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O Estado de S. Paulo
11 de junho de 2018
DENIS LERRER ROSENFIELD
PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS
E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR
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ao legítimo direito à autodefesa, os
responsáveis pela criminalidade!
A candidatura Bolsonaro surge
como uma resposta a esse tipo de
questão, por mais impreciso que seja
ainda o seu discurso político e,
sobretudo, econômico. Soube escutar
esse anseio da sociedade, ciente de
que o Estado não se pode sustentar
sem o exercício da autoridade estatal.
O Estado, em negociações
“democráticas”, virou refém de
corporações de funcionários e
empresários que se apoderaram de
uma fatia do bolo público e são
avessos a qualquer mudança. Se a tão
necessária reforma da Previdência não
foi realizada, foi porque as corporações
de privilegiados se negaram a reduzir
seus benefícios dos mais diferentes
tipos.
A esquerda, seguindo sua
degradação ideológica, ficou do lado
das corporações públicas, como se
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elas representassem os trabalhadores,
estes, sim reféns de baixos salários e
do desemprego. As corporações do
Judiciário e do Ministério Público
também se recusaram a aceitar a
igualdade básica dos cidadãos
enquanto membros do Estado. Este se
tornou presa de seus estamentos,
perdendo o sentido da moralidade e do
bem coletivo.
Tachar o discurso do deputado
Jair Bolsonaro de extrema direita é o
melhor atalho para refugiar-se na
miopia ideológica. Só teria sentido se
se considerasse a defesa da vida e do
patrimônio das pessoas uma bandeira
de extrema direita. Isso significaria,
então, que a esquerda valoriza o crime
e a violência? Ou não se preocupa com
a vida e o patrimônio dos cidadãos?
A greve dos caminhoneiros
mostrou com inusitada clareza que os
militares se tornaram uma opção para
boa parte dos cidadãos. Os pedidos de
intervenção militar alastraram-se pelo
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País e foram muito maiores do que o
noticiado. A sociedade clama por
moralidade pública e por segurança
física e patrimonial. Cansou-se do
discurso de uma classe política que
não mais a representa. Partidos com
forte estruturação ideológica, como PT
e PSDB, ficaram literalmente perdidos,
tontos.
Evidentemente, tal saída seria
uma ruptura institucional, ferindo uma
democracia cambaleante. E mais
imprópria ainda por ter o atual governo
levado a cabo uma agenda reformista
que está mudando o País, apesar de
seus percalços. Não seria esse o
destino desejável.
Nas últimas décadas os militares
têm tido um comportamento exemplar,
defendendo a democracia e a
Constituição. Passaram por momentos
muito delicados, sendo objeto de
acusações as mais diversas, com a
ameaça de revisão da Lei da Anistia
pairando sobre eles. Souberam resistir
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no estrito respeito às normas
constitucionais, enquanto seus
opositores pretendiam jogá-las pelos
ares.
Agora, todo um setor importante
da sociedade brasileira clama para que
voltem ao poder, por intermédio da
candidatura Bolsonaro. Ele não
representa apenas a si mesmo, mas
responde a um apelo social, podendo
contar com o apoio dos militares,
embora as Forças Armadas
permaneçam, enquanto instituição
estatal, neutras e equidistantes em
relação ao processo eleitoral.
É visível o empenho de militares
da reserva em favorecer essa via
democrática de volta ao poder.
Generais importantes estão
empenhados nesse processo, dando o
seu aval a uma candidatura que,
vitoriosa, poderá contar com o apoio
daqueles que querem restaurar a
autoridade estatal.
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Acontece que a Nação apresenta
uma condição de anomia, cada
estamento puxando para o seu
interesse particular, como se o Estado
pudesse ser esquartejado, perdendo-
se até mesmo a própria noção do bem
coletivo. A desordem toma conta do
espaço público, como amplamente
demonstrado na greve dos
caminhoneiros, que conseguiu curvar
o governo no atendimento de suas
demandas.
O caminho está aberto para que
outras corporações sigam o mesmo
caminho. A greve contou com o apoio
da sociedade, que, do ponto de vista
público, terminou prejudicada em todo
esse episódio. O que contou, porém,
foi a expressão de uma insatisfação
generalizada, que encontrou aí uma
canalização para o seu mal-estar.
E é esse mal-estar que está sendo
a condição mesma do apoio social à
volta dos militares ao poder. Talvez os
que defendam a ideia da bolha da
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candidatura Bolsonaro, como se ela
fosse logo explodir, não tenham
compreendido que a sociedade não
mais aceita uma classe política que se
corrompeu e dela se distanciou.
Se há uma bolha, diria crescente,
é a de uma sociedade que deseja
mudanças. E ela, sim, pode explodir!
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