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Qual a relevância dos credos e das confissões para a igreja de hoje?

Definição:

A palavra “Credo” é derivada do latim (“eu creio”) e denota uma postura ativa, uma firme
confiança em Deus.

Os credos são declarações de fé resumidas e escritas para uso público da comunidade


cristã.

Para melhor compreensão do uso dos credos pela igreja, vale ressaltar que um credo não
é a palavra de Deus aos homens, mas é um composto de palavra de homens a respeito de
Deus.

Somente a Bíblia é a Palavra de Deus ao homem; o Credo é a resposta do homem à


revelação de Deus pelas Escrituras.

A Bíblia revela a verdade de Deus; e o Credo organiza e declara essa verdade em forma
lógica de doutrina.

Origem:

Os credos tiveram a sua origem nos primeiros séculos da igreja cristã. O primeiro credo
conhecido historicamente foi o chamado Credo Apostólico, que provavelmente tenha sido
formulado no segundo século.

Há outros credos na história da igreja. No ano 325, no concílio de Nicéia, surgiu um credo
que tratou das controvérsias a respeito da trindade.

Mais tarde, surge o credo de Caledônia (451) tratando especificamente das duas naturezas
de Jesus Cristo.

I. Razões para o uso dos credos:

1.1. Base Teológica:

Os teólogos protestantes e reformados apresentam duas razões que consideram


fundamentais para a defesa do valor e relevância dos credos e das confissões para a igreja:
o primeiro tem a ver com a função prática que eles desempenham, pois, o
desenvolvimento da teologia cristã de maneira didática, apologética e ortodoxa é um
dever da igreja.
Kevin Reed (2002) defende que a elaboração de credos e confissões são um
resultado do crescimento do ministério de ensino da igreja. E que, como muitas seitas
heréticas alegam ser as detentoras da autoridade da Bíblia, os documentos confessionais,
devido seu caráter público, são de suma importância para revelar como uma determinada
igreja entende as Escrituras. Na presente era, de tanto declínio espiritual, credos são
especialmente valiosos para o testemunho de qualquer igreja ou denominação. Pela
análise desses documentos oficiais, todos podem entender a natureza de suas doutrinas e
quais princípios governam os seus membros (p. 49).1
Em face disso, o fundamentalismo dos que afirmam “nenhum credo, senão a
bíblia”2 se revela como um “zelo sem entendimento”3 que, apesar de exprimir
sinceridade, no final das contas, se revela irresponsável e antibíblico. Porque uma igreja
não confessional é uma comunidade vulnerável e suscetível à manipulação de líderes
déspotas e às incertezas de interpretações livres e seletivas de falsos mestres.4

1.2. Base bíblica:


A segunda razão, tem a ver com a Bíblia. Embora esses símbolos de fé sejam
inevitáveis e necessários do ponto de vista prático-teológico, Paulo Anglada defende que
o pragmatismo não pode ser determinante para a praxe religiosa da igreja cristã, mas faz-
se necessário que o uso deles se justifiquem biblicamente (2012. p. 27). No intuito de
fazer essa justificativa, argumenta-se que as chamadas afirmações proto-credais presentes
no Novo Testamento são evidências claras do começo das formulações confessionais da
igreja já no tempo dos apóstolos.
Um texto base digno de análise é 2 Timóteo 1:13 “Mantém o padrão das sãs
palavras que de mim ouviste com fé e com o amor que está em Cristo Jesus” (ARA). A
palavra grega (Gr. hupotupósis) traduzida por padrão significa literalmente: esboço,
plano, exposição breve e sumária.5 Desse modo, a expressão “padrão das sãs palavras”,
usada pelo apóstolo Paulo, descreve o objetivo de estabelecer um guia confiável e
fidedigno para aqueles que futuramente haveriam de crer no evangelho. Desse modo,
seguindo a orientação de Paulo, Timóteo deveria certificar-se de que seu ensino era sadio

1
KEED, Kevin. Governo Bíblico de Igreja. São Paulo – SP: Os Puritanos, 2002.
2
Máxima que se tornou comum a partir do movimento fundamentalista que surgiu em meio à
controvérsia doutrinária entre cristianismo conservador e o liberalismo nos Estados Unidos no final do
séc. XIX e início do séc. XX (Cf. NOLL, Mark A. Confissões de fé. In: ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico
Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2009. p.340).
3
Expressão usada pelo apóstolo Paulo na carta aos Romanos 10.2.
4
Ibid.
5
Cf. Dicionário Bíblico Strong, 2002. p.1735; Concordância de Strong. Disponível em:
<http://bibliaportugues.com/greek/5296.htm> acesso em 03 de julho de 18.
ao usar como regra básica o padrão de instrução que ele havia visto e recebido do
ministério do apóstolo Paulo (TRUEMAN, 2012, p. 102).
Wiersbe traz uma figura bastante clara ao traduzir a palavra padrão por uma
espécie de projeto arquitetônico por meio do qual a igreja deveria desenvolver a sua
teologia:
“A palavra "padrão" (2 Tm 1:13) refere-se a "modelo, a projeto de um
arquiteto". A Igreja primitiva possuía um conjunto de doutrinas claras, um
padrão usado para avaliar todos os ensinamentos. Se Timóteo mudasse esses
parâmetros ou se os colocasse de lado, não teria com que testar outros mestres
e pregadores. É por essa razão que, hoje, também é preciso apegar-se ao que
Paulo ensinou.” (2006, p. 316).

É consenso entre os intérpretes que o contexto em que o apóstolo Paulo se


encontrava ao escrever 2 Timóteo era o de pré-martírio. Ele era prisioneiro em Roma e
encarava a morte como certa (2 Tm 4.6). Porém, a sua maior preocupação não era com
sua própria vida, e sim com o progresso do ministério do evangelho após a sua morte
(WIERSBE, 2006, p. 312).
Isso se confirma pela ênfase de Paulo em expressões do tipo “sã doutrina” (1Tm
1.10; 2Tm 4.3), “boa doutrina” (1Tm 4.6), “boa confissão” (1Tm 6.13-14), “bom
depósito” (1Tm 6.20; 2Tm 1.14). Paulo precisava certificar-se de que, mesmo depois de
sua morte e do fim do ministério apostólico, a mensagem do evangelho seguiria
avançando e alcançando as futuras gerações. Nessa direção, Paulo entendia que o padrão
confiado a Timóteo era um meio eficaz de transmissão da mensagem do evangelho, de
maneira que se preservasse pura e fiel contra os ataques dos falsos mestres. Assim, como
um pai se preocupa em deixar a sua riqueza em herança para o seu primogênito, Paulo se
preocupou em deixar para o seu filho na fé, Timóteo, um tesouro inestimável, o bom
depósito, o qual deveria ser guardado e protegido.
Carl Trueman (2012) defende que, assim como qualquer área do conhecimento,
financeiro, médico ou físico, conta com um padrão de linguagem próprio, na teologia
também é usado um vocabulário específico para transmitir o ensino de maneira precisa.
No decorrer dos anos a igreja desenvolveu um vocabulário, testado e aprovado, para
expressar os conceitos que ela deseja articular. O termo “trindade”6, por exemplo, não
se encontra na Bíblia, mas expressa de forma sistemática que Deus é um em essência e
três em pessoas. Pai, Filho e Espírito Santo são todos eterna e igualmente Deus. Há um

6
O termo fora usado pela primeira vez por Tertuliano (160 – 220 d.C), um dos pais da igreja.
só Deus, mas o Pai não é o Filho, e o Pai e o Filho não são o Espírito Santo. Desse modo,
o uso da palavra trindade tem uma função teológica clara: ela transmite o conceito
ortodoxo e indica a ortodoxia de quem o usa. Se alguém começa a falar de Deus de uma
maneira unitária ou de três deuses separados, qualquer um que conheça a doutrina
ortodoxa da igreja cristã saberá identificar que tal ensino não corresponde com o “modelo
das sãs palavras” legado pelos apóstolos e preservado pelos pais da igreja (p.103).
Trueman chama a atenção para o fato de que Paulo não instrui Timóteo a somente
memorizar de forma literal os textos do Velho ou do Novo Testamento ou, até mesmo, os
de suas Cartas. Segundo Trueman, o modelo das sãs palavras é algo mais. Assim, a
máxima “nenhum credo além da bíblia” não faz justiça à orientação apostólica, pois a
própria bíblia parece exigir que tenhamos modelos de ortodoxia, e essa é a natureza dos
credos e das confissões (2012, p.104).
Outras referências bíblicas como “doutrina dos apóstolos” (At 2.42), “forma de
doutrina” (Rm 6.17), “fé evangélica” (Fp 1.27), “fé que uma vez por todas foi entregue
aos santos” (Jd 3), “fé santíssima” (Jd 20), “tradição” (1Co 11.2, 23; 15.3), “a palavra que
vos foi evangelizada” (1Pe 1.25) e "princípios elementares da doutrina de Cristo" (Hb
6.1-3), parecem indicar a existência de algum conjunto de verdades da palavra de Deus
que foram agrupadas, aceitas e confessadas pelos crentes da época.
Do mesmo modo, o Antigo Testamento, também apresenta fundamentos para a
confessionalidade da igreja: o Shemá, termo hebraico que significa ouvir com afeição,
indica o que seria o credo judeu: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”
(Dt 6.4).7 Essa profissão de fé era uma exigência para Israel que serviu para distingui-los
de todos os povos idólatras ao seu redor, como os Cananeus, Jebuseus, Filisteus e
Midianitas.8 Gerhard Von Rad entende que textos como os de Dt 26.5-9, Êx 15.1-19 e Js
24.2-13 são respostas confessionais do povo aos atos salvíficos de Deus na história de
Israel (2006, p. 122).9
Logo, ainda que não se possa afirmar, categoricamente, que haviam credos e
confissões formais na igreja do primeiro século, os textos bíblicos, supracitados, são
indicativos claros de que elementos pró-credais já estavam presentes no cerne da fé do
povo de Deus. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento exige que os crentes professem

7
Cf. Credos. In. FERGUSON, Sinclair B. Novo dicionário de teologia. São Paulo - SP: Hagnos, 2009. p.244.
8
Cf. FERREIRA, 2015. p. 43.
9
Cf. RAD, Gerhard von, 1901 – 1971. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo – SP: ASTE/TARGUMIM,
2006. p. 122.
a sua fé no Deus vivo e verdadeiro. Com base nisso, Philip Schaff (1919) conclui que
"num certo sentido, a igreja cristã nunca existiu sem um credo". 10 Dado esses inúmeros
indicativos bíblicos da natureza confessional da Igreja, Carl Trueman (2012) reitera que
a melhor forma de honrar o princípio ortodoxo de “preservar o modelo das sãs palavras”,
ensinado pela Bíblia, é pelo uso dos credos e confissões (p. 111).

2. APLICAÇÃO:
Em meio a tanta confusão teológica por que passa a igreja cristã nos dias de hoje, nós
precisamos professar com clareza aquilo em que cremos.

Temos que ter ousadia de afirmar clara e abertamente e, de preferência, de forma


escrita, as coisas em que cremos.

Embora vivemos numa era da igreja evangélica que rejeita a ideia de credos e
confissões, precisamos repensar esta posição. Do ponto de vista bíblico e histórico há um
imperativo confessional para a igreja cristã.

São tantas as heresias e as influências do mundo pós-moderno que tentam corromper


a fé bíblica que se torna necessárias a formulação e a confissão daquilo em que cremos.
Para que não sejamos lançados de um lado para o outro pelos ventos de doutrina de nosso
tempo.

Em todas as épocas os crentes foram chamados a expressar a sua fé de uma forma


confessional. É importante nos lembrar-nos de que não é necessária a adesão a um credo
para que a pessoa se torne cristã, mas, uma vez cristã, a pessoa tem que confessar a sua
fé. Essa confissão é, em algum grau, um credo.

10
apud CAMPOS, 1997, p. 107.

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