Você está na página 1de 2

Cheguei até aqui arrastado pelos ventos de abril

Rogerio Trindade

Cheguei até aqui arrastado pelos ventos de abril,

Minha filha há muito morreu,

Foram meus filhos e minha mulher,

Só resta aquele que sou eu.

Não cobro dívidas do senhor Dotô,

Pois falar “dívida” já é falar em dividir.

Não, dividir o senhor não quer.

Porque se for dividir, e se a conta for certa, dá no quê?

Quem trabalhou? Eu.

Se o saco tem feijão, se a lareira do senhor tem fogo, se os anéis do senhor têm pedras,

É porque trabalhei.

E o senhor? Nada.

Fica com o feijão, com a lareira e o fogo quente, fica com os anéis e a pedra.

Porque nada faz.

E durmo no duro e acordo no duro.

Vejo morrer todo ano mais parente.

E então não quero saber de dívida, porque o senhor não tem uma dívida.

O senhor tem nada, porque tudo que o senhor diz ter, na verdade, é meu.

Transformar o discurso em triste aos poucos,

até chegar a um pedido de emprego pelo Amor de Deus.

Você também pode gostar