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RESUMO
Objetiva-se com este estudo analisar a narrativa na interface com a história oral e a memória,
na reconstituição histórica. Partiu-se do problema: é possível a reconstituição da história por
meio da memória? Neste sentido, buscou-se inicialmente refletir sobre as obras que tratam
sobre a rememoração de histórias, uma em forma de filme, dirigida por Eliane Caffé (2003),
intitulada “Narradores de Javé”, e o livro “Memórias de Leitura e formação de professores”
(PINTO; SILVA; GOMES, 2008). Fez-se uma relação entre os protagonistas do filme, que
corroboram com as concepções e análises apresentadas pelas autoras do livro. Em seguida,
procura-se apresentar histórias orais e sua importância na reconstituição da trajetória de
interiorização da educação superior no Extremo Sul Piauiense, referente à dissertação de
mestrado em História da Educação (NOGUEIRA, 2006). Desta forma, nos depoimentos dos
protagonistas destacaram-se pontos de vista comuns, que possibilitaram a reconstituição da
história dessa interiorização na região supracitada, a partir de narrativas históricas de pessoas
da comunidade de Corrente-PI, ex-alunos e professores. Tem-se uma pesquisa qualitativa,
realizada por análise de conteúdo das obras mencionadas e da amostra constituída por 5
(cinco) narrativas coletadas por meio de gravação, durante a pesquisa de mestrado. Portanto,
foi possível reconstituir a história da interiorização da educação superior em Corrente, por
meio da memória de seus protagonistas. Procurou-se reconhecer que as histórias
desencadearam outras, e que a narrativa não tem interesse em transmitir o acontecimento de
forma pura, o que requer do pesquisador critérios de seleção, buscando os acontecimentos
comuns entre as narrativas, tendo consciência de que o narrador imprime na narrativa as suas
subjetividades, percebendo o resultado do trabalho daquele que narra e daquele que escuta
durante a entrevista (oral e escrito). Sumarizando, a subjetividade presente na memória é
indissociável da produção científica desenvolvida no campo da história oral. Destaca-se,
também, que a objetividade científica não está relacionada à neutralidade, pois esta não existe,
mas ao fato de o pesquisador assumir a tarefa da interpretação, com ética e compromisso com
a aproximação da verdade. No trabalho representado pela dissertação, observou-se a técnica
de triangulação dos dados ao se buscar a análise dos pontos de vista comuns, o que
possibilitou a reconstituição dessa história.
Palavras-chave: História. Memória. Educação Superior.
1 Introdução
refletir, no contar histórias, tendo em vista que nós seres humanos somos contadores de
história, e de forma individual e social relatamos nossa forma de viver, em nosso cotidiano.
Neste sentido, este estudo tem por objetivo analisar a narrativa na interface com a
história oral e a memória, na reconstituição histórica. Assim, ao se perceber que a narrativa
apresenta características que contradizem o olhar positivista do pesquisador, contrapondo-se à
neutralidade, a objetividade em relação ao rigor científico de uma visão naturalista da
pesquisa, ela mostra que ao se reconstituir a história por meio da memória, também temos que
rever alguns conceitos, como por exemplo, o de objetividade, de neutralidade e de verdade,
tendo em vista que, ao narrar, o narrador não tem intenção de informar, mas por meio da
memória, eleger aquilo que ele considera importante, sendo a memória também falha,
passando a história a ser contada a partir de interesses do narrador, como se pode perceber no
filme: “Narradores de Javé”.
Diante das afirmativas apresentadas podemos considerar que a memória não pode ser
confiável. Portanto, como toda pesquisa, esta também partiu de um problema, sendo este: é
possível a reconstituição da história por meio da memória? Para responder este
questionamento, buscou-se, inicialmente, refletir sobre as obras que tratam sobre a
rememoração de histórias, uma em forma de filme, dirigida por Eliane Caffé (2003),
intitulada “Narradores de Javé”, e o livro “Memórias de Leitura e formação de professores”
(PINTO; SILVA; GOMES, 2008).
A metodologia seguiu os critérios da pesquisa qualitativa, elaborada por meio de uma
análise de conteúdo fundamentada em Bardin (1977), em uma relação entre os protagonistas
do filme, que corroboram com as concepções e análises apresentadas pelas autoras do livro.
Buscamos também apresentar histórias orais e sua importância na reconstituição da trajetória
de interiorização da educação superior no extremo Sul piauiense, referente à dissertação de
mestrado em História da Educação (NOGUEIRA, 2006).
Traçamos aqui uma discussão que não é recente, tendo em vista que o debate sobre a
pesquisa qualitativa, que considera novos caminhos da ciência, em detrimento a um olhar
estático traçado por uma ciência que defende um único caminho, historicamente reconhecido
pelo paradigma dominante é antigo. Richardson (1999, p. 29) afirma que no século XX as
ciências sociais fracassaram por se dedicarem “[...] a seguir um fantasma que resultou da
transferência acrítica da metodologia das ciências físicas e naturais ao fenômeno humano”.
Assim, ao buscarmos a narrativa na interface com a história oral e a memória,
seguimos a metodologia da nova história cultural, que possibilita rompermos com um
discurso científico que se nos impõe como uma normalização e uma forma exclusiva de
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Como vimos, não foi possível Antônio Biá reconstituir a história do Vale de Javé.
Comparando com as características da narrativa, em várias cenas percebemos o que afirma
Pinto, Gomes e Silva (2008, p. 24-25) que “as explicações fornecidas não são definitivas, a
história permanece em aberto, disponível sempre a outras interpretações que se renovam [...]”.
Outra característica marcante apresentada pelas autoras, presente no filme, é que “a narrativa
não é só construída do que o sujeito diz, mas também pelo que os historiadores orais fazem
com o que ouvem, isto é, a partir dos objetivos de pesquisa daquele que realiza a entrevista”.
Temos, assim, que romper com mais um grande obstáculo, o da neutralidade científica. O
pesquisador não é neutro, ele participa na construção da história, sendo a narrativa o resultado
das inter-relações, em que a construção do conhecimento ocorre a partir daquilo que ambos
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(narrador e pesquisador - aquele que escuta) fazem juntos, no instante em que está ocorrendo
a coleta dos dados, neste caso, por meio da entrevista oral.
Diante do exposto, voltamos ao problema deste estudo: é possível a reconstituição da
história por meio da memória? Sobre esta reconstituição discutiremos na seção que segue,
mas antes apresentamos a multiplicidade de pontos de vista constituídos pelos significados de
alguns autores sobre memória e história oral, consideradas fundamentais à compreensão deste
estudo.
Memória:
História oral:
como história viva. [...] é uma prática de apreensão de narrativas feita por
meio do uso de meios eletrônicos e destinada a recolher testemunhos,
promover análises de processos sociais do presente e facilitar o
conhecimento do meio imediato.
Temos o início da narrativa de uma história que aconteceu e pode ser comprovada ao
se realizar a triangulação dos documentos, fotos e outras fontes. Em um primeiro instante a
ideia de que um visitante de Passo Fundo estimulou a construção de uma universidade
comunitária na cidade de Corrente. Segundo o depoente, ele foi encaminhado para os políticos
da região:
documentos escritos e fotografias que, de outro modo, não teriam sido localizados”. Percebeu-
se este fato durante a investigação, de maneira que uma entrevista levava a pesquisadora a
novas fontes, novos sujeitos.
Dando continuidade à história, com a Fundação já organizada foi providenciada,
junto ao Ministério, a viabilização da construção de uma estrutura física. Constatamos na fala
do Dr. Jesualdo Cavalcante Barros, na época deputado federal ,o desenrolar da história:
[...] nós já estávamos com tudo estruturado, isto é, o prédio construído com
uma área de três mil metros e devidamente mobiliado e também todo o corpo
docente, o futuro corpo docente já qualificado com o curso de Especialização
em Ensino Superior, Metodologia do Ensino Superior. Avançamos muito, o
azar que nós tivemos foi justamente a preocupação do governo de evitar a
proliferação de escolas no interior, então o Itamar Franco... ficamos com
tudo pronto, bibliotecas estruturadas, laboratórios instalados sem condições
de obter autorização para realizarmos o primeiro vestibular (DR.
JESUALDO CAVALCANTI apud NOGUEIRA, 2006, p. 168).
Por meio do depoimento oral observamos que não foi realizada a ideia da
universidade comunitária, buscando-se posteriormente a realização de outros convênios,
conforme a fala do depoente, professor da universidade e ex-diretor do campus:
[...] com o convênio feito com a Universidade Federal para a realização dos
dois primeiros cursos de ensino superior aqui em Corrente, que foram os
cursos de Agronomia e o curso de Pedagogia. Depois desse convênio foi
uma pressão da comunidade universitária da UFPI em Teresina, que
enxergava com maus olhos esse convênio, pelo fato da Universidade Federal
não estar se dando bem em Teresina, quer dizer, tem muitas deficiências,
então eles enxergavam isso como você tirar um pouco de quem não tem
nada. Então eu participei como líder estudantil da Uespi, acompanhei a
mobilização dos estudantes e dos professores em Teresina contra esse
processo de convênio da Universidade Federal com a Fespi aqui em Corrente
(a viabilização desses cursos). Posteriormente, isso foi feito com o convênio
entre Universidade Estadual, Fespi e Universidade Federal, que viabilizou a
conclusão dessas duas turmas (PROF. CARLOS OMAR apud
NOGUEIRA, 2006, p.181).
E... apenas as duas turmas primeiras foram diplomadas pela Federal e mantidas pela
Estadual. A primeira turma diplomada pela Estadual foi a de 1997 [...] e que também me
legaram o privilégio de ser madrinha, oficiando a aula da saudade dessa turma. Então,
inicialmente, sobre esse convênio seria basicamente isso (PROFª. NEHANDEARA apud
NOGUEIRA, 2006, p.186).
Assim, por meio da história oral foi possível reconstituir a história da educação na
cidade de Corrente, bem como sua importância e expansão, como podemos perceber na
narrativa a seguir, a partir do ponto de vista do professor ex-diretor da Uespi em corrente:
[...] a expansão foi muito importante, Corrente sempre foi uma cidade muito
preocupada com a educação, e muitas pessoas, devido à distância, não
podiam sair de Corrente pra fazer um curso superior. E chegando a
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Universidade aqui em Corrente, foi muito salutar pra toda a região. Muitas
pessoas ingressaram na Universidade e houve com isso a melhoria de vida e
também pessoalmente para cada indivíduo que fez o curso superior. Foi uma
coisa muito boa [...] melhoria social, econômica para essas pessoas:
professores que foram preparados aqui na Universidade. Graças a isso, a
chegada da Universidade aqui em Corrente, teve esse privilégio, dos
professores cursarem aqui na sua própria região (PROF. CARLOS
ALBERTO R. DE ARAÚJO NOGUEIRA apud NOGUEIRA, 2006,
p.189).
4 Considerações finais
Não temos qualquer dúvida de que a narrativa, a memória e a história oral tornam
possíveis e geram alternativas para a reconstituição da história. No entanto, é necessário por
parte do pesquisador o reconhecimento e um novo olhar em relação a conceitos estabelecidos
por um olhar estático, na percepção de um objeto descontextualizado.
É necessário assumir que a narrativa é sempre a narrativa de um fragmento, a
experiência nunca cabe por inteiro em uma narrativa, ela se encontra na dinâmica da
organização da experiência, mas não poderá totalizá-la. A narrativa oferece leituras plurais e
torna possível o aparecimento de outros pontos de vista, requer integração na construção do
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REFERÊNCIAS
BRANDÃO, J. L. A justa memória: Paul Ricouer explora as relações entre memória, história
e esquecimento. São Paulo: Folhas de São Paulo, 2001.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice: Editora Revista dos
Tribunais, 1990.
MEIHY, J. C. S. B.; LANG, A. B. da S. G.; Revista História Oral: um auto olhar. In: História
Oral: Revista da Associação Brasileira de História Oral, n. 7, jun. v. 7. São Paulo:
Associação Brasileira de História Oral, 2004.
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.