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Novos papéis de Recursos Humanos:

Velhas fórmulas em novas embalagens?

Autoria: Vera L. Cançado, Paulo Trajano Coutinho, Maria das Graças Reggiani Almeida,
Anderson de Souza Sant'anna

RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o desempenho do RH, sob a perspectiva de
diferentes atores organizacionais, tendo como pano de fundo o modelo dos múltiplos papéis
proposto por Ulrich (1998). Questiona-se até que ponto esses papéis seriam novos,
investigando-se os aspectos políticos, conflitos e jogos de poder subjacentes às organizações.
Para tal, são apresentadas evidências empíricas de um estudo de caso realizado em uma
grande empresa brasileira do setor têxtil, com a aplicação de uma adaptação do questionário
dos múltiplos papéis de RH. Conclui-se que há uma distância entre os resultados da auto-
avaliação dos profissionais de RH e a percepção dos demais grupos. O processo de
reestruturação organizacional, incluindo a definição de nova configuração para a área de RH,
reflete mudanças quanto ao espaço de poder de seus profissionais e a busca de nova
conformação para o compartilhamento de papéis e responsabilidades na gestão de pessoas. Os
resultados ainda indicam a relevância de se considerar na análise dos papéis de RH a
dimensão política subjacente às organizações.

1 INTRODUÇÃO
As profundas transformações nos contextos econômicos, mercadológicos e
tecnológicos têm resultado na necessidade de as áreas de Recursos Humanos (RH)
reafirmarem seu papel, assumindo a condução das mudanças organizacionais. No passado e,
ainda no presente, constata-se a predominância de organizações com estruturas burocráticas e
administração centralizada, nas quais as regras impostas pela alta cúpula e obedecidas pelos
empregados funcionam como mecanismos privilegiados de disciplina e padronização de
condutas, cabendo às áreas de Recursos Humanos a função de zelar por seu cumprimento. Seu
papel é, nesse sentido, predominantemente legal, fiscalizador e disciplinador, sendo definidor
de sua forma de atuação.
A competitividade crescente e mais recentemente a globalização da economia têm
implicado pressões por mudanças nesse papel de RH, implicando uma nova ética no trabalho
e demandando uma visão estratégica e global de gestão do negócio e das pessoas. Nesse novo
contexto, entre seus grandes desafios, o RH depara-se com a missão de acompanhar e
interferir na formulação das estratégias de negócios da empresa.
A gestão de pessoas passa, então, a constituir-se em diferencial competitivo. Assim, ao
mesmo tempo em que a área de RH assume atribuições de agente fiscalizador do
cumprimento das políticas e das normas, as forças competitivas exigem excelência
organizacional, imputando-lhe uma perspectiva estratégica. Demanda-se uma ampliação do
foco da gestão de RH, que deve continuar a responder por atividades de âmbito operacional,
mas passa também a assumir um papel de protagonista na tarefa de levar a organização a
atrair, desenvolver e reter as pessoas estratégicas ao negócio da organização.
Para fazer frente a esse papel ampliado, Ulrich (1998) argumenta que o RH deve
exercer múltiplos papéis: (1) Administração de Estratégias de Recursos Humanos; (2)
Administração da Transformação e Mudança; (3) Administração da Infra-estrutura da
Empresa; e (4) Administração da Contribuição dos Funcionários. Para o exercício desses
múltiplos papéis, o RH deve compartilhar responsabilidades com os Gerentes de Linha da
empresa. O autor ressalta a importância do alinhamento destes atores e assinala que a análise
dos resultados da pesquisa dos múltiplos papéis de RH aplicada aos dois públicos (gerentes de
RH e gestores de linha) "... pode contribuir, em diversos sentidos, para um melhor
entendimento da função de RH e das expectativas da empresa." (ULRICH, 1998, p. 59).
Ainda que expectativas convergentes possam significar que os profissionais de RH e
seus clientes internos encaram a função RH do mesmo modo, nem sempre esta coincidência
se traduz em um acordo quanto aos papéis e a qualidade da prestação dos serviços, segundo
Ulrich (1998). É possível que ambos concordem quanto ao nível de qualidade dos serviços
prestados, com o RH atendendo às expectativas das áreas de linha, porém, é igualmente
possível que este nível seja baixo, o que indicará que tanto gerentes de linha quanto os
quadros de RH não possuem uma visão elástica do setor. Assim, a estrutura de múltiplos
papéis é uma alternativa para definir objetivos elásticos, conhecer as expectativas e
estabelecer metas de valor agregado para os profissionais de RH.
Pode-se concluir que pensar na gestão de Recursos Humanos na empresa de hoje e do
futuro significa entender que obter excelência empresarial deve ser um trabalho realizado com
e por meio das pessoas; significa realizar a gestão com a participação efetiva dos gestores de
linha, da área de RH e dos empregados de nível técnico-operacional. Daí, ressalta-se a
importância de Recursos Humanos e seus clientes internos estarem afinados para que se possa
levar a efeito uma gestão que conduza aos resultados almejados. Levanta-se, então, as
questões que norteiam esse estudo: Haverá uma congruência entre os papéis que Recursos
Humanos acredita estar desempenhando e a forma como este desempenho é percebido pelos
Gestores de área e empregados em geral? Há um atendimento por parte de RH das
expectativas dos clientes internos? Questiona-se, ainda, até que ponto são considerados, na
análise dos papéis propostos pelo autor, aspectos políticos, conflitos e jogos de poder
subjacentes às organizações.
Para responder tais questões, foi realizada uma pesquisa quantitativa, de caráter
descritivo, que teve como base a aplicação de questionário, adaptado do original de Ulrich
(1998), bem como um levantamento de dados secundários em documentos da empresa e
entrevistas com profissionais chave da empresa alvo do estudo.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Situando e Conceituando a Gestão de Recursos Humanos


Em uma época de constantes mudanças e acirrada competitividade no mundo
empresarial, exige-se excelência organizacional, não só como condição de sucesso, mas
também como meio de sobrevivência, requerendo-se, por conseguinte, novas atribuições para
a função RH. Tal demanda pode ser melhor compreendida, analisando-se os acontecimentos
históricos que marcaram a evolução dos Recursos Humanos, apesar de difícil pois conforme
destaca Wood Jr. (1995), ordenar no tempo a evolução da função RH é tarefa complexa em
função dos inúmeros movimentos que apresentaram características diversas e diferentes
desempenhos. Mas, através dessa ordenação é possível entender tanto o papel de executor de
funções como a perspectiva política da atuação de RH.
No Brasil, observa-se a evolução da função RH a partir do inicio do século XX, com a
implantação das primeiras fábricas no país. Nesse período, essa função era exercida pelos
guarda-livros e se limitava ao registro e pagamento dos empregados. Na década de 30, o
advento do movimento sindical e da proteção aos trabalhadores resultou em importantes
modificações nas relações de trabalho, com a criação de diversas leis que visavam regular as
relações trabalhistas. Naquele momento, deu-se o inicio no país da história dos
Departamentos de Pessoal (TEGON, 2001; SARSUR, 1997).
Nessa linha, os anos 40 e 50 foram marcados pela intervenção governamental nas
relações trabalhistas, mostrando às empresas a necessidade de ampliação das funções do

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Departamento de Pessoal. Marco principal foi a promulgação, em 1943, da Consolidação das
Leis do Trabalho - CLT, conjunto de leis que ainda regula as relações de trabalho no Brasil.
Dentre outras normas, foram regulamentados os horários de trabalho, as férias remuneradas,
as Comissões Mistas nas Juntas de Conciliação, e definidas as condições de trabalho para
menores. O foco da área de pessoal continuava na operacionalização de políticas que
garantiam o cumprimento da lei. É, todavia, a partir da segunda metade dos anos 70 que
emerge, no Brasil, um movimento no sentido de dar à gestão de Recursos Humanos uma
feição menos burocrático-legalista, passando a se ver as pessoas como elementos capazes de
conduzir a organização para a consecução de seus objetivos.
Na atualidade, a gestão de pessoas se caracteriza por uma alteração da estrutura
organizacional da função. A denominação de Gerência (Departamento ou Setor) de Recursos
Humanos (Human Resources Management) vem substituir a Gerência de Pessoal (Personnel
Management). Na análise de Storey (1992), o nome da função, ao fazer uso do termo
“recursos”, remete a uma abordagem orientada a negócios que alinha as pessoas com os
outros fatores de produção (recursos materiais, financeiros, tecnológicos, energéticos). Nesta
linha, ressalta o valor agregado dos recursos humanos e a Gerência de Recursos Humanos
com suas funções de recrutar, selecionar, premiar e outras mais, deveriam se fazer integradas
à gestão dos outros recursos, todos regidos pela estratégia empresarial em sua forma mais
ampla. Conseqüentemente, tem-se, também, uma alteração na nomenclatura: Gestão do
Capital Humano, Gestão de Pessoas, de Gente, de Talentos, entre outros. Diversas funções
migraram ou estão sendo compartilhadas entre especialistas de RH, prestadores de serviços
(terceirizados) e gerentes de linha. A mudança é uma resposta aos imperativos da nova
realidade da globalização e da concorrência acirrada, que constituem os novos desafios à
administração das empresas como um todo e à gestão de recursos humanos, em particular.
Faz-se mister que a gestão de recursos humanos se alinhe à estratégia empresarial.
Uma das formas preconizadas, na atualidade, desenvolve e incorpora o conceito de
competências. Este conceito sugere uma relação estreita com o modelo de múltiplos papéis de
Ulrich (1998), já que as competências associam-se diretamente aos resultados da organização.
Atualmente, o gerente deve ser dotado de competências mais abrangentes, em lugar de
exclusivamente as específicas da posição de chefe do Departamento/Setor de Pessoal,
ressaltando-se as habilidades relacionadas ao trabalho em equipe e por projetos, segundo Gil
(1994). Altera-se, assim, o perfil do gerente de RH, que deixa de operar somente os aspectos
técnicos da função, adicionando a gestão estratégica de pessoas. Ele assume o papel de um
consultor especializado, sendo sua atribuição atender às demandas dos demais gerentes no que
diz respeito à gestão das pessoas. Para satisfazer a estas atuais exigências, o perfil do
profissional inclui um approach global, atenção com os resultados finais da organização,
trabalho em parceria com as outras áreas e atuação estratégica em lugar de rotina burocrática,
além de contínuo autodesenvolvimento.
Outros autores, como Dyer e Holder (1988), Miner e Crane (1995), Albuquerque
(1999, 1987), Milkovich e Boudreau (2000), Marras (2000), Vergara (2000), Dessler (2003)
acentuam o fator humano e as estratégias de gestão de recursos humanos como importante
fonte de competitividade empresarial. As diretrizes acima expostas constituem um
complemento ao objetivo principal da proposta contida na nova concepção da administração
de RH, que é a gestão orientada para resultados.
Analisando-se tais proposições, é interessante notar que elas não trazem em seu bojo
qualquer novidade; fala-se na atuação estratégica de RH já há décadas, sendo que os seus
resultados efetivos não são detectados na prática, conforme demonstrado por inúmeras
pesquisas no Brasil (Sarsur, 1997; Fisher e Alburquerque, 2001; Hanashiro et al, 2001;
Fernandes, 2002; Santo e Bolgar, 2003; Facchini e Bignetti, 2004). Verifica-se também que
essa “nova” proposição para a gestão de pessoas, que implica novas formas de organização do

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trabalho e investimento na formação dos trabalhadores, implica também em novos e mais
sutis mecanismos de controle da força de trabalho (Amado, 2002; Henriquez, 2002; Tonwley,
2001; Davel e Vergara, 2001; Davel e Vasconcelos, 1997; Lima, 1995; Pagés et al., 1987).
Concorda-se com Pagés et al. (1987) que afirmam que as políticas de RH não são
práticas ou procedimentos descritivos do modo de funcionamento da organização, mas são,
antes de tudo, o fundamento de uma produção ideológica, constituindo práticas de poder, de
controle e de dominação das pessoas nas organizações. Já na década de 90, com o incremento
das novas práticas de gestão no Brasil, Lima (1995) apontava que essas “atuais” políticas de
gestão de pessoas, de pretenso caráter inovador, constituíam-se na difusão de antigas idéias,
sob novas formas. Algumas características mais comuns das políticas de RH estão
relacionadas às estratégias “inovadoras” conhecidas como gerenciamento estratégico
participativo, gerenciamento do terceiro tipo, pós-fordismo, gerenciamento da qualidade total.
Essas políticas, na realidade, combinam recompensas financeiras e simbólicas, possibilidades
de carreiras, estabilidade de emprego, descentralização conjugada com técnicas de
gerenciamento à distância, reforçamento da competição etc, mas trazem implícitas a antiga
característica de manipulação e controle.
Portanto, pode-se questionar que as políticas de RH, que valorizam tanto as exigências
materiais quanto as de ordem psicológica, representam ainda as antigas proposições, sob nova
roupagem, o que demonstra o reduzido avanço do humanismo praticado pelas empresas. Por
essas e outras razões, as dificuldades de atuação e de operacionalização de tais proposições
estratégicas pode ser fato para a maior parte dos profissionais da área.

2.2 Os múltiplos papéis de Recursos Humanos

Em seu livro Recursos Humanos Estratégicos, Ulrich (2000) exorta os profissionais de


RH a assumirem o papel de líderes, desenvolvendo as capacidades dos funcionários, de
maneira a permitir que lidem adequadamente com os cinco desafios competitivos:
globalização, lucro através do crescimento, tecnologia, capital intelectual, e mudança.
Para fazer frente a estes desafios, Ulrich (1998) propôs um modelo de estruturação dos
Recursos Humanos que é a base teórica desta pesquisa. O modelo é baseado na intersecção de
dois eixos: o eixo vertical representa o foco e vai do cotidiano, operacional de curto prazo, até
o futuro, voltado para as estratégias de longo prazo; o eixo horizontal representa as atividades,
que vão desde a administração de processos (ferramentas de gestão e sistemas) até a gestão
das pessoas. As quatro áreas criadas pela intersecção dos dois eixos demarcam os quatro
papéis preconizados pelo modelo de Ulrich e a cada um deles o autor associa uma metáfora:
parceiro estratégico, especialista administrativo, agente de mudança e intérprete das
necessidades dos funcionários, conforme apresentado na Fig. 1.

FUTURO/ESTRATÉGICO
FOCO
PARCEIRO AGENTE DE
ESTRATÉGICO MUDANÇA
Administração de Administração da
Estratégias de Transformação e
Recursos Humanos Mudança
PROCESSOS PESSOAS
ESPECIALISTA DEFENSOR DOS
ADMINISTRATIVO FUNCIONÁRIOS
Administração da Administração da
Infra-estrutura da Contribuição dos
Empresa Funcionários

COTIDIANO / OPERACIONAL
FOCO

FIGURA 1 – Os Múltiplos papéis do RH


Fonte – Ulrich, 1998

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O papel de Parceiro Estratégico relaciona-se à administração das estratégias de RH e
seu alinhamento com as estratégias de negócios da organização. Espera-se do profissional de
RH a tradução das estratégias do negócio em práticas de gestão de pessoas. Seu bom
desempenho irá permitir à empresa uma rápida adaptação às mudanças, uma vez que o tempo
entre conceber e executar uma estratégia fica abreviado. Permite também sucesso no
atendimento, agora focado nas exigências do consumidor, já que as ações se fazem sob
práticas e políticas específicas alinhadas com os objetivos da empresa. Por último, consegue-
se melhor desempenho financeiro, já que centra suas ações exclusivamente naquilo que afeta
positivamente o resultado da organização. Em resumo, o parceiro estratégico trabalha para
que as práticas de RH ajudem a realizar os objetivos empresariais. Suas responsabilidades
devem ser igualmente compartilhadas com os gerentes de linha.
Já o Especialista Administrativo foca-se no dia-a-dia da empresa, nos processos
administrativos de RH. Tudo o que se refere à operação, tipo recrutamento e seleção,
treinamento e desenvolvimento, avaliações, premiações e promoções é sua atribuição. Ele é o
guardião da infra-estrutura da empresa e assegura que os processos administrativos sejam
concebidos e executados com eficácia. Ainda que seu foco esteja no cotidiano da empresa,
sua atuação bem-sucedida agrega valor à empresa e está alinhada com a estratégia
empresarial. O especialista administrativo alcança eficiência administrativa agindo em duas
frentes: gerindo os processos de RH, por meio de um contínuo exame de seus custos e
resultados, alterando-os ou suprimindo-os quando se mostram inadequados e, criando
sistemas que contratem, treinem e premiem líderes que aumentem a produtividade e reduzam
perdas. Modernamente, o especialista administrativo atua na empresa como RH Corporativo e
compartilha suas responsabilidades com parceiros externos à empresa (ex. headhunters,
especialistas em medicina e segurança no trabalho e patrimonial, etc.), como consultores
terceirizados e conta ainda com o concurso definitivo da área de sistemas de informatização.
O Intérprete das Necessidades dos Funcionários é o papel de RH que cuida de gerir a
contribuição dos funcionários. A ele cabe ouvir, interpretar, traduzir e conseguir meios para
satisfazer as necessidades dos funcionários e deles obter comprometimento com a
organização. Grande parte deste papel de gestor de RH cabe diretamente aos gerentes de
linha, sempre próximos dos funcionários que estão a seu comando. Ao profissional de RH
investido deste papel cabe treinar os gerentes para que saibam ouvir seus funcionários, façam-
nos se abrirem, revelando suas carências pessoais e familiares, para que estas sejam
transformadas em programas de ação e práticas. O objetivo final é conseguir
comprometimento do funcionário e um trabalho voltado para os resultados empresariais.
Ao Agente de Mudança, por sua vez, cabe a tarefa de gerir a transformação e a
mudança na empresa. Transformação significa empreender as alterações necessárias de ordem
cultural na organização e mudança implica estar sempre atuante para melhorar a criação e
implementação de novas iniciativas e reduzir os ciclos de duração de todas as atividades
organizacionais. Ser um agente de mudança eficaz é garantir à empresa continuamente a
capacidade para mudar. Essa responsabilidade, nas organizações modernas, vem sendo
compartilhada, quase em idênticas proporções, com os gerentes de linha e com consultores
externos, que podem oferecer abordagens disciplinadas e objetivas para que as mudanças se
tornem realidade.
Para avaliar a qualidade global dos serviços de RH, Ulrich (1998) estabelece uma
escala, em função do total de pontos obtidos nas respostas às questões do questionário. Este
total pode variar de um valor mínimo de 40 pontos até o máximo de 200 pontos. Notas
globais acima dos 160 pontos indicam uma percepção de alta qualidade global dos serviços de
RH na empresa. Notas globais abaixo de 90 indicam serviços percebidos como de baixa
qualidade geral. O autor relata, também, que na maioria das empresas em que aplicou o
questionário, ocorreu uma pontuação mais elevada nos papéis de Especialista Administrativo

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e Intérprete das Necessidades dos Funcionários, o que é, por ele, julgado coerente com os
tradicionais papéis de RH. Por outro lado, as notas mais baixas são dadas ao papel de Agente
de Mudança. Verifica-se também que a disparidade mais comum encontrada em pesquisas
realizadas nos Estados Unidos, mostra que o grupo dos profissionais de RH atribui a si
mesmo notas mais elevadas que as a ele atribuídas pelos gerentes de linha. Isto pode resultar
na crença auto-ilusória por RH que seus serviços são apropriados e adicionam valor à
empresa, ao invés de aos seus clientes.
Outro aspecto importante a se ressaltar para o tratamento e análise dos resultados da
pesquisa, é que Ulrich (1998) propõe o compartilhamento de responsabilidades pelo
desempenho e pelos resultados da gestão de RH. O autor cria uma escala de dez pontos, e a
usa para ponderar a responsabilidade compartilhada da gestão de RH entre a própria área de
RH, os Gerentes de Linha e os próprios empregados, fazendo aparecer, em alguns papéis,
responsabilidades específicas para terceiros, contratados pela empresa, bem como Consultores
Externos e a área de Tecnologia da Informação (Informatização). O compartilhamento das
responsabilidades no desempenho de cada um dos quatro papéis de RH, conforme
preconizado por Ulrich (1998), deixa evidente a necessidade de que as tarefas e ações de cada
uma das partes envolvidas no desempenho de cada papel estejam bastante claras para todas as
partes e, assim, enaltece a importância de que haja uma coincidência de pontos de vista entre
elas a respeito de como cada parte está desempenhando seu papel. Esta constatação reforça a
importância da presente pesquisa e da análise objetivada das diferenças de percepção entre
RH e seu cliente interno. A Fig. 2 mostra um padrão dominante de distribuição de
responsabilidades pelo desempenho de cada um dos quatro papéis de RH.

F U T U R O / E S T R A T É G IC O
FOCO
C o n s u lto r E x te rn o
30%
G e re n te s d e L in h a
50% G e re n te s d e
L in h a
PE 40% AM
RH
50% RH
30%
PROCESSOS PESSO AS
RH
RH 20%
50%
G e re n te s d e
EA T e rc e iriza ç ã o L in h a DF
20% 60%

In fo rm a tiza ç ã o F u n c io n á rio s
30% 20%

C O T ID IA N O / O P E R A C IO N A L
FO CO
FIGURA 2 - Papel de RH na construção de uma organização competitiva
Fonte - Ulrich (1998)

Reforçando o modelo de múltiplos papéis, outros autores criticam e/ou propõe


modelos similares para a atuação do RH. Weiss (1999) advoga um modelo para a estrutura de
RH, alinhado com o modelo de Ulrich, propondo três papéis primários para os profissionais
de RH: (1) Parceiros Estratégicos: Papel de resposta efetiva para o Cliente Interno; (2) Donos
de Processos: papel de eficiência e efetividade na companhia de forma abrangente, por meio
do gerenciamento dos processos de RH; (3) Conselheiro de Estratégias de RH: inclui os
papéis de parceiro estratégico e dono de processos, tendo como objetivo balancear as
necessidades de resposta ao cliente interno local com as de eficiência e efetividade. O autor
sintetiza os trabalhos e funções de RH, em uma tríade que indica o valor da contribuição de

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RH para a organização, conforme a natureza dos processos em que se envolve, focando
processos-chave de Pessoas; processos de Adição de Valor à Organização e processos de
Transformação do Negócio.
Já Evans, Pucik e Barsoux (2002) alegam que o papel do parceiro estratégico e o de
agente de mudança constituiriam na verdade um único papel – o de parceiro na mudança. Eles
propõem três fases ou faces para a atuação do RH, principalmente frente aos processos de
internacionalização. A primeira fase - construção da GRH – consiste na implantação da
fundação (as bases) do RH e na busca de sua coerência interna. Apesar desse papel ser,
geralmente, de responsabilidade de pessoal técnico especializado, ou de um departamento de
RH, ele pode ser assumido pelos gestores de linha. A segunda fase – Parceiro na mudança - é
a de realinhamento da GRH, quando se busca o ajuste frente às necessidades das mudanças do
ambiente externo. As alterações do mercado ou da estrutura competitiva, ou o advento de
novas tecnologias exigem o realinhamento estratégico interno da empresa. Isso inclui,
basicamente, a parceira entre os gestores de linha e os profissionais do departamento de RH.
A terceira fase – Gestão de dualidades – pode ser descrita como a etapa de Direcionamento
via GRH. O enfoque é no desenvolvimento das capacidades da organização e das pessoas,
para prosperar num mundo cada vez mais complexo. Isso, na verdade, significa gerenciar
construtivamente as tensões entre forças opostas, tais os resultados operacionais no curto
prazo versus crescimento no longo prazo, integração global versus responsividade local,
necessidade de mudanças versus continuidade das operações. Essa fase é características de
empresas transnacionais.
Portanto, pode-se concluir que o modelo apresentado por Ulrich apresenta coerência,
podendo servir de base para o desenvolvimento da pesquisa empírica deste trabalho. Cabe
ressaltar que o estudo e reflexão sobre o livro de Ulrich "Os Campeões de Recursos
Humanos" levou os autores deste trabalho a concluir que alguns termos usados nesta tradução
poderiam ensejar uma possibilidade de distorção no entendimento da idéia original dos
autores. Cabe, pois, apresentar e justificar esta posição.

2.3 Considerações e proposições sobre termos usados na tradução brasileira de


"Human Resource Champions"

O título do livro de Ulrich (1997), no original "Human Resource Champions" foi


traduzido para o português como "Os Campeões de Recursos Humanos". Note-se que o
tradutor usou, nesta oportunidade, o termo "campeão", uma acepção bastante trivial do
vernáculo, como tradução para o português do termo inglês "champion". A palavra
"campeão", em português, tem notadamente uma conotação de atribuir a alguém a qualidade
de vencedor de uma competição esportiva ou de algum tipo de torneio. Esta é a idéia que vem
normalmente à mente do brasileiro, seja ele um profissional graduado, um acadêmico ou um
integrante das camadas populares. Todos os significados do termo "campeão" do Dicionário
Eletrônico Aurélio relacionam-se à imagem do vencedor de um torneio (Ferreira, 1999).
Em outra oportunidade, a tradução da obra apresenta o papel/função: Administração
da Contribuição dos Funcionários cuja metáfora é "Defensor" dos Funcionários, como
tradução do original de "Management of Employee Contribution" cuja metáfora é "Employee
Champion". Repare que o termo agora usado para traduzir "champion" deixa de ser
"campeão" e passa a ser "defensor". O já citado dicionário, entende por defensor: "aquele que
defende." Esta é a acepção que reina entre o usuário do idioma português. Ela guarda uma
conotação paternalista que dificilmente se dissocia da imagem do advogado de defesa ou do
guardião de uma causa.
Ulrich (1998) é claro ao ressaltar que o papel de Administração da Contribuição dos
Funcionários caracteriza-se por ouvir suas necessidades e sugestões, incentivá-los a revelá-

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las, com o objetivo de buscar atendimento para as mesmas junto aos escalões executivos da
empresa e, assim, conseguir maior comprometimento e identificação com a organização ao
mesmo tempo em que têm suas competências aumentadas. Há uma sutil diferença entre o que
sugere o termo "defensor" e a proposta de terminologia ora apresentada. Não cabe ao
profissional de RH investido deste papel, ser um defensor dos funcionários na acepção usual
demonstrada do termo. Dele, espera-se, não uma "defesa" do funcionário, mas uma audiência,
reflexão e interpretação das necessidades, anseios e sugestões dos funcionários, que guardem
relação ou que possam ter como conseqüência a consecução dos objetivos da organização.
Não se espera uma possível atitude paternalista de estar a defender suas posições,
independentemente de seus méritos, tal como o advogado de defesa defende o réu, as vezes
culpado confesso.
O "champion" de Ulrich (1998, 1997) não defende pessoas (funcionários), ele busca
interpretar e suprir desejos, anseios, carências de pessoas que, uma vez satisfeitos, deverão
levar a organização ao sucesso pretendido. É muito mais a responsabilidade e o papel de um
diligente e crítico "ouvidor" e de um "porta-voz" atuante sobre a demanda colocada. A citação
literal de dois parágrafos de Ulrich (1998) esclarece como o papel de "champion" não é o
papel de um "defensor" e sim de um ouvidor crítico e interlocutor, mediando as relações entre
funcionários e direção.
Deste modo, Coutinho (2004) propôs o uso da metáfora "Intérprete das Necessidades
dos Funcionários" em lugar de "Defensor dos Funcionários", por parecer esta uma maneira
que traduz melhor o sentido real que o autor pretendeu dar ao papel de “Administração da
Contribuição dos Funcionários". Com os avanços da discussão, optou-se pela designação de
“Interlocutor”, uma vez que essa concepção pode trazer em seu bojo a idéia não incorporada
ao modelo de Ulrich dos conflitos inerentes à relação entre os funcionários e a organização,
caracterizados pelas relações de poder.

3 A PESQUISA REALIZADA

3.1 Metodologia
O presente estudo pode ser caracterizado como um estudo quantitativo, em uma
grande empresa brasileira do setor têxtil, denominada “Textil”, com a utilização de um
questionário adaptado a partir do modelo proposto por Ulrich (1998). Os questionários foram
aplicados por um funcionário da empresa, designado pela área de RH e treinado pelos autores,
em grupos formados conforme as disponibilidades e facilidade de acesso. A unidade de
observação foi constituída por gerentes, supervisores, profissionais de RH e operários de
grande empresa brasileira do setor têxtil, divididos em três grupos:
Grupo 1: Funcionários da área de Recursos Humanos (RH), num total de 13 pessoas;
Grupo 2: Gerentes e Supervisores (GS), num total de 18 profissionais; e
Grupo 3: Pessoal de Nível Operacional de Todas as Áreas, exceto de RH e gerentes e
supervisores (TA), com cerca de 1020 integrantes.
Devido ao número reduzido de pessoas integrantes dos grupos um e dois, não foi feita
pesquisa por amostragem, buscando-se aplicar o questionário a todos os seus integrantes
presentes na empresa quando da aplicação do questionário. O grupo 3 foi dividido em
subgrupos, de acordo com as áreas da fábrica. Considerando o processo de amostragem como
sendo aleatório simples, com intervalo de confiança de 95% e margem de erro de +/- 5%,
definiu-se a amostra mínima em 284 indivíduos. Foram aplicados, ao todo, 304 questionários,
estratificados por áreas - Produção de tecido cru – TC; Manutenção – MAN; Acabamento –
AC; Apoio – AP – dos quais, quatro foram descartados por não terem sido completamente
respondidos ou por não terem sido respondidas questões que possibilitassem enquadrá-los
dentro de algum dos grupos escolhidos para o estudo.

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Um aspecto importante a ser verificado em uma escala é o nível de confiabilidade da
consistência interna. O coeficiente alfa de Cronbach é um dos métodos mais utilizados para se
verificar a consistência interna de uma escala de multi-itens O Alfa de Cronbach é uma
medida que varia de 0 a 1, e um valor superior a 0.6 indica consistência interna confiável da
escala, segundo Cronbach (1951). A Tab. 1 apresenta os resultados do teste. É possível
observar que nas quatro situações, o Alfa de Cronbach total é superior ao limite sugerido
(0,6). Deve-se observar, também, que nenhuma questão, se retirada, melhora o Alfa de
Cronbach. Por esse motivo, os quatro escores indicam o nível de desempenho em cada papel,
utilizando-se de todas as variáveis constantes do questionário adaptado a partir de Ulrich
(1998).

TABELA 1 - Alfa de Cronbach


PARCEIRO ESPECIALISTA INTERLOCUTOR AGENTE DE
ESTRATÉGICO ADMINISTRATIVO MUDANÇA
Questão Alfa se a Questão Alfa se a Questão Alfa se a Questão Alfa se a
questão for questão for questão for questão for
retirada retirada retirada retirada
P4 0,7475 P1 0,6410 P3 0,7851 P5 0,8046
P7 0,7607 P2 0,6318 P8 0,7927 P6 0,8153
P10 0,7346 P11 0,6373 P9 0,7743 P19 0,8012
P15 0,7463 P14 0,6365 P12 0,7727 P21 0,8040
P28 0,7272 P18 0,6084 P13 0,7809 P23 0,8042
P17 0,7509 P20 0,6223 P27 0,7715 P16 0,7996
P22 0,7271 P25 0,6361 P30 0,7722 P33 0,8055
P24 0,7369 P26 0,5915 P32 0,7807 P37 0,7958
P31 0,7371 P29 0,6347 P35 0,7780 P39 0,7996
P38 0,7434 P34 0,6545 P36 0,7709 P40 0,8099
ALFA ALFA ALFA ALFA
0,7611 0,6548 0,7957 0,8202
TOTAL TOTAL TOTAL TOTAL
Fonte: dados da pesquisa

Portanto, tendo em vista a técnica aplicada e os resultados obtidos, pode-se considerar


que as quatro subescalas do questionário, adaptado com as alterações efetuadas na
terminologia e na inversão da escala de pontuação, apresentam níveis de confiança interna
satisfatório para fins do presente estudo.

3.2 A Área de Recursos Humanos da “Têxtil”


Na empresa “Textil”, até a metade dos anos 80, as questões de pessoal eram tratadas
por meio do tradicional departamento de pessoal, cujas funções primordiais estavam ligadas
ao cumprimento da legislação trabalhista, segundo o Chefe da Assessoria de Recursos
Humanos. Na segunda metade da década de 80, foi criada a Assessoria de Recursos Humanos,
cujo titular se reportava diretamente ao Diretor Presidente; e na Diretoria Industrial, um órgão
denominado Assistência de Relações Industriais, subordinado hierarquicamente aos gerentes
de fábrica. Este órgão tinha como função principal assessorar os gerentes industriais (das
fábricas) na gestão de recursos humanos, exercendo, em caráter de coordenação, as funções
ligadas à administração das rotinas de pessoal e medicina e segurança no trabalho.
A partir de 2001, com a sucessão do diretor-presidente, a ARH assume posição mais
ativa na gestão da empresa, passando a agir mais efetivamente nos processos de comunicação
interna, desenvolvimento e movimentação de gerentes e desenvolvimento organizacional,
buscando uma perspectiva estratégica. Paralelamente, a área de Relações Industriais perdeu
força pelo excessivo enfoque burocrático e por não conseguir atender às crescentes demandas
dos gerentes por uma assessoria mais eficaz em questões de RH. Este processo culminou com

9
a decisão tomada no terceiro trimestre de 2003 de proceder à unificação da área de Recursos
Humanos e a extinção da área de Relações Industriais.
Dentro da diretriz de transformar RH em uma função estratégica, a área contratou os
serviços de uma consultoria externa em Recursos Humanos, em 2003, com o objetivo de
assessorar o estabelecimento e a implantação das estratégias de RH, alinhando-as com as
estratégias da empresa. Segundo a direção da área, “o processo de incorporação e expansão da
área de RH encontra-se em franco desenvolvimento, persistindo ainda dúvidas e expectativas
a serem resolvidas da parte de ambas equipes.” Alguns aspectos positivos são ressaltados: a
evolução da gestão como um todo, por meio da agregação de programas importantes tais
como gestão da qualidade, orçamento matricial e planejamento estratégico; o reconhecimento
pelo principal executivo da empresa da importância do papel de RH no seu desenvolvimento;
o bom relacionamento das equipes de RH com o corpo gerencial da empresa, apesar de
expectativas ainda não atendidas.
Pela análise do material e das informações, pode-se concluir que a área de RH da
“Têxtil” atravessa um momento de transição de uma cultura voltada para tarefas
administrativas para um novo RH com visão e atuação estratégica. As providências de
estabelecer um planejamento estratégico, possibilitadas pela nova direção geral, aliadas à
contratação de consultores externos para assessorar este trabalho, vão ao encontro do que
preconiza Ulrich (1998), quando indica o compartilhamento das tarefas de RH entre o próprio
RH e Consultores Externos. No entanto, grande parte do esforço e do efetivo da área ainda é,
e necessita ser, destinado a tarefas cujo foco está no cotidiano, uma vez que há uma demanda
reprimida de serviços neste plano, herdada das administrações anteriores, que precisa ser
atendida.

3.3 Discussão e análise dos resultados dos questionários


A amostra, abrangendo os 300 respondentes, foi composta predominantemente por
empregados de nível operacional (67%), do sexo masculino (88,3%), com escolaridade de
nível de segundo grau (64%), idade até 30 anos (69,3%), solteiros (47,3%) e com renda de até
dois salários mínimos mensais (72%).
Os resultados da pesquisa demonstraram que, de uma maneira geral, tanto os
funcionários de RH como seus clientes internos avaliam o desempenho de RH como de média
qualidade global de serviços, embora se detectem diferenças na percepção dos grupos em
relação aos quatro papéis exercidos, conforme apresentado na TAB. 3.

TABELA 3
Avaliação das médias dos papéis de RH por grupos e subgrupos
Papel de Recursos Humanos
Grupo/Subgrupo de Parceiro Especialista Int.Nec. dos Agente de Total Pontos
Funcionários Estratégico Administrativo Funcionários Mudança por grupo
Recursos Humanos - RH 38,2 35,1 32,3 34,4 140,0
Gerentes e Supervisores - GS 30,2 30,9 30,2 30,5 121,8
Todas as áreas - TA 35,5 34,6 32,8 35,8 138,7
Produção de tecido cru - TC 35,3 34,0 32,7 35,5 137,5
Manutenção – MAN 36,7 35,3 29,7 35,4 137,1
Acabamento – AC 37,0 36,1 35,6 38,1 146,8
Apoio – AP 32,4 32,4 29,6 32,1 126,5
Fonte: dados da pesquisa

Analisando-se as médias dos resultados, observa-se que nenhum dos grupos atingiu a
marca mínima de 160 pontos para se ter a avaliação de desempenho de RH classificada como
de alta qualidade. A maior média total entre grupos e subgrupos é do próprio RH, que atribuiu
140 pontos ao seu próprio desempenho. Considerando-se apenas as médias dos três grandes
10
grupos da amostra (RH, GS e TA), RH tem-se que a maior média e o maior afastamento
relativo entre grupos se dá entre RH e Gerentes e Supervisores (GS), que lhe atribuem uma
média de 121,8 pontos.
A análise global em relação aos múltiplos papéis evidencia a superioridade das médias
auto-atribuídas por RH em relação ao grupo GS, e a grande proximidade com o grande grupo
da operação (TA), somente contrariada quando se trata do papel de agente de mudança, ainda
assim, em nível pouco significativo. Há, no entanto afastamentos consideráveis, quando se
analisam as médias dos subgrupos da operação em relação a RH, conforme GRAF. 1.

160 146,8
140 138,7 137,5 137,1
140 126,5
121,8

120

100
Pontos

80

60

40

20

0
RH GS TO Tecido cru Manutenção Acabam ento Apoio

GRÁFICO 1: Avaliação da Qualidade Geral de RH pelos grupos e subgrupos


Fonte: dados de pesquisa

O afastamento entre a auto-avaliação e a avaliação de RH como Parceiro Estratégico,


feita pelo grupo de gerentes e supervisores merece destaque. É oportuno observar que o
desempenho de RH na avaliação dos Gerentes e Supervisores em todos os papéis está quase
que no centro da escala, mostrando que este importante grupo não dá destaque especial a
nenhum papel de RH, nem mesmo àqueles aos quais RH mais se dedica (GRAF. 2). Isto faz
com que os afastamentos de percepção sejam maiores ou menores em função das auto-
avaliações de RH.

45,0

40,0

35,0

30,0
Pontos - 50

25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0
RH GS TA TC MAN AC AP

Parceiro Estratégico Especialista Administrativo Intérprete Necessidades Agente de Mudança

GRÁFICO 3 – Avaliação dos grupos e subgrupos em relação aos múltiplos papéis


Fonte – dados de pesquisa

Além da grande diferença já comentada no papel de Parceiro Estratégico, outra que


aparece em menor grau, mas nem por isso de menor importância, é a que se observa quanto ao

11
papel de Especialista Administrativo. O afastamento volta a apresentar maior valor com
relação ao papel de Agente de Mudança, em cerca de quatro pontos.
Relativamente ao grande grupo formado por todas as áreas da fábrica (TA), ainda que
tenha havido afastamentos (o maior entre todos os papéis é de apenas 2,7 pontos), há uma
grande proximidade entre as duas avaliações. Não há, também, discrepâncias dignas de maior
nota entre as visões de RH e as de subgrupos dentro da população da fábrica. Este fato é
positivo, ainda que constem mais apreciações negativas que positivas nas observações dos
grupos e um alegado desconhecimento sobre a área e a atuação de RH.
Analisando os resultados da questão aberta do questionário, verifica-se que houve uma
predominância acentuada de observações negativas sobre as positivas, com aquelas
perfazendo 82,4% do total. Deste total, 79,4% das observações se concentraram nos papéis de
Especialista Administrativo e Interlocutor. Essas respostas demonstram uma insatisfação com
atuação da área:
a) Há grande desconhecimento sobre RH pelos funcionários;
b) Para melhorar a produção os funcionários devem ser mais valorizados dentro da
própria função, principalmente pelos encarregados;
c) RH não atende aos funcionários com o devido respeito. Respeita só os
supervisores e encarregados;
d) Não se ouve a opinião dos funcionários. Muita correria.
e) RH deve rever salários para não perder bons funcionários. Salários são
generalizados.

Pode-se interpretar a partir do volume e do conteúdo das observações, que o grupo


demanda de RH um papel mais presente no que diz respeito à satisfação das necessidades dos
funcionários, ao mesmo tempo em que demanda uma atuação mais forte em sistemas
administrativos de gestão. É importante notar que estes são exatamente os papéis em que o
grupo TA avaliou com as menores notas o desempenho de RH.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados, pode-se concluir que o modelo permite analisar a auto e hetero
percepção sobre o RH, apesar de se ressaltar algumas falhas no que tange aos aspectos
políticos. Em relação à área de RH da “Têxtil”, verifica-se que nos últimos cinco anos, ela
vem passando a ter uma atuação mais ampla na empresa, deixando de atuar dentro do modelo
antigo de “departamento de pessoal”. Sua estrutura atual ainda tem foco fortemente dirigido
para as atividades do presente, com concentração nos papéis operacionais, designados por
Ulrich como o Especialista Administrativo e Interlocutor. Isso se faz necessário, até mesmo
em função de uma grande demanda reprimida de providências a serem tomadas e
melhoramentos a serem levados a cabo na área de sistemas administrativos e de atendimento
às necessidades mais imediatas dos funcionários.
Por outro lado, a direção atual da empresa tem uma nova visão da missão de RH e
especificamente a direção da área Corporativa de RH desenvolve programas concretos para
alargar o foco da gestão para uma atuação como parte integrante e congruente com o
planejamento estratégico da empresa. Prova disso é a contratação e o trabalho de consultoria
que vem dando apoio ao esforço interno no sentido de produzir um planejamento estratégico
da gestão de Recursos Humanos e integrá-lo com as estratégias do negócio. A empresa ensaia
uma gestão calcada em metas, previamente traçadas e com trabalhos em andamento em 2004.
A área atravessa um período de grande mudança em sua organização interna,
absorvendo setores que antes estavam ligados às áreas de produção ou administração das
unidades operacionais, bem como vem implantando procedimentos administrativos de RH

12
que, segundo seu próprio gestor, reduzem ou pelo menos passam a compartilhar poderes até
então exclusivos dos gerentes e supervisores de linha, principalmente os relacionados às
práticas de admissão, promoção e aumentos de quadro. Choques são inevitáveis quando tal
momento acontece na empresa e a Assessoria de RH vem tentando minimizá-los com
treinamentos de conscientização para chefias e funcionários.
Em relação à avaliação da qualidade dos serviços prestados por RH, os funcionários da
área de RH atribuíram aos seus serviços a melhor nota global entre os grupos (RH, GS e TA).
Esta nota, segundo a classificação de Ulrich, qualifica os serviços de RH como uma prestação
de qualidade média. Assim, o RH se percebe prestando melhor serviço do que o que é
percebido por seus clientes internos.
Um fato notável que deve merecer reflexão, é que, ainda que RH coloque entre seus
pontos fracos a falta de estabelecimento de metas junto à equipe e sinta como uma ameaça a
falta de informação sobre missão, metas e acompanhamento, sua equipe atribuiu-se a maior
média de pontos entre todas as médias de todos os grupos, em todos os papéis, ao seu
desempenho no papel de Parceiro Estratégico. É provável que, pelo fato de já haver iniciado
atividades de planejamento estratégico, o corpo de RH da empresa já tenha de si mesmo uma
imagem de Parceiro Estratégico e acredite que assim seja percebido dentro da empresa. A
pesquisa mostra que esta não é a imagem percebida pelo grupo de Gerentes e Supervisores.
O afastamento entre a auto-avaliação e a avaliação de RH como Parceiro Estratégico
feita pelo grupo de gerentes e supervisores é preocupante, uma vez que a responsabilidade no
desempenho deste papel deveria ser compartilhada meio a meio com estes líderes, segundo
Ulrich. Este afastamento que, de resto aconteceu em relação a todos os outros papéis, ainda
que em menores níveis, coincide com a narrativa do autor em suas pesquisas nos Estados
Unidos. Vale observar que uma autopercepção de RH tão díspar da percepção dos gerentes e
supervisores, pode levar à decepção, já que RH acredita estar adicionando valor à empresa e
seus clientes não o vêem deste modo.
É oportuno observar que o desempenho de RH na avaliação dos Gerentes e
Supervisores em todos os papéis está quase que no centro da escala, mostrando que este
importante grupo não dá destaque especial a nenhum papel de RH, nem mesmo àqueles aos
quais RH mais se dedica. Isto faz com que os afastamentos de percepção sejam maiores ou
menores em função das auto-avaliações de RH. Quanto melhor RH se auto-avalia, maior sua
distância da percepção do grupo GS. As percepções de ambos os grupos são bastante
próximas somente quando se trata do papel de Interlocutor.
Deve-se observar que o momento atual da empresa envolve perda de poder dos
gerentes e supervisores, com a nova estruturação de RH. Pode-se levantar a hipótese de que
este fato possa refletido na avaliação desses líderes. Isso é mais uma indicação da necessidade
de um trabalho específico com o grupo, buscando estabelecer objetivos para a gestão de RH
em cada um dos papéis e estabelecendo o compartilhamento das ações para a consecução
desses objetivos entre gerentes e profissionais de RH. Assim, esse mapeamento do jogo de
poder que se estabelece entre os grupos pode auxiliar no entendimento da situação e explicar
algumas diferenças encontradas.
Examinando-se os dados obtidos por meio de entrevistas, dois aspectos são apontados
com maior freqüência pelos respondentes e merecem atenção especial da área de RH. O
primeiro deles refere-se ao desconhecimento por parte dos funcionários e de integrantes do
grupo de gerentes e supervisores, da estrutura e dos objetivos da área de RH. O fato de RH
não ter seu trabalho devidamente conhecido principalmente pelos grupos de Gerentes e
Supervisores justifica as diferenças de avaliação de desempenho observadas. Observa-se,
também, que os funcionários demonstram carecer de um atendimento que os façam sentirem-
se reconhecidos e orgulhosos de trabalhar na empresa.

13
Outro ponto que foi alvo freqüente de colocações por parte do operariado da fábrica
foi a ocorrência de um tratamento inadequado aos funcionários por supervisores e
encarregados de turno. Há referências freqüentes a tais atitudes da parte destes líderes,
levando os funcionários a demandarem fortemente uma maior atenção às suas necessidades
pessoais e familiares, uma audiência mais próxima e mais paciente às demandas para que se
consiga maior comprometimento com a empresa e seus objetivos. Portanto, cabe ainda ao RH
reforçar os seus papéis de especialista administrativo e de interlocutor. Embora o RH esteja
preocupado com sua atuação estratégica, a demanda da empresa ainda se dá no nível
operacional.
Vale assinalar que a pesquisa, por meio dos números, confirmou que, ainda que o
pessoal da produção seja o que recebe maior carga de trabalho e assistência dos quadros de
RH, os dois papéis de RH que tiveram menor avaliação foram exatamente os de especialista
administrativo e o de interlocutor. Este fato mostra que ainda há muito a fazer nestas duas
áreas de atuação.
Pode-se interpretar que o RH consegue passar aos operários uma imagem muito mais
próxima da que tem de si mesmo, do que consegue fazê-lo com relação aos Gerentes e
Supervisores. Os resultados indicam, portanto, percepções significativamente diferentes
quanto ao desempenho dos diversos papéis investigados, quando avaliados pela própria área
de RH e quanto considerados por gerentes, supervisores e trabalhadores das demais áreas da
organização. Há que se destacar, nesse sentido, a distância entre os resultados da auto-
avaliação dos profissionais de RH vis-à-vis a percepção dos demais grupos amostrados.
Concomitantemente, há que se ressaltar que a empresa, no momento do estudo,
encontrava-se em processo de reestruturação organizacional, incluindo a definição de nova
configuração para a área de RH, refletindo mudanças quanto ao espaço de poder de seus
profissionais e a busca de nova conformação para o compartilhamento, em nível corporativo,
de papéis e responsabilidades quanto à gestão de pessoas, destacando-se a relevância de se
considerar com maior ênfase, quando da discussão acerca dos papéis de RH, a dimensão
política.
Tendo ainda como referência a teoria crítica sobre a gestão de RH, enfocando seu
caráter político e a questão da subjetividade, pode-se questionar se seria efetivamente de se
esperar uma consonância na avaliação dos papéis de RH pelo cliente interno e pelo próprio
RH. Entendendo-se a organização como um local de poder, no qual os diversos grupos
buscam controlar recursos, essa diferença poderia ser até mesmo esperada. O modelo
proposto por Ulrich (1998), apesar de possibilitar uma adequada avaliação da atuação do RH
nas organizações, parece desconsiderar essa perspectiva.
Evidencia-se, nesse sentido, a importância de não se desconsiderar, quando da adoção
do modelo proposto por Ulrich (1998), aspectos políticos, conflitos e jogos de poder
subjacentes às organizações. Não obstante as novas embalagens, não se pode ignorar que no
cerne do papel de RH encontra-se, ainda, o controle.

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