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Ficha de avaliação 3

Felizmente Há Luar!

GRUPO I

70 pontos

Lê o texto que se segue.

([…]. O Principal Sousa fica de pé, com as pernas abertas, em


atitude de ira. Matilde levanta-se lentamente.)

MATILDE

É tão grande o desprezo que tenho por si, tão infinito o meu nojo, De entrada,
5 que só por caridade não traduzo em palavras o que sinto no coração. Matilde fala com

Judas, que traiu Cristo uma vez, acabou enforcado numa figueira, lentidão, pesando
bem as palavras.
mas Vossa Reverência, que O trai todos os dias, vai acabar entre os
seus com todas as honras que neste Reino se concedem aos
hipócritas e se negam aos justos.
10 O meu homem vai morrer lá em baixo, junto ao mar, com o som
do vento nos ouvidos, mas Vossa Reverência há de morrer, um dia,
ouvindo, por entre o latim, as suas pragas.
Alguma vez ouviu praguejar um homem, Reverência? Um homem
a sério, capaz de palmilhar as estradas da Galileia? Capaz de passar
15 40 dias no deserto, ou 150 dias metido numa masmorra?
Então oiça!

(Durante uns instantes fica parada em atitude de quem ouve um


ruído longínquo)

Não sabe donde vêm as pragas, pois não? Tanto podem vir do
20 Céu como de S. Julião da Barra…
Pois há de viver até ao fim dos seus dias sem o saber… e à
medida que for envelhecendo, à medida que a sua hipocrisia se for
afinando até morrer convencido de que foi cristão, o som destas
pragas há de ir aumentando de volume até lhe encher os ouvidos, até
25 que não possa ouvir mais nada.
Há de o ouvir no som do vento que lhe entra pelas janelas… no
bater das portas da sua igreja… na voz das crianças que lhe pedirem
esmola…
Esta praga lhe rogo eu, Matilde de Melo, mulher de Gomes Freire
30 d’Andrade, hoje 18 de outubro de 1817. Estas palavras são
proferidas com
(O Principal Sousa senta-se na cadeira. Ao longe, muito ao longe, arrogância.
começa a ouvir-se o murmúrio da multidão, entrecortado, de quando
em quando, por latim)

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Entre Margens, 12.° ano | Caderno do Professor

35 Todos somos Cristo, Reverência, e todos começamos pela espe-


rança de que se realize o que há de Cristo em cada um de nós.
A uns mata-lhes a vida a esperança, a outros matam-na os que
em seu nome falam, tendo-a já perdido…
Mas há quem escape, Reverência, quem chegue ao fim da vida
40 com o seu Cristo tão intacto como no dia em que nasceu.
Esses morrem na forca ou apodrecem nas prisões, não vá a sua
presença incomodar a burocracia de Deus!

[…]

Luís de Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar!, Areal, 2010 (com supressões)

Apresenta, de forma clara e bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Explica os sentimentos que Matilde expressa pelo seu interlocutor, comprovando com
elementos textuais. 20 pontos

2. Indica as razões que justificam esses sentimentos. 15 pontos

3. Comenta o valor expressivo das interrogações retóricas do discurso da personagem. 20 pontos

4. Explicita o sentido da última frase de Matilde. 15 pontos

30 pontos

Na contracapa da edição da Areal Editores da obra Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro,
podem ler-se as seguintes palavras:

“[…] a peça Felizmente Há Luar!, publicada em 1961 […], esteve proibida pela censura durante
muitos anos. Só em 1978 foi pela primeira vez levada à cena, no Teatro Nacional […].”

Fazendo apelo à tua experiência de leitura, comenta, num texto de oitenta a cento e trinta palavras,
o enunciado acima transcrito, explicando as razões dos factos aí mencionados.

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GRUPO II

50 pontos

Lê o texto que se segue.

Conhecemos a Guidinha num domingo à tarde, em casa da avó Paula, pela mão do
nosso Pai, aliás, pela voz dele porque, nessa altura, em 1969, quando a Guidinha
começou a escrever ainda a Clara e eu não sabíamos ler. Essa leitura em voz alta,
saboreada vezes três, tornou-se num ritual aguardado semanalmente com curiosidade
5 e entusiasmo. Mais tarde, aprendidas as letras, ganhámos desenvoltura e vocabulário
da melhor maneira: a sorrir!
Graças à Guidinha, soube pela primeira vez que existia um bairro chamado Graça,
onde fui parar em crescida e ainda moro radiante. Também por isso, vai para dez anos,
aprendi a descortinar sentidos na ausência deliberada de pontuação cultivada com
10 mestria pela língua afiada de Luís Sttau Monteiro (1926-93) e generosamente posta ao
serviço da sua lucidez crítica, em tempos de censura – o ignóbil lápis azul – pude acei-
tar trinta e tal anos mais tarde este saboroso desafio duplo: o do mergulho retrospetivo
numa infância feliz vivida em estereofonia e na atribulada história recente de Portugal
que a minha geração só pôde decifrar a posteriori.

[…]
15 A Guidinha com graça em plena Ditadura no tempo das Conversas em Família, de
Marcelo Caetano, do Se Bem Me Lembro, de Vitorino Nemésio, da pasta medicinal
Couto, do restaurador Olex, do creme desodorizante Bily, do Cartaz TV, do TV Rural,
dos pastéis de bacalhau sem bacalhau, do E a Vida Continua, do folclore popular e
televisivo, com ou sem Pedro Homem de Mello, do Museu de Cinema mudo com Lopes
20 Ribeiro e António Melo, à voz e ao piano muitos artistas de variedades, outras tantas
metáforas do país amordaçado […].
Entre 1969 e 1980, primeiro no suplemento “A Mosca” do Diário de Lisboa, pela mão
do “padrinho” Cardoso Pires, depois em O Jornal, pela mão afável de Afonso Praça,
graças ao talento de Luís Sttau Monteiro, antes a Guidinha emprestou a sua voz infantil
25 aos que não tinham voz, porque às crianças mais facilmente se perdoa o não terem
papas na língua… embora, nessa altura, nem sequer fosse permitido festejar o Dia
Mundial da Criança. Depois, quando as vozes se levantaram, e por vezes se
confundiram, a Guidinha em trânsito sobreviveu teimosamente, mostrando que
continuava atenta, sem condescendências...
30 Grata à Guidinha, pois, também porque, pelo caminho, encontrei outros “grilos”
desenhados que podiam ser primos dela, o Astérix, a Mafalda, o Calvin, mas só pude
reconhecê-los por a ter conhecido tão cedo...
Quase vinte e cinco anos depois da última “Redação da Guidinha”, muitas
idiossincrasias persistem, mas o sentido de oportunidade da partilha mantém-se, para
35 que a Guidinha nos lembre sempre que a amargura e a deceção que os regimes mais
ou menos musculados suscitam pode ser transformada de maneira construtiva num

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sarcasmo metódico que aposta em pôr-nos a nu através do ridículo tão temido, quando
muitos insistem em gabar-nos os fatos.
Antes e depois, como nas dietas, fora e dentro, como nas viagens... Abrir e fechar
40 os olhos e a boca... Resistir e acreditar, sorrindo!

Helena De Gubernatis, in Luís de Sttau Monteiro – A Guidinha antes e depois,


(“Da arte de driblar a Censura”), O Independente, 2004 (adaptado, com introdução de pontuação)

1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.7., seleciona a única opção que permite obter
uma afirmação correta. Escreve, na folha de respostas, o número de cada item e a letra que
identifica a opção escolhida.

1.1. A autora e a irmã conheceram a Guidinha, na infância, 5 pontos

(A) quando a visitavam pela mão do pai.


(B) quando o pai lhes lia as suas redações.
(C) depois de lerem três vezes as suas redações.
(D) quando aprenderam a ler e a escrever.

1.2. A expressão “Graças à Guidinha […]” (l. 7 ) configura uma modalidade 5 pontos

(A) deôntica.
(B) apreciativa.
(C) epistémica.
(D) com valor de permissão.

1.3. Na linha 8, “onde”, em “[…] onde fui parar em crescida […]”, introduz uma oração 5 pontos

(A) subordinada substantiva relativa sem antecedente.


(B) subordinada substantiva completiva.
(C) coordenada explicativa.
(D) subordinada adjetiva relativa explicativa.

1.4. O segmento “[…] com mestria […]” (ll. 9-10) assume a função sintática de 5 pontos

(A) modificador da frase.


(B) complemento oblíquo.
(C) modificador do grupo verbal.
(D) complemento do adjetivo.

1.5. Em “[…] posta ao serviço da sua lucidez crítica […]” (ll. 10-11), o segmento sublinhado
desempenha a função de 5 pontos

(A) complemento do nome.


(B) modificador restritivo do nome.
(C) modificador apositivo do nome.
(D) complemento oblíquo.

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1.6. Com a expressão “[…] outras tantas metáforas do país amordaçado […]” (ll. 20-21),
o autor pretende 5 pontos

(A) criar a imagem de um Portugal de poetas.


(B) referir a ausência de liberdade de expressão.
(C) explicar a mediocridade cultural do país.
(D) referir-se às prisões políticas da ditadura.

1.7. Nas linhas 33 e 34, o vocábulo “idiossincrasias” significa 5 pontos

(A) atitudes de despotismo.


(B) bandas desenhadas.
(C) atividades culturais.
(D) características peculiares.

2. Responde de forma correta aos itens apresentados.

2.1. Indica o valor da expressão indefinida “[…] numa infância feliz […]” (l. 13). 5 pontos

2.2. Classifica a oração “[…] embora, nessa altura, nem sequer fosse permitido
[…]” (l. 26). 5 pontos

2.3. Classifica o sujeito de “[…] e por vezes se confundiram […]” (ll. 27-28). 5 pontos

GRUPO III

50 pontos

Lê com atenção o excerto que se segue.

“O nosso problema grande é estarmos convencidos que os problemas deles [dos vizinhos/dos
outros] não nos dizem respeito. A nossa tragédia é acharmos que não temos nada a ver com isso.”

José Luís Peixoto, “Somos a primeira pessoa do plural”, in revista Visão, 8 a 14 de dezembro de 2011

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras,
apresenta uma reflexão sobre o que é afirmado no excerto transcrito relativamente ao individualismo
do ser humano.
Para fundamentar o teu ponto de vista, recorre, no mínimo, a dois argumentos, ilustrando cada um
deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

TOTAL: 200 pontos

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