É bem verdade que os garotos, em seus primeiros momentos na ilha, ainda
conservavam práticas civilizadas provenientes da sociedade da qual vinheram. Notamos, por exemplo, como associam-se segundo valores democráticos da sociedade ocidental (vide as assembléias que realizavam). Portanto, recorriam a práticas que não faziam uso da violência, mas do consenso. No entanto, quando alguns percebem que aquela associação não está submetida a um poder centralizado que garantiria uma certa estabilidade pelo “poder da espada”, sentem-se desprotegidos e assumem comportamentos instintivos em nome da auto-preservação, já que não gozam de um Estado que os preservem. Dentre esses comportamentos, destacamos o uso da violência imoderada em toda sorte de situações, o que é uma consequência da inexistência de um “Leviatã” propriamente designado para arbitrar os conflitos em geral. Ou seja, bastou que o contexto social em que aqueles garotos viviam se alterasse no momento em que chegaram na ilha, para que novamente se comportassem tal como no estado de natureza. A questão é que, caso realmente permanecessem segundo os ditames da natureza, eles teriam poucas chances de sobrevivência. Por isso, rapidamente reconheceram a necessidade de constituir um novo agrupamento, de modo que estabeleceram uma forma de organização que, diferentemente da anterior, contava com um líder que notadamente se sobressaía aos demais e cujo recurso à violência era o meio primordial de garantir a coesão (por exemplo, rapidamente organizaram um exército e eram constantemente ameaçados pelo “soberano”). Para além desses que constituíram tal “sociedade”, sobravam ainda aqueles que não se uniram ao grupo, os quais permaneciam apartados de qualquer organização, ou seja, em estado de natureza. Será que é possível afirmar que eram “livres”? Ora, se liberdade é a capacidade de tomar decisões em um ambiente de segurança (onde um raio de ação está garantido por um poder soberano), eles não eram livres. Sendo assim, por mais que aqueles que constituíram o grupo citado estivessem sob o julgo de um tirano, usufruíram de mais liberdade que aqueles que continuavam no “estado de natureza”.