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i Paesavesp Sandee DJalahy - a Enperces Oat verses o So aule s ae Moncter date do serule Kin - atoGabo + M8eitee Aaa A AVENTURA DA MODERNIDADE:, OS CONTRADITORIOS CAMINHOS DO PROGRESSO \ deSies pelos quis se dsl a esencada dominago burguesa, a au mulage do conto pico vt Simbolo dofetichismo da mercadoria e imager do progress6 capitalista, a miiquina fascina e se oferece para ser admirada: apresenta,@ como o invento {que veto para diminuir o esforgo do homem e proporgiénar bemestar, mes nunca para explor 4 Dessa forma, qual esfing® da tragédia que se apyéSenta aos Edipos contempo- raneos, a maquina se propd&como um enigmé: decifra-me ou te devoro. De- frd-la significa, antes de mai®-nada, progGzir um saber técnico adequado, ccapaz de conhecer seus segredos>p6-la,ém funcionamento e usé-la segundo fins desejados. Mas o sistema de fabrigé, a0 introduzie a miquina no processo de trabalho, higrarquiza saberes e fyticbes: desqualifica a virtualidade técnica artesanal, isola © trabalhador do pfoduto Final e justapée 20 processo 0 técni- co qualificado, capaz da “leityr4” da maquina, Numa outra dimensto, a mé- uina “devora” 0 trabalhador subjugando-o 20'processo rebaixando o valor de sua forca-trabalho. Emma, como ponta de laga do sistema de fabrica, a maquina mediatiza 2 ashimetria social e impoe a dlsciplina do trabalho por meio dos agentes do capital. Fetichismo e aliefagao, eis 0s segredos do sistema de fabric’ lismo como mado de produco vitorioso que se impGe nao $6 mas pelo splitor és ideo do convencimens Ima do capita- fa coersao, fetichista da mercadoria, pelo qual se dissimula o papel da t forma de acumulago, seria apropriado por pensadores da m (0s skanos on asec FeneMNO cALNGAO 23 Em obra que provocou polémica nos meios intelectuais," Marshall Bermann reabriu o debate sobre 2 questao da modemidade. ‘Tomando como pressuposto um conjunto de transformagdes econdmico-so- Ciais pertinentes & emergéncia do sistema capitalista— a que chama de mo- detnizagio — Berman busca resgatar a modemidade como experiéncia vital ¢ histérica utlizando-se de pensamento de autores que classifica como mo- deristas. Berman surpreenderia a modernidade em tais pensadores pela cons- tancia de determinados princfpios basicos, tais como 0 impulso criador! inovador, a percepcao da totalidade eo principio dialtico, pelo qual se expe- Timentaria a sensagdo de ganho e de pert, de fascinio e de reptidio diante das transformagbes que se desencadeiam em turbilhao. A riqueza do pensamento cde Berman remonta a retomada de autores como Marx, Baudelaire, Benjamin, ‘04, ainda, dos-escritores russos do século XIX, como Gogol e Dostoiévski. Centralizando sua critica na precariedade da dimensio espaco-temporal da anilise de Berman (e, portanto, na falta de historicidade do conceito de mo- dernidade), assim como na radical discordancia da idia de revolugao subja- cente (que ora ndo interessa discutir), Perry Anderson ressalta que ocapitalsmo ‘descontinuo no seu processo de realizag3o ao longo do tempo e que mesmo no século XIX ele ndo se encontra difundido de maneira uniforme. Dessa for ‘ma, ao identificar a modomidade como experiéncia historica desde o século XVI, Berman estaria usando um conceito deslocacio de sua temporalidade his- t6rica. Da mesma forma, ao visualizar a modemidade dentro de um period {80 dilatado, Berman incoreria também num tipo de andlise nao classista. O resultado final é uma critica cabal ao proprio marxismo de Berman, uma vez «que sua visio, na opiniaio de Anderson, seria ndo-histrica, néo-classista, ndio- dialética e nio-revolucionaria, Aresposta de Berman prende-se mais as discusses tedricas da critica de An- detson do que &s dividas historicas assinaladas. Assim, Berman sustenta que as respostas no sdo encontraveis na teoria pronta, mas sim nas condicdes ‘concretas objetivas do cotidiano; da mesma forma, a revolucio coletiva passa pela pessoal e, no seu entender, os “sinais pola rua” apontam as mudangas, mas para quem esté aberto para percebé-las. Restaria, contudo, a discussio central da nao-historicidade e da auséncia de dimensao classista do conceit. [AAvOsUR4 DA MODRINDHDE Os CORAGREROS CNEHDS 90 PROGRESS "Beran, Marshall, ap. lt 2 Tratase, espactalmente, da réplica de Perry Anderson (Modemiddeerevelusio. [Novos estudos Cebrap, Ste Paulo, n°, fev. 1986) e da wéplica de Berman (Sinis pela rua. Fatha de SPaulo, 24 jan, 1907, 9.267. Fo Berman, op tp. 13.615 2% Remontando & obra de Berman, nao parece que ele “descole” o conceito das condigbes histéricas objetivas que the d3o suporte (a saber, 0 processo de formacio e afirmagae do capitalismo). £ evidente, contudo, que Berman nfo centraliza sua andlise neste processo de transformagées econdmico- socials (a ‘modemizacdo) ou na ago classista da burguesia, mas os toma como presst- postos do seu pont central de anslise, que € 0 resgate da modemicade como experincia vital no pensamento de autores modernist. Argumentando ain- da a favor da historicidade do concelto, pode-se perceber que a maior parte ddos autores citados por Berman como portadores de modemidade so do sé- culo XIX, 0 que sem divida remete a este recorte temporal como 0 epicentro do fendmeno. Nesse sentido, & possivel fazer con‘luir, dentro de um mesmo processo de desenvolvimento capitalista, a emesgencia do sistema de fabrica como forma ‘acabada e vitoriosa e a modemidade como experiéncia historicae vital ‘Tomando a modemidade como vivencia etraduzida em formas de acZo, sentir pensar, considera-se ser o sistema de fbrica 0 ndcleo central que propor- ‘cionou todas estas transformacées. Ele seria como 0 *coragao" do capitalise mo, a0 passo que a modemiciade compareceria como a expresso da “alma” daquele processo. O que, contudo, se considera como fundamental na analise de Berman & jus- tamente 0 aspecto dialético da vivencia da modemidade: “{.] ser moddemo & viver uma vida de paradoxo e contradigio {1 6 fazer parte de um universa no qual, como disse Marx tudo que é sido desman- cha no.ar’"? Este processo desencadeado com 0 chamado “turbilhio de mudangas", que ‘acompanharia 0 capitalism desde o seu surgimento, aingiria no século XIX ‘um ponto climax, dando aos individuos a sensagao de viver em dots mundos, ‘um que se insinua e se impée com rapidez e urn que, aparentemente solido, € superado rapidamente pelo novo. Na posicio de Berman, a contradicio esta- ria presente na base deste mundo moderno revolucionado pelo sistema capi- talista em construcdo. Nao se trata apenas de restaurat a dialética como motor da historia, mas sim de resgatar a dialética como postura vital dos individuos Ibid, p. 580. 6 é justo que aqueles que nio so senéo proprietirios aspirem a tomarse sébios; porque a ciéncia & um gazo no menor que a propriedade”* Flui do texto 0 indicativo de que o saber € a cultura devem ter © apoio, © mecenato e a predileco da classe burguesa, complementosnecessérios auma situagdo de predominio sobre a sociedad que se apoiava sobre a riqueza. A ambighidade, contudo, permanece uma constante em Baudelaire (Ora o poema das Flores do Mal aparece como 0 porta-vor da burguesia, como no ja eitado caso do Salso de 1846, ora se volta contra ela. Tome:se 0 caso da figura do dandy, que ocopa um lugar central na sua obra. Ao inverso da bur {uesia, este nfo tem uma fungao claramente essinalada. O dandy é um dile- fante, um vagabundo, um boémio, que nao procura atingir outs fim sendo 0 de celebrar por tudo e sempre a glorificacao das aparéncias, da beleza e das sensages” Note-se a dialética que preside a personagem: é antiecondmico e, como tal, antiburgués; nao faz nada, tal como o antigo aristocrata, mas 20 tmesina tempo 6 imagem de um hemem revoltado por exceléncia. Tal como 6 artista, € produto de sua época, mas contra ela se volta, na busca de um ideal estétco livre da mercantilizagso da vida. Por outto lado, esta mesma ordem burguesa, que fora capaz de desencadear tum surto de desenvolvimento tecnolégico que dotara o mundo de novos in- ventos, éencarada pelo escitor como Catastréfica e destridora da verdadeira arte ¢ do belo. Para Baudelaire, o progresso, sendo o dominio progressivo da ‘matéria pelo homem, era, ao mesmo tempo, uma invencao da filosofia do seu tempo: 11. ] dia grotesca que floresceu sobre o terreno da fatuidade moderna, ddesincumbiu cad urn do seu dever, liv toda a alma de sua responsabi- Tidede, libertou a vontade de tados os lagos que Ihe impunham 0 amor a0 bolo’ ® ara o senso comui do homem francés, 0 progresso era o vapor, a eletr dee o gis, numa evidéncia da superioridade industrial que the fazia perder “a ogo das diferencas que caracterizam os fendmenos do mundo fisico e do mundo moral, do material e do espirituat 'Nesse sentido, ao caracteizar 0 progresso como "madera lanterna que joga~ va sombra sobre todos os objetos do conhecimento”, intula que nesta idéia~ [Aus 0A MODBINOADE CS CENTEADTORDS GAANMES DD FIDERESO mestra dos novos tempos se encontrava um elemento velador da realidade. Esxtrapolando seu dominio da order material paa a ordem da imaginacio, 0 progresso cegava e obliteravaos sentidos eo Senso cic ‘Mesmo adrpitindo que, na ordem material, se procedia um progresso incon- testivel, Baudelaire se perguntava qual a garantia do progresso para 0 ama- inh, em que o fuluro se apresentava como uma conquista assegurada, por meio de uma série indeterminada quanto a seus fins: Lu] 0 progresso indefinido nao seré sua mais engenhosa e sua mais crue! tortura; se, procedendo por uma opiniatica negagao de si mesino, ele no serd um modo de suicidio incessantemente renovado e se, fechadlo no cir culo de fogo da logica divina, ela néo se assemelharia ao escorpido que se volta contra si mesmo com a sua terrivel cauda, este eterno ‘desideratum’ que faz seu eterno desespero’.'° Resgata-se, portanto, em Baudelaire, assim como em Marx, uma atitude de ambighidade, perante a evidéncia do triunfo burgués e o reconhiecimento de sua capacidade transformadora da natureza e da relagao entre os homens, por um lado, e as conseqUéncias deste processo, por outro, O alastramento do capitalismo, tendo por arauto a figura da maquina, materalizac3o do progres- 50, do avanco da técnica e do engenho humano, instalaria na sociedade a crescente fascinacao pelo novo, pela recente descoberta, pelo invento atraen- te, pelo engenho fantéstico, insuspeitado até ento pelos homens de outras épocas. (O século XIX foi, por exceléncia, um momento de transformagao em riipla scala. A populagao aumentara, as cidades cresceram e colocaram 20s gover- nantes toda uma sorte de exigencias, desde a reordenagao espacial, redese- nhando as ambiéncias, até 0 cumprimento dos servigos pablicos demandados pelo “viver em cidades”. Produtos novos e maquinas desconhecidas atesta- vam que a ciéncia aplicada & tecnologia era capaz de tudo ou, pelo menos, quase tudo, © valor dominante era 0 do progresso, caro as elites que dele faziam o esteio de uma visio de mundo triunfante e otimista, Refere Tuffelli: “Esta idéia, na tradi¢go da Fnciclopédia, impregna a época. Os positivisas, como Augusto Comte, Ihe dio uma base filosética, b os progressos cientifi- “Baudet, op. cit, p- 58, Annis os wnceiiants: cs commamenoe cone bo erocRECD 29 Leen nee ns ee UE EINE EEEEEEEEEEEnEeeeeen] "Tuff, Nicole, art au XIXe siecle; 1840-1905, Pars, Boras, 1928, p. 6. "saab, op. cit, p. 695 2» 05 € técnicos uma veracidade. Ela tem por corolésio a confianca no ho- ‘mem, no individuo autor e motor das mudancas que cada um pode consta- tar na sua proximidade imediata — tais como a implementacao, depois a extensio da rede da estrada de ferro — que séo percebidas como as benfei- torias as quaiso “rabalho’ ou a ‘instrucao" poderéo permitr de participar plenamente, © individuo tem entéo um papel a cesempenhar na historia Coletiva, a do progresso da humanidade. Esta nogao dle progresso € desen- | volvida com a ida cle um mundo mellior para todos". Entretanto, no quacro das transformactes capitalstas também se geraram as condighes miseréveis de existencia e trabalho dos operaios (abris e dram margom a movimentos associativos e de resistencia da classe trabalhadora. Pensadores como Proudhon, Fourier e Marx opunharn ao individualismo uma visio do social que solidificava 0 sentimento classista dos subaltenos. Em suma, a homogeneiza¢ao do mundo, pretendida pelo capialismo, tinha um Verso e um reverso, que daria aos contemporaneos a sensacdo aludida por Berman da espiral de ransformacSo, da postura vital de atragao e repridio, do "isto" e do “aquilo”. Neste contexto, a modemnidade, como sentimento, sensaglo, postura estética fe mentalidade, traduz-se pela nogo de exigéncia: & preciso “ser do seu tem po", “acompanhar o ritmo da hist6ria’, “captar a mudanga emudar com ela", como acao e pensamento, Como diria faudelaire: “a modemnidade € 0 transitéri, 0 fugitivo, 0 contin- ‘gente; a metade da arte, da qual a outra metade é0 eterno e 0 imutéver".”” Ou Seja, 0 sistema de fabrica era capaz de, com velocidade crescente, oferecer & sociedade a Gtima moda e a mais recente mercadoria que, contudo, jf estava ‘ameacada de ser suplantada a cada instante pelo novo fruto da aplicagso da ‘ciéncia & tecnologia. As coisas deixavam assim de ter a sua perentdade, a sua permanéncia, para que se privilegiasse o ef@mero e o transitorio. Nao é por f2caso, pois, que Baudelaire opusesse & modemidade-mudanca uma visio da arte como o eterno € 0 imutivel. ‘Talve2 por ser espectador e ator da “vida modema” que ele buscou captar, Baudelaire enfatiza nesta afirmago a modemidade como 0 trensitétio, na ual se evocam os componentes mais caracteristicos do seu tempo: a moda, a novidade, 0 progresso. Hé, contudo, uma outra feitura do mesmo Baudelaire, hha qual ele focaliza a mademidade como um todo, sendo eterno e o transi- [Anne 04 WOOBNOAOE: OF CENTRADTIIND CAMEOS DO PEKEESO tério seus dois componentes. Nesta outra definic3o, Baudelaire estaria resga- tando a historicidade do conceito, que supde a faculdade de passar de urna paca a outa e de ser reconhecido como tal. Assim, a modemidade nao seria 56 0 novo, a curta temporalidade de ura época naquilo que ela tivesse de mais passageiro, como a moda. Dessa maneira, Baudelaire apontaria para a ‘modernidade como o “sentido da vida presente”, que se renova e se historic zaemcada contexto, em cada sujeito, em cada objeto. Mais ainda, dilataria a ‘modemidade para além da sua épaca, como aquilo que toca mais ao sujeito ro seu tempo.” Neste ponto, hé uma ambivaléncia no tocante 8 concepgao do tempo e aos padroes classicos da Antiguidade na sua confronta¢o com o novo e o mod ro. De certa forma, o presente dos homens até entao estivera sempre reorien- tado pelo passado, tanto no que diz respeito a uma concengao de historia edificante ou mesmo da vida quanto a uma eterna e inevitivel comparacio com a produgio artistica da Antighidade, considerada insuperavel.'* ‘Com a modemidade, | “Jo presente, até af carregado de todo o passado, se volta para o futuro. sta sensibilidecle nova para 0 futuro, sustentada pela idéia do progresso, arrasta uma consciéncia alargada sobre o tempo. Em contrapartida, 0 pas- | sado nao estando mais fixado nem limitado numa tradicio dada, 0 artista vai procurar vieses além da antiguidade ou do classicism. {..] O tempo dia modemidade é o presente, dstinto do passado e do futuro, ¢ simultanea- ‘mente portedor dos dois. sia nova concepsio do tempo condz 0 homem a conierir um valor espectfico a Gpoca na qual ele vive". Nao se pode, contudo, pensar que a Antiglidade pudesse estar esquecida 20 longo do século XIX. Pelo contrario, ela sempre esteve presente e viva €, em bbora na busca de inspiracéo e padres novos, alequados aos também novos ‘tempos, Baudelaire almejava para a modemidade um statusde arte antiga. Ou seja, mesmo na sua busca de superacao, é ainda o padrio cléssico 0 que prevalece como cénone. Retomemos, contudo, 0 fio da meada. As tansformagbes socioecondmicas ttazidas pelo sistema de fabrica @m a sua contrapartida ou asua outraface na modernidade, traduzida em experiéncias, sensagdesviaise mentalidades, que se configuraram dle modo especial no século XIK. + ‘Auta D8 wonmmunAce: OF CONTIADIOROS CRs 90 FROHEO CE, Moschonni, Hen. Madtemité, mo. doit. Pais, Verdier, 1988, ™ Caberia lembrat o debate da corte de vis XV, para svaliar se 2 prodgio ati: tics @ 0 ganio inventva da eéculo Xt haar ob no superai os pars els los gecoromanis. tuft, op. ety p10. 3 ‘Berman, op. . 142. "Kothe, Flavio Inrodugo. ln: Kote, Fs vio, 1g. © tad, Water Benjamin, Socio lagi, So Paul, Atica, 1985, p. 8 Benjamin, Waker. A Paris do Segundo Iperio em Baudclalte In Kathe, op. ct pe, "Benjamin, Walter Scbre alg temasern Baudelare. ins A meodenidade e os mo- Udeynos. Trad, Heindrun Kelegor Mendes Sika, Ate de Brito TBnia [atbi Rio de lreio, Tempo Braco, 1975 ‘Uma destas manifestacdes da modemidade surpreendida nos pensadores do século pasado €a atitude de ambighidade, assinalada, como se viu, em Marx Baudelaire. Amesma percep¢ioteria Benjamin, 0 notivel pensador canhestro, que fol, se rio insuperdvel, pelo menos brilharte no resgate de tals questOes, Como refe- re Berman, “mesmo a mente critica e ldcida do marxista se vé afetada pelo charme da sociedade burguesa"."° Diante da fascinante Patis, Benjamin desvela as tramas da dominago do ca- pital, mas “nao tern pressa” de ser salvo. ‘Segundo Flivio Kothe, Benjamin: “Tad adianta a caracterizacao da ‘modermidade’ pela relaco que soube cestabelecer, no processo de industrializacdo capitalista, entre desenvolvi- ‘mento urbano, técnicas de reprodugao e producao literdria".” ‘Mantendo ele proprio uma atitude ambivalente para com a sociedad burgue- ‘2, Benjamin, a0 se debrucar sobre Baudelaire, resgata neste autor uma post- ra similar: ““Amaldigoa o progresso, abomina a incistria do século atual e, mesmo assim, compraz-se na atmosfera toda especial quie esta inekistria tern acar- retado para a nossa vida de hoje’."* Indo mais além na analise da ambivaléncia de Baudelaire, Benjamin aponta para otema da multidio, caro aos escrtores do século XIX. Para Engels e para Poe, a massa tem algo de ameacador, mas em Baudelaire exerce uma sensa- (a0 ora de reptidio, ora de atragdo. Ele é, ao mesmo tempo, cdmplice deste individuo sem rosto ¢ sem nome e dele também busca diferenciarse, recusan- do a massificagio."” Foi interrogando-se sobre os conceitos baudelairianos que Benjamin articulou earmadureceu 0s seus, indo mais longe no seu processo de reflexéo sobre a realidade. Na Paris do Segundo Império, época de Baudelaire, Benjamin procurou des- vendar 0 processo mediante 0 qual se construiu 0 mundo raterial «0 “esp to” do século XIX. © crescimento da indtstria, pela propria dinamica da sua acumulacao, obriga-se a aperfeicoar constantemente 05 métodos produtivos, criando novas tecnologias e pondo a disposi¢a0 dos consumidores nova gamma cde mercadorias. A concorréncia captalista que se instala é, ela propria, um ppoderoso estimulo na superacao do novo pelo mais novo ainda, datécnica em Uso por aquela que se intenta produzir. Benjamin, todavia, no s6 fica na Constatacaé do progresso naquilo que cle aparenta ser ou na forma tal como se mostia — melhor qualidade, maior quantidade, maior rapidez —, mas vai a0 amago daquilo que ele oculta Nao se trata apenas de colocar a0 consumo, {das populacBes que se aglomeram nas cidades grande variedade de mercado- Fias, mas do processo mediante o qual palavras, pessoas ¢ processos se tornam eles préprios mercadorias. O sentido aqui, mals uma vez aquele empregado por Marx, fetichista e alienador, pelo qual as coisas passam a exprimir algo que nao é explicito, ou se travestem de uma aparéncia que encobre uma es- séncia. Dai, o recurso de Benjamin ao processo de pensar a realidade por ‘meio de alegorias, imagens condicionadas pelo fetiche da mercadoria (Ora, 0 procedimento de pensar por meio de alegorias é dado quando se recor rea uma imagem saberido que ela tem um outro significado. A alegoria é, ‘a representaco concreta de uma idéia abstrata, ou ainda 0 processo de “exposicao de um pensamento sob forma figurada em que se representa algo para indicar outra coisa" ® Segundo Benjamin, € a mercantlizacéo da vida trazida pelo capitalismo de uma forma totale globalizante que faz com que as coisas sejam apreendidas na sua aparéncia, quando.a esséncia, ou 0 processo real que lhes d nascimento, 6 encoberta. ‘Segundo Rouanet: ""A intenco de Benjamin era derivar do fetichismo das mercadorias todas as ‘fantasmagorias’ do século XIX: 2 da prépria mercadria, cujo valor de troca escande seu valor de uso; a do processo capitalista em seu conjunto, fem que as criagdes humanas assumem uma objetividade espectral em rela- fo a seus criadores; ada cultura, cuja autonomia aparente apagou 0s tra- 60s de sua génese, e a das formas de percepcao espaco-temporal — as fantasmagorias clo tempo, lustradas pelo jogador e pelo colecionadr, ou as do espaco, ilustrada pelos flaneurs’2" Inspirado, pots, no conceito do fetichismo da mercadoria, Benjamin tecorre as alegorias — imagens de representacio simbdlica do.real — que assumem A.NUR. 94 MOOREA: Gs CONTRABRSRD CAM BO ROCHE ™ Kothe, Flévio. A alegora, So Paul, Aca, 1986, p. 90 > Reval, Sérgio Paul. As raztes do ile ‘miniano. S30 Paul, Compania das Lee tras, 1987, p. 62 2 = Rovane!, opt, p62 2» Engelharct, H. Linterpretation de Vropperonce chez Sonja et Baudela- te in: Wismann, Heinz, org, Passages, aller Benjamin ot Paris Cart, 1986, p- 146. 2*Tiecmann, Rolf Intesdeson. In: Bone rei, Walt Pars, Captale du Xikesiéee Ce ue des passages. Pais, Cer, 1989. 2 Tedmann, ep. ct p21 a forma fantasmagérica da realidade. Ou seja, ainda citando Rowanet, “a fantas- ‘magoria ndo 6 uma forma de apreensio do real, mas 0 préprio real’ Ow seja, 6a mercantilizacao capitalista que produz a assimilagio da fantasmago- tia & propria vivéncia dos individuos, que nao apenas sentem e sonham as fantasmagorias como realidad, mas as convertem na sua propria realidade. [Desa forma, entende-se que tanto a aparéncia quanto a esséncia ou 0 inex: primivel (0 que nao pode ser nomeado sem equivoco) sao partes integrantes ‘da mesma realidade. Na sua obra inacabada — as Passagens — Walter Benjamin pretenderia real zar uma arqueologia da superestrutura cultural do século XIX, tendo como ‘categoria central de anlise 0 conceito marxista do fetichismo da mercadoria. Benjamin, todavia, foi introduzido neste conceito pela obra de Luksics * parti- cularmente nas partes referentes & reificacdo e& consciéncia de classe. Lukacs hhavia retraduzido, em linguagem filosofica, a analise econdmica que Marx fizera do fetichismo da mercadoria, e Benjamin pretendu fazer o mesmo com a cultura na fase do capitalism triunfante. Foi justamente este aspecto de autonomia que a mercadoria adquiriu em rela~ ‘glo 20 seu produtor e ao seu comprador © que mais seduziu Benjamin na analise de Marx sobre o modo de producao capitalista, Como refere Tiedmann, interpretando Beojami 10 destino da cultura do século XIX residia precisamente neste caréter de _mercadoria que, segundo Waller Benjamin, se manifestaria nas bens cultu- rais como fantasmagoria. A mercadoria, ela mesma, é uma fantasmagoria, {quer dizer, uma ilusdo, um engano, na medida em que 0 valor de roca ou forma-valor recobre o valor de uso; o processo de produdo capitalist em _geral 6 uma fantasmagoria na medida em que ele aparece como um poder rnatural dos homens que asseguram a sua reallzagao. “Aquilo que as fantasmagorias culturais exprimem, segundo Walter Benja- in, quer dizer, a ambigtidade que se liga as relagdes e as produgdes 80. Cais desta época, define o mundo econdmico do capitalismo em Marx. E uma ambiguidade que aparece muito claramente com as méquinas que ~ampliam a exploraco em lugar de aliviar a sorte dos homens”. |Avauns oh NOOBEEONDE oF CONTRIB RNS CAUNHOS 0 PROGES Desa forma, Benjamin pensa 0 século XX valendo-se do espetaculo oferecido por Paris naquilo que a modemizacio tem de mais concreto — as passagens, (0s panoramas, a exposigbes, as remodelacoes urbanas, as exposicoes univer sais, a8 novas téchcas e inventos —, mas também daquilo que se encontra encoberts e:nio dito: a domina¢ao do capital sobre o trabalho, os siléncios produzidos na historia pela ordem burguesa, as relagBes sociais subjacentes 20 sistema de fabrica, a expulsao dos pobres dos centros das cidades, a defesa dda propriedade em nome da ordem, 0 progresso do capital entendido comoo progresso do social, etc, eic. Nesse sentido, em sua proposta de fabricago-ocultagSo da realidade, 0 siste- ma produz as suas utopias, por meio das quais uma época é capaz ce pensar seu futuro. Seo progresso foi uma utopia que embatou os sonhos do século XIX, 0s novos inventos, rato da aplicacao da ciéncia a tecnologia, adquitiram aos olhos da multidao o statusde fantasmagorias, surgidas no mundo moderno para encan- tar a humanidade. ‘As “passagens’, particularmente, representariam para Benjamin a prdpria ale- goria do século XIX no seu mais puro espirito burgués: galerias cobertas de ferro e vidro, povoadas de lojas, "ruasinteras" para o transeunte ver as novi- dades e ser visto, elas se apresentam como uma sociedad burguesa em mi- natura, tal como ela gostaria de ser admirada. O que aparece e se revela €0 ‘mundo da circulagdo, do comércio, da troca; 0 que se oculta e se retrai para a sombra € 0 espago da producao onde, no “silencio” da fabrica, se realiza a exploracao do trabalho pelo capital. (Ora, a fungao da fantasmagoria-fetiche & a transfiguracao da realidade, dat o seU Cardterilus6rio, Ha, contudo, uma ambivaléncia no julgamento de Benja- min a tespeito destasilusbes e imagens enganadoras que a sociedade burgue- sa se fabrica. “De um lado, & certo que Benjamin sublima na fantasmagoria sua fungao de transfiguracao e de engodo. Mas, de outro lado, ele hes encontra igual- mente e ao mesmo tempo aspectos positivos: elas sao também imagens — sonhos da coletividade, elas encerram as demandas utfpicas daquelas que as desenvolver.” ‘Anvoauta 9 mooeantonan Gs caNERS CRS 99 FROEREED % Kondey, Leandro. Water Benjamin: © rmanismo da melancalia, Ro de Janeto, ‘Campus, 1988, p80. * Janz, Rolf Pete. Bxpérience mysthique etexperiencehstrique a XIke slo Tiedrana, op. ep 458. 38 Leernaral, Jagyes. Les passages com ine forme de experience: Benjamin face a [Aragon Tiedmann, op. cL 8. 164 lane, op. cl, 9.454 36 De certa forma, cada época produz os seus sonhos, mas é na sociedad dom'- nada pelas relacdes capitalistas —- e, portanto, pela mercantilizagao da vida SE que a dimensio onirica assumiria um papel preponderante, A historia seria, sem davida alguma, realizada pelos homens, mas sem plano ou consciéncia, ‘como se fosse num sonho, em virtude da fetichizacio. Portanto, as fantasmagorias, categorias benjaminianas que se equivalem a0 fetiche da mercadotia de Marx, como Imagens produzidas socialmente, fun- ‘cionam como imagens de desejo coletivo, Este inconsciente coletivo corres- ponderia a um correlato, na ordem da imaginagzo, da relficagao no sistema dde mercadorias."” esse sentido, ao analisar a construcao do imaginério social do século XIX, ha aque registrar, para além da dimensio racional ou intencional do engodo e da qCaltagao fetichizada do processo real vivido, uma outra dimenso: ada pro- Jeea0 do desejo coleivo, das utopias proporcionadas pela prépria vivencia {fos individuos na sociedade burguesa em construgao. © “efeito-maravitha” dda maquina e dos novos inventos leva as pessoas a construirem seus sonhos Sobre a realidade, tendo por base aquilo que se quer, que se gostaria que lacontecesse e que se espeta que um dia possa tornar-se real fsta forma de pensar, servindo-se das fantasmagorias, provém de uma per ccepeio mitica do mundo. Refere Rolf Janz que, por uma amarga ironia, © Seculo XIX, herdeiro do século das luzes, da razio e da ciéncia, que revelou © crescente dominio do homem sobre a natureza, favoreceu € reabilitou formas de representacdes miticas sobre a realidade. Entende 0 autor que o pensamento mitica nfo informa concretamente sendo sobre a superficie das Poisase const6i uma interpretacSo fatalista einexoravel da realidade, como, por exemplo, com as idgias sobre 0 progresso ou sobre o "eterno tetorno", de Nietzsche.” ‘52.0 caminho do progresso é a trilha fadada a percorrer por uma humanidade artastada pelo turbilhio do capitalismo, o mito do “etemo retorno”, ow a expe- tiencia da “etema repeticao", € recordado por Benjamin pela figura do traba- Thador na usina. Condenado a repetir mecanicamente os mesmos gestos © 2 nunca ver a tarefa encerrada (uma ver que a producao € continuae otrabalho parcelado, cistanciando 0 opersrio do produto final, sua personagem € com- patada & de Stsfo, também ele concdenado a uma tarefaingloria e destinada a figo ter fim. Se tal associag3o mitica ja fora colocada por Engels, a novidade commoners CuInees HO ROGEESO de Benjamin constitui em supor uma similitude entre a situacio das classes altas e a das baixas classes sociais, Nessa medida, "Lada experiéncia da eterna repeticao’..J no fica restrta a0 Unico dom no do trabalho do proletariado. Ela marca igualmente a burguesia e com lao ‘dandy’€ 0 ‘flaneur"”® “Trata-se, sem divida, de uma correlacao original, estabelecendo que a mono- tonia do trabalho na usina & comparavel ao enfado trazido pela aciosidade. Desa forma, 0 sentimento de “vazio da existencia” @ o abortecimento com uma vida sem perspectives, verdadeira "epidemia” observada na sociedade européia da segunda metade do século XIX, fariam suas vitimas nos dois extre- mos sociats Entende-se que esta percepgdo benjaminiana de correlacionar os dois pélos «da vida social como pacientes de um mesmo processo adver da sua concep- io da realidade, vista como um todo global, interligado e, fundamentalmen- tt, perpassado pela idéia-mestra da fantasmagoria encarado sob uma pers- pectiva dialética, Por outro lado, com 0 mito da eterna repetic2o, Benjamin retora Baudelaire por meio da dialética do novo e do etemamente igual. E ainda Rouanet que, com propriedade, explica esta ambiglidade: “sua fonte 6 a mercadoria-fetiche, no duplo sentido de que os artigos pro- duzidos em massa 530 infinitamente idénticos e de que o seu substrato, 0 valor de troca, & um agente de homogeneizacdo que permite a infinita in- tercambialicade clos valores equivalentes, por mais diferentes que sejam os seus valores de uso". Benjamin via justamente no acelerado envelhecimento das invengées © novi- dades brotadas do capitalismo a marca da modemidade. A moda, condenada a se renovar sem cessa, figura como 0 “eterno retomo do novo 20 pono de se, igualmente, a parddla desta novidade’ "Neste sentido, contribui Fabrizio Desideri: “Mas 0 fundo contra 0 qual palpita 0 novo ¢ o fundo do sempre-igual: 0 tempo vazio onde se constitul a dominacio fetichist da forma-mercadoria ‘Assn 04 wonRRDADE Os coNTEAERERDS CHRO D0 PROGRES “han, op. ct, p. 486, * Rouanes, op. cit p. 73. 22kopp, Rober. Mytho, med et moder (6. Baudelaie, Magazine Liter, Pars, 27886, jan. 1990. x * DesidetFobizo, Le wal na pas def ete. Ao Tedimann, op. ct p 202. % arthes, Roland. Mythologies. Paris, sell, 1957, p25. ™ blochal it & Lenk Elizabeth. Vintine cation suntale du veto histoire dans les Pasages de Benjamin. a: Wsmann, pc, BAM. Benjamin, Waltr Sobre o concetis do hist, In Benjamin, Obras escolhis, op. ct Ey como espectralidade: auto-envelopante que captura todas as formas alo desenho metropolitano. A mascara deste espectio é a fantasmagoria. A Imodemidade, daminada pela fantasmagoria, tem a imagem do sonho: sua ‘aparéncia historia significa aparéncia onirica” * No seu intento de realizar uma arqueologia da modemnidade valendo-se da andlise do século XIX, Benjamin se propoe a desvelar o mundo das imagens dda burguesia. F claro que essa aguda percepcio de conseguir vero semproigual como it s6rio € resgatar 0 novo dos escomibros do tempo passado nao € tarefa para 0 comm dos mortas.. Decifar o mundo burgués implica desvelar a ex-nominagao burguesa. Remon- tando a Barthes, ** a burguesia se define comno a classe social que no quer ser nomeada como tal... Ou seja, como fato econémico, o capital ou 0 capitalism, $40 atores explicitosresponsaiveis pelo progresso e pela sociedade do bern-esar Jicomo fendmeno ideolégico, ela ndo se assume como classe e passa do real & sua representacio. Ao universalizar os seus valores para a nag0, para a coleti- Vidade, a burguesia se ex-nomina e se encobre na *socializacao"” imposta. Come ja foi visto, a coletividade sonha, e a0 sonhar acredita como real a imagem que the é posta diante dos olhos pelo sistema. A tarefa de despertar ‘compete a9 histariador inaterialista que, apoiado na dialética, € capaz de des- fazer o charme do sonho e fazer a hurmanidade desperta.* A iidéia-méstra do progressd, que atravessa 0 século e oferece aos homens de gua época a crenca dé que o futuro é uma conguista assegurada, € desta forma posta em discussd0 por Benjamin, despida do seu cardter magico de ilusio revelada om sua ambigiidade. Pensando de forma alegorica, € vento do. progresso que obriga 0 “anjo da historia” a andar voltado para a fente, quan- do ela tendo a voltar-se para trés, resgatando do passado outras propostas, vencidas e nao reveladas.” “Trata-se, sem diivida, de uma nova dimensto do tempo que Benjamin inaugu- ra, postulando “escovar a histéria a contrapelo”, segundo a perspectiva dos vercides. Mas, ao fazé-lo —redimindo assim do passadio “aquila que ndo foi” fem razio das forgas da dominagao —, Benjamin desvela os mecanismos do poder do capital. A fabried coloca na sociedade no apenas mercacorias pro [Awvinuts 04 MOOENADE G8 CONTRADEADS CHRIS 00 PIDERESD duzidas pelo progresso téenico, mas elabora imagens de sonho e desejo que adquirem forca de realidade essa forma, Benjamin, de forma alegérica, remonta ao Angelus Novus de Klee para confiar esta missio de decifrar imagens e sonhos 20 materialista historico, capaz de desvelar a esséncia da ilusSriaimutabilidade das aparéncias a mesma forma, Rouanet coloca nos artistas mais representativos do século X0ka capacidade de reconhecer “a nawureza aleg6rica da realidade enquanto condicionada pelo fetiche da mercadaria’ Uma coisa, contudo, é resgataro senso crtico presente nas mentes iluminadas dos pensadores que, de uma forma dialética, perceberam as transformacées materiais e as Socialidades do seu tempo e cujo pensamento chegou até n6s. ‘Outra é perceber que, de forma acritica e n30 consciente, aquele tutbilhao de mudangas influiu nos atores sociais andnimos do processo sob a forma de senso cornum, de representages mentais e de um imaginario social Dessa forma, a modemidade do século XIX, tal como eclodiu como percep- ‘630 aguda por intermédio de scus pensadores mais representatives, ocorteu também como vivéncia socializada pelo homem comum, que fei portador também destas ambighidades, perplexidades e percepeSo de mudana ‘Um ponto merece ainda ser ressaltado nas anslises de Benjamin sobre a mo- dermidade. No seu “Exposé de 1939” sobre a Paris do século XIX, Benjamin afiera que o “Entretanto, este brilho ¢ este esplendor do qual se cercava assim a socie- dade produtora de mercadorias e o sentimento ilusério de sua seguranca do esto a0 abrigo das ameacas" * Benjamin tnha em mente tanto a débice do Segundo mpério quanto a Comu- na de Paris, com o que dosfaz a parent establidade da sociedad burguesa (ou, como alucira Marx, tudo 0 que € sélido pode desmanchar-se no ar...) Nesta medida, Philippe Ivernel distingue dois fios na narrativa de Benjamin nas "Passages": a Paris da burguesia, da moda, da fantasmagoria, das forcas imfticas da mercadoria, ¢ a Pars das revoltas ¢ das revolugdes, “que poe a Iistoria na hora de politica tanto quanto a politica na bora da histria > Aaa wosevOA0E Os conmABNERES CHEE 2 BCA Rouanat, op. et p66. * Benjamin, Walter Pais captae a XEC sil Le fe des passages. Pais, Ces, 1989, p47, >*temne, Philippe. Pais, capele du Font populaive ow ia vie posthume du XIKS Sfele tn Tiedmann, op yp. 2 39 “Habermas, Jurgen, £ discus fosico he la moderna Madi, Tauns, 1989. © Roanet, op hp. 158. «Fibra, Jurgen. Modemidade x pbs rmodemidade, Are e Reiss, S20 Pell, (Certio do Estados de Are Cortemporares, 786, 0. 1973 ‘SHabermas, ff scua.op. cit, P18. 0 Ete elemento de tensio, presente nas polarizagbes da riqueza e da pobreza e que jf consia da obra dé Baudelaire, € 0 elemento que precisa ser revelado e a trazido a tona pelo historiador que & semelhanga do trapeito, vai recolhen- do fragments e cacos do passado. Para Benjamin, nao hi mals diferenga entre este "despertar” produzido pelo historiador e a agao politica ‘Aes altura da analise, 0 leitor estaré se perguntando se a modernidade se fesumiria 2 interpretagdo ou & eitura que Ihe deu Benjamin, Certamente no. Neste ponto, poderia ser agregada ao principio dialético presente na expe- Téncia Historica da moderidade a idéia da racionalidade ocidental. Remon taro a Max Weber, mas sobretudo a Hegel, Habermas acentuaa ftimarelagdo cenire moderidade e racionalidade-* Na sua andlise sobre o fendmeno da modernidade, Habermas distingue uma ‘Gimensao cultural, marcada pela dessacralizacao das visbes do mundo tradi- Cionais, e uma dimensdo social, identficada por complexos de ago autono- mizados (o Estado e a economia), que: +1.) escapam crescentemente a0 controle consciente dos individvos atra- vés de mecanismos anénimos e iransindividuais (processo de burocratiza- aor Embora empenhado em estabelecer uma teoria critica sobre a sociedade, Habermas nao sucumbe ao peso da identificacao castradora da modernidade focial sobre a modernidace cultural. Acredita na possthilidade de uma racio- tralidade comunicativa que, vinculando o mundo objetivo dos fatos, © mundo rocial das notmas e 0 mundo subjetivo dos sentimentos, estaura as potencia- Tilades ibertadoras da modernicade como experiénciahistorica nao acabada ‘oa fala, Nesse sentido a modemidade é marcada pela consciéncia da accle~ ragio do presente e a expectativa da heterogeneidade do futuro, o que aproxi- tna as suas idéias As nogbes jé levantadas de uma expectativa de mudanga & Sensagao individual e coletiva de viver num mundo em transformagao, Por uve lade, sob uma outra perspective, Habermas também pensa o modemo como ama nova temporalidade,*® marcada pelo primado da razio, a0 admit que a modernidade +L. Jindo pode nem quer tomar seus critérios de orientagdo de modelos de oulvas épocas, tendo dé extrair sua normatividade de si mesma" [Arena 04 MODSMGADE: oF COMRADES CARI DO FIDO Na verdad, a modemidade tem sido tratada por vrios autores, que Ihe a: boitam diferentes tempos e sentidos. Para Heidegger, ela teria iniciado com { Descartes, na sua busca de um saber totalizante, absoluto; para Habermas, com Kant; para Sartre, com a geracoliterdria de 1850... Em relag3o as ares, Oo seuinicio tera sido 0 Romankismo, como apontou Baudelaire, 0s impressio- ristas das décadas de 70 e 89, ou ainda ela teria seu ponto de partida no inicio, | donnovo século, com as Demoiselle d’Avignon, de Picasso... Malipla, palifacetada, contraditéria, descontinua, como experincia vital, ela pressupoe mais de um olhar. Resguardado 0 direito de opgao e de busca de articulagao entre as dimensées culturais com as condigdes coneretas de exis- téncia, fio condutor desta anslise € 0 que situa a modernidade na senda da constituigao do capitalismo. Assim, a base tedrica desta andlise & a que vai de Marx a Benjamin, o, em jutras palavras,a que trabalha com a fetichizacio do mundo e a transfigura- fo alegérica da realidade. A prodlugao de um imaginario coletivo,* traduzido em ideias-imagens da so- | ciedade global, pode ter ou nao cotrespondéncia com o que se poderia cha- mar de verdade social, uma vez que ele comporta utopias e, em condigtes capitalists da existenci, iga-se ao principio de mercantilizago da vida. Este processo tend a configurarse de forma sensivel no século XIX, tomando-se por base a Europa Ocidental, no momento em que triunfava o sistema de Fabrica como a forma histérica mais adequada a realizacio da mais-valia, da clevacao da produtividade, da consolidacia da dominagao burguesa, do ades- tramento operirio& disciplina do trabalho. € ainda o advento do capit sua vez, é responsavel também pelo avango da ciéncia e de | técnica. esse contexto, a modemidade é um fendmeno do dominio da cultura, da ‘expressio do pensamento, das sensagoes, das mentalidades e da ideologia. Sua base nascedoura € a transformacao burguesa do mundo, que dé margem a um novo sentir e agir. Neste mundo dominado pela fantasmagoria, o espeticulo da modemidade “Nesthennk op. oly p. 245. armaria o préprio palco pata demonstrar a exemplaridade do sistema: a8 ex- « Beak, Stone, magna so posigdes universais ci. Pais, Payot, 198, p. 8 i [A nas on noceninn: oF conmmonsce exis 20 mocRED 4 EE EXPOSICOES UNIVERSAIS: PALCOS DE EXIBICAO. DO MUNDO BURGUES ‘Atma no Campo de Marte. Pas, 1869. Fonte: 1089. Le Tour Eifel et Exposition Universal Pars: Réunion des Musées Nationa, p. 35 Fendmenos tipicos do século XIX, as exposigoes universais sto, como refere Bensaude-Vincent,' produtos de um mundo industrial ja adulto e que se apoia- vvasobre otripé do canvao, do vapor e das estradas de ferro. Nesse sentido, n30 hha como negar sua dimensio propriamente econémica, de feira de mercado- rias, mostrudrio de novos produtos, meca de lucrativos negécios. Foram seus agentes a burguesia — industrial, comercial e financeira — secundada pelo Estado, As exposigoes visavam ampliar as vendas pelos renovados contatos entre produtores e consumidores, que estimulariam os negécios e a producio pelo salutar conhecimento dos novos produtos ¢ processos. Além disso, am: pliarse-ia o consumo, gragas a um eficaz esquema publicitatio.” A dimensao de universalidade seria dada pela abrangencia dos tens expostos, englobandlo tudo © que conceme & atividace humana, e também pela interna. ionalizaco do evento, dada a participagio ativa das nagbes estrangeiras além da que promovia e sediava a exposigao.* Tais exposigdes estariam associadas, basicamente, ao desenvolvimento in: dustrial, exibindo méquinas e produtos resultantes desta atividade. Mesmo ‘que reunissem entre os itens expostos elementos que nada tinham a ver com esta atividade produtiva, sem davida alguma as grandes vedettes das expos’ ‘des universais foram sempre as méquinas, os novos inventos e os produtos recém-saidos das fébricas, cujo consumo se buscava difundir eampliar mun- dialmente. Todavia, 0 caréter de feira de mercadorias ¢ a manifesta intengo de realizar © lucro sao apenas um dos aspectos pelos quais as exposig6es podem ser apre- ciadas. Endossa-se, pois,'a posigo da historiadora Madeleine Rébérioux, quando se diz convencida a por, temporariamente, “entre parénteses, as dimenses ex- plicitamente econdmicas da pesquisa’* para avancar no caminho rico ¢ inst. gante das andlises que privilegiam as facetas culturaise politicas: "a exposi¢ao com efeito, criadora no mais alto ponto das represeniagoes mentais e do Jimaginério coletivo’ ? Para uma andlise neste caminho, retornemos @ Walter Benjamin, quando aft. ima que as exposigdes universais sao lugares de peregrinaco da mercadoria como fetiche ELroSDS UNIRSAS PAEDS OF EKO 90 MUNDO UROL " Bersaude Vincent, Bomadete, Horlage es sockets indies. ns Le fie des ‘expositions universes, 1851-1159. Pax tis i, dos As DécoratyHerschey, 1983, pe. 2 Uma anise estttamete econémica do fenomeno pode ser achada ra obra: Bou In, Philippe & Chana, Cristiani, isto rangaise des fires ees expos. tions univerales. Pais, ed, dy Nes, 1920, > Nasua obra sobre a exposiges,MTame saa expresso “exposieao universal teracional” pata caractriar exes even. tos Tami, ML expetions intemationale 2 travers Tes ges. Pars, Callas Jeanne Buch, 4. (These pout fedocteral Uni vor présnate la Faculté des Letres de TUniversié de Pari). + Rebérioux, Madaleine, Approches de Uhistore des expositions univerelles 3 Paris du Second Empire 3 1900, in: Bulle tin cy Conte Histoire Economique ct Secile de lyon. 1979, p. 3. 9 wider. “Benjamin, Walter Pars, capa dy XX siete, Le lve des passages, Pais, CER, 1805, p33. 2 "tauben, Gustave. Dictionnaire des ides reques Ctado por Ory, Pascal. Les expo ‘tons universes de Pais, Pats, Ratn- sy, 1982. p-6 * Plum, Wemet, Expasiies mundials no _séelo XIX: espetdcuios de tanstormasso Sécto-ctural. Bonn, Flach er Site tung, 1973, * say, Rayronel Panorama des expositons cniveslles, 82, Pats, Gallimard 1937. "Ch. Neves, Margarida. Ae wrnes dopo reso. Rio de Jaret, svt ere. "Gi, ardaran,Franlsco Foot. Te far tasmas a medamidade na sola, Sio P= lo, Companhia das Lats, 1988, “ Na senda de Benjamin, encontram-se as afirmagbes de outros autores: “su tosdio delrio do século XIX" auto-representago popular da burguesia indus- tral! retatos da ideologia do seu tempo.’ Tals abordagens v8o encontrar eco has palavras de autores brasieiros que se debrucaram sobre o tema: “vitrines ddo progresso", no caso de Margarida Neves, "© cendrio especial para acompa- rihar 0 espeticulo do maquinismo e da representagio das trocas desiguals," no dizer de Foot Hardmann, CObserva-se, no caso, uma coavergéncia nas andlises: a identificagéo das ex posigées para além do seu caréter de mostra de mercadorias e maquina. Este ‘elemento comum.é dado pela assaciagao feita entre as exposigbes e a visuali- zacio ideolégica de uma época levada a efeito pela burguesia. 0 contetdo ideologico 6 produzido pelo contingente das motivagées impli citas que a5 exposicdes encerram. Ou seja, por intermédio das exposi¢des ‘nanifesta-e certa forma de representacao do real que busca socializar deter minadas imagens e ocultar outros tantos processos subjacentes aquela realida~ de, Nesse sentido, ganham forca as afirmacdes de Benjamin a respeito de as, fexposicées operarem como lugares de culto do fetichismo ca mercadoria. Como evento de exibigao de produtos e maquinas, a exposi¢do reproduz, em cescala maior que a fabrica, 0 processo de ocultagao/demonsiracéo proprio do fetichismo aludido por Marx. Se as mercadorias ocultar as relacbes soclais ‘que as produziram, a exnosicao, por sua vez, opera no mesmo sentido, reve- Tando 0 que interessa revelar e ocultando 0 que dove ser ocultado, Assim, a exposigo procura transmitir valores e idéias, como a solidariedade fentre as naces e a harmonia entre as classes, a crenga no progressoilimitado ‘ea confianca nas potencialidades do homem no controle da natureza, a fé nas Virtudes da razio e no carater positivo das maquinas, etc, etc. Por outo lado, ' exposicio busca ocultar 2 exploracao do homer pelo homem, a concorté tia imperialista entre as nagdes e o processo de submissio do trabalhador & maquina. E esta, pis, a generalizacio do fetichismo que a exposicdo se propée criando Luma fantasmagoria sobre a realidade que a representa Ge maneira distorcida. ainda nesse sentido que as exposigies universais representam a utopia de ma época segundo os olhos e os desejos da classe burguesa em ascenséo. xrosgGesunnetsa aos & Bu 80 0D MUN BURT Para usar a linguegem benjaminiana, cabera dizer que as exposicBes, 20 cons- ttufrem o univetso da mercadoria,constituem por si mesmas uma fantasmago- ria, od uma imagem da tealidade que oculta as verdadeiras relagbes entre 0: homens e as coisas. Sao, evidentemente, construgBes ambiguas, assim como as maquinas e os produtos que apresentam e como o prépria sistema de fabri aque lies di nascimento, Logo, a exposicao “Lal nfo € somente a apresentacto de técnicas novas ou laboratério de inovagdio, ela é também representagio. Ela participa da ostentagao. Para que ela exponha, ela desvelaise desvela, mas se quer lambém explicativa, pedagdgica e mesmo didtica’.”* Portanto, as exposigfes universals, que tém um carter ftichista/fantasmags- rico, tém uma func didtico/pedagogica explicita. Como misséio manifesta, elas objetivam informatizar, explicar, inventariar € sintetizar. Partilhando da preocupacao enciclopédica vinda do século das luzes, de tudo catalogar, classificando segundo critérios cientificos, as expo- sigBes receberiam ainda os influxos de uma proposta comtiana, nascida no século XIX e que identificava a difusdo dos saberes como um dever posit- Vista? Catélogo do conhecimento humano acumulado, sintese de todas as regides e pocas, a exposicio funcionava para seus visitantes como uma *janela para 0 mundo", Ela exibia 0 novo, 0 exético, 0 desconhecido, o fantastico, o longi qu. Nelas se exibiam as mais complexas méquinas, os mais recentes inventos, classiticados cuidadosamente e organizados segundo preocupacio didatica ¢ enciclopédica. Multiddes maravilhadas desfilavam pelas exposigées, admi- rando 05 prodigios da engenhosidade do homem ¢ atraidas pela mistica do nova, do fantistico e do exético. ‘Apresentando um verdadeiro inventétio do engenho humano do seu tempo, a5 exposigdes teriam a fungab didatico-pedagogica de instuir os vsitantes, prestandocthes as mais diversas informag6es sobre os objetos expastos. Ercaes UnNENs: PNCOS OF Ee Be MANDI HACLEE Cate, Pace A, Expositions & moder rit; elecicté et communications dane lesexpostions parisiennes do 186731900, Remantsme, Paris, n? 65, 1988, p35. Path, Annie. La difuson des savoir ‘comme devo pasts. Komantisme, Paris 02°65, 1989, p.7. 6 ° Buy ohn. idea de progres. Tra Feléas Diaz Joli Rodrguer. Aramber, Madi, lanza Eat, 1971, p. 290. » Bury, op. ct, 67. 46 ‘Todavia, esta proposta de divulgacao cientfica, ou este intento pedagogico, no é neutro. O processo educacional é, em si, mecanismo de adestramento & vetculo ideolégico. Qual eta, pois, a mensagem que a exposi¢so universal burguesa da segunda rmotade do século XIX buscava transmitir? ‘As idéias-mestras por meio das quais o sistema de fabrica e a burguesia it Gusrial se afirmavam eram, sem daivida alguma, o progresso, a técnica © a razao. Pode-se dizer, em certa medida, que o homem do século XIX viveu sob a ‘renga do progress ilimitado, elemento central de uma visio do mundo na {qual futuro se antecipa como uma conguista assequrada. O progresso mate Hal eo resultado dos avangos da ciéncia humana haviam, de alguma maneira, feito com que’ 41,0 homem médio considerasse algo fantastico o crescimento infinito do poder humano sobre natureza, ao mesmo tempo em que sua mente pene- trava os sogredos desta’. ‘Trata-se, sem divida, de uma perspectiva otimista e triunfante de encarar a vida e a propria historia. Como refere John Bury: * Aida do progresso 6, pois, uma teoria que contém uma sintese do passa ddo.e uma previsio do futuro, Baseia-se numa interpreiagao da historia que Considera o homem caminhand lentarente.[..] em uma direcz0 definida 6 desejavel ese infere que este progresso continuara indefinidamente”* Idea tipicamente moderna, a crenca no progresso subsituria a fé na provi- dencia divina como guia da humanidade. ‘Com referéncia a esta mesma noc, posiciona-se Gramsci “"Na idéia do progresso, esti subentendida a possibilidade de uma mensu- racdo quantitativa e qualitativa, mais e melhor. Supde-se, portanto, uma ‘medida fixe ou fixével, mas esta medida é dada pelo passado, por uma ‘cera fase do passado, ou por certos aspectos mensurdveis, et. srssges UNE LODE BE ESI 9 MNO BUMOLEE “Como nasceu a idéia do progresso? Fste nascimento representa um fator cultural fundamental, chamado a marcar época? Creio que sim, O nasci- mento e 0 desenvolvimento da idéia do progresso correspondem 3 cons- cigncia difusa de que se atingiu uma ceita relagdo entre a sociedad e a natureza, relacdo de tal espécie que os homens — em seu conjunto — esto mais sequros quanto a0 seu futur, podendo conceber ‘acionalmen- te’ planos globais para a sua vida."* [As idélas do progresso e da evolugao estiveram presentes em diversas corren tes de pensamento do século passado, que vao desde Marx e Hegel a Darwin, Haeckel, Spencer e Comte, que sob diferentes matizes e andlises, responde- ram, pretenderam justficar ou criticaram as novas condigBes da sociedade ceuropéia de entéo, marcada pelo grande avanco das ciéncias da natureza, pela emergencia das fabricas, pelo desenvolvimento tecnoldgico e pela afir magao da burguesia como classe dominante, Pelos olhos da burguesia, © progresso era desejavel, 0 desenvolvimento da técnica produzia um mundo melhor o futuro se apresentava como a concre- tizagio da sociedade do bem-estar. Som divida alguma, 0 progresso técnico {ora obtido pelo pensamento racional. O personagem-simbolo da ractonalida- de era também, sem sombra de discussio, a burguesiatiunfante que, com seu genio criativo e sua racionalidade, fora capaz de “produzir” a modema socie- dade industrial. Desenvolvia-se asim uma particular forma de concepcao da raza0 libertadora: a tacionalidade fora capaz de romper as barreiras da igno- rancia e produzir a ciencia, O conhecimento cientifico, por sua vez, aplicado a técnica, concebera as maquinas e os novos e surpreendentes invento. © corolério desta conjunc materializada do progresso, da técnica e da ra- 2230 era a harmonia social. A ordem capitals, produtora da sociedade do bem-estar, era justa e retribuia a cada um na medida de suas forcas e, sobretu- do, do sett merecimento. Nesse sentido, as exposigdes buscavam seduzir os trabalhadores, demons- trando que eles eram os principals arfices daquela espiral de progresso que conduzia & sociedade do bem-estar. Assim, 20 mascararem as condigoes reais sob as quais se assentava a acumulagao, as exposic®es foram um ele- mento com que a burguesia contou para diluir conflitos e consolidar a sua dominagao. i085 UNVERSAS: PLEO BE NGAD'90 INO BLRCLES Gramsci, Antonio, Conese alas a hse. Tad, Clos Nelson Costioho. 3: ed, Ria de Janet, Chillgio Bra lei, 1978, p. a4 a Rydell, Rober. All the Woes a Fal, sions of Empire atthe American interna tional Espoition. 1876-1916. Chicago, The [Univers of Chicago Pres, 5.0, p 2. 1 Bensaude-Vincet, op. ct. p. 277 Buscando passa o ideal da harmonia social, o fetichismo da mercadoria pro- {uz um duplo caréter de alienago: do produtor direto com relagio a0 seu procito e do produto com relacio a0 consumidor. Produtor «cliente, © prole- fino da fabriea, vsitante da exposigf0, € levado a distanciar-se do processo real no quel € ator para endossar a imager que Ihe € oferecida, © protagonista principal de toda esta espiral de progresso e racionalidade era ‘enfin @ burguesia, que dessa forma se legitimava diante da sociedade como nerecedora das posicdes que ocupava. Trata-se, portanto, de uma visio clas- feta que procuta socializarse de maneira ideolégica. Servindo-se da criagdo desta fantasmagoria sobre a realidade — um presente dominado pelo progres- So tecnico e 0 pensamento racional produzindo a'sociedade do bem-estar € garantindo um futuro melhor —, a burguesia buscava ampliar sua base de ‘consenso diante da coletividade. Nesse sentido, ganham forga as palavras do historiador Robert Rydell, atri- buindo as exposicdes um caréter de “universo simbolico”, porque pressupoen tum conjunto de representacoes meniais que visam dar uma unicidade a um Geterminado projeto social.” Ou seja, as exposicées pretendem dar uma ex- plicacio global e totalizante sobre a realidade € © conhecimento universal. Busce-se, pottanto, no s6 uma perspectiva abrangente da realidade, como sobretuddo compreensiva, com base em uma visio classsta, Erm outras pala- ras, as exposigbes universais seriam mafs um dos instrumentos pelos quats se tornaria vigvel 3 supremacia econémica, politica e social de um grupo sobre a Sociedade em termos culturals. As exposiges seriam, em surna, um veiculo de construcao da hegemonia da classe burguesa, mediatizada por préticas ‘consensuais ¢ ideologicas. Refere Bensaude-Vincent que esta proposta € nitida e clara nas primeiras dis- posigdes universes, as quais sf0 predominantemente industriais: “pxibindo 3 face do mundo o seu poderio tecnaldgico, as grandes potén- cias do meio do século XIX se colocan como modelo universal. A inakistria & com efeito, o lugar privilegiado onde se alimenta a esperanca universa- Tista dos filésofos do inicio do século, como Saint Simon ou Comte, até os homens de negécio do tim do século”"* Na verdade, 0 sonho de urn mundo sem fronteiras encontrava alento na reali- dade européla de um mundo cortado por vias férreas ¢ inteligado por cabos subimarinos; tomando’o longinquo préximo. wosgées UNREAD AAO OD MUNDO UREA "Como ndo crer no mundo reconciliado quando a produgio em série, 0 bom mercado, parece explodir as distingbes sociais # uniformizar o nivel de vida de todas as classes? Como nio crer em tudo isto quando 0 surto industrial reclama por tudo a livre troca, a livre circulagao e a conquista dos novos mercados? [..] Porque a industria, fermento do universalismo, & também percebida como simbolo da civilizagao, “Expor as realizagbes tecnolégicas da indlistvia & fazer a sintese filosofica do progresso da humanidade”* ‘simbolos dos novos tempos, as exposi¢bes foram ao mesmo ternpo elementos de construgéo e de propaganda da sociedade industrial que se estruturava, Nao € por acaso que 0 reclame e a propaganda surgem nesta época e se revelam de maneira especial nestes eventos, na maneira especifica de apre- senlar os aitigos, convencendo quanto ao seu uso, valor e necessidade, Como tefere Benjamin, a publicidade € 0 antficio que permite a0 sonho im- por-se @ indistria e € ainda por ela que as pessoas se prendem ao sonho® Tais técnicas de propaganda e publicidade utlizam toda a persuasio e as “ar- gicias teolégicas"® da mercadoria para se imporem, convencerem, seduzi- rem. Amtifcio de seducao social, a publicidade e a propaganda nao so pura criagio ov arbitrariedade imposta: elas se apdiam em tendéncias latentes, em ddesejos manifestos, em inclinagoes nio implicitas mas detectadas, e as mani- pulam, induzindo ao consumo, a aceitacéo, ao maravilhamento. Mais importantes, contudo, eram as determinacdes implicitas das imagens veiculadas pela propaganda: as pessoas eram levadas a admirar o poder cria- tivo do homem, as potencialidades renovadoras da indstrias, a engenhosida- de dos empresirios. As idéias de ordem, método e harmonia da sociedade ‘burguesa conjugavam-se as nogdes de exemplaridade do sistema de fabrica e da inexorével marcha ascendente do progresso técnico. Nesse sentido, como diz Kothe,"* a publicidade & sempre alegorica, prome- tendo na coisa concreta que oferece ao consumo um outro valor que nela esta contido, Cada elemento da propaganda tem um outro significado que no 0 seu significado literal Feira de mercadorias, a exposigzo enfeitica com a sua ica do progresso e a sua fungi didstico-pedagigica, recolhendo seriedéde na tradicdo saint- Becngbes UVES: PRED BE BIBESS BO MUNDO BURCLS Bensaade Vincent op. ct, p 277 > Benjamin, op. i, 190-2, * Pore usar a expressio de Max, apud Benjamin, op. cp. 39. kote, Flavio. A alegoria. S80 Paso, ‘Arica, 1996, 9. 87. ry simonianae comtsta. Sua fungi é, contudo, ainda mais ampla, enveredando pelo caminho do lidico. Desde 1851, com a inauguracao do Crystal Palace de Londres, que 06 relatos so elogiientes: +{,]0 conto de fadas da modernidade debullhou sob nossos olhos de cran- astayan, Elsa. Lephomere dans la vi le. Prise les expostions universes. ties expositions unverslies & Pars. La KRewse d'Economie Sociale. Pats, av 1980, p. 44. 2 geniamin, op cy. 39. > Marayan, 9p, p86 CL. Oy, op. elt 82 “A exposicdo est para afer internacional aquilo que omuseu esté para a {galeria marchande” para 0 objeto de arte. Ela 0 poe em gloria, nao om venda. (Ela se coloca para oferecer @ producao técnica seu cerimonial e seu legendirio.”(sicF* as exposigBes universais, a tecnologia fol aplicada 20 fantistico, fazendo ascer a indistria da diversdo.” llusio, parédia,simulacro felra de Husbes.. Nesse sentido, o século XIX alimentou-se de ilusdes e fabricou sorhos que seduziram e embalaram as rnultides.* € ineyivel que o sucesso das exposigbesextavaligado também afluéncia do plblico e este —2 experiéncia masirou, no suceder das exposigbes 20 longo los séculos... nem sempre veio aos eventos atraido pela “ligso de coisas” tu pelo * apeloiresstvel das maquinas"... s exposigoes da fin de sidcte se fenderam, pois, a0 primado do lazer. Como refere Martayan,” com 0 passat dio tempo a misao pedagégica eracionalizada das exposigbes velo acrescen- tarse 0 aspecto Kidico, com suas atragées, seus clous e suas méquinas de tiversfo, que também tenderam a dominar. Todavia, a superposicdo de uma fungao sobre a outra (da diversio sobre a insrugao) nao alterou, em esséncia, (0 caraterfetichista/fantasmagorico das exposicGes. io dizia Benjamin que as exposigées, ao transfigurarem o valor de troca das rercadlrias, inaugurdvam uma fantasmagoria na qual o homem penetrava para se distrair?® € os homens rio se abandonavarn &s manipulagoes desta Inalistria prazerosa da diversio, alienacos de si proprios e com relacio aos outros? ainda Marayan quem se pergunta se a festa e a diversio nao serviriam para ‘mesmo objetivo dos defensores da missio educativa das exposicdes: “red Sir num momento as distancias sociaise assentar um imaginro coletivo em tomo de uma certa idéia de grandeza nacional?" COportunidade do lucto, gloria da instr, festa do trabalho, licdo de cos parque de diversbes... As exposicdes foram também monumentos a nacional dade, Como lembra Pascal Ory, apesar do manifesto caster de universalidade das ‘exposigdes, ransparecernnelas o nacionalismo dos movimentos imperialistas avon unewssns cos OF EEBGKO HO MUNDO BURELRS em choque. A escolha das datas no se dé por acaso e tem um significado profundo para as nacdes que sediaram 0 evento: em 1876, a expoxigao da Filadélfi, nos Estados Unidos, 6 dada por ocasido do centenério da Indepen- dencia, assim como a de 1889, em Paris, comemora os cer anos da Revolu- 20 Francesa, ou a de 1878 pretende reafirmar o reerguimento francés apos os anos teriveis do inicio desta década, marcados pela dertota diante da Alema- niha e a eclosio da Coruna, Nesse sentido, cabe fembrar que os projetos de construcia/reconstrucdo na- ional tém sido sempre fatores de agrega¢ao politica, suavizadores dos contli- tose eliminadores das diferencas sociais. Como refere Litcia Lippi de Oliveira “Anagao.e o nacionalismo, como ‘comunidade politica imaginéria’, forne- cceram uma unidade englobante para os individuos libertos da ordem social tradicional religiosae aristocrética’.* esta forma, © nacionalismo presente nas exposigées cumpria fins polticos, rndo apenas de sustentagao de um grupo no poder (a Inglaterra vitoriana, 0 Segundo Império ou a Terceira Repablica Francesal, mas fundamentalmente de dominacao. O nacionalisina &, em suma, a forga capaz de superar as bar relras de classe e irmanar os individuos em torno desta comunidade ilusGria que se articula em tomo de identidades culturais e lingbsticas, com base num dleterminado territério. Assim, tal aspecto de velamento das contradicées so- Ciais ou de ocultacao das hierarquias inerentes a sociedade burguesa contfigu- ram zo nacionalismo o mesmo caréter transfigurador da realidade presente nas demais facetas das exposi¢des universais, Em suma, as exposigdes, mediante 0 nacionalismo que portam, confirmam seu cardterfantasmagGricoffetichsta de oferecer & multiddo uma determinada leitura da realidade no moderno mundo do século XIX. For outto lado, a modemidade que se impde precisa de simbolos,¢ eles estdo presentes nas novas e arrojadas formas arquitetOnicas que acompanharam es- tes eventos. Londres, em 1851, inovou com o seu Crystal Palace, que com ‘uma modema construcdo de ferro e vidro demonstra zo mundo do que era possivel a feliz combinac3o da cincia, da técnica e da indistria: em 1878, Paris apresertou aos contempordineos 0 simbolo da solidariedade entre os fcc uns: LCOS SE RIGO Oo MUNDO HLREAE * Olivera, Licis Lippi. Modemidade © quesito nacional. in: Lua Nova, n° 20, aio 1980, p. 4, 33 Ccentenalre de La Tour Eifel. Foto RMN: Spaden,fltioes Nugeron, 1903, povos: agigantesca Estatua da Liberdade, ainda inconclusa, que seria ofertada +205 Estados Unidos em 1886." Em 1889, na exposicio que assinalou o cente- nario da Revolugao Francesa, a controvertida Torre Eiffel, com sua transparén- cia de fero, apontando para os céus de Paris, encamava nao s6 uma nova cconcepcao de mundo, mas se consttuia num proprio monumento & racionali- dade, 20 merdemo e ao progresso tecnico, Entretanto; nfo é posstvel reduzit o ritual de exibigao burguesa da moderna sociedade industrial que se construia ao Gnico prisma de dominagio fetichi- zada, como se uma (nica leitura fosse possivel. Em outras palavras, embora 0 intento burgués fosse a universalizacio de sua auto-imagem, cabe referir que hhouve espaco para outros olhares E preciso concordar com Madeleine Rebérioux,® quando afirma que as expo: sig6es, embora buscassem 0 consenso, nao impediram jamais ad ssensio. NA verdade, as exposicies se prestam mal aos estudos dos enfrentamentos de classe, mas, mesmo assim, cabe reisrar que oesforgo de persuasio social €O velamente fantasmagérico da reaiidade ft, por vezes, arontado pela leitura coneriria* Ao nacionaismo burguts opés-se, por exemyplo,o intemacionalis- "no operétio, ou a nocio de harmonia socal erguew-se a afrmagao das distin. Bes de classe, Ov, ainda, manifestou-se 0 conironto entre uma posi¢io glorificadore do patronato burguss ea reivindieagao da autora operaria para as maravilhascriadas pela indGstria. Em sintese, a politica de seducdo social, portanto, nunca foi total. AS exposigbes, como eventos tipicos da modernida. de do século XIX, vem confirmaro seu carter dialético, demonstrando que a realidave pode dar margem 2 mais de uma leitura. Retomando a Borman, a: coisas no so exclusivamente “isto” ou “aquilo”, mas “isto” ¢ “aquilo” ao mesmo tempo. Esta, também, parece tr sido a preocupago de Benjamin, na sua obra incon- clusa das Passagens. De um lado, o arguto pensador da modemidade resgatava os meandros da seducio social ¢, de outro, a dimensio da resisténcia dos subaltemnos a magia bburguesa das exposicdes, com a consciéncia pronta para o despertar da cole- tividade. ‘roictes unas: eAcos 0s BeRGLO 00 BO au * Plum, op. cy 9.28 2 Rébrioux, Madeleine. Les ouwers et les expositions univerellles de Paris au DiXe sil dn Le fie des expostions op. cit, * Rébétioun, Madeleine. Les expositions univeselles: Voir Paris ov aun fn: Les ‘expositions universes. op. et . 7. 55 ACERTAR O PASSO COM A HISTORIA: O DILEMA DA MODERNIDADE BRASILEIRA NO SECULO XIX | | Espetaculos do exibicionismo burgués da segunda metade do século XIX, as exposicbes universais foram instrumentos de diluir conflitos fossem eles entre classes ou entre nacdes, alardeando a harmonia social, 0 progresso sem fron teiras e omito de que. civilizagao ocidental burguesa era baseada na fraterni- dade entre os povos. (Ora, a universalidade do capitalisma, da comercializacao de seus produtos e da socializacao de seus principios em escala mundial baseou-se, desde a fase dda acumulacao primitiva de capita, na incoporacao de outras regides do slobo, “colonials” e “atrasadas” com relac3o ao seu epicentro europeu. Tals regides se encontravam desde hi muito vinculadas, de maneira mais ou menos estreita, sob diferentes formas historicas, ao sistema capitalista em for- magio. Todavia, é no século XIX que 0 capital, plenamente configurado © constituido no sistema de fébrica, passa a apoderar-se da produc3o mundial- mente. € neste momento em que, de forma mais acentuada, se introduzem Imgquinas, técnicas, hébitos valores da sociedad burguesa em ascensao. Naturalmente, ndo se trata de afirmar que o capitalismo, ao intemalizarse em tals regides, possa tepetir etapas ou vivenciar experigncias idénticas as ocorti- das no seu berco orginal no Ocidente europeu. Nao € possfvel esquecer que as diferentes repides do globo sio portadoras de bagagens histéricas dlferen- Bermann, Marsal. op. ct, p. 220, °° Cu seja, em repides situadas fora do epicento da Europa Ocidental,a moder. oo er como algo que s pasa ta ora’, como expertcla a qual se ida sheclmento e que a distancia seduz. A contibuicao de Bermaty anali- eo naga rss, € especialmente fri para que se pense o p>cesso sao emzrca Latina, Noimperiotopical dos Bragancas, colonial esc were poo do mercado interacional sempre esteve presenie Para EN earre paportagses Da mesma frre, nao era esvanno ao pats due Um We slugao tecnologica Wansformava as sociedades curopeis ‘Acostumada’ 20 tato com'e mercado internacional, a elite agroexportadora Acosta ane dos propressos tecnicos eds novos amos da cilzagie turpéla Era algo que ocorria “fora, mas que forsays 2 entrada no pats ius, em contapari, era também dsejado pols elites local i Naturalmerte, ese “ingresso namodemidade” se daria “fitrado” Peas 5° at atrcas ebjetvasloais, Com rma economia repoutnda 19 2B foSpode um produto —0 cafe, ue gracas 3 produo ern massa ‘baixo ee conttolava monopetiticamente o mercado mundial recess ar rete proceso a uz das mertalidadesaprévas que se foram “Pre- gressistas"- 0s ventos do progresso sopraviam em direcao ao Tereiro Mundo ¢ Oe {ivalos segundo os thos eo interesses de suas eltes a mesa forma como. fia acces evar alardeados a0 mundo segundo asnacessdades do capital triunfante. scravista, agra, exportadora para o mercado mundial, a joven Tags bree Eiedta aspirava também a participar do espetaculo da modemidade, x 4 ‘Aqui, como na Europa, hava também, por pare ds sqinerte’ esclare- Aa Cercepeao de que 0 mundo aavessava um profdo Proccee de cet ne. Afna, por intermeédio do comércio internacional, impulso vital de ae emia, o Brasil tomava conhecimento dos novos produlos langados salas fabrics euopélase dos novos invetos. A miquina a HE! © 28 vias ease amese tomado conhecidas tab na América, AS dios do libe- reas Macondmico e poitico também haviarn penetrado no pals, “metaboli- vedas” pelosirtereses dos grupos dominantes locals que haiarn “selecionado” rae Pi ibeal aquelesprnetpios que melhor se afequasser a Sus interes: See escravistas, agroexportadores e latifundiarios. Go Acorns com ASTON 0 main oa Mon BasanD No sto NK Acompanhando as transformages materiais © os habits burgueses, um conjunto de “idéias novas” passou a difundir-se: Darwin, Comte, Spencer, Buckle vinham demonstra, com suas teorias, que a renovagao das ciéncias, dda natureza podia ser transportada para o campo das ciéncias humanas. Neste contexto, generalizou-se a opiniaa de que “o intelectual no podia permanecersilepcioso, assim como tinha o direito de ser progressista e avan- ado Ora, o que caractrizou justamente 0 comportamento da elite exclarecida fo, por um lado, o consumo acelerado e desacelerado das novas idéias, a ansia cde digerrrapidamente a cima tendencia intelectual européia, O Brasil tinha pressa, era preciso nao perder o “irem do hist6ria”, acertando o asso com os acontecimentos, 0s processos € os valores do mundo contemporaneo. Toda- Via, como pondera Schwarz: “0 movimento recomre ao estoque das aparéncias esclarecidas, através do ‘qual, no limite, destrata a totalidade das luzes contempordneas, as quais subordina um principio contrério 0 delas, que ern consequéncia ficam rivadas de credibilidade” + E assim se chega 20 outro lado da modernidade brasileira: 0 da curiosa acti- ‘matagéo do liberalismo ¢ do progresso técnico com a escravidio, da socieda- de civilizada com a barbie. ‘Tadavia, seo viés tropical de realizagio do capitalismo se deu pela maximiza- ‘sao da desigualdade ¢ da combinagao do arcaico com 0 novo, nao seriam pruridos de consciéncia os elementos a obstaculizarem os caminhos do pro- Bresso em terras brasieiras: "Ora, haveria problema em figurar simultaneamente como escravista 0 in- dividuo esclarecido? Para quem cuidasse de coeréncia moral, a contradi- ‘so seria embaragosa. Contudo, uma vez que a realidade nao obrigava a ‘caplar, por que abrir mao de vantagens evidentes? Coeréncia moral néo seria outro nome para a incompreensio do movimento efetivo da vida?”® Caberia também um pequeno reparo: no se tratava realmente de contradi- ‘98es exatamente antagdnicas, assim como no € antiétco 0 surgimento do Capitalismo brasileito a partir do escravismo, uma vez que este ja nasceu his- toricamente determinado pelo sistema capitalista mundial em formacao. S40 Aceon © PS Con A HSTORK: © BUENA DA MODENIDAOE ASLERD NO SCLLO AIK “ating, ison, ita da ineliséncla brasileira, 1877-1896, Sao Paulo, tus Cults, 1978, 01, p36, * Schwere, op. city p. 40. * tide, p. o > Romero Silvio. His de iterate bra sila. Rio de Jsiro, INLIMEC, 1900, v. 5,9. 1655. “ hachad dle ass, A nova ger. tn bra completa Riodelaneto, Nova Aguie Tay, 1994, 3p. 810. » id, p. 182 a antes ambigiidades © especificidades da forma assumida pelo ingresso do pats no circuito internacional, orientado pelo capital e pela modernidade. ‘Absorver as "idéias novas” européias e fazer parte do Ocidente progressista tram, assim, uma meta e um ideal-tipo de qual o Brasil culto devia procurar, se no atinglt, pelo menos aproximar-se A chamada “nova geragao", que se ressalta como grupo na década de 1870, tra, contudo, ecltica; iconoclasta e radical. O seu ecltismo se revelava na inaiscriminada e precipitada mélange das wendéncias progressstas. Silvio Ro- mero, em seus Cantos do Fim do Século,registraria esta diversidade de ideario fe conseqiiente dificuldade de classficar a nova geracao; todavia, saudava om entusiasmo o triunfo da ciéncia e da razao sobre 0 sentimentalismo e © intimismo romantico. A época de Darwin, Moleschott e Buchner, de Lyell, de Vogt e Virchow & raturalmente a de Comte, Mill e Spences, de Buckle, Draper e Bagehot. fstes nomes exprimem a grande transformagao das ciéncias da natureza invadindo a esfora das ciéncias do homem. Todos sabern que a religiio, a Iinguager e a historia, 0 dieto, a politica ea literatura s20 hoje tratalos por método bem diverso daquele por que 0 eram hé 30 anos. Esta nova imaneira de sentir e pensar de sabios¢ filésofos, num tempo como 0 N0ss0, hia fica incdgnita e misteriosa, sem aco sobre a massa dos leitores. A ‘cabalistica do século XIX é nenhuma: toda descoberta é logo espalhada aos ‘quatro ventos pela voz dos livros, das revista, dos jamais. A popularizago da ciéncia 6 um fendmeno dos derradeiros tempos e a melhor conquista da repulsa 20 sobrenatural” 7 sta mescla de posturas seria também apontada por Machado de Assis, no seu censaio de 1879, “A Nova Geragao”, no qual o autor alude a falta de unidade {que difcultava uma melhor caracterizagao. Mas ainda é Machado de Assis {quem surpreende as coordenadas gerais da nova tendéncia: por um lado, urn Sentimento diverso da geragio romantica, “oriunda do fastio deixado pelo ‘abuso do subjetivismo”,*e, por outro lado, a inegével atragio pelo +L. desenvolvimento das ciéncias moclemas, que despovoaram o céu dos rapazes, que te deram diferente nogdo das coisas, eum sentimento de que de nenhuma maneira podia sero da geragdo que os precedeu* “Acatt 0 #50 COM A HISTOR © BIBI OA NCORRNDADE ASLERD NO stn XIL Machado de Assis comenta, itonicamente, a perda do lirismo romantico (o céu despovoado) ¢ relativiza a firia iconoclasta da nova geracio contra © movimento intelectual anterior, argumentando que a renovacao literaria ngo implicava "2 condenagao formal ¢ absoluta de tude o que ele afirmou; alguma co'sa entra @ fica no peciilio do espfrto”.® Da mesma forma a critica macha- ddiana aponta' para o influxo extemo que determina a ditecao do movimento —o cientificismo europeu — e alerta para os “vicios” dai decorrentes de um, consumo precipitado das “novidades” “A nova geracéo freqenta os escritores da ciéncia; nfo hi af poeta digno desse nome que ngo converse, um pouco, 20 menos, com as naturalisias € fil6sofos modemos. Dever, todavia, acautelar-se de um mal: 0 pedantis- ‘mo. Geralmente, a mocidade, sobretudo a macidade de um tempo de reno- vvacio cientifcae literéria, nao tem outra preocupaco mais do que mostrar as outras gentes que hd uma porgao de coisas que estas jgnoram; e daf vem {que os nomes ainda fracos na memdra, a terminologya apanhada pela rama, stio logo transferidos ao papel, e quanto mais crespos forem os nomes @ 2 palavras, tanto melhor. Digo aos mogas que a verdadeira ciéncia nao & a ‘que se incrusta para omato, mas a que se assimila pela nutricZo; e que 0 ‘mado eficaz de mestrar que se possui um processo cientifico nio é proca- ‘masta todos os instantes, mas aplicé-lo oportunamente. Nisto 05 methores ‘exemplas s30 0s luminares da ciéncia: releiam os mocos o seu Spencer, 0 seu Darwin. Fujam também de outro perigo: 0 espiio da seita, mais pro- prio das geragdes feitas © das instituicdes petrifcadas. O esptrito de seita tem fatal marcha do adioso 20 ridiculo |..." Muito além de realizar um arguta letura do comportamento da elite 20 assi mmilar as novas idéias estrangeiras, Machado desnuda a esséncia da versio perversa do progressismo caboclo: conservador, acomodaticio, deslumbrado com 0 nove, impaciente para ingressar no concerto do mundo “civilizado” e Cientifcizado, Para as elites intelectuais, vanguarda do século XIX, 0 progresso técnico no cera apenas algo de que se ouvia falar, mas uma meta que o pals devia perse- uit, para atingro status de “modemo" Talvez um dos representantes mais significativos dessa mentalidade esclareci- da e fascinada pela técnica seja André Rebougas. Mulgjo, engenheiro, defen- sor intransigente da monarquia ¢ do Partido Liberal, professor da Escola ‘Actas 0 ms0 case A STOMA: © ORB D4 MOKNEEADE MASLIRD NO SEIKO XIK "© Machado de Asis, op. et p 181 "Biden, p. 24233 6 Politéenica, Rebougas viajavia por duas vezes a0 exterior, vistando mullas Tabvieae oficinas, dacas, ferravias, pontes e outras obras pablicas. Minucion® voor jescicdee que delxou desis suas viegens,™expressa tooo interesse ue The despertavam os noves process0s e mesino o enfusiasmno dante dos rane des empreendimentos evropeus. as oficinas de Creusot, na Franca, Reboucas diria que: -Deixam imorredoura impressfo 0s altos foros de folha de ferro; suas cha i ‘nes metalicas do 75 2 05 metros de altura, que parecem torres de farts sae quinesa vapor dos alls fornos edos pacos verdaderarente oles. aoe clicinas Bessemer, as fundies, as frja, a ordem e 2 magniicen, sais OF catabelecimento € até o novo escritério central, construrdo como oe estat, hermeticamente fechado e arejado por una chaminé” { (Os Estados Unidos deixariam também viva impressao no estudio Rebousas: + Visitamos em seguida as magnifica fabricas de algodao — ‘Suffolk Coton A Srcmont Mills —-construfdas em 1832, reconsiruldas em 1062, ¢ aa din a famosa fabrica ‘Merrimack Print Works’, onde as explicages nie pam dads por um menino de 12 anos, de rara inteligencia”.* ascinado pelo progress, as descrgnes de Reboueas sobre a ego peo: aca pg modemas cidades que surgiam a0 redoraingiam 2s alas do 1 ico, demonsvando seu maravihamento plas potencaidades (a jovern rnagdo americana.'® Exuemamente crtico, Rebougas mesclava seu entusiammo pela técnica com tis postura morals, avesso as diversOes ¢ aos prazeres rundanos 4° so ents ato. vail tudo © que no fosse instrtivo em ciencia & cultura © Rebougs, Ande igen Rio da ano, José Op, 1938 “enew York no tem cafés: mais feliz do que 0 Rio de Janeiro, ainda no rctreu de Paris estes perversores da saide e dos bons costumes” © i ce p24. se Reboucas representa uma vertente da mentalidade esclarecida do pals i que, araida pelas maquinas, buscava introduzir novos process Pe Brasil, jin 925 Jexjuim Nabuco é exemple de uma outa dmensio da modernidede brasilei- rado Segundo Império. i i | ° Res, os cy 2 } 1 iden,» 246. “bs Aetrnn 6 eso cu ASTOR © OLENA DA MODENOADE MAR NO AO IK 2% Nabuco, op. cit, p68 8 Nabuco, Joaquim, Poltica. Og. da co letinea Paula Beigua, Sao Paulo, Alc 8, 1982, 9.9. 2 Castro, Wednoel Antonio de, Paradigms ce ldentiide, Tempo Brae, Rio de be rete, n2 95, out-dez. 1988, p. A, Ca +, no século em que nds vivemos, 0 espirito humano, que é um 36 e err- velmente centralista, esti no outro lado do Atlantico; @ Novo Mundo para tudo que 6 imaginagao estéica ou histrica, € uma verdadeira solidao"?® Ov seja, © caminho da modernidade tinh endetego certo: a velna Europa, ‘com suas tradicdes seculares, bergo da cultura, forja do progresso. ‘Nabuco representa, pois, uma vertente de pensamento da elite ilustvada que ‘labora uma visio do pats na qual a orientagio positiva € dada com relagao So cosmopalitismo. “Acertar 0 passo com a histéria” era, fundamentalmente, ‘hn uma janela para o mundo. Europeizacio era sinénimo de avanco, Matas, {ndios e negros escravos eram atraso e barbie. Neste sentido, afirmava Nabuco: “Entre as forcas cuja aparicao ela [a escravidio] impedia esté 2 opinion publica, a consciéncia de um desafio nacional. Nao ha, com a escravidio, sa forea propulsora chamada opinidio piblica, 30 mesmo tempo alavanca Go ponto de apoio das individualidades que representam o que hi de mas adiantaco no pais” Emergem, do pensamento da elite ilustrada, dois pontos basilares que definiriam ‘os cortomnos da modernidade nos tempos da monarquia brasileira: a idéia do progresso, desdobrada nas concepges da razo, da cencia eda tecnologia, €8 Tela de naco, desdobrada por sua vez nas nogbes de identidade e de Estado Para usar a expressdo de Castro,# define-se com isso um cédigo simbélico de modemidade. Num enoutre caso, o horizonte esté na Europa, bergo do progresso e exernplo de consttuigao de Estados nacionais. Evidentemente, assumir essa posicao ‘nao Implica generalizar processos ocorridos 18 @ c& e uniformizé-4os num mesmo patamar, relativizando condicoes concretas objetivas locais. Reafi- Tnavse, contudo, que a especificidade local s6 atinge significdncia historica se ‘analisada dentro do sistema mais amplo no qual se insere. Se as idéias que compaem o imaginétio do progresso jé se encontram sufi ‘lentemente explicitadas, as questoes relativas & construgdo da identidade ma- Cional merecem algumas consideracoes. Actas © nso COM ATR: © DIBWA D4 MODENGHTE Beano NO sicuto IK —__ Diria Nabuco da sua “atragao pelo mundo": * Sou antes um espectador do meu século do que do meu pats; peca é para mim a civilizacao, e se esté representando em todos os teatros da humani- dade, ligades hoje pelo telégrafo. Uma afeicio maior, um interesse mais roxio, uma ligaco mais intima faz com que a cena, quando se passa No Brasil, tenha para mim importéincia especial, mas isto ndo se confunde com 2 pura emocio intelectual; 6 urn prazer ou uma dor, por assim dizer, do- méstica, que interessa 0 Coracdo, mas no & um grande espeticulo, que pprende e lomina a intligencia”.” Bem-nascido, culto,refinado € viajado, Joaquim Nabuico se afiraria como um cosmopolita “Nao me seria possivel reduzir as minhas faculdades ao servico de uma religido local, renunciar & qualidade que elas tém de voltarse para fora. Assim, por exemplo, desses anos da minha vida a que me refi: em 1870, ‘© meu maior interesse nao esta na politica do Brasil, esti num Sedan. No comeco de 1871, néo esté na formacio do gabinete Rio Branco, esté no incéndlo de Paris. Em 1871, durante meses, esté na luta pela emancinacio {dos escravos) — mas ndo seré também nesse ano 0 Brasil o ponto da Terra para o qual ests voltado 0 dedo cle Deus"? Defensor ardoroso do abolicionismo tanto quanto das insttuigbes monérqui- cas, Nabuco explicitaria 0 seu padrio de civilizagao: “Nis, brasileiros — 0 mesmo pode-se dizer dos outros povos americanos —, pertencemos a América é 8 Europa por suas camadas estratificades. Desde que temosa menor cultura, comeca o predominio destas sobre aquela. A nossa imagina¢o nao pode deixar de ser europea, isto é, de ser huma- ‘Assim, Nabuco estabelecia na Europa o padrao de humanidade — entendida por criatividade, inteligéncia, pensamento racional, senso estético. O cliché Civilizatério europeu era 0 ideal a atingir e a redengéo do peas se encontrava ro outro lado do ocean, Ratificando seu pensamento, Nabuco dizia: AHR 0 FSS COMA SCRA © DRAKA DK MODIRNEADE BASING WD SELLO XIK NabucoJonguim Minha formaco, Rio ce aneto, Tecnoprint sd, pO 1 biden, p83 1 tiem, p68. 6 Renato Ontz alerta que, sendo a identidade uma construgao simbdlica, este arate elimina, prs, as duvidas sobre “a veracidade ou afalsidade do que € produzido' ® Ou seja, como imaginario social ela comporta, sem davida, cle. ‘mentos de verossimilhanga com 0 concreto real ao qual se refere, mas envol- ve também yma dimensio idéolégica, de nocties e crengas intencionalmente falsificadas, assitn como ainda um componente de utopia, ou de objetos que ‘nao exister na situagifo real, mas cuja existencia € desejada. For outro lado, Ortiz aponta que toda iclenidade se refere a algo que the é exterior, apresentando-se como uma difereaca em relacio "a0 outio". Ha, Contudo, uma dimensio intema, que corresponde ao dominio do conjunto de tragos ¢ elementos que dio 0 critério de auto-identiicagao e solidariedade simbdlica entre os individuos.!* (Ora, a dimensdo da diferenga externa era patente: li fora estava a chilizagao, © progresso, 0 centro difusor da ciéncia, da moda, da educagao e da novida- de. © problema mesmo era encarar 0 oposto. Seria o Brasil a barbtiee, assim sendo, que cédigo de solidariedade nos uniria? Em outras palavras, o que seria onacionalt Refere Castro que o paradigm das identidades nacionais se funda em circuns- tancias ligadas ao exercicio do poder, de tal maneira que a identidade nacio- nal se confunde corn o Estado. Nao se tratava apenas de construir mia imagem do Brasil como naco que, 10s trépicos, se tomou independente do Reino dialém mar, perpetuando a forma mondrquica de govemo e conservanlo a mesma dinastiareinante. Mais cdo que isso, tratava-se de um projeto de construgo nacional que se dava no ‘quadro de um processo de mademidade.** Se a nacio ¢ uma comunidade politica imaginéria, qual era 0 Brasil sonhado ‘no século X0X? Em outras palavras, 0 que seria uma nagio modema? ilema inicial constitufa-se com base na propria diversidade e extensio do teritorio: como construir um corpo politico coeso diante de tal diversificagao eogrstica, social, climatica etc.? Como evitar a desagregagao latino-america- nna da América Hispinica? Um artficio politico foi dado pela imposicaa da forma mondrquica centraliza- da, herdada do impeério portuguds e ja “aculturada” na tera, tendo em vista a ‘ACHI © FEO CEO A HSER: © BLEVA OA MODEEMDNDE BRAERO NO keE XK * Oz, Renato, Qtura bras iden ‘dade nacional, Sao Paulo, Braeiiene, 1985, pa bide, p 7. © Gi, Oliveira, Lécta Upp de, Mademi= dade © quesio nacional Lug Nova, n= 20, maio 1990, p. 48. o | ‘a Olt, op. p48 2 Ibidom,p. 53-4 transmigrago da Corte para o Brasil. Interessa, contudo, resgatar as dimer s6es ideologicas do processo, em que a configuragao do nacional se impde como uma idéia agregadora. [Agregada ao Estado, constr-se a nacionalidade. O sentido de individualida- deede diferenca com relacdo aos outros apsia-se numa dimensao espacial (0 territrio} e terporal (a histria). A idéia de nacdo apaga as diferengas socials, ¢ iaz das diversidades existentes no plano da geogratia e da cultura um ele- mento de riquezas intfnsecas. Portanto, 0 Brasil — grande, Variado, dispare—era, contudo, uno como ind vidualidade, como “alma”, como socialidades estereotipadas, que levavamn a identificar conceitos ideais como “cardter do povo brasileiro”. Refere Lacia Lippi de Oliveira “Nagao pade ser entendida como a forma moderna de onganizare discipi- rar os individuos, de dar coesio ao todo social. Nagao foi e é uma constu- {0 histérica moderna, que, portanto, tem a ver com as condi¢des Sconémicas, polRicas, sociais eculturais da época de sua criagao.[..] Na~ ‘Gio e nacionalismo pertencem ao universo simbélico do homem, universo Este capaz de expressar as possbilidades de organizacao da sociedlacle"* Na construgdo de urna imagem nacional, 0s arifices da nacionalidade forarn, puma primeira instancia, a geragio ilustrada que, com formacdo européiay ‘stove presente no processo de independncia. José Bonifacio sea um repre- sentante desta primeira leva de intelectuais, responsavel pelo brotar de uma idéia de "brasilidade” em oposi¢a0 a0s reindis, na esteira de um sentimento antilsitano que se veio afirmando no final do século XVIIl Seguiu-se a gera- ‘Gao romantica igeda a monarquia e que formulou um projeto nacional José ie Alencar, seu maior nome, foi buscar na valorizacio do indio e na celebra- (glo da natureza exuberante 0 resgate de um passado enabrecedor que desse éembasamento & construe nacional ambos os grupos, seja na apropriacio do ideério liberal, seja na recuperacio Go passado autéctone, estiveram empenhados num duplo processo: por uma lado, a delimitacao da especificidade nacional e, por outro, na integracao do pats & cultura ocidental. “Aca 0 S50 COM A HSTGRA,O DUE DA MCDESNOA ARO NO SHLD ATK et ‘Mesmo Alencar, com a sua exaltagio telirica do sofo e do povo, valorizando o singular da cultura brasileira, procurou engejaro Brasil na idéia inoderna de hnago. Buscou as individualidades e teceu a homogeneizagia, retomou as, origens ¢ elaborou mitos. Deu, enfim, 20 pafs, uma imagem construida de si nesmo, na qual se resgatava O passado, Construia o presente e projetava 0 futuro, Comorefere Ortiz com relacdo ao O Guarani, na falta de um passado medieval, Alencar se volta para a epopéia da civilizago contra a barbérie, recuperando‘o enfrentamento de portugueses com Indios." Acessa geracio seguir-se-ia ada década de 1870, da qual Nabuco e Reboucas foram expoentes, assim como Machado de Assis. Inspirados pelas novas idéias do século apresentavam-se seduzicos pelo materialismo, anticler- calismo, agnosticism, determinismo, evolucionismo, positivismo, Comte, Spencer, Darwin, Taine, Renan davam a sua entrada no Brasil por intermédio desta jeunesse dorée, que crescera a sombra do império tropical dos Bragan sas. Refere Coutinho sobre o enfrentamento fatal das duas correntes que se consti- ‘uiram na dcada de 1870: “Deum lado, os que insisiam nas razes européias, procurando fazer delas.a eséncia de nossa civilizagio e reforgando os lacos de nossa dependencia ccuural 3 Europa. A essa corrente se deve a maiora de nossa obra historio- _srifica,escrita em fungo do interesse ou da perspectivaluttana ou da cas- sebranca, dominante,herdeia idima e continuadora da sernenteocidental.” “De outro lado, a corrente dos nativistas, nacionalistas,brasilistas, que, sem voltar as cstas 2 Europa, de onde nos veio a heranca cristé — greco-roma- no-ocidental —, procuram encarar 0 Brasil como algo novo, resultante da fasao de elementos distintos, mas que ndo é mais nenhum desses elemen- 105 isolados e sim um outro complexo racional, cultural social, lingtistico, Iiterdrioe histérico" Representativa desse confronto ¢ a polémica entre Alencar e Nabuco, ocort dano ane de 1875 e que implicou o enfrentamento de uma tendéncia cosmo- politista com uma visio nacionalista, Forcoso ¢ reconhecer que a modernidade se colocaria do lado dos universa- listas, que encaravam a redengao do pais pela europeizacio, Seus arautos ‘Acie 0 RESO COM A ASTORA: © DLA OA MODENA BHASLARO NO SO XIK ® Oni, Renato. © Guatan: um mito de fundacdo da braid, Cina e Cults ano 80, 1988 > Coutinho, Afni. inraducto In: Cou tisho, Ania [erg A polémica Alencar ‘eNabuco, Rio de fan, Tempo Gri 19,1978, p. 7-8, « I | | ' 2 CF Ofer, Lula Lipp de. A questio nacional na Pines Republic, Sao Paw fo, Braiense, 1990, p. 81 > Couinho, opt, p25. 2 Machado de Als Urata bra. teaitzo de macionalidada. In Obras com- pletas. Rio de Jareio, Jackson Fl, 19, v 29,p. 134 5 Machado de Asis op. cit p. 135. 70 apontavam que de lé vinham os ventos do progresso, da mods, da ciencia, di Mando e da tecnica, Por que oporse a essa verdade insofismvel? O Brasil tmodemno s6 podia almejar este status se alcancasse o trem da historia, part- “pando dessa marcha civilizatéria da humanidade. Apoiada no poder das {déis, da ciéncia @ da educacio, a elite brasileira buscava superar 0 atraso ‘cultural, colocar 0 pats no nivel do século e fazé-o acelerar sua marcha evo- ltiva.” Se as duas primeiras geragées de construtores da nacionalidade estaver tam bein empenhadas em integrar o Brasil ao-curso europeu dos acontecimentos mrodernos, a eracao de 1870 levava as Gltimas conseqliéncias esse processo de integracao. © cosmopolitismo de Nabuco seria reprovado por José de Alen ar no deconer da célebre polémica com as seguintes palavras: "Tam por tal modo expelido a patria deste solo americano, que vem a idéia der procuré-la além-rnac’.” ‘A disputa, portanto, descambava para o terreno do patriotism. Esté-se, conte Go, diante de diferentes formas de entendimento do nacional e daquilo que se slejava para esta nacio. © universalismo da geragio de 1870 levavaca Jamil que o verdadeiro sentido da nacio.e do amor patria seria integré-la marcha eivilizatoria cujo epicentro se encantrava fora do Brasil De cetta forma, Machado de Assis legitima a relvindicagao de universalidade para a cultura brasileira, considerando errada a idéia de que s6 havia "esptto vacional nas obras que tratam do assunto local" Era possivel, pois, tatar de temas universais versando sobre uma realidade local. Mesmo considerando as tspecificidades e as limitagdes de uma nagio joven, Machado argumentava por uma posiggo eqdistante da visio que s6 idava com a co oral indios ov hatureza, como no Romantismo), e outra que dela expurgava todos 05 ele- tacftos autoctones. O que considerava essencial culturalmente era 0 escritor Serum “homem do seu tempo e do seu pats’. Buscando a universalizagse do tracional e vice-versa, Machado assuria uma posigao nitidamente modeina. ‘Nesta visio de internacionalizar 0 nacional, nada melhor para a consumacao dese processo do que as espetaculares e atrativas exposigbes universas. CComentando a pattcipacdo brasileira nesses eventos, Machado de Asis refe- Acari 0 Paso COM A HICK: © HLA DA MEDEUEDHOE HAAR NO sCLLO KOK mo * Ainda bem que por toda parte vai ganhando terreno esta bala usanga, que é uma verdadeira festa de progresso e de civilizagao. Merc® de Deus, nao é Capacidade que nos falta, talvez alguma indoléncia e certamente a mania de preferr 0 estrangeiro, eis 0 que até hoje tem servido de obsticulo 20 desenvolvimento do nosso genio industrial. &, pode se dizé-lo, no é uma simples falta, € urn pecado fer um pas tao opulento e desperdicar as dons que ele nos ofereceu, sem nos prepararmos para esta existéncia pactfica do trabalho que o futuro prepara as nactes'* Note-se que a “preferéncia pelo estrangeiro” era condenada por identfcar-se ‘com a preferéncia pelo produto estrangeiro, deixando de prestigiar 0 nacio- nal. Acrftica nao € felta ao processo de integraca0 ao pats as festas da moder nidacle que foram as exposicdes. Estas eram encaradas como momentos impares, instruivos,lucrativos e de alto poder eivilizader Neste ponto, cabe refetir que, para o Brasil do século XIX, participa das expo- sigGes universais e organizar exposigBes nacionais era antes instrumento para ‘© convencimento das proprias elites do que para a cooptaao dos trabalhado- tes. Por outro lado, num pais em que se tratavade estabelecer aindGstia, os cami hos do progresso técnica passavam, necessariamente, pela modemizagao agriria, Assim, o endosso das propostas modernizadoras era levado a efeto por uma parcela da classe dominante nacional imeressada na renovaco dos meios de produgio ena dtusdo de novos processos para romper asituagao de atraso.e rotina em que se via mergulhacla a agricultura brasileira >= Entende-se, pois, por que as exposigdes universais burguesas da segunda me- tade do século XIX sio particularmente ricas para a andlise da expansio da moderidade e do sistema de fébrica no mundo, ‘Act © FSO CoM 8 HSTORA © DLIWA OA MOOHHUDADEHRASLRG NA INO XIX > Machado de Assis. Crenicas — 1859- 1863, Sao Paulo, Mart, 1859, v1, p86 > Para esa questo, consular @insigen- te tabalho de: Fits Filho, Ale Pa Tecnologia agricola e escavidso 00 Bra- sikaspocts ca meleeniaco agricole nas ‘exposedes nacional do segue metide a século XIX (7861-1881). S30 Paul, USP, 1989 (reo.

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