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Octavio Paz Vislumbres da India Um didlogo com a condigdo humana Traducdo de Olga Savary Editora Mandarim ddeusas, agentes da poderose sexualidade césmica, Assim, pois, a castidade eo ascetisma hindu cém outra origem. prazer sexual &, em si mesmo, valiso. Para os hindus & um dos quatro fins do homem. Além de et uma forga eésmica, um dos agentes do movimento universal, 0 desejo (Kama) & também um. deus, semelhante ao Eros dos greges. Kama & urn deus porque 0 dlesejo, em sua forma mais pura e aiva, é energia sageada: move a rnatureza intcira € os homens. Nessa visio da sexualidade como ‘energia césmica e do corpo como reserva de energa criadara reside luma das causis, provavelmente a mais antiga, da abstinéncia sexual. O corpo, como a nacutez inter, é vida que produz vid a semence fecunda cera, ¢ 0 sémen, 6 ventre da mulher. © corpo Jhumano no s6 entesoura vida: transforma sus energia em pens- ‘mento € 0 pensamento em poder. A castidade comegou por ser uma pritica drigida a entesourar vida e enetgia veal. Foi uma receita de longevidade e, para alguns, de imortalidade. Essa idéia € tum dos fundamentos da filosofia iogue e do tancrismo, E também, parte central do taoismo chinés." A vida é energia, poder fisico € psiquico; 0 sexo é poder e poder fecundante que se multiplica. O corpo é uma fonte de sexualidade , portanto, de encigia, Reter 0 stmen (bids), guerdé-lo © transforméslo em energia pslquica, € apropriar-se de grandes poderes naturas e sobrenaturas (xh), O ‘mesmo sucede com 0 fluxo sexual feminino (raja). Um resto tén- ‘ico dit: “o bid é Shiva eas rajas io a Sharki(o par de deuses), 0 stmen €luae25 syiaro sol.” Por isto, ainda que o prazer (Kama) szja um dos fins do homem, o sibio 0 descarta e escolhe o ca tho da abstinéncia e da meditagéo soliéria. O prazer€ desejével, pporém finito; nfo nos salva da morte nem nos liber das sucesi- vas eencarnagées. A castidade nos dé poder para a grande batalha: romper cadeia ds transmigrasses, 8. Canis dij 1968, CCRITICA DA LinERTAGAO Segundo a érica tradicional, sto quatro os fins da vida humana arsha, kama, dharma © molaba (ow mutt’). O primeiro referee & vida prtica, 0 mundo dos ganhos ¢ das perdas, dos exitas fracas 05; 0 segundo, dominio do prazer eda vida sexual, no estéregido pelo inceresse, mas pelo desejo;o erceto compreende a vida supe- rior: © dever, a morale os principios que norteiam a conduta de cada um diante de sua familia, sua casta ea sociedades o quarto con- sisce na liberagio das cadeiae da existéncia. Motsba€ romper o ciclo das transmigrasies infiitase seu monétono estbilho: Nascer, eopular e morver. Nada mais, nada mais, nade mais, nada mais Naseer copula e morver* Os quatro ins sio legirimos, porém, na escala de valores, 0 prazer é superior ao trabalho, o dever 20 prazer ea libertagio aos fouttos ers. Aquele que busce a libercagSo no vé em seu corpo umn ‘obstéculo, mas um instrumento, As priticas ascéticas, mesmo as mais severas, sf0 um frcio progressive do corpo. © iogue no busca separar sua alma de seu corpo, como © mistico placbnico: ele quer converté-lo em uma arma de libertagéo. Mais exaramente: em umitrampolim do salto mortal que e leve ao incondicionado. (© ascetismo, em todss as suas manifestages, confina em um cextiemo com a erética € no outro com o atletismo. A idéia deli berracio € comum x erés grandes celigides nascidas na Endia, descendentes da rligiéo védiea: 0 hinduism, 0 budismo © o jai- nismo, Moksha é a resposca heréiea &infeliz condigao do homem fe das causes que a originam. Como o ctistio, © hindu parce da consciéncia de nossa desdia, porém a explicasso de suas causa é FRG dew Ago Sey Agvte, de'TS. hot. wage de to Sunucea N dD 151 disina Pode er esumida em doers samartecarma. Ess dus lars open no pesmi rego indian o memo luge que, no cristo, a ciao do homem e o pecao original Tiade cvs eviasio,pocado original, redengo; trade indiana: sensor, carma, noha A vida moral sed regia pelo dharma de cada um, segundo sua cesta € sas caractercas peti. Nao & fil defini pla : a palan dar: éitade, tanto no sentido grco-romano da palara como no modern, porém também él moral condutaconeaecdigo divino. Para os budistas, 0 dharma é a doutrina mesma, ¢ in abarca uma matéria mui iow asd muito vasa, pos compreende nio sas ds tintas Formas do budismo (Hinyana, Mabayana e Tantra si as Principais divisdes), mas também os textos candnicos em virios idiomas: pli, insert, chints,ribetano ete. No entamo, otro no € neta porque hé um nécleo de crengascomuns todas at scias ¢ que sio a esénca do budzmo." Asim, pois, dharma & doutin, ideal de vida, cig ico, eo os ao os pons mentos. Em sun expresso mais alin © p les © pure, segundo explica Kha par Asuna no Bbagend Gi, do wo que reaieamon porgue € nosso dever © sem buscar provetoalgum. £ de cee ‘modo uma versio do ‘imperativ cateprico kantiano’ Porn 0 curmprimento do dharma ngo nos pode dar averdadiafliidade, ue consist nalbertagéo do laos que noe atm a uma exstéacie aque destmboca na morte enum incite! renscer para mower de novo, O dharma no dtém o garda toda das tansmigrasées A crenga na transmigrasio & um dos presupostos bisicas do pensamencoreigosoindianoe€ comam ao hindusmo, 20 bu. ‘mo €20 jis. Nao & um conestoestitament racional:€ um artigo def, Néo obsane, € considera como uma evidénciaque inguém pcm vida, Samia abarca todo ote viv, at lara os deuss, © que move rod das transmigeages? Um to Te Penmaes ain pil Si pire pra sendin Mii. mas sto sobrewdo as constisuintes dimes da realidade. eee 152 ds escricuras budistas din: "Cada ser ese encadeado a samara ¢ 0 ‘carma de cada win levi-o mais aléen'. Quer dize, seu carmaleviro ‘arenascer Karma significa 30, porém também e sobretudo impli- ‘ca as contegiiéncias de nossoe atos. Somos filhos no de nossos pais, mas sim daquele e daqueles que foros em vidas pasadas, Os hindus falam de lei ciemied e os budistas de ‘corcente das caus. ‘A ida é clara: cada ato, como tudo nesse mundo, tem uma causa, recessriamente anterior no tempo. Assim, carmaé 0 efeico de cada ato naquele que o realiza, aja nessa vida, na passada ou ma vin- ddoura. Essa crenga também & comum nas ces religies. & uma das {quatto verdades sancat do budismo. No sermio de Sarnath o Buda “fer andar a roda da le", quer dizer, enunciou a doutrina e a resu- ‘miu em quatro verdades. A primeira & 2 verdade da dor eda desdi- ta humana (dubkka): "Naseer € dor, envelhecer ¢ dos, a enfermi- dade & dor, morrer & dor.” A segunda verdade: “A origem da dor o desejo, que leva e enascer e se deleita no prazer € na paixio, jprocura prolongara vida eanseia pelo poder." A erceira verdade: "A extingio da dor pela extingio do desejo..” A quarta verdade éa sancira de deter a roda de ssmuara pela extingio do desejo aravés do écruplo caminho que leva & libercasdo ¢ 20 nirvana. Libertagio no € salvasio, no sentido cristo. No ha alma ou pessoa para salva: o libertado se liberta da ilusio do eu, seu ser 0 Ser. A libertagio no consiste em renascer no reino dos efus, mas fem destuir a dupla fstalidade que nos ata a esse mundo ¢ a seu insensato gitar: molsha liberea-nos do peso do carma que movi- smenta a toda de samuana, A liberagso se alcanga nessa existéncia (Ginan-mucti:lbereado em vida) ou na ousra, O libertado rompe ‘com o existie no tempo € penetra no incondicionado. Assim, co- tthece a imorealidade ainda que nio conhera 2 duragio: moka cextingue a diferenga entre ontem, hoje ¢ amanhi, enere aqui ¢ além, O libertado vive em um eterno presente e habita um lugar FE Sampeee aya 158, em Bai te fii dE. Conn, LD, Hoe Salve e Arthur Wiley, Landis 1954, a ‘ado comega por um atm live: a reninca so mundo, Avoca Gat pion don ce ea a nee grat pon of oh a cmunio deme Ea uss ee oe rales lpia cn opis orc eae ier cru Gapetgutet east cate sine elo pcp speaker “sori ms en sda iin ge dries aio ones gee or ea titude indescricivel: ananda, : Neda te poe reese a sh Nh mt nan enn wigs whe io apie realizar verdad, oa: ft lel es, vt lac conte cream ce ov, be un sane ease fe coe coe ee eG. eat y beater cease rin tig soe cones pal hn te urn wn Bu Tambén vauidade No € nem atten see unten i Enne om pene Nt on ee Wao tion sun decpiae Ay impel « filosofias da India antiga. E provivel que seja ancetior i chegada ‘to boc es hires Aad ign €o eomol do cp de is «ini. Sua psc, potato, inseparitel da nose de poder dite ek rad de bor ign: Respite erate Cl gum ¢ pie mole ace ae Rireesepeuel Nees eat etna eee eae ore ee 154 incondicionade é a beaticude. Sankara diz: “Moksha ¢ eterno, pois ‘nfo experimenta mudanga slguma...€onipresente como o a livre de aleragies, auto-suficiente e no esté composto de partes: é tuna. brahman (0 See)" "A libertagio € obra de soltiioee © goz0 da beaccude também é socio, Em nenhum dos grandes textos indianos que eratam desc tema aparecem os outtoe. Esta é uma das grandes diferengas ‘em relagio ao crstianismo ¢ também, ainda que em menor grat, A flosofia grega. Os antigoe indianos se interesaram pela ciéncia «pela arte da politica, como mostra o pensamento de Kausilya, porém sua preocupacso se cenrava no poder, em como adquirlo © como conservi-lo, A idéia de uma sociedade justa néo fez parte dd wadigio filosfica hindu, Pode-se dizer que « concepgio do dharma sapre essa omissio, Nio concordo, pois 0 dharma é uma ‘rica, nfo uma politic. A diferenca em relagio 20 ideal crstio € ainda maior ¢ mais radical: slvarse, para 0 cristo, € entrar no reino dos céus. Um reino € uma entidade coletiva e o cfu € uma sociedade perfeita de bem-aventurados e santos. O contritio do solitiriolibertado hindu. Os textos hindus, com uma excegio que ‘mais tarde mencionare, tampouco exaltam a agio cidadi, 20 con edvio dos gregos, omanos chineses. O pensamento de Conficio é essencialmente politico, Platio ¢ Arstétlesescreveram livros de politica e ambos viam na agio dos cidados um dos caminhos mais altos da vieude eda sabedoria. Nao acrediavam, € claro, que 2 politica fosse o eaminho para a sabedoria: pensavam, melhor dizendo, que o descenso da sabedoria& cidade sua ransformagio fem ago era a essincia da politica. No caso do cristianismo, @ politica esté impregnada de religisidade © pode resumit-se em tuma palavra: caridade, O pensamento crstéo, desde o principio, fm seu didlogo com o Império Romano e, mais tarde, na Idade ‘Média, com a ordem temporal, concebeu € criou sistemas politi- cos que o hindulsmo e o budismo ignoraram. A diferenga com @ “Chii'é ainda mais radical. Daf a indignagio de muitos letrados chineses ante a dfusio do budismo em seu pats 155 E claro que hé oposicao entre a vida contemplativa do reli- Braman St ¢ our esis Mane ee Mbp ence Seda ee, Obed 156 ceiacarasvivas em sua lencapererinacio até 2 tuminagto. Os bo- disasoas no si deuses nem, tampouco, em um sentido estito, homens, ainda que o sivessem sido em vidas pasadss. Sio dades cuja nature a vacuidade. Ou sje: nlo-ntidades. Sua rae Tidede € pradoxal indiivel. Sto liberados que renunciaram 20 ninvana, mas que, no entanto, goram ds carvidencia daquele que 0 aleangou. Os bedbtaivas einem dust virudes que o budista CConze considers, com cert reno, contreditiris: a sabedovia (pra rd) ¢ a compairio (barund). Plo primero, so Budas, mas ua infinieacompainio os fez adiaro despertar defiitv. Assinalo que s¢ alanga 0 extado de bodhisatna pelo caminho da sabedora soles, Por sua ver, a sabedoriasbee as portas da compaixio. A tabedoria a origem da compaixio, nfo 0 invers, O budismo no cexaltaos‘pobres de esprit. Para alangaro nirvana nfo bastam as boas ages além die & precto conquistar o conhecimento. O que conta é a expeténcia da verdade, © estar na vesdade. Como a lic ‘ertagio hind, a iluminacio budisa € wma experiencia solic. E cero que 03 bodbisatias sio figuras de slvago, ciatuas que, como nostos santos, sempre extéo dspostas 2 ajudar os simples mortis. No encanto, ainda que seus beneficios sj inumersves, todos eles sio de ordem eapiitual. Os beditatras nfo conhecem ‘eri hud card: do-os plo gu do cone cimento, no 0 poe gua reais que saciam a fome ea sede ‘Moab um el lion lofi, Libera o indo herdico que escolhe este caminho Spero, feito de austeridades, potém ignora um aspect da iberdade, Para n6s, a liberdade tem ima dimensio politica, Nés noe perguntamos sempre qual é 2 nnatuteza de nossa celagio com a divindade ou com o meio que nos rodzia, sea o biolgico ou o social: somos livres de verdade ou nossa liberdade & condicional? E uma gragadivina ou umm 3t0 80 qual se revela0 mistério da pesoa humana? Esas perguntas © 0U- tras do mesmo género nos levam a situar nossa liberdade no ‘mundo, Nio é um ideal para ssir do mundo, mas sim para torn Ao contetio da libereagso hindu, que tem por ides 0 157 incondicionado, minha liberdade tem um limite: a iberdade dos euros. De outro modo minha liberdade se cansformaria em despotism, Pelos préprios supostos de sus rradigio e de sua hiséra, os indianos nfo poderiam conceber a liberdade como um ideal palti- 0 € insetilo na construgio da sociedade. Nio sé & incompativel com a instcuggo das casas; fltethes, além diss, © fundamento de uma uadigdo verdadeiramente ertica. Em sua forma mais genuina © rigotoss, a critica s6 pode desenvolver-se em uma sociedade que concebe a iberdade como um bem comum de todos os cidadios, Entre a critica aos deuses€ o dircto de vorar ¢esco- Iher seus governances, a telagio € muito clara desde a época da democracia ateniense. Porque tiveram democracia, os gregos tve- ram tagédia,comédia efilosoia live. Na China também houve ‘acca politica, as vezes encarnigeda, porém nunca foram discut- dos os fundamentos da sociedade como na Grécia. 56 em dust épocas de profuna cris social o debate flosdic politico referiu- 5¢ 208 primeitosprincipios: no petiodo dos Reinos Combatentes ¢ zo século III, no qual imperou a filotofia da arfo ngo-acio dor taolstas, Em geral, «critica limitou-se a elogiar ou a censurat os a4os dos ministos do Filho do Céx; 08 mandarins no ques. tionaram at insttuigées: foram defensores da ordem social que, Para cles, eao reflero da ordem do céu. Para Mars, a critica do eu «14.0 comeso de critica desse mundo, Ni se equivocou. E preciso acrescentar que ambas as erticassioinsepardveis na democtaca. Moksha significa liberdade absoluta e incondicionada. © libereado possui um poder ilimitado sobre si mesmo e sobre area lidade que o rodeia: conquistou um estado sobre-humana. Vive para além da prixéo da compaixéo, do bem e do mal. E impassvel indiferente como os elementos naturais. A India ve- nerou sempre 0 sanayasi, 0 tenunciante que escolhe a vida do ascetismo ¢ da meditasio. Poréim o sanayasi no é um redentor ‘nem quer salvar o mundo, pos sabe que o mundo esti condena- do de antemao, © mundo € mayae é dak: isso e miséria E 158 cempo, dominio d impermanene, Asin, pois 0 mundo ao temremeio ening poe va 0 prxima 4 iberao € tine empres de sli © liver alo € Cito net Promas, Neo oan, como ji sine aneroemen Mi tia exe: dutina que Krishna expe no Dhgead- Cit rerio Anu. As origns de rth so obra €um aaa ee Vilna fo sae), nanan fo un deus bal nfs. ‘Talver tenha sido um heréi cultural na {ndia arcaica. Tem cerra temelbange com Hescales por sus pros, mae também com Eros porous aves Ema ade eee ale nei como o Romamene.” © Bhagmed-Gin € am pena ligne fl Feo aerdn no grande poems dice Mable gue wsume ‘uma deun dogo enw bed rjunn eo deus Kn ue dpa come ocouiie desea de gue ‘avs dcomeyat abt, Aun a, eri por emo sos mcipado su dharma de pipe gu leno «om Dace en ina cu js meio gece Eo dese sangu seus primo, Malu sea um rime expel conse isis le com ts plas ‘Zedon “Chor por quem no devs cone O bono chara Temelrvis ne pls mored Em ssui hexoe 200 tana wind soe 2 ineaiade do mind. NEO um jogo indica, mas sim amas em si mesma (tri) gue lea 9 ome agi Quem ci que alba i atare quem gue ver mover ambos so ignorant, O ser emma em mote 0 wr E nese e permanent como pode naar e como pode Tore! Porm se ucts qu, evant, eu aver pode Toner io teas; monte neil Tads on eres mscem, Tewe eo nse, pom or que bis em nda corpo more mae Aun el, prplese Ta dns qu ange doconhecment (avn oli deed qu or ea be Fir Damoraum wen jain sou aloe es {5; Deora um ove paquitadar mexicans Benjamin Ae deisel comprar Te Ke ye ce Pans, De, 1984 159 Pee ‘asio) ¢ superior ago. Agora me dives que ago éiluséria, Entdo or que me impulsionas a cometer feitos tcrrivei? O deus Fesponde: Hs um duplo caminho: a ioga do conhecimento e a ioge dda agio (carma ioge). © homem néo se liberea unicamente pela ‘mera rentincia. A agio também liber, Em seguida o instrui em sua doutrina. Avé agora Krishna limitou-se a afiemar que a agdo é inevile vel: nascere viver ¢ fazer e obra. Porém, como pode ser legitima 2 agio, como pode ser caminho de libertagio? Krishna € uma ‘manifestagio de Vishnu, © deus supremo que cria 0 mundo, Preservaco e o dest. Krishna continua: nada nos ciés mundos ‘me resta por cumprir ou por alcangar; no entanto, patticipo da sgfo... Os mundos seriam destruidos se eu no cumprisse minha parte, Assim como © ignorance obra por apego 20 ato (¢ a 51 ‘mesmo), 0 sébio obra sem apego (come eu) e com o fim tinico de ajudar 0 mundo. Filantropia? Nao ineeiramente: Krishna fala faqui em seu aspecto de deus que conserva o mundo, Porém uma coisa ¢ conservislo, evita que caia no caos e na desordem, e outea & mudé-lo, redimi-lo: Krishna no propée a redengfo, mas a preservagio da ordem universal. Seu propétito é revelar 2 Arjuna © caminho para impedir que um ato, por mais meritério que sea, como combater pelos seus ¢ em defesa da jusiga, tenha conse. 4liénciase produza um earma, Krishna prossegue: ainda que exte- jiamos aprisionados por nossos atos e suas conseqiiéncias, hi cer ‘as agées que nos liberram, aquelas que executamos com absolu- to desprendimento. Krishna exorta 0 herdi a cumpri seu dever de guerrero, ainda que cause inumerdveis dores e mortes, com a condigio de que 2 agio seja cometida e levada a cabo de modo desinteressado. A doutrina de Krishna é a da agio nio-a¢io, quero dizer, a do ato que néo aprisions a quem o execute E impossvel nfo se comover diante da doutrina de Krishna Porém me pergunto: quem pode redlizar um ato assim? Como € ‘onde? O hetsi do Bhagevad-Gite € duplamente hersico: é um juerriro ¢€ um santo, um homem de agio ¢ um filésofo quiets, 160 Pois a agio pregida por Krishna s6 pode cumpri-se por uma ope- tagio spiritual semelhante libercagio do ascetasoitirio: por uma ruptura total de todos of Lagos que nos unem ao mundo e pela destuigdo do eu € da ilusio do tempo. Imaginemos esse momen to: Arjuna vé Arjuna combatendo ¢ sabe que ele é © nio é esse [Arjunas 0 verdadeiro Arjuna néo é 0 que combate nem aquele que se ve combatet, mas 0 outto, que néo tem nome e que s6 & Nesse ‘mesmo instante, o futuro se desvanece eo tempo se dissipa: Arjuna ji esd livre de Anjuna, Quem eeaiza 0 ato e quando? Tudo sucede hum eterna agora, sem ances nem depois, sem ontem nem ama: hi. A agio sem agéo é idéntica&liberago e por iso Krishna pos- ula, ante a ioga do conbecimento, a ioga da ago. O aro executse ddo por Arjuna é um ato ou dssipou-se também com o her6i e com movin Mouina de isha sable eprofnds Aco n0 enn eparsinidamene us obser A rime Sibert sri gt que lmeneeendrs rma Kein ao propte eine uma nove as age tee baler use reser com yr despre re ques ste doses qe Spend de sisson segunda ensents parr oo ncndsonade. En ware oor tao hi raptrs com o undo more doch ¢ casero em ume ree onde jn hi note nen di Resmi ences queude es 2 Melhor dena eane frmcto de ayo cum po de vergnom queue. Ne unis obese nda que asco ns aprisone © Bei eerctouon ods os omens que vo perso sch Seo cade Agu seus mat cme Dona, oun se pane cro Dhaai oo Minton co amiges? O deine wbrehumeno que pee Tanhes tem oe fa: 1 inden dane do simon tin Noo fact angst de Ajonae povs—~ caro Sthoraeeneconeqitnc ds hrvel mats Paseomemai owed Toms de Aino: maar read, at clara 161 aguerrasjustas, A tercira observagio € uma continuagio da segunda: 0 desprendimento de Arjuna é um ato fatime, uma remincia 2 si mesmo e seus apetces, um ato de heroism esp- Fitual que, no entanto, nfo revela amor ao préximo. Arjuna no salva ninguém,exceto si mesmo, Exagero? Nao cio; 0 mini- smo ques pode dizer & que Krishna prega um desinereste sem filantropia. Ele ensina a Arjuna como escapae do cerme como salvar asi mesmo, nia como salvar os outros. ‘Termino essas reflendes: nfo é possivel define a cx inagto da India — sem excluir oF musulmanoe, que possuem rambémn uma bela cadigio mistica — somente, como é costume no (cident, por sua versio religisa e ascétca. Gandhi foi um ver dadeiro hindu e um santo, mas nem a santidade nem scastidade definem a fndia. A apiane © a yotshiequilibram a balange: 2 beleza fisics também postui uma ieradiagio que, 4 sua mancira, € magnetismo espiritual. © povo indiano aio ¢ resignado nem ascético. Com freqlénciaé violent ea sensualidadeé um taco proeminente em sua arte ¢ em seus costumes, Pastvidade © ascetisma sio uma face da moeda,Passvidade eambém se chama amor ativo pelasidéias asceriema & ainda erotismo e, muitas ‘exes, violencia: Krishna, Shiva, Durga sio deuses apaisonados ¢ combativas. O génio indiana ¢ amor pela sbstragio mais ales e simultaneamence, paso pela imagem concreta. As vezesé mag. nifico: outs, prolixo. Ele nos fascina e nos cansa. Criow 8 arce inaislicida ea mais instincva. E absteato e natralisa, sexual ¢ inelectua, pedanre sublime. Tado junco. Vive eneee ot ‘excremos, abraga-es plantado na terrae imantado por um além invisivel. Por um lida: epetigo de formas, superposigio de con- cxitos,sincressmo, Pela outro: sede de totaidade © unidade. Opuléncia e despojamento. E em seus momentos mais alos encamnagio de uma roralidade que é plenitude ¢ vacuidade, ransfiguragio do corpo em uma forma que, sem deixar de ser corporal e sensivel,éexpiriual 162 ae (0s AgriFictos po Temro Cada civlizagio & uma visto do tempo. Istiuiges, obras de ate, conics, filosofias, tudo 0 que fazemos ox sonhamos € uma tama de tempo, [dia ¢sentimento do tanscore, 0 tempo nio mera sucestio; para todos ot povos é um processo que possi uma diego ou aponca para um fim, O tempo tem um sendido Melhor dizendo: 0 tempo ¢ 0 sentido do ext, at mesmo se afirmarmos que este catece de eentido, As opostas aiudes dos hindus e cits diane da condigéo humana — carma e pecado cxiginal, molihae redengio — inscrevemese em dstints vibes do tempo, As duasatinudes so manifestagbes conseqincias do sucederrempord; no somence passim no tempo esfo eas de fempo, mas também s40 0 efito de um fato que determina © tempo e sua diesS0, Esse fir, no cazo do crsianisme, ocorren antes que comeceseo tempo: fla de AdSo e Eva foi cometida fem um lugar até entfo imine & mudanga—o Paraiso. A hisSria do género humano comesa com a expulsto do Eden e nossa queda na histcia, No caso do hindulsmo (edo budismo) «causa ho € anterior, mas inrente a0 préprio tempo. Para ocristanis- smo, 0 tempo éfilho da fala originals por iso sua visto do tempo é negatva, ainda que no inteiramente: os homens, pelo sacrifiio de Cristo, egragas ao exercicio de sua liberdade, que é um dom de Deus, podem salar. O tempo nfo & 6 condenago: & tam- bbém uma prova, Para o hindu o tempo, em si mesmo, & mau Melhor dizendo, por ser impermanence e mutve,éilséro. E tempo, € maya uma mencira em aparénciaprazencra, mas que no send sofrimenc, erro finalmente, morte que nos conde- tala renascer na horlel Rico de outra vida igualmence dolorosa ce quimésic. ace os cristo © os judeus, também para os mugulmanos, howe uma criagfo, “A cosmogafia elses’, diz Louis Renau, > "imagina um ovo de Brama de onde brotam as sties de criagSes 163

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