços para diálogo e reflexão acerca da loucura e o direito à liberdade.
Essa proposta de tratamento se alia a posposta de progressivo fechamento dos
leitos em hospitais psiquiátricos, uma conquista importante do movimento reformista,
mas que deve ser conciliada com estratégias de reinserção dos sujeitos na sociedade. A
proposta do acompanhamento terapêutico tem se mostrado um importante dispositivo
clinico-terapêutico dentro dessa perspectiva.
De influência sul americana, principalmente do movimento reformista argentino,
o dispositivo do acompanhante terapêutico surge no Brasil por meio do Sistema Único de
Saúde, principalmente através dos CAPs e nas Residências Terapêuticas.
O texto propõem uma importante discussão acerca dos ricos de se propor novas
práticas no contexto de mudanças atual, o movimento de rompimento com a lógica
manicomial deve sempre estar atento para que não se reproduza práticas objetificantes,
institucionalizantes e homogeneizantes.
Serviços como os Caps, mesmo buscando ampliar suas conexões com as redes
locais de saúde e assistências e com as redes comunitárias, encontra nesse ponto desafios.
O intuito do funcionamento em rede é permitir que o usuário não se fixe em um
instituição, mas circule pelos diversos espaços e amplie cada vez mais seu movimento
dentro de seu território. Mas o funcionamento em rede quando não se faz efetivo, pode
fazer com que o usuário se fixe em determinada instituição, como no Caps, e com isso,
ao cotidiano institucional, correndo o risco de cronificação e isolamento.
A proposta do Acompanhante Terapêutica é uma alternativa interessante nessa
perspectiva, pois não se fixa a uma local determinado, mas circula no território próprio
do usuário, trabalhando para com ele construir alternativas que permitam ampliar seu
movimento, a potencialidade de encontros, a construindo com ele uma rede de cuidados
que extrapola a rede de saúde. O trabalho do AT perpassa uma dimensão coletiva da
clínica, dimensão em que se estabelecem as redes de produção de saúde e subjetividade.
Essa operação tende a trazer elementos que desestabilizam os saberes da família e dos
serviços de saúde, assim como do próprio sujeito, assim o AT acaba servindo como
suporte para que se quebrem saberes cristalizados e se construam redes de apoio
produtoras de saúde e bem estar para todos.
O AT tem, de acordo com os autores, faz-se enquanto analisador da reforma,
servindo enquanto foco de resistência que convidam a clínica ao constante movimento,
movimento este que visa a construção de redes “coincidem com a dimensão pública da
clínica. Acompanhar, então, é operar em rede”.
A nomenclatura do que hoje se convenciona denominar acompanhante
terapêutico, já foi tema de muitas discussões, na argentina e no também no Brasil, onde
questionamentos importantes levaram a mudança de auxiliadores psiquiátricos para
acompanhantes terapêuticos, culminando em um movimento de reafirmação de negação
do AT enquanto parte do aparato da psiquiatria tradicional. A busca por teorizações que
fundamentassem a atuação do AT levo-a a aproximar-se da Psicanálise. O AT guarda
identificações com a ideia de “clínica menor”. No entanto, o AT não se fundamenta nos
saberes da Psiquiatria, da Psicanálise e da Psicologia, mas se constitui a partir da junção
de saberes de diversos campos, não se limitando a nenhuma disciplina específica.
Justamente por não se especializar, ofertando uma formação regulamentada, o trabalho
do AT tem se demonstrado um campo rico, inovador e criativo.
O trabalho do AT desterritorializa a clínica, trazendo-a pra rua, para os espaços da
cidade, partindo da ideia de que a experiência não é localizável tempo ou espacialmente.
São diversos deslocamentos que compartilham de ideias propostas por autores como
Deluze e Araújo. Nesse plano, essa nova configuração não significa apenas uma mudança
de setting, mas uma mudança no plano de propor novas atitudes (ethos), transcendendo o
modelo analisando-analisante, mas levando a experiência clínica a experimentar no plano
do coletivo, a clínica como experiência pública.
Experiência que ocorre fundamentalmente em rede o AT, enquanto experiência
coletiva, faz-se fora dos limites do sujeito, propondo uma experiência comum de
produção de saúde. Exposto às contingências da vida, o AT permite que se crie
alternativas criativas perante os momentos de crise, que só podem ser criadas quando se
expõem nessa dimensão pública, permitindo um trabalho, não no sentido de normalizar,
mas de produzir novos modos de viver.

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