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É sempre um processo de construção social, Como vimos até aqui, o processo de trabalho
política, cultural, subjetiva e tecnologicamente na saúde é profundamente marcado pela ação
orientado. Assim deve configurar um novo do trabalho vivo em ato e, portanto, sempre que
sentido para as práticas assistenciais tendo discutimos a produção no campo do cuidado, os
como conseqüência o impacto nos resultados a sujeitos-do-trabalho comparecem no centro do
serem obtidos, junto dos usuários e na resolução debate. Percebemos que ao mesmo tempo em
dos seus problemas. À primeira vista, pode-se que analisamos sua atividade cotidiana, coloca-
imaginar que há uma tênue linha divisória entre se em análise a subjetividade e os processos
os dois conceitos (Reestruturação Produtiva e de subjetivação implicados nesse processo e
Transição Tecnológica), mas ao debruçarmos que se constituem como campos de força da
sobre os efeitos que têm no cuidado ao usuário, micropolítica do processo de trabalho e do
um processo produtivo guiado por uma lógica modo de produção da saúde. A subjetividade é
instrumental e outro, por Trabalho Vivo em histórica e socialmente produzida. Seu núcleo
ato, e suas tecnologias leves, que pressupõe operativo se encontra no desejo processado
uma lógica relacional, observamos que são em âmbito inconsciente, o qual faz com que
dois mundos muito distintos. as pessoas na sua atividade no mundo da vida,
produzam este mesmo mundo, e são por eles
SUBJETIVIDADE COMO UMA produzidas20. A produção do meio social assim
DIMENSÃO DO PROCESSO DE se direciona para diferentes conformações da
TRABALHO EM SAÚDE realidade no âmbito do trabalho em saúde.
O desejo age como uma força propulsora do
Negri e Lazzarato18 caracterizam o trabalho
sujeito, para a sua produção social.
hegemônico no mundo atual como “trabalho
imaterial” porque formado sobretudo pela Essa subjetividade opera em redes,
estrutura de serviços, pautado pelo “trabalho animando a micropolitica do processo de
cognitivo” como principal insumo dos trabalho e expandindo o seu alcance. Esse
processos produtivos. O trabalho imaterial movimento em redes é constitutivo do processo
segundo os autores é formado por três de trabalho em saúde. Forma-se nas relações
dimensões: o trabalho cognitivo; midiático entre os trabalhadores, deles com os usuários
e cultural, e o trabalho afetivo. Hardt19 e em linhas de conexão para dentro e fora do
prosseguindo este debate coloca em discussão domicílio, em fluxos abertos como o rizoma,
especificamente o trabalho afetivo e pauta a sugerido por Deleuze e Guattari21. Essas
saúde como um dos lugares de sua realização. redes se formam por fluxos-conectivos que
O trabalho afetivo associado principalmente à impulsionam determinado projeto terapêutico
saúde, educação e familiar, de acordo com o e operando assim uma dada linha do cuidado
autor, envolve o cuidado, a reprodução da vida, em todo processo que cerca o usuário22.
é marcado pelos encontros. No caso da saúde Compreender o modo como o trabalho vai
As redes só conseguem operar com alta Para ilustrar um pouco essa afirmação,
intensidade nos seus fluxos, se caracterizando lembramos que a organização da rede básica
como uma substitutividade das tecnologias de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS)
e práticas, cumprido requisitos de altos é excessivamente normatizada; o Programa
graus de liberdade no processo de trabalho. Saúde da Família reflete muito essa diretriz
Isto poderia configurar uma reestruturação normativa, como por exemplo quando a rede
produtiva, substituição parcial do atual modo opera sob a lógica das ações programáticas e
de produção do cuidado, ou pode-se observar determina horários específicos para atender
uma transição tecnológica, modelo no qual certo tipo de clientela, as fichas e senhas,
haveria uma radical mudança no processo de a disponibilidade de certos procedimentos
trabalho. Fazem parte do cenário de mudança, – enfim, a norma impõe fortes amarras aos
portanto, o trabalho, as tecnologias de trabalho, trabalhadores, que se vêm constrangidos
subjetividade e uma ética do cuidado, que é o no objetivo de produzir o cuidado. Isto é
modo de ser de cada um em relação ao outro, o aprisionamento do seu trabalho vivo,
enquanto se trata de saúde. impeditivo para o estabelecimento de relações
positivas para com os usuários.
O trabalho vivo, como dispositivo de
formação de fluxos-conectivos, possibilita Por outro lado, imaginemos que o trabalho
a formação de uma cartografia no interior vivo em ato é autogerido e, portanto, passível
dos processos de trabalho como o desenho de subverter a ordem e a norma, e abrir
de um mapa aberto, com muitas conexões, linhas de fuga em que ele possa se realizar
que transitam por territórios diversos, com maiores graus de liberdade, mostrando
assume características de multiplicidade e sua potência criativa. E isso, quando os
heterogeneidade, sendo capaz de operar em alto trabalhadores de saúde desejam, eles fazem
grau de criatividade. Apesar do trabalho vivo e operam nas suas relações outros fluxos de
sofrer processos de captura pela normativa que conexão com suas equipes, outras unidades
regula a vida dos trabalhadores, individuais de saúde e principalmente com os usuários.
e coletivos, no interior das organizações, Nesses casos o cuidado vai se produzir na
permanece uma capacidade operativa nas redes rede que se formou e não na estrutura que
dos serviços, dada pela sua natureza rizomática, permanece rígida sob o império da norma. É
isto é, sua constituição por fluxos de conexão de certa forma comum trabalhadores que, por
entre equipes, no plano mesmo da micropolitica. atuarem assim, tornam-se “inadaptados” aos
Isto torna possível ao trabalhador operar serviços e se tornam nômades na rede de saúde,
linhas de fuga e trabalhar com lógicas muito começam a transitar em diferentes equipes e
próprias, que são do próprio sujeito que opera unidades, fazendo vínculos e rupturas, como
o sistema produtivo, sendo ele próprio capaz se fossem perseguidos por um “fantasma”