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Sociologia iv
1ª EDIÇÃO ATUALIZADA
2015
Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.
EDITORA UNIMONTES
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) - Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089
Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214
Ministro da educação Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/
Cid Gomes Unimontes
Maria das Mercês Borem Correa Machado
Presidente Geral da CAPeS
Jorge Almeida Guimarães Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes
Antônio Wagner Veloso Rocha
Diretor de educação a Distância da CAPeS
Jean Marc Georges Mutzig Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes
Paulo Cesar Mendes Barbosa
Governador do estado de Minas Gerais
Fernando Damata Pimentel Chefe do Departamento de Comunicação e Letras/Unimontes
Mariléia de Souza
Secretário de estado de Ciência, Tecnologia e ensino Superior
Vicente Gamarano Chefe do Departamento de educação/Unimontes
Maria Cristina Freire Barbosa
Reitor da Universidade estadual de Montes Claros - Unimontes
João dos Reis Canela Chefe do Departamento de educação Física/Unimontes
Rogério Othon Teixeira Alves
vice-Reitor da Universidade estadual de Montes Claros -
Unimontes Chefe do Departamento de Filosofia/Unimontes
Antônio Alvimar Souza Alex Fabiano Correia Jardim
Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Da escola de Frankfurt à teoria de Jurgen Habermas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Distinção entre as esferas do indivíduo e da sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
As contribuições de Elias, Giddens e Bauman, para a compreensão das sociedades
contemporâneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Ciências Sociais - Sociologia IV
Apresentação
Caro(a) acadêmico(a), que bom estar com vocês de novo! Se voltarem um pouquinho ao
tempo, lá no início do primeiro período, na sociologia I, vão se lembrar de que nós falamos da
importância da sociologia na formação do professor e também de como essa disciplina – apesar
de apaixonante – é complexa e requer muita persistência para apreender os seus conteúdos. Pois
bem! Já se passaram três períodos e agora estamos aqui para conhecer a sociologia IV.
Antes de adentrarmos no mundo da sociologia IV, é preciso compreender que apreender
sociologia é um processo, ou seja, ninguém dorme hoje e acorda amanhã conhecendo a socio-
logia, vamos puxar pela memória. Na disciplina de Sociologia I (primeiro período), estudamos o
contexto do surgimento da sociologia, as condições históricas e intelectuais que possibilitaram o
surgimento da ciência da sociedade bem como a especificidade do objeto sociológico e a pecu-
liaridade do objeto. Ainda na sociologia I começamos a estudar os autores clássicos da sociolo-
gia. Quem de vocês não se lembra de Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber?
Na Sociologia II continuamos os estudos das matrizes clássicas da sociologia. De forma até
exaustiva estudamos a interpretação que Marx, Durkheim e Weber deram ao capitalismo e tam-
bém como os referidos autores pensavam a mudança social na sociedade moderna. Vocês viram
que, embora, os autores tivessem como objetivo analisar o capitalismo, cada um deles fez esta
análise a partir da sua ótica. Assim: Karl Marx analisava a sociedade moderna de uma perspecti-
va materialista, lembra-se do materialismo histórico? Emile Durkheim analisava a partir da pers-
pectiva da integração social, lembra-se da solidariedade mecânica e da solidariedade orgânica? E
por último, Max Weber analisava da perspectiva individual, lembra-se do conceito de ação social?
Uma questão muito importante destacada nas sociologias I e II é que os autores estudados
seriam a base para a compreensão da teoria sociológica contemporânea. Vocês se lembram de
que na sociologia III, no semestre passado, comprovamos isso porque a nossa primeira unidade:
o estrutural funcionalismo de Parsons e Merton. Vimos que Parsons, por exemplo, tentou fazer
com a sua teoria geral da ação, uma interface entre a teoria da sociedade de Durkheim, onde a
estrutura é preponderante, e a teoria da ação social em Weber, onde a agência humana é pre-
ponderante. As outras escolas estudadas, o interacionismo simbólico, a etnometodologia e a teo-
ria da troca social (na perspectiva individualista), tiveram sua inspiração na microssociologia, que
é herança da sociologia weberiana e que tinha como ponto de partida o indivíduo.
Agora, na Sociologia IV, vamos estudar três unidades que contemplam autores muito im-
portantes para a nossa formação como futuros professores de sociologia. Vamos começar com a
unidade intitulada “Da Escola de Frankfurt à teoria dual de Jurgen Habermas”, em que estudare-
mos o histórico e os principais temas de pesquisa de um grupo de pesquisadores do Instituto de
Pesquisa Social de Frankfurt, que tiveram como objetivo contribuir para a teoria de karl Marx, es-
pecificamente sobre os motivos da não ocorrência da inevitabilidade histórica, ou seja, a revolu-
ção proletária e a instauração de uma sociedade comunista. Como expoente do terceiro momen-
to da escola de Frankfurt, estudaremos Jurgen Habermas. Veremos como o autor, partindo do
diagnóstico weberiano da modernidade, ou seja, a perda da liberdade e a perda do sentido, irá
construir sua teoria dual da sociedade a partir do sistema e mundo da vida. Na segunda unida-
de, “Distinção da esfera do indivíduo e da sociedade”, estudaremos como autores neomarxistas
contemporâneos – tentando contribuir para a teoria de Karl Marx – irão tentar operacionalizar
o conceito de classe social do referido autor. Autores como Jon Elster, Adam Przewoski e Erick
Olin Wrigth tentaram operacionalizar o conceito de classe social a partir do desenvolvimento do
capitalismo no século XX. O argumento comum dos três autores é que o desenvolvimento do
capitalismo no século XX não culminou na polarização de duas classes sociais – a burguesia e
o proletariado – como definido por Karl Marx. Elster e Przewoski consideram o surgimento das
classes médias como um elemento que impediu essa polarização entre burgueses e proletários.
Também estudaremos, na segunda unidade, a teoria da escolha racional que é uma corrente
dentro da sociologia que sustenta o argumento de que os indivíduos agem o tempo todo, ten-
tando maximizar os lucros ou minimizar as perdas. Finalmente, na terceira unidade, estudaremos
as contribuições de três importantes sociólogos contemporâneos: Norbert Elias, Anthony Gid-
dens e Zigmunt Bauman para a teoria sociológica atual. Nesses autores, estudaremos a questão
da modernidade, pós-modernidade, tempo e Espaço, globalização, entre outros.
Esperamos que vocês aproveitem bastante o quarto período de Ciências Sociais e apren-
dam a Sociologia IV.
Bons estudos!
Os autores. 9
Ciências Sociais - Sociologia IV
Unidade 1
Da escola de Frankfurt à teoria de
Jurgen Habermas
Sheyla Borges Martins
1.1 Introdução
Nesta primeira unidade, apresentaremos a abordagem de uma das maiores expressões da
sociologia contemporânea, denominada Escola de Frankfurt. Mais especificamente, estudaremos
as principais influências das correntes teóricas que compõem a Escola para o desenvolvimento
do pensamento social, a partir de meados do século XX.
11
UAB/Unimontes - 4º Período
ser considerado como a própria história do século XX: alguns dos acontecimentos mais impor-
tantes desse período foram vivenciados, estudados, tematizados e debatidos pela Escola de
Frankfurt (MUSSE, 1999).
Os teóricos de Frankfurt foram os primeiros a analisar as novas configurações estatais e
econômicas nas formações sociais do Estado capitalista. Eles estavam entre os primeiros a ver
a importância da comunicação de massa e cultura na constituição das sociedades capitalistas
avançadas. Eles viram a ciência e a tecnologia como forças de relações de produção e como o
fornecimento de ideologias para legitimar sociedades capitalistas contemporâneas. Desde o iní-
cio de sua investigação social, houve a intenção prática do conhecimento e da descoberta da
vida social em toda sua totalidade, a partir da rede de interações entre a base econômica, os fa-
tores políticos e legais até a vida intelectual da sociedade.
Para compreendermos a dimensão das teorias Frankfurtianas, algumas questões são colo-
cadas: como se define o progresso? Quais são os seus efeitos positivos e negativos? Esse foi o
empreendimento desses pensadores, que, na verdade, propuseram uma reformulação nos fun-
damentos das ciências sociais? Os seus principais interesses e princípios podem ser resumidos da
seguinte forma:
1. Desenvolvimento de uma crítica ao materialismo histórico (economicismo) no marxismo or-
todoxo. O afastamento do foco sobre a economia política deu-se pela necessidade de análi-
se dos fenômenos culturais para além do modelo de estrutura material.
2. Elaboração de uma crítica do capitalismo avançado (atualização da perspectiva Marxista).
3. Ataque à racionalidade instrumental como o princípio básico da sociedade capitalista.
4. Ataque à direção tomada pelo Iluminismo e ao surgimento de uma indústria do entreteni-
mento.
12
Ciências Sociais - Sociologia IV
13
UAB/Unimontes - 4º Período
que visa identificar e superar todas as circunstâncias que limitam a liberdade humana. Essa tarefa
normativa só pode ser realizada através de uma interação interdisciplinar entre filosofia e ciência
social, através da pesquisa empírica. De acordo com Horkheimer, uma Teoria Crítica é adequa-
da somente se preencher três critérios: deve ser explicativa, prática e normativa, tudo ao mesmo
tempo. Ou seja, deve explicar o que está errado com a realidade social atual, identificar os atores
para mudá-la e fornecer normas claras, tanto para a crítica quanto para a transformação social.
Qualquer teoria verdadeiramente crítica da sociedade tem como objeto os seres humanos
como produtores de sua própria forma de vida histórica, o que mostra que a Teoria Crítica não
tem nada de uma teoria passiva, ao contrário, busca sempre articular teoria e prática.
No entanto, não se pode afirmar que a Teoria Crítica seja restrita à expressão da situação
histórica concreta, ao contrário, guarda em si um componente de estímulo e transformação. Sua
principal contribuição era abreviar o desenvolvimento para que os indivíduos fossem condu-
zidos a sociedade livre e sem exploração. O que está em questão é a tentativa de redefinição
do conceito de razão, tanto na prática como na teoria. Esta é a maneira pela qual os teóricos de
Frankfurt acreditam ser possível transpor os limites da razão instrumental. Os principais pontos
dessa perspectiva se apoiam na crítica que é feita aos seguintes elementos:
1. Filosofia Tradicional: crítica às formulações metafísicas e religiosas da realidade, na medi-
da em que defendem a utilização da religião e da metafísica como ideologias da sociedade
burguesa.
2. Razão: crítica à perspectiva da instrumentalização da razão, direcionada à obtenção de be-
nefícios em detrimento do saber. Ressalta-se aqui a dimensão "prática e utilitária" da razão,
o que fomentou uma cultura mecanizada e de consumo.
3. Sociedade Burguesa: a crítica é direcionada às possibilidades de mudança das estruturas
da moderna sociedade capitalista, a partir da utilização de pressupostos marxistas, ofere-
cendo uma alternativa à revolução.
4. Marxismo: O foco da crítica é o dogmatismo marxista. Ainda que, utilizando os preceitos
dessa linha de pensamento, os teóricos de Frankfurt abrem mão das ideias de "ditadura do
proletariado", da luta de classes como motor da história e, principalmente, da determinação
da base material como sendo determinante em qualquer sociedade.
A Teoria Crítica é crítica, portanto, porque rejeita a civilização moderna, o cientificismo po-
sitivista, o "ideal" cientificista aplicado ao domínio humano. Dessa forma, é definida como uma
proposta teórica que não é dogmática, mas capaz de evidenciar o potencial crítico nas ciências
humanas. Sua principal contribuição está na possibilidade de apreensão da realidade como ela
de fato é, através da análise das estruturas sociais vigentes e, principalmente, das situações histó-
ricas concretas.
A Teoria Crítica, que em muitos pontos é tida como a própria Escola de Frankfurt, continua
a ser de grande interesse para a conjuntura atual e fornece recursos essenciais para a renova-
ção da Teoria Crítica social e política, precisamente porque, como na época de sua formulação,
a nossa época está passando por transformações enormes, algumas das quais são promissoras
e algumas ameaçadoras. Voltar aos clássicos na Teoria Crítica, portanto, é uma possibilidade de
enriquecimento teórico e metodológico na construção do conhecimento.
14
Ciências Sociais - Sociologia IV
15
UAB/Unimontes - 4º Período
16
Ciências Sociais - Sociologia IV
17
UAB/Unimontes - 4º Período
Figura 8: Cegueira
Fonte: Disponível em
<www.guiatpm.files.
wordpress.com/tiras_ca-
pitalismo>. Acesso em 15
mai. 2010.
O mundo, nessa perspectiva, é um mecanismo onde a racionalidade pode agir, ainda que
não se tenha certeza sobre os valores que dirigem o comportamento dos indivíduos. Desse
modo, a racionalidade instrumental apresenta-se em três momentos distintos:
1. A descoberta dos meios para alcançar os objetivos.
2. A seleção dos meios mais eficientes.
3. A previsão do comportamento racional dos outros.
A Razão Comunicativa, por outro lado, é baseada em uma análise do uso social da lingua-
gem, orientada para alcançar um entendimento comum. Está ligada à capacidade humana para
a racionalidade, que não é individualista, mas uma capacidade inerente à linguagem, especial-
mente na forma de argumentação. Na estrutura do discurso argumentativo, há uma busca de
compreensão, sem força coercitiva, com o poder convincente do melhor argumento. Trata-se,
portanto, de uma racionalidade intersubjetiva.
Para Habermas, a ação comunicativa baseia-se num processo deliberativo onde as pessoas
interagem e coordenam sua ação com base na interpretação da situação. Nota-se, assim, que a
racionalidade é a chave tanto para a dominação quanto para a emancipação. Por isso, a teoria
18
Ciências Sociais - Sociologia IV
da ação comunicativa tem como objetivo principal demonstrar a relação existente entre a razão
e a comunicação. Nesse sentido, a teoria, além de servir de base para uma crítica da razão ins- Dica
trumental, constitui-se como critério através do qual é possível distinguir o poder legítimo do Jurgen Habermas, filó-
ilegítimo. Assim, o poder para Habermas somente será legítimo se estiver fundamentado no con- sofo e teórico social, é
senso alcançado pela ação comunicativa. considerado por muitos
como o mais importan-
te intelectual alemão do
pós-guerra, principal-
1.3.6 Sistema e mundo da vida mente por sua teoria da
ação comunicativa. Sua
maior preocupação é
A partir dos pressupostos apresentados, Habermas introduz em sua abordagem uma nova o desenvolvimento de
concepção de sociedade, em que se entrelaçam o conceito de mundo da vida (o fundo comum uma teoria que consiga
abarcar a igualdade e a
de conhecimentos que os indivíduos usam para atribuir sentido ao mundo) e do conceito de sis-
participação aberta no
tema. De acordo com esta abordagem “dual”, a sociedade evolui, diferenciando-se tanto como debate público, razão
sistema quanto como mundo da vida. pela qual seu trabalho
Os dois conceitos são utilizados para oferecer uma melhor compreensão das sociedades teórico-filosófico ocupa
modernas, correspondendo a uma separação da sociedade em duas esferas: a da reprodução uma posição significa-
tiva no discurso social
material e a da representação simbólica.
e político ocidental.
Sistema: Esse conceito descreve as estruturas responsáveis pela reprodução material e ins- Como componente da
titucional da sociedade: a economia e o Estado, que representam dois subsistemas: o dinheiro Escola de Frankfurt,
e o poder, respectivamente. Nesse plano, a linguagem é secundária e há o predomínio da razão Habermas elabora uma
instrumental. crítica profunda das
formas de dominação
O mundo da vida: É composto pelas experiências comuns a todos os atores, das tradições,
na sociedade moder-
da cultura e da língua compartilhada. É o espaço social em que a ação comunicativa permite a na, admitindo, porém,
realização da Razão Comunicativa, alicerçada no diálogo e no argumento. Representam três sub- a hipótese de que o
sistemas: personalidade, social e cultural, regulados pelos mecanismos de integração social. De “projeto da modernida-
acordo com Habermas, os dois mundos não são antagônicos, ao contrário, são complementares. de” pode ser redimido,
através da reconstitui-
ção dos dilemas razão
Quadro 1 numa dimensão da
Relações entre o Mundo da Vida e Sistemas ação comunicativa.
Mundo do Sistema Mundo da vida
A partir desses dois campos, a análise da modernidade de Habermas tem como pressuposto DICA
algumas transformações societárias que aconteceram e foram especificadas em quatro proces-
Assista ao filme “Me-
sos, que apresentam aspectos positivos e negativos. trópolis”, produzido em
Em relação aos aspectos positivos, as sociedades passaram por processos de: 1927. É um filme alemão
1. Diferenciação: traduzidas principalmente na divisão de tarefas políticas e econômicas, o de ficção científica que
que fez com que a reprodução material e simbólica da sociedade se tornasse mais compe- demonstra preocu-
tente e eficaz. pação crítica com a
mecanização da vida
2. Autonomização: ou seja, a separação relativa de uma esfera do conjunto societário, propor- industrial nos grandes
cionando maior autonomia no seu funcionamento, o que representa uma conquista relativa centros urbanos, ques-
de liberdade das esferas em questão. tionando a importância
do sentimento humano,
Por outro lado, com uma conotação negativa, houve os processos de: perdido no processo.
1. Racionalização: tipicamente instrumental, com o predomínio do calculo da eficácia, o que
trouxe efeitos indesejados para a sociedade, na medida em que os benefícios passam a ser
um fim em si mesmo. Dessa forma, há a expulsão da razão argumentativa, que seria capaz
de proporcionar a negociação coletiva dos fins.
19
UAB/Unimontes - 4º Período
2. Dissociação: que desconectou a produção material dos processos sociais da vida cotidiana,
Atividade levando o poder e a economia a assumir aparência natural (FREITAG, 2000).
Faça análises críticas
sobre a Escola de Frank-
furt e a Teoria de Jurgen 1.3.7 As patologias da modernidade
Habermas e debata com
os colegas no fórum de
discussão. Os processos de transformação de conotação negativa – racionalização e dissociação – são,
em boa medida, os responsáveis pelas patologias da modernidade.
• A dissociação trouxe consigo o desengate do sistema e do mundo da vida.
Glossário
• A racionalização provocou uma contaminação da economia e do estado, além de contami-
Racionalidade: Quali- nar também o mundo vivido.
dade ou estado de ser
Por isso é que Habermas defende que o sistema colonizou o mundo da vida, fazendo com
sensato, com base em
fatos ou razão. Implica que os indivíduos estejam subjugados às leis do mercado e à burocracia estatal. Em decorrência,
a conformidade de o sistema se fortalece e passa a impor a sua lógica ao mundo da vida (FREITAG, 1995).
suas crenças com umas A colonização, portanto, diz respeito à introdução da racionalidade instrumental e dos me-
próprias razões para canismos de integração do “dinheiro” e do “poder” no interior das instituições culturais, que dei-
crer, ou de suas ações
xam, nesse caso, de funcionar segundo o princípio da verdade, normatividade e expressividade,
com umas razões para
a ação. passando a funcionar segundo o princípio do lucro e do exercício do poder, atuantes no sistema
Ação comunicativa: econômico e político.
Refere-se a uma teoria
desenvolvida por Jur-
gen Habermas - filósofo
e sociólogo alemão. 1.3.8 A saída para os dilemas da modernidade
Trata-se de uma análise
teórica e epistêmica
da racionalidade como Como vimos anteriormente, Habermas não é pessimista com relação ao futuro da humani-
sistema operante da dade. Ele argumenta que há uma maneira de sair desta situação: a fim de superar as crises so-
sociedade. Habermas ciais, é necessário contrabalançar a racionalidade instrumental, trazendo a racionalidade comuni-
contrapõe-se à ideia cativa de volta ao jogo. Trata-se de promover o reacoplamento do sistema com o mundo vivido,
de que a razão ins-
trumental constitua a mas sem extinguir os limites estabelecidos e as autonomias adquiridas.
própria racionalização
da sociedade ou o único O “reacoplamento” se impõe para manter a integridade e complexidade do todo
padrão de racionaliza- a ser controlado e corrigido por todos os “envolvidos”. A “descolonização” se im-
ção possível, e introduz põe para permitir a livre atuação da Razão Comunicativa em todas as esferas e
o conceito de razão instituições do mundo vivido e na busca de “últimos fins” do sistema. As regras
comunicativa. do jogo para a sociedade como um todo precisam ser buscadas em processos
Cultura de massa: argumentativos, dos quais todos participem, definindo os espaços de atuação e
Também chamada de a fixação de objetivos do sistema. (FREITAG, 1995, p. 146)
cultura popular ou
cultura pop, é o total Para Habermas, a terapia para as patologias da modernidade deve se dar a partir de uma
de ideias, perspectivas, mudança de paradigma: da ação instrumental para a ação comunicativa, da subjetividade para a
atitudes, memes, ima-
gens e outros fenôme- intersubjetividade. É este o caminho da compreensão correta da modernidade e de suas patolo-
nos que são julgados gias. A prioridade deve ser a liberdade e a realização de todos os membros da sociedade. A teoria
como preferidos por da modernidade de Habermas, dessa forma, preserva os preceitos do projeto iluminista, apenas
um consenso informal promovendo modificações em sua forma.
contendo o mainstream
de uma dada cultura,
especialmente a cultura
Referências
ocidental do começo da
metade do século XX
e o emergente mains-
tream global do final do
século XX e começo do
século XXI. ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
FREITAG, Bárbara. Habermas e a teoria da modernidade. Cad. CRH. Salvador, n.22. p. 138-163,
jan/jun.1995.
HORKHEIMER, Max. “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”. In: HORKHEIMER, Max. Textos Escolhi-
dos. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
20
Ciências Sociais - Sociologia IV
MATOS, Olgária C. F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do iluminismo. São Paulo: Editora
Moderna, 1993.
MUSSE, Ricardo. As Raízes Marxistas da Escola de Frankfurt. In: A Escola de Frankfurt no Direi-
to. Curitiba: Edibej, 1999.
Sites
21
Ciências Sociais - Sociologia IV
Unidade 2
Distinção entre as esferas do
indivíduo e da sociedade
Maria da Luz Alves Ferreira
2.1 Introdução
Nesta segunda unidade, estudaremos, de forma específica, os espaços dos indivíduos e da
sociedade. Iniciaremos com a discussão sobre a operacionalização do conceito de classe social
pelo neomarxismo e a ação coletiva na perspectiva de Marx.
2.2 A operacionalização do
conceito de classe social pelo
Figura 10: Ação coletiva
Fonte: Disponível em
<http://abstracaocole-
tiva.com.br/2013/04/11/
neomarxismo modernismo-brasileiro-
-tematica/>. Acesso em 19
mai. 2010.
Os autores definem a
ação coletiva como um fe-
nômeno que resulta da in-
teração de dois ou mais
indivíduos cientes de suas
capacidades e dispostos a
dar sentido a sua prática so-
cial. Para autores como Olson
(1956), essa discussão traz
à tona o complexo proble-
ma da racionalidade da ação
coletiva, ou seja, indivíduos
singulares, situados em um
determinado contexto de so-
cialização, que interagem a
partir de critérios práticos e
racionalmente definidos.
Nesse contexto, a ques-
tão que se coloca é saber em
que medida a teoria da mo-
derna ação social concebe
os fenômenos coletivos não
institucionais – ou movimen-
tos sociais – como fenômenos de natureza racional. Ou seja, em que medida indivíduos isolados
admitem engajar-se numa ação conjunta para fortalecer ou defender sua situação? Nesta unida-
de será discutida a operacionalização do conceito de classe social para os autores que se funda-
mentam em Karl Marx. A fim de cumprir esse desiderato, far-se-á, num primeiro momento, uma
reflexão da ação coletiva em Marx – entendida como a ação de indivíduos engajados numa clas-
se social.
23
UAB/Unimontes - 4º Período
24
Ciências Sociais - Sociologia IV
estudado. Ele afirmou também que o número de classes definido por Marx pode não ter contem-
plado todas as classes existentes naquela sociedade. Outra crítica que Elster faz à teoria marxista
é o fato de esta não ter considerado categorias como renda, ocupação e status, pois, segundo
ele, essas categorias são centrais para inferir como a sociedade é estratificada.
Há cerca de quinze grupos a que Marx se refere como classes: burocratas e teo-
cratas no modo de produção asiático; homens livres, escravos, plebeus e patrí-
cios na escravidão; senhor, servo, mestre de guilda e artesão no feudalismo; ca-
pitalista industrial, capitalista financeiro, senhor de terras, camponês, pequeno
burguês, trabalhador assalariado no capitalismo. Não podemos, porém, definir
o conceito de classe com essa enumeração. Para decidir se os exemplos formam
um conjunto coerente, precisamos de uma definição geral. Queremos também
ser capazes de aplicar o conceito a outras sociedades, diferentes daquelas estu-
dadas por Marx. Em relação às que ele estudou, precisamos saber se sua enume-
ração das classes é exaustiva ou se poderiam existir outras além das que ele cita.
Em uma palavra, precisamos saber se em virtude da propriedade esses grupos
constituem classes (ELSTER, 1989, p 142).
Um aspecto considerado pelo autor é que Marx considerava que as classes não se diferen-
ciavam pela sua renda. Assim, ainda que membros de classes diferentes tipicamente obtivessem
rendas diferentes, isso não seria necessário; e, mesmo que fosse, não seria em virtude desse fato
que eles pertenceriam a classes diferentes.
O referido autor considera ainda que o pertencimento a uma classe é definido pela proprie-
dade ou não dos meios de produção. Entretanto considera que, para os objetivos de Marx, essa
definição não é suficiente – em que pese a importância desta variável –, mas, dependendo de
como ela é entendida, pode ser muito importante ou pouco importante. Pode ser muito impor-
tante se todos os atores que possuam alguns meios de produção além de sua própria força de
trabalho forem incluídos na mesma classe, porque isso não permitiria fazer a distinção entre se-
nhor de terras, capitalista, artesão e camponês. Pode ser menos importante se os atores forem
“relegados a diferentes classes, de acordo com a quantidade de meios de produção que possuí-
rem, pois isso criaria uma infinita fragmentação das classes” (ELSTER, 1989, p.144). O argumento
do autor é que, se a variável definidora de classe for a exploração – explorados por um lado, e
exploradores por outro –, em termos metodológicos não é interessante, na medida em que deixa
de captar as nuanças do modelo capitalista de seis classes postulado por Karl Marx.
Em relação à consciência de classe que era para Marx a condição sine qua non para a ação
coletiva, Eslter considera que a condição para a ação coletiva é que os membros de uma classe
tenham uma compreensão da sua situação e de seu interesse.
26
Ciências Sociais - Sociologia IV
verdadeiros interesses. Por volta de 1870, a guerra de duas frentes foi substituída
por um argumento de divisão para conquistar. Marx sugere que, se não fosse Dica
pela presença dos irlandeses, os trabalhadores ingleses teriam sido capazes de
perceber seu interesse real e seu inimigo real. Tendo alguém abaixo deles para Entenda mais sobre
desprezar, distraíram-se do inimigo principal. (ESLTER, 1989, p. 149). o movimento cartista
acessado o site www.
historiadomundo.com.
Elster destaca também a relevância das classes sociais tanto como fonte de conflito, quanto
br
como “instrumento” de barganha para a formação de alianças determinantes da estrutura de po- No endereço eletrônico,
der em uma determinada sociedade. Entretanto, embora as classes sejam relevantes, o autor não você encontrará artigos
admite que estas sejam centrais – como Marx afirmava – para a explicação dos conflitos entre os e textos sobre o assun-
grupos organizados coletivamente na sociedade. to, para aprofundar os
estudos.
27
UAB/Unimontes - 4º Período
Como agentes históricos, as classes não são determinadas unicamente por quais-
quer posições objetivas, tem mesmo a de operários e capitalistas (...) a própria
relação entre as classes como agentes históricos (classes em luta) e os lugares
nas relações de produção deve tornar-se problemática. As classes não são deter-
minadas unicamente porque quaisquer posições objetivas, porque constituem
efeitos de lutas, e essas lutas não são determinadas unicamente pelas relações
de produção. A formulação tradicional não nos permite raciocinar teoricamente
sobre as lutas de classes, uma vez que as reduz a um epifenômeno ou as consi-
deram isentas de determinação objetiva. (...) as classes são um efeito de lutas que
ocorrem em uma determinada fase do desenvolvimento capitalista. Devemos
compreender as lutas e o desenvolvimento em sua articulação histórica concre-
ta, como um processo (PRZEWORSKI, 1989, p. 86-87).
Portanto, o autor defende a necessidade de se conceber a formação das classes como re-
sultantes de lutas estruturadas por condições econômicas, ideológicas e políticas que ocorrem
objetivamente, moldando as práticas de movimentos que organizam os trabalhadores em uma
classe, sendo que as classes são constantemente organizadas, desorganizadas e reorganizadas.
Para ele, o problema que se apresenta em operacionalizar o conceito de classe social, como
Marx entendia, dá-se porque em lugar de que as classes existem objetivamente dentro das rela-
ções de produção, em alguns períodos históricos, a noção de classe seria irrelevante para a com-
preensão da história. Ele dá como exemplo o período em que essas classes não desenvolvem a so-
lidariedade e a consciência de classe ou quando não têm efeito político. Outra objeção colocada
pelo autor é que a identificação das classes como força política organizada traz à tona o problema
de como remontar à origem dessas classes no nível dos lugares na organização social da produção.
Ele propõe, para superar essa dificuldade, do ponto de vista metodológico, conceber as clas-
ses formadas decorrentes de lutas estruturadas em vários campos, como político, ideológicos e
econômicos que ocorrem em condições objetivas, também políticas, econômicas e ideológicas
que moldam as práticas dos movimentos organizados dos operários em classe. Considera, ainda,
que as classes não são um elemento anterior à história das lutas concretas como também não
antecederam à prática política e ideológica, sendo que elas se constituem em uma fonte impor-
tante de divisão social. Para ele, as classes:
Przeworski considera ainda que, apesar das várias tentativas de reinterpretação da teoria da
classe média de Marx, não se constata um grande avanço, no sentido da operacionalização do
conceito nas sociedades capitalistas, nas últimas décadas. O que parece consenso é que o de-
senvolvimento do capitalismo culminou, além do crescimento da força de trabalho excedente
– produtores imediatos e organizadores do processo de trabalho – em uma categoria que não se
enquadra em nenhuma das duas citadas acima, ou seja, que apesar de não ter uma relação dire-
ta com a produção, do ponto de vista técnico, são indispensáveis para “reprodução das relações
capitalistas de produção” (PRZEWORSKI, 1989, p.108).
Na perspectiva do autor, o conceito de classe é mais abrangente do que a velha teoria mar-
xista supunha. A polarização entre os proprietários dos meios de produção e proprietários da for-
ça de trabalho não é empiricamente aplicável para as sociedades capitalistas contemporâneas. A
estas devem ser adicionadas as classes médias que são fundamentais para se continuar reprodu-
zindo a estrutura das relações capitalistas de produção.
28
Ciências Sociais - Sociologia IV
Portanto, o autor defende que a análise de classes não tome como ponto de partida o lugar
que as pessoas ocupam no sistema de produção, pois o capitalismo constantemente gera um
grande número de trabalhadores que não dispõe de emprego produtivo, mas que se organizam
pela luta de classes. Ele ressalta ainda que a definição do proletariado com base na não proprie-
dade dos meios de produção não é operacionalizável no século XX, pois o crescimento de seg-
mentos que não se enquadram nessa categoria cresce em toda a sociedade e até mesmo dentro
do proletariado.
Quadro 2
Primeiro mapa de classes desenvolvido por Wright
1. Burguesia capitalista tradicional;
2. Posição quase contraditória (altos executivos de empresas);
3. Posição contraditória (gerente de alto nível);
4. Posição contraditória (gerentes de nível médio);
5. Posição contraditória (tecnocratas);
6. Posição contraditória (supervisores);
7. Proletariado;
8. Posição contraditória (trabalhadores semi-autônomos);
9. Pequena burguesia;
10. Pequenos empregadores.
Fonte: Extraído de Santos, 2002.
29
UAB/Unimontes - 4º Período
Figura 18:
Trabalhadores da Sang
Yong protestam contra
demissões em fábrica
na Coreia do Sul
Fonte: Disponível
em <http://g1.globo.
com/Noticias/Carros/
foto/0,,20433494-EX,00.
jpg>. Acesso em 19 mai.
2010.
O autor comprovou empiricamente que, na sociedade capitalista atual, ocorre uma frag-
mentação da estrutura de classes e, consequentemente, a expansão da classe média. Nesse sen-
tido, alguns setores da classe média são considerados contraditórios, porque ao mesmo tempo
em que dominam os trabalhadores, são dominados pelos capitalistas.
Segundo Santos:
30
Ciências Sociais - Sociologia IV
31
UAB/Unimontes - 4º Período
Outra questão importante da escolha racional é que ela não exige que seus modelos de
Figura 21: Greve X
ação sejam inteiramente realistas. O objetivo é fornecer previsões com sucesso, na maioria dos
Compras.
Fonte: Disponível em
casos, e, quando houver falha, fornecer elementos explicativos. Portanto, o papel explicativo da
<http://willianchaves. suposição de racionalidade nos leva a esperar certa consistência no comportamento dos indiví-
blogspot.com.br/2010/05/ duos, entretanto não revela as suas motivações. Assim, a escolha racional está intimamente liga-
greve-acaba-e-aulas-
-voltam-amanha.html>.
da à corrente do individualismo metodológico, como pode ser compreendido a partir da citação
Acesso em 19 mai. 2010. a seguir:
Elster parte do princípio de que, na escolha racional, toda construção teórica parte de um
modelo do comportamento de um indivíduo, cuja ação é orientada, unicamente, pela adequa-
ção de meios em relação aos fins. Em outras palavras, a vida social é o resultado de um grande
número de decisões de indivíduos, buscando atingir fins específicos e, para tanto, lançam mão,
da forma mais eficiente possível, dos meios que estão ao seu alcance. Nesse processo, os indi-
víduos são obrigados a interagir uns com os outros, pois atingir os objetivos de uns implica au-
mentar ou reduzir as chances dos demais.
32
Ciências Sociais - Sociologia IV
Para o autor, um determinado estado do mundo é lido como o resultado dos impactos re-
cíprocos das ações individuais, muitas das quais não intencionais, outras representando um re-
sultado sub-ótimo e outras ainda sendo uma solução eficiente para o problema colocado pela
adequação de meios a fins dos indivíduos. O problema para o conhecimento da Escolha Racional
residiria, portanto, em compreender como indivíduos orientados por fins diversos, com uma úni-
ca norma de ação, produzem os resultados sociais observáveis.
Agir racionalmente é fazer tão bem por si mesmo quanto se é capaz. Quando
dois ou mais indivíduos interagem, eles podem fazer muito pior por si mesmos
do que agindo isolados. Essa percepção é talvez a principal conquista da teoria
dos jogos, ou a teoria das decisões interdependentes. Mas a teoria também é útil
de vários outros modos. Com efeito, uma vez que alguém chegue a examiná-lo
plenamente, ela mostra ser não uma teoria no sentido ordinário, mas o contexto
natural e indispensável para compreender a interação humana. É nesse sentido,
mais próxima à lógica do que uma disciplina empírica. Torna-se uma teoria em-
pírica, uma vez que acrescentemos princípios de comportamentos que possam
ser testados e verificados verdadeiros ou falsos, mas não se mantém ou cai com
o teste empírico (ESLTER, 1994, p. 44-45).
Para a escolha racional, a ação social deve ser compreendida como um ato racional rea-
lizado por um indivíduo sem constrangimentos morais ou valores, ou seja, como é a ação de
alguém, que busca exclusivamente adequação de meios disponíveis, em relação a fins estabele-
cidos.
Se não há garantia de que os indivíduos serão motivados para se orientar da mesma forma
em relação a objetos, como é possível formar expectativas sobre o comportamento dos outros
atores e, consequentemente, realizar o cálculo necessário para poder escolher o curso de ação
mais eficiente? Se o nível de incerteza sobre o comportamento dos demais atores é excessiva-
mente alto, não é possível agir racionalmente, pois as decisões são tomadas ex-ante, supondo
determinado padrão de comportamento dos demais atores envolvidos.
33
UAB/Unimontes - 4º Período
Embora a natureza do processo de escolha mude, percebe-se aqui outro ponto em comum
nas duas formulações: em ambas, o problema da seleção, da ação social como um problema da
Dica escolha realizada pelo ator, possui centralidade. Enquanto para a Escolha Racional o problema da
seleção se refere ao cálculo da conduta mais eficiente e, para tanto, coloca-se o problema da se-
Para aprofundar os
estudos da unidade, leção das informações, para Parsons o problema sociológico se coloca quando está posto o pro-
sugerimos assistir ao blema da seleção entre certas formas de orientação cognitiva, catética e avaliativa, algumas das
filme “Eles não usam quais mais apropriadas para a convivência social.
Black-Tie”. A obra nacio- Diferentemente da Escolha Racional, para Parsons, a sociedade somente é possível, pois
nal é de 1981. É baseada existe um “a priori” entre indivíduos, ou seja, uma convergência nos processos de discrição de
em uma peça teatral de
cunho sociopolítico. certos objetos (cognição), de atribuição de significados (catecsia) e escolha de uma conduta mo-
ralmente aceitável (avaliação). Qual seria a origem desses processos não é um problema a ser in-
vestigado pela sociologia, para Parsons. Se a vida em sociedade existe é porque há a convergên-
cia desses processos, mesmo que eles mudem com o tempo. Já para a escolha racional, o critério
utilizado na seleção é em si o eixo explicativo de toda teoria, a eficiência instrumental da escolha.
No entanto, dados os fins diversos e as múltiplas formas de dispor dos meios, não haveria nenhu-
ma garantia de que as orientações fossem as mesmas.
Mas, como dito anteriormente, posto dessa forma, o problema da escolha da conduta mais
eficiente se torna praticamente insolúvel. A complexidade do cálculo que cada ator teria de reali-
ATIVIDADE zar em relação às inúmeras possibilidades de ação dos demais atores tornaria o esforço de busca
de informação e cálculo de custos e benefícios para cada uma das opções não apenas muitíssi-
Faça uma pesquisa
sobre a biografia dos mo trabalhosa como marcada por enorme incerteza. Nesse caso, pode se tornar racional simples-
autores Jon Elster Erick mente escolher uma norma de conduta, um padrão de comportamento preestabelecido, evitan-
Olin Wright e Adam do a necessidade do cálculo.
Przeworski e discuta Posto de outra forma, se o fim é escolher o curso de ação mais eficiente, é perfeitamente ra-
com seus colegas a con-
cional adotar uma conduta orientada por uma norma. Se há um grau de incerteza muito alto so-
tribuição desses autores
neomarxistas para a bre a conduta a ser seguida pelos demais atores, não será racional gastar uma quantidade enor-
teoria das classes sociais me de tempo e esforço buscando as informações disponíveis e realizando um cálculo de custos
em Karl Marx. Os deba- e benefícios. Se o resultado esperado entre as diferentes opções é marcado por enormes incerte-
tes devem ser feitos no zas, é devido à dada a magnitude de possibilidades do comportamento de cada ator envolvido.
fórum de discussão.
Dito ainda de uma terceira forma, não é racional parar para buscar todas as informações dispo-
níveis e calcular todas as implicações para o conjunto dos diversos cursos de ação, seu e dos de-
mais atores, quando não é possível construir expectativas sobre o comportamento de ninguém?
Assim, uma solução eficiente para esse problema pode ser a de escolher normas que tor-
nem a seleção mais ágil. A racionalidade do processo de escolha guiado por normas em situa-
ções de alta incerteza é admitida por Elster, em Peças e Engrenagens das Ciências Sociais, livro
que foi a base de elaboração desta seção.
Referências
ELSTER, Jon. Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
LALLEMENT, Michael. História das ideias sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petró-
polis: Vozes, 2004.
34
Ciências Sociais - Sociologia IV
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
REIS, Bruno. Classes sociais e a lógica da ação coletiva. Revista Dados, 1991.
SANTOS, José Alcides Figueiredo. O esquema de classes neomarxista de Erik Olin Writght. In A
Estrutura de Posições de Classe no Brasil. BH: UFMG; RJ: IUPERJ, 2002.
35
Ciências Sociais - Sociologia IV
Unidade 3
As contribuições de Elias, Giddens
e Bauman, para a compreensão
das sociedades contemporâneas
Daniel Coelho de Oliveira
3.1 Introdução
Nesta unidade vamos destacar o espaço conquistado por inúmeros sociólogos nas últimas
décadas. O crescente número de publicações sociológicas pode revelar, entre outras coisas, a ca-
pacidade explicativa que essas teorias têm fornecido para os fenômenos da contemporaneidade,
tais como a intensificação das atividades globais em várias esferas, que se convencionou chamar
de globalização; e, paralelamente, o surgimento do mapa global com fronteiras mais rígidas, pro-
vocadas pelo reforço de identidades locais e regionais. Nota-se a elevação das trocas econômicas
e a metamorfose de uma sociedade que, para alguns, não pode ser chamada de “sociedade da
produção”, mas passa a ser sociedade do consumo, sociedade das relações “fluidas”. Já as mudan-
ças nas formas de solidariedade envolvem mais do que a criação de indivíduos racionais e egoís-
tas; surgem novas formas de solidariedade, como as redes de relacionamentos permeadas por
infinitas ligações.
Na atual Unidade, será possível trabalhar com um número restrito de autores que se con-
frontaram com os fenômenos contemporâneos. Por isso, optou-se por apresentar, nesta última
Unidade, o pensamento de três eminentes sociólogos: Norbert Elias, Anthony Giddens e Zyg-
munt Bauman. Vocês notarão que a lucidez e a originalidade de suas teorias são razões mais do
que suficientes para justificar suas escolhas.
37
UAB/Unimontes - 4º Período
Norbert Elias criou uma abordagem denominada “sociologia figuracional”, que parte do
princípio de que o surgimento das configurações sociais são consequências inesperadas das
interações sociais. Conforme Elias (1994), o conceito de “configuração” ressalta as ligações entre
mudanças na organização estrutural da sociedade e transformações na estrutura de comporta-
mento e na constituição psíquica. O autor pretende, assim, escapar da histórica dicotomia so-
ciológica: indivíduo versus sociedade. Na visão de Elias, a sociedade está sempre em mudança
estrutural, o que leva a um equilíbrio sempre tenso entre suas partes. Dentro do debate sobre
configuração também se inserem os jogos de distinção social e o controle de impulsos.
Na obra o “Processo Civilizador”, Elias (1994) levanta alguns questionamentos iniciais: quais
foram as causas ou forças que motivaram o processo civilizador ocidental? Como ocorreu essa
mudança? Em que constituiu?
Imaginemos que qualquer um de vocês que estão lendo este texto fosse transportado aos
tempos passados, em sua própria sociedade. Certamente notariam um modo de vida muito dife-
rente do seu, alguns costumes provavelmente causariam horror, enquanto outros, curiosos, atrai-
riam a sua atenção. Em outras palavras, vocês chegariam à conclusão de que a sociedade dos seus
antepassados não era “civilizada” no mesmo sentido e no mesmo grau que a sociedade ocidental
moderna. Elias (1994) entende que os caminhos tomados pelo processo civilizador dependem da
mudança na balança entre coerção externa e autocoerção, com prevalência da última.
Inicialmente, Elias (1994) examina os significados atribuídos ao conceito de “civilização” na
Alemanha e na França, para, em seguida, abrir caminho à compreensão do processo psíquico ci-
vilizador. Através de inúmeros exemplos, é possível observar como o padrão de comportamento
humano gradualmente muda em uma direção específica. Por exemplo, a mudança específica nos
sentimentos de vergonha e delicadeza desempenha um importante papel no processo civiliza-
dor. O autor pretende dizer que há diferenças no tipo e estágio do processo civilizador que as
sociedades ocidentais atingiram.
No segundo volume de sua obra o “Processo Civilizador”, Elias (1994) procura entender
como se formou a estrutura que hoje nós chamamos de “Estado”. Em outras palavras, ele busca
estabelecer a correlação entre processo de individualização e formação dos Estados Nacionais,
ou seja, entre mudança em longo prazo nas estruturas da personalidade e a transformação de
longa duração na sociedade como um todo. De acordo com Elias, a estrutura do “comportamen-
to civilizado” está inter-relacionada com a organização das sociedades ocidentais sob a forma de
Estados. Conforme argumenta Vianna (2005), ao criar seu modelo analítico, Elias não pensava o
processo de civilização como se as noções de “evolução” ou “desenvolvimento” implicassem num
progresso automático.
Não fui orientado nesse estudo pela ideia de que nosso modo civilizado de com-
portamento é o mais avançado de todos os humanamente possíveis, nem pela
opinião de que a ‘civilização’ é a pior forma de vida e que está condenada ao de-
saparecimento. Tudo o que se pode dizer é que, com a civilização gradual, surge
certo número de dificuldades especificamente civilizacionais (ELIAS, 1994, p. 18)
Elias (1994) é enfático ao dizer que não pretende apresentar o “modo” ocidental de viver
como o mais avançado, nem que a “civilização” é a pior forma de vida e que está condenada ao
desaparecimento. Segundo ele, devemos levar em consideração que as estruturas de personali-
dade e sociais não serão consideradas como se fossem fixas, mas em constante mutação.
Em sua obra “Os Alemães”, Elias (1997) estuda os processos sociais de longa duração. Para
isso, ele procura entender a construção e o colapso da civilização alemã. Como ponto de partida,
ele analisa as características que permitiram a supremacia do Sacro Império Romano-Germânico
formado no século X sobre os demais Estados europeus. Enquanto muitos Estados vizinhos esta-
vam se transformando em monarquias centralizadas e internamente pacificadas, o Sacro Império
manteve uma frágil integração. A partir dessa primeira caracterização, Elias constrói um quadro
de fragilidades da nação germânica.
A forma como é realizado o relato da história alemã não apresenta novidades. A inovação
na obra de Elias diz respeito à natureza das consequências provenientes desse processo histórico
para o entendimento da Alemanha, como um todo; e da catástrofe nazista, em particular. As con-
sequências estão ligadas à formação de um “habitus” característico da nação alemã. O principal
objetivo de Elias é o de entender como a história de uma nação, ao longo dos séculos, sedimen-
tou-se no habitus de seus membros considerados individualmente (FAUSTO, 1998).
38
Ciências Sociais - Sociologia IV
Em Elias (1994), habitus é entendido como um saber incorporado, pensado com o objetivo
de contornar a dicotomia entre indivíduo/sociedade. Habitus compreende, portanto, os compor-
tamentos individualizados e os partilhados pelos membros dos grupos. Elias (1994) ressalta que,
apesar do conceito de habitus remeter ao passado, ele não se caracteriza como algo fixo ou está-
tico, mas é mutável com o passar do tempo.
Elias (1997) destaca que, no processo histórico alemão, em contraste com outros países eu-
ropeus como a França, a Alemanha tomou o rumo da fragmentação; o resultado foram sinais de
depressão e perda de identidade no habitus dos membros da sociedade germânica. Com essas
características, o habitus, transmitido de geração em geração, produziu no povo alemão um forte
desejo de unidade, que surgiu recorrentemente na Alemanha em situações de crise. A autoima-
gem de que os alemães não eram capazes de conviver sem discórdias e disputas encontrou ex-
pressão no sonho de encontrar um soberano ou um líder poderoso, capaz de produzir a unidade
e o consenso, expresso na figura de Hitler. Na visão elisiana, o ressentimento, o sentimento de
inferioridade na hierarquia dos Estados europeus tiveram sua contrapartida na ênfase exagera-
da posta na interiorização do sentimento de grandeza e do poder da nação alemã. A partir des-
se quadro, podemos perceber em que características de longa duração se assentam o nazismo.
Portanto, se Hitler triunfou ao destruir a República de Weimar, foi porque ele foi capaz de apelar
às massas e mobilizá-las, em uma situação de crise econômica e social. Apresentando-se como
um homem do povo e um simples cabo do Exército, Hitler construiu eficientemente sua imagem
simbólica de representante da “raça alemã”, oferecendo um mundo de glória e dominação para
todos os setores da sociedade dispostos a segui-lo (FAUSTO, 1998).
Por trás dos conceitos de figuração e habitus, é possível entender que existe na história re-
lações de poder. Nas várias figurações históricas, a mudança e a permanência de determinados
habitus são estabelecidas pela capacidade de imposição e aceitação. O tema poder é recorrente
em diversas obras de Elias. Veremos agora como essa abordagem aparece em sua obra Os Esta-
belecidos e os Outsiders.
O livro “Os Estabelecidos e os Outsiders” é fruto de uma pesquisa realizada por Norbert Elias
e John Scotson, no fim da década de 1950, em uma pequena comunidade batizada de Winston
Parva. Única obra etnográfica de Elias foi resultado de aproximadamente três anos de trabalho
de campo. O estudo combina dados de diversas fontes: estatísticas oficiais, relatórios governa-
mentais, documentos jurídicos e jornalísticos, entrevistas e, principalmente, “observação partici-
pante”. Os autores destacam que o interesse inicial da pesquisa era estudar os índices de crimes
juvenis; no decorrer da pesquisa, ocorreu o deslocamento do problema da delinquência para o
problema mais geral, que era a relação entre os diferentes bairros da localidade.
39
UAB/Unimontes - 4º Período
Em Winston Parva havia duas áreas de residência operária. À primeira vista era impossível
distinguir as duas zonas, pois, conforme tipo de renda, tipos de ocupação profissional, aparência
das moradias, nada parecia diferente. Porém, a comunidade periférica mostra uma nítida divisão,
em seu interior, entre um grupo “estabelecido” desde longa data e um grupo mais novo de resi-
dentes, cujos moradores eram tratados pelos primeiros como “outsiders”. O fato de o estudo ser
realizado em uma pequena localidade não minimiza sua contribuição para o campo sociológico.
Dica “...nessa pequena comunidade, depara-se com que parece ser uma constante
Um bom exemplo histó- universal em qualquer figuração de estabelecidos-outsiders: o grupo estabeleci-
rico da constituição de do atribuía a seus membros características humanas superiores.” (ELIAS & SCOT-
grupos estabelecidos SON. 2000, p. 20).
e Outsiders ocorreram
com a Apartheid na No caso de Winston Parva, a segregação entre os grupos era alimentada por meios de con-
África do Sul. O ícone da
luta por igualdade de trole social, como a fofoca elogiosa [praise gossip], para todos os membros do grupo estabeleci-
direitos entre brancos do; e a fofoca depreciativa [blame gossip], para os outsiders. No entanto, observando a história da
e negros foi o Nobel da humanidade, podemos notar várias maneiras de criar o “carisma grupal”, para o próprio grupo;
Paz Nelson Mandela. e a “desonra grupal”, para os demais. O caso indiano é um exemplo. A legislação estatal da Ín-
Para saber mais sobre o dia aboliu a posição de párias dos antigos intocáveis, mas as castas superiores, especialmente no
Apartheid sul-africano,
assista o filme “Invictus”. meio rural, resistem em manter contato com estes. No caso da escravidão se vê algo semelhante.
A mudança da legislação proibindo tal prática não impediu a extinção do sentimento de valor
humano superior dos descendentes de senhores de escravos, nem a sensação de inferioridade
dos descendentes de escravos.
40
Ciências Sociais - Sociologia IV
capacidade dos grupos outsiders retaliarem com termos equivalentes para se referirem ao grupo
estabelecido.
A obra de Elias é rica e extensa, várias livros já foram traduzidos para o português. Entre os
textos publicados aqui no Brasil, destaca-se: “Mozart: Sociologia de um Gênio”. Nesse livro, Elias
aplica seu poder de percepção para analisar o conflito entre a criatividade pessoal de Mozart e
o controle exercido pela sociedade da época. O excelente trabalho sobre o gênio da música clás-
sica é uma boa oportunidade para conhecer o relacionamento entre arte e sociedade no século
XVII. Em “A Solidão dos Moribundos”, o autor aborda a dificuldade que temos em encarar a mor-
te, tendo em vista que a morte está cada vez mais asséptica e solitária, porque os saudáveis não
são mais capazes de transmitir afeto neste momento.
41
UAB/Unimontes - 4º Período
Giddens (1991) nos alerta que, para compreender as transformações no tempo e espaço
que aconteceram na modernidade, é necessário fazer um contraste com relação ao papel que o
tempo possuía no período pré-moderno.
Todos nós sabemos que o hábito de calcular o tempo é tão antigo quanto à humanidade;
porém, nas sociedades pré-modernas, a população vincula tempo e lugar. Giddens aponta a in-
venção do relógio mecânico e sua difusão por volta do final do século XVIII como um marco na
separação entre o tempo e espaço. O relógio que usamos diariamente expressa um tempo “va-
zio”, que permite designar “zonas” do dia, como, por exemplo, a “jornada de trabalho”.
42
Ciências Sociais - Sociologia IV
Na visão de Giddens (1991), as fichas simbólicas são meios de intercâmbio e circulação que
não estão ligados às características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles. Um
exemplo de ficha simbólica é o dinheiro.
43
UAB/Unimontes - 4º Período
É possível dizer que a ideia de modernidade se contrasta com o que se entende por tradi-
cional, mesmo que, em algumas situações, ambos possam estar entrelaçados. Em uma cultura
tradicional, por exemplo, o passado é honrado e os símbolos valorizados. “Ela é uma maneira de
lidar com o tempo e o espaço, que insere qualquer atividade ou experiência particular dentro da
continuidade do passado, presente e futuro...” (GIDDENS, 1991, p.44). Por outro lado, não é possí-
vel dizer que a tradição é estática, já que a cada geração ela é reinventada.
A tradição está envolvida com o controle do tempo. Conforme Giddens (1997) a tradição é
uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influência sobre o
presente. Em certo sentido, a tradição também diz respeito ao futuro, pois as práticas estabele-
cidas são utilizadas como uma maneira de se organizar o tempo futuro. A tradição está ligada
à “memória coletiva”, envolve ritual, está vinculada ao que ele denomina de “noção formular de
verdade” e, ao contrário do costume, possuiu uma força de união que combina conteúdo moral e
emocional. O ritual reforça a experiência cotidiana e refaz a liga que une a comunidade, mas ele
tem uma esfera e linguagem próprias e uma “verdade em si”, isto é, uma “verdade formular”.
Na visão de Giddens (1991), a reflexividade assume um caráter diferente com o advento da
modernidade e passa a inserir-se na base de reprodução do sistema, em que pensamento e a
ação estão constantemente refratados entre si.
44
Ciências Sociais - Sociologia IV
Quadro 4
Anotações sobre a modernidade na obra de Anthony Giddens
PRÉ-MODERNAS MODERNAS
Contexto geral: importância excessiva na con- Contexto geral: relações de con-
fiança localizada fiança em sistemas abstratos
AMBIENTE DE CONFIANÇA
Como vocês devem ter notado, Anthony Giddens apresentou uma interpretação singular
sobre as transformações que estão em curso na sociedade moderna. Agora passaremos a anali-
sar as considerações que o renomado sociólogo polonês Zygmunt Bauman possui sobre o perío-
do contemporâneo.
45
UAB/Unimontes - 4º Período
sentes em sua obra e às limitações de espaço presentes neste Caderno Didático, daremos ênfase
aos temas: modernidade e globalização. (PALLARES-BURKE, 2003)
Para falar sobre a história da modernidade, Bauman (2001) utiliza a “fluidez” ou “liquidez”
como metáforas. Conforme o autor, os líquidos, diferentemente dos sólidos, não conservam sua
forma com facilidade, os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente
prontos a mudar. Na visão do autor, estamos em um período com características diferentes dos
estágios iniciais da sociedade moderna, a que ele chama de “modernidade sólida”.
Na visão de Bauman (2001), duas características, no entanto, fazem a modernidade nova
e diferente. Uma é o declínio da antiga ilusão moderna: da crença de que existe um fim do ca-
minho em que andamos, como se houvesse um estado de perfeição a ser atingido amanhã, no
próximo ano ou no próximo milênio, algum tipo de sociedade boa, de sociedade justa e sem
conflitos. A segunda mudança é a desregulamentação e a privatização das tarefas e deveres mo-
dernizados. O que costumava ser considerada uma tarefa para a razão humana, vista como dota-
ção e propriedade coletiva da espécie humana, foi fragmentada.
Conforme Bauman (2001), a “individualização” nos tempos atuais significa uma coisa mui-
to diferente do que significava há cem anos, e do que implicava nos primeiros tempos da era
moderna – os tempos da exaltada “emancipação” do homem da trama estreita da dependência,
Dica da vigilância e da imposição comunitárias. A individualização traz para um número sempre cres-
cente de pessoas uma liberdade sem precedentes de experimentar, mas traz junto a responsa-
Entenda mais sobre o
assunto no livro “Amor bilidade de enfrentar as consequências. O fosso que se abre entre o direito à autoafirmação e a
líquido” de Zygmunt competência de controlar as situações sociais parece ser a principal contradição da “modernida-
Bauman. A obra tenta de fluida”.
investigar porque as Ao contrário do que ocorre na “modernidade fluida, uma das principais características da
relações humanas estão ‘modernidade sólida’ é a de que as ameaças para a existência humana eram muito mais eviden-
cada vez mais flexíveis,
gerando níveis de inse- tes”. Os perigos eram palpáveis e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los.
gurança que aumentam Os riscos de hoje são de outra ordem, muitos deles não se pode sentir ou tocar, apesar de estar-
a cada dia. mos todos expostos, em alguma medida, às suas consequências.
Globalização tornou-se uma palavra da moda. Na concepção de Bauman (1999), o termo re-
flete um destino irremediável, afeta todos nós. Para alguns, causa de felicidade; para outros, de
tristeza. Um das marcas da globalização é a intensificação do fluxo de informações, mercadorias
e pessoas. Mas a liberdade de movimento, por exemplo, não é distribuída de forma equitativa.
Isso quer dizer que alguns de nós fomos fixados na “localidade”, enquanto outros se tornaram
“globais”. Se as regras do jogo são fixadas pelos “globais”, estar preso a um lugar restrito se torna
algo desagradável. Estar preso a um local num mundo globalizado é sinal de privação e degrada-
ção social.
Bauman (1999, p. 13) utiliza a frase do célebre racionalizador da empresa moderna, Albert J.
Dunlap, para exemplificar a diferença de ocupação de espaço na empresa capitalista. “A compa-
nhia pertence às pessoas que nela investem – não aos seus empregadores, fornecedores ou à locali-
dade em que se situa”. A frase de Dunlap nos diz que empregados, fornecedores e acionistas estão
em posições distintas no mundo globalizado. Os empregados estão na localidade, presos pelas
obrigações familiares, da propriedade doméstica, não seguiriam a companhia, caso ela mude de
lugar. Os fornecedores, geralmente, estão na localidade, mas têm a vantagem de se deslocarem
assim que a companhia se mudar, mas seus suprimentos e matérias-primas permanecerão na lo-
calidade. Os acionistas são os únicos que não possuem ligação direta com o espaço. Não estão
“amarrados”, podem comprar qualquer participação em qualquer bolsa de valores, sem levar em
consideração a distância em que a companhia se encontra, pois ela está livre para se mudar e
encontrar o local onde o retorno financeiro é maior. As consequências das mudanças geralmente
são pagas pelos que ficam na localidade.
46
Ciências Sociais - Sociologia IV
Ela emancipa certos seres humanos das restrições territoriais e torna extrater-
ritoriais certos significados geradores de comunidade – ao mesmo tempo em
que desnuda o território, no qual outras pessoas continuam sendo confinadas”.
(BAUMAN, 1999, p.25).
O debate sobre a globalização não pode ser indiferente às alterações profundas que ocorre-
ram na relação tempo/espaço. Na visão de Bauman (2001), como já vimos, vivemos em um tem-
po instantâneo sem consequências. “Instantaneidade”, nesse caso, significa realização imediata,
“no ato” – mas também dissipação e desaparecimento do interesse.
As pessoas que hoje exercem poder de mando movem-se e agem com maior rapidez. Por
outro lado, há um grupo que não pode se mover tão rápido; são pessoas que não podem deixar
seu lugar quando quiserem. Nesse sentido, a dominação consiste em nossa própria capacidade
de escapar, de nos desengajarmos, de estar “em outro lugar”, e no direito de decidir sobre a ve-
locidade com que isso será feito. A batalha contemporânea da dominação é travada entre forças
que empunham, respectivamente, as armas da aceleração e da procrastinação. (Bauman 2001).
O conceito de procrastinação para Bauman (2001) deriva da sua definição moderna de tem-
po vivido como uma peregrinação, como um movimento que busca fixamente se aproximar de
um objetivo. Em tal tempo, cada presente é calculado por alguma coisa, alterações que vêm de-
pois. Qualquer valor que este presente aqui e agora possa ter não passará de um sinal premoni-
tório de um valor mais alto por vir. Em si mesmo, o tempo presente carece de sentido e de valor.
Uma busca dos meios que podem realizar o estranho feito de manter o fim dos esforços sempre
à vista sem nunca chegar lá, de trazer o fim cada vez mais para perto. A vida do peregrino é uma
viagem em direção à realização, mas “realização” nessa vida é equivalente à perda do sentido.
Viajar em direção à realização dá sentido, tem algo de um impulso suicida; esse sentido não pode
sobreviver à chegada ao destino, ao ponto “final”.
Na concepção de Bauman (2001), a procrastinação tem uma grande utilidade para a cultura
do consumidor pela sua autonegação. A origem do esforço criativo não é mais o desejo, mas o
anseio induzido de encurtar o adiamento, acompanhado do desejo induzido de reduzir a dura-
47
UAB/Unimontes - 4º Período
ção da satisfação quando ela chega. A mudança para a sociedade de consumidores do presente
encadeou, portanto, uma alteração de ênfase mais que uma mudança de valores. E, no entanto,
levou o princípio da procrastinação ao ponto de ruptura. Esse princípio está hoje vulnerável e
perdeu o escudo protetor da proibição ética. O adiamento da satisfação não é mais um sinal de
virtude moral que todos os homens de bem devem buscar.
Vivemos hoje em uma sociedade de consumidores! A
sociedade moderna foi fundada sobre uma base de produ-
tores industriais. Uma grande massa de trabalhadores era
necessária no advento da revolução industrial, mas, na atua-
lidade há pouca necessidade de mão de obra industrial, em
vez disso, todos nós somos persuadidos a nos tornarmos
consumidores. Conforme Bauman (2008), todas as socieda-
des produzem e consomem, a diferença da antiga “socieda-
de de produtores” para nova “sociedade de consumidores” é
apenas de ênfase e prioridades. A ênfase no consumo pro-
voca uma enorme diferença, em todos os aspectos da vida
em sociedade. O consumidor na sociedade de consumo é
consideravelmente diferente de um consumidor das socie-
dades anteriores à nossa, ele é continuamente expostos às
novas “tentações”.
O consumidor é alguém que deve estar sempre em
movimento. Alguém que procura sempre acumular novas
sensações. A intensidade de consumo está diretamente li-
gada à capacidade que as empresas possuem em deixar os
consumidores acordados, alertas, entre as inúmeras opções que são expostas, só não é possível à
Figura 31: Consumo opção de não escolher.
Fonte: Disponível em Como nas sociedades anteriores à nossa, a “sociedade de consumidores” é estratificada. Na
<www.miriamsalles. sociedade de consumo, o princípio da estratificação pode ser verificado pelo “grau de mobilidade”.
info/.../uploads/consumo.
jpg>. Acesso em 25 mai.
Para o primeiro grupo, que ele denomina de “turistas,” o espaço perdeu sua qualidade restritiva,
2010. tanto no mundo “real”, quanto “virtual”. Para o outro grupo, chamado pelo autor de “vagabundos”,
a localidade é amarrada, estão fadados a viver sempre na localidade onde estão presos. Tanto o
turista quanto o vagabundo são consumidores, mas, pela limitação de meios para acessar as op-
ções oferecidas pelo mercado, o vagabundo é um consumidor frustrado. (BAUMAN, 2008).
Dica
Compreenda mais sobre
o tema e o excesso da 3.4.4 O mundo fluido e os laços humanos
sociedade consumista
assistindo ao filme “Os
Delírios de Consumo de É importante avaliar o quanto a sensação de segurança afeta nosso ritmo de vida. De acordo
Becky Bloom”.
com Bauman (2001), na falta de segurança por longo prazo, a satisfação imediata parece uma
estratégia plausível. Quem sabe o que o amanhã vai trazer? Nas últimas décadas, nota-se que o
adiamento da satisfação perdeu seu fascínio. Hoje é altamente incerto que o trabalho e o esforço
investidos venham a contar como recursos quando chegar a hora da recompensa. Além disso,
Atividade será que os prêmios que hoje parecem atraentes serão tão desejáveis quando finalmente forem
conquistados? Todos nós aprendemos com amargas experiências, sabemos que os prêmios po-
Relacione os autores
citados na unidade e dem se tornar riscos de uma hora para outra. As modas vêm e vão com velocidade alucinante, to-
elabore um texto sobre dos os objetos de desejo se tornam obsoletos, indesejáveis e de mau-gosto antes que tenhamos
a Modernidade e as re- tempo de aproveitá-los.
lações sociais. Poste no Nessa mesma linha de raciocínio, entende-se que laços afetivos e amizades tendem a ser
fórum de discussão. vistos e tratados como coisas destinadas a serem consumidas, e não produzidas; estão sujeitas
aos mesmos critérios de avaliação de todos os outros objetos de consumo. Na sociedade de con-
sumo, os produtos duráveis são em geral oferecidos para um “período de teste”; a devolução do
dinheiro é prometida se o comprador não estiver satisfeito. Se o participante numa parceria é
“concebido” como um produto, então não é mais tarefa para ambos os parceiros “fazer com que a
relação funcione”, “na riqueza e na pobreza”, “na saúde e na doença”. É, em vez disso, uma questão
de obter satisfação de um produto pronto para o consumo; se o prazer obtido corresponder ao
padrão prometido e esperado, ou se a novidade se acabar junto com o prazer, pode-se entrar
com a ação de divórcio, com base nos direitos do consumidor. Não há qualquer razão para ficar
com um produto inferior ou envelhecido em vez de já que existem outros novos que são ofereci-
dos. (BAUMAN, 2001).
48
Ciências Sociais - Sociologia IV
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50
Ciências Sociais - Sociologia IV
Resumo
Unidade I
• A Escola de Frankfurt pode ser entendida como um grupo de pensadores associados ao Ins-
tituto de Pesquisa Social, preocupados em desenvolver uma Teoria Crítica da sociedade, a
partir de uma proposta interdisciplinar, utilizando os conhecimentos de diversas áreas das
ciências do homem.
• A agenda de discussão da Escola da Frankfurt pode ser definida de forma variada: os mais
variados temas foram tratados, analisados e teorizados pelos seus pensadores. O escopo da
discussão tem diversos focos, tais quais: cultura contemporânea, capitalismo monopolista
de Estado, indústrias de cultura, tecnologia e consumo.
• A base do pensamento Frankfurtiano é marxista, ainda que em alguns momentos tenha
procedido a uma crítica às teorias marxistas ortodoxas. Mais do que elaborar uma crítica
ao capitalismo avançado, a atualização do marxismo se deu também através do questiona-
mento de alguns preceitos, como o determinismo do materialismo histórico, com a introdu-
ção de elementos culturais como foco de análise da sociedade.
• A Teoria Crítica, que muitas vezes aparece como sendo a própria Escola de Frankfurt, ataca
frontalmente a racionalidade instrumental e o rumo tomado pelo Iluminismo, que, antes de
promover a liberdade dos homens, fez com que ele se tornasse “prisioneiro” da razão, atra-
vés do domínio sobre a natureza e dos próprios homens.
• O positivismo também é alvo de crítica dos pensadores de Frankfurt. Em a Dialética do Es-
clarecimento, Adorno e Horkheimer argumentaram que o desenvolvimento do capitalismo
levou à exploração de novas formas de conhecimento, e o positivismo promoveu a cons-
trução de instrumentos de dominação, através do desenvolvimento da razão e da ciência
enquanto “mitos”.
• A indústria cultural é a consequência lógica da produção capitalista e tem a capacidade de
promover a restrição do potencial crítico dos indivíduos. Os apelos da Indústria Cultural de-
senvolvem e reforçam o ajustamento e a obediência a partir de um estado de dependência
e o consumo de produtos da indústria cultural, ao contrário de que se possa imaginar, não é
uma escolha livre do consumidor, mas, em grande medida, determinado antecipadamente
na fase de fabricação dos produtos.
• A razão instrumental pode ser conceituada de forma objetiva como a ação que trata o ob-
jeto como meio e não como um fim em si mesmo, na medida em que é composta por ele-
mentos que priorizam o cálculo e a análise da relação entre meios e fins. A Razão Comuni-
cativa, por sua vez, tem sua base no uso social da linguagem, orientada ao entendimento
comum. É a capacidade humana para a racionalidade que não é individualista e assume a
forma da argumentação, sem coerção e através do poder do convencimento.
• O sistema e o mundo da vida são as duas esferas da concepção dual de sociedade de Haber-
mas. O sistema diz respeito à reprodução material da sociedade (Estado e economia), onde
predominam o dinheiro e o poder, a linguagem é secundária e a razão instrumental predo-
mina. O mundo da vida, por seu turno, diz respeito à representação simbólica da sociedade
(tradições, cultura e língua compartilhada), constituindo-se como espaço da ação comuni-
cativa, do diálogo e do argumento. De acordo com Habermas, os dois mundos não são anta-
gônicos, ao contrário, são complementares.
• As patologias da modernidade, segundo Habermas, são o resultado dos processos de racio-
nalização e dissociação, com o desengate do sistema e do mundo da vida e com a coloniza-
ção do mundo da vida pelo sistema. Isso fez com que os indivíduos se submetessem às leis
do mercado e à burocracia estatal.
• Para resolver os dilemas da modernidade, Habermas aponta a necessidade do reacopla-
mento do sistema com o mundo da vida, contrabalançando a racionalidade instrumental
e trazendo a racionalidade comunicativa de volta ao jogo. Para Habermas, a terapia para as
patologias da modernidade deve se dar a partir de uma mudança de paradigma: da ação
instrumental para a ação comunicativa, da subjetividade para a intersubjetividade.
51
UAB/Unimontes - 4º Período
Unidade II
• O campo marxista considera como princípio estruturador da vida social a ideia de que essa
estrutura é material, e em todas as sociedades onde existiu a propriedade privada dos meios
de produção, especialmente a capitalista, a estruturação é baseada na ideia de que os indi-
víduos são estratificados de forma relacional, ou seja, os que são donos dos meios de pro-
dução e os que não são. Portanto, o que estrutura as relações sociais é o acesso ou não à
propriedade.
• Embora Marx não tenha deixado um conceito de classe social, não elaborou um concei-
to sistemático de classe de classe social, ele considerou a existência de várias classes, nos
18 Brumário de Luís Bonaparte, tais como: o lumpenproletariado, a pequena burguesia e
o campesinato - considerava que o movimento da história era polarizado em duas classes
antagônicas, a burguesia e o proletariado. Assim, alguns autores neomarxistas como Elster
Wright e Przeworski tentaram contribuir para a operaconalização do conceito de classe so-
cial desenvolvida por Marx.
• Elster considera que, mesmo que Marx tenha definido vários grupos – em diferentes modos
de produção social – como referência à classe social, estes não podem ser utilizados para
se elaborar um conceito que possa ser generalizado, para outras sociedades que Marx não
tenha estudado. Ele afirmou também que o número de classes definido por Marx pode não
ter contemplado todas as classes existentes naquela sociedade.
• Wright fez uma revisão da discussão teórica realizada por Marx, principalmente no tocan-
te à operacionalização empírica do conceito de classe – aqui entendida como uma posição
objetiva dentro do sistema de propriedade, ou seja, os proprietários dos meios de produção
e proprietários da força de trabalho – nas sociedades capitalistas do século XX, que assisti-
ram a um grande crescimento da classe média. O desafio empreendido pelo autor é como
compatibilizar o fundamento da posição de classe na divisão entre proprietários e não pro-
prietários e na divisão social do trabalho, que se exprime na estrutura das ocupações com as
posições que não fazem parte da burguesia nem do proletariado.
• Outro autor que tentou contribuir para a teoria marxista foi Przeworski, que defende a ne-
cessidade de se conceber a formação das classes como resultantes de lutas estruturadas por
condições econômicas, ideológicas e políticas que ocorrem objetivamente, moldando as
práticas de movimentos que organizam os trabalhadores em uma classe, sendo que as clas-
ses são constantemente organizadas, desorganizadas e reorganizadas.
• Przeworski considera ainda que, apesar das várias tentativas de reinterpretação da teoria da
classe média de Marx, não se constata um grande avanço, no sentido da operacionalização
do conceito nas sociedades capitalistas nas últimas décadas. O que parece consenso é que o
desenvolvimento do capitalismo culminou além do crescimento da força de trabalho exce-
dente – produtores imediatos e organizadores do processo de trabalho – uma categoria que
não se enquadra em nenhuma das duas citadas acima, ou seja, que apesar de não ter uma
relação direta com a produção, do ponto de vista técnico são indispensáveis para “reprodu-
ção das relações capitalistas de produção (Przeworski, 1989:108)”.
• Além do marxismo analítico, vimos, nesta unidade, a teoria da escolha racional.
• A teoria da escolha racional parte do pressuposto de que racionalidade individual não impli-
ca, portanto, a racionalidade do comportamento coletivo.
• A teoria da escolha racional não exige que seus modelos de ação racional sejam inteiramen-
te realistas. Sua pretensão é fornecer previsões com sucesso em muitos casos, e na possi-
bilidade de falha na previsão de fornecer meios de identificar o lugar dos elementos não
racionais na ação humana.
• Críticos têm afirmado que a teoria da escolha racional tem uma visão excessivamente sim-
ples do agente, ou seja, não leva em conta o altruísmo e outros engajamentos, que a racio-
nalidade humana é uma questão de projetos de autoedificação a longo prazo e não apenas
de maximização a curto prazo, e que as capacidades cognitivas dos seres humanos são de-
masiado limitadas para que suas decisões sejam totalmente racionais em todos os casos.
• As oportunidades são mais básicas que os desejos porque são mais fáceis de observar não
só pelo cientista social, mas também por outros indivíduos da sociedade. Se cada lado pla-
neja com base nas capacidades do outro lado (e o outro lado está fazendo o mesmo), suas
verdadeiras preferências podem não importar muito.
• Elster afirma que, quando as pessoas estão numa situação muito má, a sua motivação para
inovar ou rebelar-se é muito alta. Sua capacidade ou oportunidade de fazê-lo é muito baixa
quando estão em circunstâncias difíceis. A participação na ação coletiva requer a capacida-
de de retirar tempo de atividade diretamente produtiva.
52
Ciências Sociais - Sociologia IV
Unidade III
• Segundo Elias, o pensamento sociológico possui duas características específicas: o distan-
ciamento e o engajamento. Como em toda ciência, o rigor cientifico do sociólogo depende
do afastamento das ideias preconcebidas.
• Norbert Elias criou uma abordagem denominada “sociologia figuracional”, que parte do
princípio de que o surgimento das configurações sociais são consequências inesperadas das
interações sociais.
• Em sua obra “Os Alemães”, Elias (1997) estuda os processos sociais de longa duração, para
isso ele procura entender a construção e colapso da civilização alemã.
• O conceito de habitus é entendido como um saber incorporado, pensado com o objetivo de
contornar a dicotomia entre indivíduo/sociedade. Habitus compreende, portanto, os com-
portamentos individualizados e os partilhados pelos membros dos grupos.
• Anthony Giddens busca construir uma teoria para compreender as relações sociais e o fun-
cionamento da sociedade em geral. Sua perspectiva se propõe recolocar novos termos so-
bre o clássico embate da sociologia entre “estrutura” e “ação”. A preocupação central do au-
tor se refere à determinação da dualidade estrutural, ou seja, a ação cria as estruturas e ao
mesmo tempo a ação só acontece nas estruturas.
• Na visão de Giddens a modernidade se alicerça em “dimensões institucionais” ou “feixes or-
ganizacionais”, que se relacionam e estabelecem várias conexões entre si.
• As dimensões institucionais da modernidade estão envolvidas nas três fontes de dinamismo
da modernidade: distanciamento do tempo-espaço, desencaixe e reflexividade, vejamos do
que trata cada uma delas.
• Na concepção de Giddens, há dois mecanismos de desencaixe presentes nas instituições so-
ciais modernas: as fichas simbólicas e os sistemas peritos.
• Na visão de Giddens, as fichas simbólicas são meios de intercâmbio, circulação que não es-
tão ligados às características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles. Um
exemplo de ficha simbólica é o dinheiro.
• Por sistemas peritos, Giddens refere-se a sistemas de excelência técnica ou competência
profissional, que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos
hoje.
• Na visão de Bauman, estamos em um período com características diferentes dos estágios
iniciais da sociedade moderna, a que ele chama de “modernidade sólida”.
• Duas características, segundo Bauman, fazem a modernidade – nova e diferente. Uma é o
declínio da antiga ilusão moderna: da crença de que existe um fim do caminho em que an-
damos. A segunda mudança é a desregulamentação e a privatização das tarefas e deveres
modernizados.
• Conforme Bauman (2008), todas as sociedades produzem e consomem, a diferença da anti-
ga “sociedade de produtores” para a nova “sociedade de consumidores” é apenas de ênfase
e prioridades.
53
Ciências Sociais - Sociologia IV
Referências
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57
Ciências Sociais - Sociologia IV
Atividades de
Aprendizagem - AA
1) A Escola de Frankfurt defende que uma verdadeira Teoria Crítica da sociedade não tem nada
de teoria passiva. Quais são os principais preceitos da Teoria Crítica que permitem essa afirma-
ção?
4) Por que, na visão de Anthony Giddens, a separação entre tempo e espaço é tão crucial para o
dinamismo da modernidade?
6) Por que Elster afirma que é difícil operacionalizar o conceito de classes de Marx? Aponte os
principais argumentos do autor.
8) Na obra “Os Estabelecidos e os Outsiders”, Norbert Elias e John Scotson estudam uma pequena
comunidade denominada de Winston Parva. Descreva como a segregação social presente nessa
pequena comunidade pode ajudar entender relações de exclusão em outras sociedades.
9) De forma metafórica, Zygmunt Bauman diz que a modernidade deixou de ser “sólida” para se
transformar em “líquida”. Apresente as razões que fazem o autor acreditar nessas transformações.
10) O que pode ser entendido por sistemas peritos na obra de Anthony Giddens?
59