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ISSN 2177-3548

Terapeutas analítico-comportamentais e redes sociais


Behavior-analytic therapists and social networks
Regina Christina Wielenska1

[1] Consultório particular, Brasil | Título abreviado: Terapeutas analítico-comportamentais e redes sociais. | Endereço para correspondência: Rua
Itapeva, 490, Conjunto 56. CEP: 01332-902. São Paulo, SP. | Email: wielensk@uol.com.br

Resumo: O artigo analisa algumas das consequências do crescimento das redes sociais vir-
tuais para a prática da terapia analítico-comportamental. Na medida em que o terapeuta,
por meio de suas características e desempenhos, exerce diferentes funções de estímulo para
o cliente, torna-se necessário avaliar as implicações do terapeuta participar das redes sociais
virtuais, especialmente aquelas voltadas a aspectos fora do exercício profissional. Por outro
lado, discute-se a necessidade de o terapeuta adquirir repertório que o qualifique para avaliar
e intervir sobre desempenhos do cliente quando é este quem participa de redes sociais virtuais,
especialmente contextos que o exponham a situações de risco ou envolvam comportamentos
anti-sociais.
Palavras-chave: terapia analítico-comportamental, rede social, relação terapêutica, ética

Abstract: The article analyzes some of the consequences of the growth of virtual social net-
works concerning the practice of behavior-analytic therapy. Considering that the therapist’s
characteristics and his clinical performance are stimuli with different functions in relation to
the client, it becomes necessary to assess the implications of a therapist’s decision to join social
networks, especially those non-related to professional issues. In parallel, it is discussed that
therapists should expand their repertoires in order to adequately assess and intervene upon
clients’ behaviors, such as getting involved in risky contexts or emitting anti-social behaviors
in social network environments.
Keywords: behavior therapy, social network, therapeutic relationship, ethics

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Este artigo tem por objetivo partilhar com o leitor Facebook, Flickr, My Space, etc. Dentre os alunos,
algumas das consequências do advento das redes posso afirmar que a grande maioria era adolescente
sociais para a prática da psicoterapia analítico-com- quando conheceu a Internet e se familiarizou com
portamental. Parte do que discutirei aqui decorre seus meandros. Portanto, ao entrarem na vida pro-
de um curso ministrado recentemente pela autora fissional dominavam a comunicação por e-mail,
na XVIII Reunião Anual da Associação Brasileira MSN e SMS (considerando-se a mensagem de texto
de Psicoterapia Comportamental e Cognitiva pelo celular um recurso similar ao dos computa-
(ABPMC), cujo título era Tenho mais de mil ami- dores), além de utilizarem mecanismos de busca e
gos e duzentos seguidores: redes sociais, solidão e programas editores de texto e imagem. Há algum
impasses clínicos. tempo psicólogos participam das redes sociais,
Dentre nossos clientes, alunos e colegas de pro- criam ou filiam-se a comunidades, opinam em gru-
fissão, uma significativa parcela nasceu quando o pos de discussão e, inclusive, buscam seus parceiros
conceito da rede mundial de computadores era ape- amorosos pela web.
nas ficção científica. É interessante, por exemplo, Segundo Honorato (2006), que entrevistou pela
ver como Monteiro Lobato (1926/2008) prenun- internet, ao longo de um ano, mais de 400 usuários
ciou o uso da transmissão de dados por sistemas do Orkut:
sem fios, unindo longas distâncias, e o uso de mo-
nitores de vídeo na comunicação entre os indivídu- os usuários assíduos de comunidades virtuais se
os. Sem fazer uso dos termos atuais, reconhecemos conectam à Internet na tentativa de estabelecer
em sua obra a presença de um símile da internet, relações, mesmo que superficiais, e rever antigas
tecnologia empregada por um dos personagens do relações, em uma tentativa de resgate do tem-
romance, o dedicado cientista, preocupado com o po, para satisfazer suas necessidades e sentir-se
futuro da espécie humana. O narrador do romance “em casa”. O que está por trás disso tudo, sua
acidentalmente se aproxima do cientista, apaixona- motivação, nada mais é do que a necessidade
se por sua filha e torna-se testemunha e depositário humana de afiliação, necessidade de contato so-
de segredos científicos acerca do futuro da humani- cial (NCC – Need for Social Contact) e sentir-se
dade. De certo modo, tal personagem espelha nossa membro ou participante de algo. (p. 41)
atual relação com a tecnologia: embora consigamos
aprender a usar as ferramentas de comunicação O autor parece apontar para as propriedades
contemporâneas, enfrentamos dificuldade para reforçadoras dos contatos virtuais. Estes forta-
prever as implicações de seu uso nas relações entre lecem comportamentos de navegar, inscrever-se
as pessoas. Somos elefantes em uma loja de cristais: nas comunidades ou criar alguma, trocar men-
ao nos movermos sem a cautela devida, podemos sagens, espionar as pegadas virtuais das pessoas.
fazer muito estrago. Provavelmente, apenas em parte dos casos supõe-se
O Conselho Regional de Psicologia de São haver correspondência entre o que se tecla e o que
Paulo sistematizou alguns dados de pesquisa e aná- de fato ocorre fora do mundo virtual. Como afirma
lises teóricas já realizadas pela comunidade bra- Honorato (2006),
sileira de psicólogos por meio de uma publicação
onde contemplou as principais questões (Prado, No caso da comunidade Orkut, temos duas ver-
Fortim, & Cosentino, 2008). Os artigos derivam-se tentes importantes: o desejo de contatar anti-
de sistemas teóricos distintos, e nota-se em todos gos amigos e o desejo de fazer novas amizades.
a riqueza das análises, com excelentes pistas para Temos aqui então três categorias bem distintas
investigações futuras. para estes usuários: 1. amigos reais, 2. colegas
No curso que recentemente ministrei, mais da reais e 3. amigos virtuais. Para entendermos
metade dos 80 (ou mais) participantes, uma audi- melhor como o usuário percebe cada uma des-
ência basicamente composta por psicólogos e al- sas categorias, proponho uma comparação en-
guns estudantes de graduação, referiu estar inscri- tre elas. Se compararmos um amigo virtual a
to em algum serviço de redes sociais como Orkut, um colega (real), veremos que o que os difere é

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que com os amigos virtuais se tem um relacio- suas consequências para as relações terapêuticas.
namento interpessoal mais aprofundado e, por Terapeutas são estímulos complexos, com funções
serem virtuais, há maior confiança e liberdade eliciadoras, evocativas, discriminativas, suas atua-
para comunicação. Ou seja, esses amigos virtu- ções podem funcionar como reforçadores positi-
ais são entendidos pelo usuário como alguém vos e/ou negativos; os terapeutas e as respostas que
com quem se mantêm um relacionamento bre- emitem participam de classes amplas de estímulos
ve, porém com a possibilidade de maior “con- equivalentes.
fiança”, mesmo que temporária, ou específicas a Com um universo digital, os problemas podem
uma temática em questão. Apesar disto, eles não se multiplicar entre terapeutas e clientes. Há mais
são entendidos como reais, pois existem apenas para se cuidar: podemos ser escrutinizados, avalia-
para complementar suas relações. Essa interati- dos, enganados e até perseguidos pelos clientes com
vidade satisfaz, mesmo que momentaneamente, base no que consta a nosso respeito nas páginas de
o desejo de pertencimento. O colega real seria redes sociais, em sites de namoro, na plataforma
somente alguém com quem possui um relacio- Lattes (ferramenta obrigatória nos contextos acadê-
namento sem maior aprofundamento. (p. 39) micos), etc. Fortim (2006) sinaliza algumas desses
aspectos potencialmente problemáticos:
Na sociedade não-virtual, temos algum suces-
so em ensinar os nossos filhos a atuarem de modo Quando se tem uma página no Orkut, nem
cortês e a terem cautela na construção de relacio- sempre é possível saber quem a visitou.
namentos de amizade. Com o advento da violência Recentemente, o Orkut disponibilizou uma
urbana e dos crimes cibernéticos, discute-se nas configuração que possibilita saber o número
pequenas rodas o que os meios de comunicação de vezes que a página foi vista, e também ve-
propalam maciçamente: todo cuidado é pouco. No rificar quem acessou o perfil – mas o coman-
entanto, os jovens, a grande maioria dos usuários, do é limitado aos últimos cinco usuários que
parecem se preocupar pouco com a segurança, visitam a página. Entretanto, creio que apenas
preservação da intimidade, respeito aos direitos do uma pequena parte dos usuários do Orkut ha-
próximo e questões similares. São usuários tecno- bilitou esse comando – a grande maioria pre-
logicamente hábeis, ávidos por conseguir aceitação feriu permanecer anônima, como sempre fora
social e destaque entre seus pares, bem como por o site antes desse recurso. Ou seja, com a pos-
namorar e se engajar em atividade sexual a qual- sibilidade de visitar páginas anonimamente, é
quer preço. possível espionar outras vidas pelo Orkut. É
O problema assemelha-se ao risco das doenças claro que essa “espionagem” pode ser limitada
sexualmente transmissíveis e o uso infreqüente do pelo próprio usuário, que escolhe o quanto se
preservativo. Até adultos dispensam práticas de expor em sua página. Não é obrigatório que as
proteção (na internet ou na cama) se elas reduzem informações sejam verdadeiras, nem dar todos
as chances de terem sexo, aprovação social e di- os detalhes pessoais para a construção de um
vertimento. Nos sites de namoro, perfis sem foto perfil. Existem pessoas que se expõem demais,
são menos acessados. Quem recebe um pedido de num excesso de ingenuidade; outros são mais
amizade no Orkut nem sempre se dá ao trabalho de cuidadosos e se expõem bem menos. É possível
investigar se o proponente é mesmo quem se supõe ter mais de uma conta, e, sendo assim muitas
que seja. pessoas criam mais de um perfil, que podem ser
No decorrer de nossa formação como terapeu- falsos, para atuar no Orkut com mais liberdade
tas, fomos orientados e especificamente treinados e sem a responsabilidade de arcar com seus atos
a atentar para o efeito que diferentes aspectos de em seu próprio nome. (p. 50-51)
nossa pessoa podem produzir nos clientes. Nossa
aparência e forma de agir, a maneira como inte- Se um cliente emitir uma resposta invasiva sem
ragimos com os clientes, as regras que seguimos e receber limites para sua ação e se esta lhe trouxer
muito mais, tudo pode ser analisado em termos de alguma vantagem (ter acesso, por exemplo, a in-

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formações privilegiadas), o comportamento abu- nossos interlocutores e a quem autorizamos acesso


sivo do cliente pode se manter. Aliás, o terapeuta aos dados? Existe reciprocidade, clareza e bidire-
deveria se perguntar: o “comportamento invasivo” cionalidade na comunicação e no respeito ao outro
do meu cliente - que vorazmente vasculhou rastros na comunicação virtual? Por que visitamos outras
virtuais deixados pelo terapeuta - pertence a uma páginas, além da nossa? Há equilíbrio entre nave-
classe ampla de respostas que caracterizam parte da gar na virtualidade e entrar em contato direto com
dificuldade de construir relações afetivas, asserti- as contingências do mundo, com interações entre
vas, não-coercitivas e desprovidas de dissimulação? indivíduos de carne e osso? Estas são perguntas bá-
Relatar ao terapeuta que o encontrou no Facebook sicas e haveria espaço para indagações mais sutis e
seria um CRB1, CRB2 ou CRB3, na linguagem de complexas quando se trata de promover o autoco-
Kohlenberg e Tsai (1991/2001)? Como reagir tera- nhecimento do terapeuta.
peuticamente a esse relato do cliente? Sem a análise No que se refere à relação do cliente com as ins-
funcional fica impossível responder. tâncias virtuais do mundo, trata-se de entender a
Fortim (2006), a esse respeito, lançou mão das função desse comportamento e definir se há pro-
abordagens psicodinâmicas para analisar o tema. A blemas não resolvidos em interações pessoais não-
autora escolheu virtuais e que deram margem ao predomínio da
virtualidade e a um provável descompasso entre o
abordar três pontos . . . de interesse para a atu- que se sente, faz e pensa nas distintas áreas da vida.
ação clínica. O primeiro deles se refere à nova Um cliente com déficits de habilidades sociais, que
realidade que os pacientes trazem para o relato se sente inferior às demais pessoas, poderia, por
no consultório, ou seja, quais as implicações que exemplo, construir para si um personagem com
o Orkut pode mobilizar para o contexto de vida características “positivas” e atribuir seu eventual su-
dos pacientes. Depois, abordo como o Orkut cesso nas paqueras virtuais à beleza de seu avatar. O
pode transformar as relações de transferência cliente teria dificuldade para entender que o modo
entre terapeuta e paciente, pela possibilidade do como se relacionou pelo computador com as mo-
acesso que os pacientes agora podem ter à vida ças pode ter igualmente contribuído para a atração
privada do terapeuta, caso ele tenha uma conta que as moças passaram a sentir por ele. Quando
de Orkut. E, por fim, é importante considerar a estava na própria pele, em contato social direto, ele
possibilidade de que o próprio terapeuta tam- sequer tentava puxar papo e conhecer as moças.
bém possa pensar em fazer uso do Orkut para Ao contrário, ficava mudo e tenso, padrão passí-
obter dados sobre o paciente, além daqueles es- vel de entender considerando-se o fenômeno da
pontaneamente trazidos à sessão. (p. 51) supressão condicionada frente a estímulos poten-
cialmente aversivos (a esse respeito, sugiro a leitura
Na perspectiva comportamental acerca do re- de Zamignani & Banaco, 2007). Seria interessante
lacionamento terapeuta-cliente, a busca da neu- avaliar com o cliente que as habilidades sociais já
tralidade pelo terapeuta psicodinâmico foi substi- existiam em seu repertório e foram bem aproveita-
tuída pela análise funcional do padrão interativo, das por ele no contexto “agora ela me acha bonito” e
em busca das propriedades terapêuticas do contato passavam em branco no contexto “ela me acha feio”.
face a face no consultório. No contexto da atuação Até que ponto a perfeição estética teria papel deci-
clínica, ambas as vertentes teóricas requerem um sivo? O trágico amor entre o narigudo Cyrano de
apurado autoconhecimento por parte do terapeu- Bergerac e sua platonicamente amada Roxanne já
ta. Então deveríamos ser instados a investigar as enlevou gerações, mas estas não aprenderam com
possíveis variáveis de controle do nosso compor- a história e continuam a se valer de truques que as
tamento de ingressar nas redes sociais, e do modo afastam do self, em busca desenfreada pela aceita-
como efetivamos esse ingresso. Por que fazer um ção na sociedade, mesmo que virtual.
perfil fiel ao modo como supomos ser? Quais mo- Terapeutas comportamentais ocasionalmen-
tivos teríamos para nos resguardarmos sob a égide te, respeitando critérios específicos e em comum
de um perfil falso? Quais dados partilhamos com acordo com o cliente, aceitam receber a visita de

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um amigo ou parente, cujo relato possa contribuir Na web, praticamente não se tem controle sobre
para o progresso terapêutico. Recorre-se a fontes a identidade das pessoas, sobre a correspondência
externas de modo transparente, sem escaramuças. entre seus relatos verbais e suas ações, e pouco sa-
Então, quais razões teríamos para furtivamente es- beremos como o cliente reagiu ao que descobriu
carafunchar a vida virtual do cliente? Se não cole- vasculhando nossa vida digital. Recomendo aos te-
tamos dados na sessão, teremos mais sucesso por rapeutas cautela, moderação e modéstia. Seria com-
meios furtivos? Qual o preço desse suposto sucesso plicado descobrir, depois de passar duas semanas
na coleta de dados? Não seria mais honesto, pro- flertando pela web e ter marcado de tomar um café,
dutivo e ético sugerir ao cliente que nos mostre um chegar ao encontro, e descobrir que, na verdade, o
pouco de seu comportamento na web, para depois candidato a namorado trata-se daquele cliente ca-
compararmos juntos essa amostra virtual com o sado, que nunca conversou com seu terapeuta sobre
padrão estabelecido ao vivo, no calor ou frieza das o fato de fingir ser solteiro para se relacionar com-
sessões? pulsivamente com pessoas que buscam, via web,
É fato conhecido que alguns suicídios ou ataques um amor recíproco.
homicidas são prenunciados via web, pelo cliente Clientes que desenvolveram o padrão de com-
que, desesperado e sem aparentes alternativas de portamento descrito como transtorno borderline
resposta, pensa em se matar ou se vingar de certas de personalidade podem sofrer ainda mais com o
pessoas. Não perseguimos ao vivo clientes em risco, nocivo quebra-cabeça, composto por dados espar-
então por que usar a vigilância pela web? Podemos sos que coletaram acerca do terapeuta, por meio
e devemos pedir ajuda à família, a serviços de saú- de buscas virtuais. Os dados são hipervalorizados,
de, intensificar metodicamente os cuidados com o usados no intuito de testar a relação terapêutica e
cliente. Mas em nada ajuda vigiar eletronicamente seus limites. O cliente pode romancear as informa-
quem já se sente perseguido e injustiçado, mesmo ções que lê, imaginar seu terapeuta como perfeito,
que munidos das melhores intenções. ou sentir-se ludibriado por ele, porque algo que ou-
Quanto à exposição do terapeuta via páginas viu na sessão pode não corresponder ao que leu no
da web, há que se distinguir entre a pessoa pública, Orkut. Sente-se, então, enganado e traído. Não pre-
que atua como docente/pesquisador e terapeuta, e cisamos de mais matéria prima para desencontros
a pessoa privada, que sofre, tem problemas, ama, clínicos. Como bem colocou Fortim (2006),
freqüenta festas, apenas sonha com viagens ou as
planeja e realiza, enviúva, flerta, compra carro, pede No setting terapêutico, o objetivo da sessão é
financiamento, teve depressão, abortou ou tem cin- estar disponível ao paciente e, portanto, o tera-
co filhos. Teríamos absoluta necessidade de deixar peuta não fala de si nem de suas questões. Isso
esses dados abertos à visitação pública, sob a forma gera no paciente uma série de curiosidades a
de imagens ou textos? Na sessão até podemos mos- respeito do analista, que são normais. Mas, por
trar ao cliente uma foto do local que visitamos nas causa dessa situação peculiar da terapia – uma
férias passadas se esta interação específica estiver a relação profissional e unilateral onde apenas o
legítimo serviço da melhora do cliente. Se há outro paciente se expõe – se estabelece uma relação
jeito ético, afetivo e efetivo de ajudar o cliente, e que de poder, onde o terapeuta pode ser visto como
dispense a auto-revelação, por que se exibir? Num detentor de um conhecimento sobre o pacien-
artigo publicado recentemente, discuti que tera- te que ele mesmo não dispõe. Alguns pacientes
peutas privados de intimidade e de amigos na vida podem entrar nesta disputa de poder, procuran-
pessoal podem equivocadamente se valer de seus do obter informações que possam ser usadas em
clientes para suprir essa privação (Wielenska, 2009) momentos adequados, como uma forma de ata-
e até cometerem o auto-engano de que manter um que ao terapeuta – como uma forma de dizer-
perfil na web aberto aos clientes seria uma forma de lhe que este não pertence ao reino da perfeição
mostrarem-se antenados, cativar o cliente e fazê-lo e está desprotegido, tanto quanto o paciente.
sentir-se conectado ao terapeuta. Saber alguma informação não dada por alguém
é, muitas vezes, uma forma de exercer poder so-

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bre essa pessoa, e assim a busca do terapeuta no Orkut na clínica e a relação terapeuta-paciente.
Orkut pode ser entendida como uma busca pela Retirado de http://www.bvs-psi.org.br/ebooks/
guerra de poder na análise. (p. 57) PsiInfo.pdf#page=49
Kohlenberg, J. R., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia
Não há soluções prontas, mas de forma geral analítica funcional: Criando relações terapêuti-
ouso afirmar que cada profissão tem seu preço: en- cas intensas e curativas. (R. R. Kerbauy et al.,
genheiros civis podem ter calçados imundos com Trad.). Santo André, SP: ESETec. (Trabalho ori-
terra e cimento, médicos dão plantões em dias e ginal publicado em 1991)
horas não muito agradáveis, e terapeutas precisam Lobato, M. (2008). O presidente negro.Rio de
ponderar acerca da função de exporem publicamen- Janeiro, RJ: Globo. (Trabalho original publica-
te dados pessoais no Orkut, My Space, Facebook e do em 1926)
similares. Prado, O. Z., Fortim, I., & Cosentino, L. (2008).
Ainda com referência aos perigosos meandros Psicologia & informática: Produções do III
da internet, vale mencionar a necessidade de nos Psicoinfo e 2ª jornada do NPPI. São Paulo, SP:
prepararmos contra a inundação de inverdades Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
científicas, lendas urbanas e fraudes que circu- Retirado de http://www.bvs-psi.org.br/ebooks/
lam pela web. Se nosso repertório discriminativo PsiInfo.pdf#page=49
for restrito, como nos proteger e proteger nossos Wielenska, R. C. (2009). Jovens terapeutas compor-
clientes dessas armadilhas? Checar as fontes, reler tamentais de qualquer idade: Estratégias para a
criticamente emails antes de dar o comando “en- ampliação de repertórios insuficientes. Em R.
caminhar” ou “enviar para lixeira” são habilidades C. Wielenska (Org.), Sobre comportamento e
fundamentais para os terapeutas na era da infor- cognição:Desafios, soluções e questionamentos,
mação digital. Usar um antivírus atualizado diaria- (pp. 286-296). Santo André, SP: ESETec.
mente e encaminhar mensagens em cópia oculta, Zamignani, D. R., & Banaco, R. A. (2007). Um pa-
deletando os endereços do remetente e destinatá- norama analítico-comportamental sobre os
rios da mensagem que chegou até você é tão im- transtornos de ansiedade. Revista Brasileira de
portante quanto descansar, alimentar-se bem ou es- Terapia Comportamental e Cognitiva, 7(1), 77-
covar os dentes. Talvez eu prometa uma moeda de 92. Retirado de http://revistas.redepsi.com.br/
ouro ao terapeuta que provar que se cuida na web e index.php/RBTCC/article/view/44/33.
fora dela, com zelo equivalente ao que recomenda
aos seus clientes...

Referências
Fortim, I. (2006). O Orkut na clínica e a relação
terapeuta-paciente. Em O. Z. Prado, I. Fortim,
& L. Cosentino (Orgs.), Psicologia & informá-
tica: Produções do III Psicoinfo e 2ª jornada
do NPPI (pp. 48-60). São Paulo, SP: Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo. Retirado
de http://www.bvs-psi.org.br/ebooks/PsiInfo.
pdf#page=49
Informações do artigo
Honorato, E. J. S. (2006). Comunidade virtu-
al Orkut: Uma análise psicossocial. Em O.
História do artigo
Z. Prado, I. Fortim, & L. Cosentino (Orgs.), submetido em 31/08/2009
Psicologia & informática: Produções do III primeira decisão editorial em 09/09/2009
Psicoinfo e 2ª jornada do NPPI (pp. 31-47). São segunda decisão editorial em 25/01/2010
Paulo, SP: Conselho Regional de Psicologia aceito para publicação em 25/01/2010
de São Paulo. Retirado de Fortim, I. (2006). O

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