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DA ESCOLA SUPERIOR
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DE SÃO PAULO
ANO 7 - VOL 13
VOLUME 13
2018
Diretor
Antonio Carlos da Ponte
Assessores
Alexandre Rocha Almeida de Moraes
Karina Beschizza Cione
Reynaldo Mapelli Júnior
Roberto Barbosa Alves
Yoon Jung Kim
Coordenação Editorial
Roberto Barbosa Alves
Editores
Editor Responsável – Antonio Carlos da Ponte
Ticiane Lorena Natale
Revisão Ortográfica
Ticiane Lorena Natale
Renato de Souza Marques Craveiro
Diagramação e Arte
Felipe Araujo de Oliveira
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Antonio Carlos da Ponte ............................................................................................................................... 14
Artigos
A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (ARTIGO 23, I, II, E III DA LEI
N.8.429/92)
Marcelo Figueiredo ...................................................................................................................................... 65
Resenha Crítica
Muito obrigado!
O Direito Digital representa a evolução do próprio Direito, abrangendo todos os seus ramos. Trata, especialmente,
de dilemas da denominada “Sociedade da Informação” e das novas formas de criminalidade surgidas da evolução
tecnológica e da expansão da internet. O artigo aborda questões relacionadas a tais temas e indica como vêm sendo
tratadas em normas internacionais e brasileiras.
ABSTRACT
Digital Law represents an evolution of the law itself, covering all its ramifications. It deals, in particular, with the
dilemmas of the “Information Society” and the new forms of crime related to technological evolution and the expan-
sion of the internet. The article addresses the issues related to the themes and indicates how the international and
Brazilian regulations treat them.
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. Internet e Vida Digital. 2.1. Sociedade da Informação. 2.2. Desafios. 2.3. Desafios+. 2.3.1. Darknet e navega-
ção anônima. 2.3.2. Criptografia. 2.3.3. Criptomoedas. 2.3.4. O caso Cambridge Analytica. 3. Crime Digital. 4. Normatização
internacional. 4.1. Convenção de Budapeste. 4.2. Regulamentação geral de Proteção de Dados. 5. Normatização nacional. 5.1.
Lei 12.735/12: “Lei Azeredo”. 5.2. Lei 12.737/12: “Lei Carolina Dieckmann”. 5.3. Lei 12.965/14: “Marco Civil da Internet”.
5.4. Projeto de Lei 236/12: “Novo Código Penal”. 6. Ações do Ministério Público. 6.1. Comissão de Proteção de Dados Pes-
soais do MPDFT. 6.2. Termo de cooperação MPSP e Microsoft. 7. Conclusões.
INTRODUÇÃO AO DIREITO DIGITAL
1 INTRODUÇÃO
O Direito Digital vem sendo considerado uma nova disciplina jurídica. Sua
idade é estimada em duas décadas. Costuma-se dizer que a Portaria Interministerial
147, de 31 de maio de 1995, editada pelos ministros da Comunicação e da Ciência
e Tecnologia, que regulou o uso de meios da rede pública de telecomunicações para
o provimento e a utilização de serviços de conexão à Internet, foi o primeiro diploma
legal desse ramo (ARAÚJO, 2017, p. 17).
A pesquisa do Prof. João Marcello de Araújo Jr., apresentada no Congresso
de Würzburg (Alemanha), em outubro de 1992, demonstrou, entretanto, que, pelo
menos desde 1976, a Câmara dos Deputados e o Senado tramitaram projetos de lei
que tratavam de informática. São exemplos: o projeto de lei nº 3.279, de 1976, do De-
putado Siqueira Campos, que dispunha “sobre a programação viciada de computa-
dor”(arquivado em 1979); o projeto de lei nº 96, de 1977, do Senador Nélson Carnei-
ro, que dispunha “sobre a proteção das informações computadorizadas” (arquivado
em 1980); projeto de lei nº 579, de 1991, do Deputado Sólon Borges dos Reis, que
dispunha “sobre o crime de interferência nos sistemas de informática (destruição);
entre outros (REIS, 1997, p. 50).
O Direito Digital nasceu da necessidade de se regularem as questões surgi-
das com a evolução da tecnologia e a expansão da internet, elementos responsáveis
por profundas mudanças comportamentais e sociais, bem como para fazer frente aos
novos dilemas da denominada “Sociedade da Informação”.
Em obras mais antigas também encontramos alusão ao “Direito Informático”
como “o conjunto de normas, princípios e instruções que regulam as relações jurídi-
cas emergentes da atividade informática” (ALTMARK, 1987 apud REIS, 1997, p. 14).
A doutrina tem assinalado um aspecto interessante desse ramo do Direito:
afirma que o Direito Digital não tem objeto próprio. Seria um Direito com um “modus
operandi diferente, sendo, na verdade, a extensão de diversos ramos da ciência jurí-
dica, que cria novos instrumentos para atender a anseios e ao aperfeiçoamento dos
institutos jurídicos em vigor” (ARAÚJO, 2017, p. 24).
De acordo com Patrícia Peck Pinheiro, o Direito Digital é a evolução do pró-
prio Direito e abrange “todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigen-
tes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos
para o pensamento jurídico, em todas as suas áreas” (2008, p. 29).
Segundo Alvin Toffler (apud PINHEIRO, 2008, p. 6), três ondas caracterizam
a evolução da humanidade.
A primeira onda representa a era agrícola, fundada na propriedade da terra
como instrumento de riqueza e poder.
A segunda onda coincide com a denominada revolução industrial, com seu
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2.2 Desafios
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p. 55 e 56).
Os crimes digitais são objeto de preocupação à parte. O Brasil foi, em 2017,
conforme relatório da Norton Cyber Security, o segundo país com maior incidência
de crimes da espécie, com 62 milhões de vítimas e prejuízo estimado em US$ 22 bi-
lhões. Supõem-se que o aumento de crimes cibernéticos se relacione à popularidade
dos smartphones, que estão nas mãos de 236 milhões de brasileiros (UOL, 2018).
2.3 Desafios+
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INTRODUÇÃO AO DIREITO DIGITAL
2.3.2 Criptografia
No ano de 2017, o FBI tentou, sem sucesso, acessar 7.775 dispositivos ele-
trônicos protegidos por criptografia (THE WASHINGTON POST, 2018) . Para o diretor
da instituição, Christopher Wray, este é um grave problema de segurança pública.
Os Estados Unidos cogitam exigir que fabricantes criem soluções que per-
mitam o acesso de autoridades ao conteúdo de aparelhos encriptados. A isso se
opõem as corporações de tecnologia como a Apple, argumentando que tais soluções
(backdoors) criam vulnerabilidades que serão, futuramente, exploradas por hackers
em prejuízo de seus consumidores.
Investigando o atirador de San Bernardino, Syed Farook, o FBI contratou ha-
ckers profissionais para desbloquear o iPhone 5Cs (rodando o iOS 9) apreendido em
poder do criminoso. A agência pretendia estabelecer a relação do atirador e de sua
esposa com grupos externos.
Sabe-se que, no caso específico do iPhone, a senha de desbloqueio fica ar-
mazenada no próprio dispositivo. Após dez tentativas de senhas erradas, o aparelho
deleta seu conteúdo. Segundo o Washington Post, os hackers do FBI encontraram
ao menos uma falha no iOS e os investigadores teriam obtido os arquivos armazena-
dos. Não se sabe de que modo o conteúdo foi acessado.
2.3.3 Criptomoedas
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volvedor de Caxias do Sul teve a ideia de notificar a Coinhive e a conta teria sido
bloqueada.
O Governo do Estado emitiu nota falando de uma “falha pontual já superada”
e o script foi removido da página.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO DIGITAL
– C, assim redigido:
3 CRIME DIGITAL
If you have ideas on how to define, detect and – most importantly – prevent
computer crimes, perhaps you should share them with your legislators, your
employer, and appropriate professional societies. If computer crime is not the
most serious criminal threat in the nation now, there is little question that so-
meday it will be. The time to prevent the crimes of the future is today (apud
REIS, 1997, p. 18).
O computador estava sendo usado para violar não somente os bens jurídicos
já tutelados pelas leis penais (como o patrimônio, a fé pública e a intimidade) como
também outros valores imateriais, ainda não completamente protegidos pelo Direito.
De fato, o material informático – composto por sistemas e dados eletrônicos
– se mostra frágil e precioso.
Delineia-se, assim, um “bem jurídico informático” (FROSSINI, 1990 apud
LIMA, 2011, p. 5) que reclama, em consequência, uma proteção legislativa própria.
São exemplos dos novos bens jurídicos que advém da informática os dados eletrôni-
cos, o sigilo e a segurança da informação (LIMA, 2011, p. 6).
A penalização de condutas praticadas mediante o uso de computadores ou
que visem a sistemas e banco de dados informatizados constitui os denominados
“crimes de informática”, “cibercrimes”, “delitos computacionais”, “crimes eletrônicos”,
“crimes telemáticos”, “crimes digitais”, “crimes virtuais”, entre outras denominações.
Lima dá preferência à designação “crime de computador” por entender que
a “máquina computadorizada” é a ferramenta básica para a produção do delito, de
sorte que o nome definiria com exatidão o objeto do estudo (2011, p. 8).
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4 NORMATIZAÇÃO INTERNACIONAL
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direitos humanos fundamentais das liberdades civis tais como direito à privacidade,
à intimidade, à liberdade de expressão e o de acesso público ao conhecimento e à
Internet.
O Brasil não é signatário da Convenção de Budapeste.
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5 NORMATIZAÇÃO NACIONAL
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Pelo art. 154-A se puniria com detenção, de 3 meses a 1 ano, o acesso in-
devido ou sem autorização, a meio eletrônico ou sistema informatizado; e pelo art.
154-B tipificava-se a conduta de manter ou fornecer, indevidamente e sem autoriza-
ção, dado ou informação obtida em meio eletrônico ou sistema informatizado, fato
também sancionado com detenção, de 6 meses a 1 ano.
O projeto equiparava à coisa o dado, a informação ou a base de dados pre-
sente em meio eletrônico ou sistema informatizado e a senha ou qualquer meio de
identificação que permita o acesso a meio eletrônico ou sistema informatizado, ao
acrescentar o § 2º ao art. 163 do CP.
O § 3º do art. 163, que seria adicionado, puniria como dano qualificado a
inserção ou difusão de vírus; se o “dado ou informação” (código malicioso) não ti-
vesse potencial de propagação ou alastramento, a persecução estaria subordinada
à representação.
O substitutivo previu a punição com reclusão da pornografia (fotografar, pu-
blicar ou divulgar) envolvendo criança e adolescente, com pena aumentada se o fato
era praticado pela rede de computadores ou meio de alta propagação (art. 218-A).
Foram tipificados, também, o atentado contra a segurança de serviço de uti-
lizada pública (art. 265) e a interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou
telefônico (art. 266).
O cartão de crédito seria equiparado a documento, para punir a sua falsifica-
ção pelo art. 298 e se criava o crime de “falsificação de telefone celular ou meio de
acesso a sistema eletrônico”, pela inserção do art. 298-A no Código Penal.
No Senado, o projeto se arrastou por quase cinco anos. Foi reformulado e
retornou à Câmara em 2008, na forma de substitutivo.
O acesso não autorizado à rede de computadores, dispositivo de comunica-
ção ou sistema informatizado seria punido com reclusão, de um a três anos e multa.
A obtenção, transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação
também se sujeitaria à pena de reclusão. Ambos os crimes demandariam represen-
tação para a persecução penal.
O substitutivo previa a incriminação da divulgação ou utilização indevida de
informações e dados pessoais, punindo-a com detenção, e o dano de dado eletrônico
alheio.
Previa, com pena de reclusão, a inserção ou difusão de código malicioso
(vírus), com pena aumentada se a conduta fosse seguida de dano ou mesmo se o
agente se valesse de nome falso ou identidade de terceiros para sua consumação.
O Senado também delineou, pelo substitutivo, o estelionato eletrônico no
qual o artifício seria a difusão do código malicioso com intuito de facilitar o permitir
o acesso indevido a rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema
informatizado.
O crime de atentado contra segurança de serviço utilidade pública, previsto
no art. 265 do CP, passou a abranger o serviço de informação ou telecomunicação e,
no crime do art. 266, seria punida, também, a interrupção ou perturbação do serviço
telegráfico, telefônico, informático, telemático, dispositivo de comunicação, redes de
computadores ou sistema informatizado.
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cismo (7.716/89), obrigando que mensagens com conteúdo racista sejam retiradas
do ar imediatamente (art. 5º), como já ocorre atualmente em outros meios de comu-
nicação, como radiofônico, televisivo ou impresso, e previu a criação das delegacias
especializadas no combate a crimes cibernéticos na Polícia Federal e nas Polícias
Civis (art. 4º).
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4 O CDC dedica a Seção VI do Capítulo 5 (art. 43 a 45) à disciplina do banco de dados e cadastro
dos consumidores.
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brasileira.
Segundo os objetivos declarados, a Comissão intentou modernizar o Código
Penal, descriminalizando condutas e prevendo outras figuras típicas; unificar a legis-
lação penal esparsa; tornar proporcionais as penas dos diversos crimes, de acordo
com a gravidade relativa; e buscar alternativas à prisão.
No trabalho de sistematização, esforçou-se para que fossem criados tipos
compreensivos, que oferecessem proteção a “diversas projeções do mesmo bem ju-
rídico”, de acordo com o que se lê na exposição de motivos (Segunda Parte). Cita-se
como exemplo a unificação das seis figuras do estelionato.
O desafio mais evidente, entretanto, é o da adoção do princípio da “reserva
de código”, segundo o qual toda matéria criminal deveria estar contida na mesma lei.
A Comissão, entretanto, reputou haver um “patrimônio imaterial” a ser pre-
servado, qual seja, o indicativo numérico de determinadas condutas e preservou o
art. 121 para o homicídio, o 155 para o furto, o 157 para o roubo e o 171 para o este-
lionato. Essa opção impediu que os Crimes contra a Humanidade ou contra Interes-
ses Metaindividuais antecedessem o Título relativo aos Crimes contra a pessoa, que
inaugura a Parte Especial.
Desse modo, o texto foi dividido em: PARTE GERAL: Título I – Da aplicação
da lei penal; Título II – Do crime; Título III – Das penas; Título IV - Individualização
das penas; Título V – Medidas de segurança; Título VI - Ação penal; Título VII – Bar-
ganha e da colaboração com a Justiça; Título VIII - Extinção da punibilidade; PARTE
ESPECIAL: Título I – Crimes contra a pessoa; Título II – Crimes contra o patrimônio;
Título III – Crimes contra a propriedade imaterial; Título IV – Crimes contra a dig-
nidade sexual; Título V – Crimes contra a incolumidade pública; Título VI – Crimes
cibernéticos; Título VII – Crimes contra a saúde pública; Título VIII – Crimes contra a
paz pública; Título IX – Crimes contra a fé pública; Título X – Crimes contra a Admi-
nistração Pública; Título XI – Crimes eleitorais; Título XII – Crimes contra as finanças
públicas; Título XIII – Crimes contra a ordem econômico-financeira; Título XIV – Cri-
mes contra interesses metaindividuais; Título XV – Crimes relativos a estrangeiros;
Título XVI – Crimes contra os direitos humanos; e Título XVII – Dos crimes de guerra;
e DISPOSIÇÕES FINAIS.
O Título VI – Dos Crimes Cibernéticos compreende os artigos 208 a 211.
Trata, na verdade, de dois únicos delitos, o de “Acesso indevido” (art. 209) e o de
“Sabotagem informática” (art. 210).
Os crimes ficaram assim definidos:
Acesso indevido
Art. 209. Acessar, indevidamente ou sem autorização, por qualquer meio, sis-
tema informático protegido, expondo os dados informáticos a risco de divul-
gação ou de utilização indevida.
Pena - prisão, de seis meses a um ano, ou multa.
§ 1º Na mesma pena incorre que, sem autorização ou indevidamente, produz,
mantém, vende, obtém, importa, ou por qualquer outra forma distribui códigos
de acesso, dados informáticos ou programas, destinados a produzir a ação
descrita no caput deste artigo.
Causa de aumento de pena
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7 CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Marcelo Barreto de. Comércio eletrônico; Marco Civil da Internet; Direi-
to Digital. Rio de Janeiro: Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e
Turismo, 2017.
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FOLHA DE SÃO PAULO. Big data eleitoral que elegeu Trump tenta se firmar no
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big-data-eleitoral-que-elegeu-trump-tenta-se-firmar-no-brasil.shtml>. Acesso em: 7
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PINHEIRO, Patricia Peck. Direito digital. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
REIS, Maria Helena Junqueira. Computer crimes: a criminalidade na era dos com-
putadores. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
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SILVA, Victor Hugo. O caso Cambridge Analytica é ainda maior e atinge 87 mi-
lhões de pessoas. Disponível em: <https://tecnoblog.net/238321/facebook-cambrid-
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TOFFLER, Alvin. The third wave. Nova Iorque: Betan Books, 1999.
UOL. Brasil é o segundo país no mundo com maior número de crimes ciberné-
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berneticos.htm>. Acesso em: 30 mar. 2018.
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APONTAMENTOS SOBRE A TUTELA
JURISDICIONAL DO DIREITO À
MORADIA NO BRASIL
Com o presente trabalho, almeja-se verificar quais as principais razões que justificam a reduzida intervenção jurisdi-
cional sobre o direito à moradia no Brasil, em comparação à tutela dos demais direitos humanos de segunda geração.
Para tanto, após análise de normas internacionais e da legislação pátria, formularam-se críticas a respeito do posi-
cionamento jurisprudencial das Cortes brasileiras.
Palavras-chave: Processo civil. Direitos Humanos. Direito à moradia. Controle jurisdicional de políticas públicas.
ABSTRACT
The present work intends to show the main reasons of the reduced jurisdictional intervention involving the right to
housing in Brazil, comparing to the protection of other second generation human rights. In order to do so, there is a
brief analysis of international and brazilian law, as well of the national Courts decisions.
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. Justiciabilidade dos direitos sociais: primeiras noções; 3. O direito à moradia no direito brasileiro e no siste-
ma internacional de direitos humanos; 4. Violação ao direito à moradia pelo Estado Brasileiro: o relatório especial de 2004 da
Comissão de Direitos Humanos da ONU; 5. Ainda sobre as violações ao direito à moradia no Brasil: os despejos forçados e as
observações da Comissão de Direitos Humanos da ONU; 6. Óbices à justiciabilidade do direito à moradia no Brasil; 6.1. Teoria
da separação dos poderes; 6.2. Natureza coletiva dos interesses envolvidos e insuficiências do sistema processual brasileiro;
6.3. Os direitos sociais como “normas de eficácia limitada” – prevalência do direito de propriedade sobre o direito à moradia;
6.4. Custos; 7. O novo CPC (Lei 13.105/2015); 8. Considerações finais.
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1 INTRODUÇÃO
1 Para a maioria dos estudiosos do direito romano, este era um sistema de ações, e não um
sistema de direitos, e o conceito de ação foi cunhado, ao longo dos três períodos do procedimento
romano (período das ações da lei ou legis actiones, período formulário ou per formulas, e período do
procedimento extraordinário, ou cognitio extraordinem). No direito romano, possuir ação era o mesmo
que possuir o direito. Foi apenas a partir do reconhecimento da existência de uma relação de direito
processual autônoma na obra de Oskar Bülow (Die Lehre von den Processeinreden und die Process-
voraussetzungen, 1868), que se formularam as diversas teorias sobre a ação processual, cujo contato
com o direito material (e com a sua efetiva existência como prius lógico à ação) oscilou significativa-
mente entre as teses concreta (Adolf Wach) e abstrata (Degenkolb e Plósz e, após, Alfredo Rocco).
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APONTAMENTOS SOBRE A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À MORADIA NO BRASIL
4 Inovando com relação aos textos constitucionais anteriores, o §2º do artigo 5º da Constituição
de 1988 dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decor-
rentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”
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nômico, social, psicológico e físico da pessoa humana e deve ser parte fun-
damental das ações no âmbito nacional e internacional.
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7 “O juiz brasileiro não tem ferramentas nem flexibilidade para emitir uma decisão nos moldes
das injunctions, que possibilitam aos juízes americanos negociarem com as partes como será imple-
mentada a decisão. Dessa forma, ainda que o magistrado reconheça que o direito está sendo violado,
ele não consegue operar de forma adequada nesses pedidos e acaba decidindo o conflito com base
no ‘tudo ou nada’. (...) ou concede o pedido e intervém na política do Estado; ou afasta-o sustentando
que não cabem intervenções na discricionariedade dos Poderes Públicos” (MARINHO, 2009, p. 36 e
106-107).
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APONTAMENTOS SOBRE A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À MORADIA NO BRASIL
a correta exegese do art. 38, caput, §2º, da Lei nº 10.150/00 é que apenas
permite, mas não obriga, a instituição financeira que opere no campo do cré-
dito imobiliário a formalizar o arrendamento imobiliário especial com ex-pro-
prietário, com o ocupante a qualquer título ou com terceiros.
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te para que irradiem efeitos por si só. Deste modo, são normas de aplicabilidade indireta, mediata e
reduzida. São basicamente normas de dois grupos: a) normas constitucionais de princípio institutivo
ou organizativo e b) normas constitucionais de princípio programático. As normas de princípio progra-
mático seriam aquelas “através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente,
determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos por seus órgãos,
como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”. O direito
à moradia, neste modelo, seria classificado como norma de eficácia programática, possuindo, desta
forma, eficácia limitada, pois dependente de normas regulamentadoras (SILVA, J., 2008, p. 101, 114-
116 e 138).
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APONTAMENTOS SOBRE A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À MORADIA NO BRASIL
Por meio de tais teorias, eventuais conflitos entre princípios ou regras10 cons-
titucionais e princípios ou regras internacionais de direitos humanos deverão acarre-
tar a aplicação de regras de sopesamento ou proporcionalidade, conforme o caso, a
fim de se buscar a melhor solução para determinada hipótese concreta11.
Em sua tese de titularidade, Virgílio Afonso da Silva rejeitou as tradicionais
classificações das normas constitucionais em função de sua eficácia, na medida em
que entende ter demonstrado que todo e qualquer direito fundamental é restringí-
vel12, pois conclui não ser possível, de antemão, excluir da proteção dos direitos fun-
damentais determinadas “condutas, estados e posições jurídicas que tenham algum
elemento, por mais ínfimo que seja, que justificaria tal proteção” (SILVA, V., 2011, p.
252). Ou seja, a partir de uma proteção amplíssima prima facie, haverá a necessi-
dade de restrição dos direitos fundamentais quando isso for necessário para evitar
colisões, sendo aplicável a regra da proporcionalidade e/ou do sopesamento como
forma de controle e aplicação dos princípios como mandamentos de otimização.
Esclarece o autor que o mais adequado não é definir aprioristicamente uma
noção restrita do direito fundamental envolvido, de modo a evitar o conflito pela sim-
ples e não fundamentada decisão no sentido de que aquela regra não viola o direito
fundamental simplesmente porque estaria fora de seu âmbito de proteção. Com efei-
to, se adotada a premissa de que os direitos fundamentais possuem âmbito de pro-
teção amplo, ao menos prima facie, as situações de conflito entre princípios e regras
ou entre princípios demandará esforços argumentativos do intérprete, de modo que
tal sistemática acaba por incrementar a eficácia dos direitos fundamentais, e não o
contrário13. Não se poderia admitir que a eficácia de um direito fundamental simples-
mente anule por completo a eficácia de uma outra norma constitucional fundamental.
Ou seja, o núcleo central de qualquer direito fundamental deve ser preservado em
qualquer hipótese, preservando-se o mínimo existencial necessário para a garantia
10 “Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro
das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de
otimização [...]. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas [...]. Regras
contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso signifi-
ca que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau”
(ALEXY, 2008, p. 90-91).
11 “As colisões entre princípios têm que ser encaradas e resolvidas de forma distinta. Segundo
os pressupostos da teoria dos princípios, não se pode falar nem em declaração de invalidade de um
deles, nem em instituição de uma cláusula de exceção. O que ocorre quando dois princípios colidem
é a fixação de relações condicionadas de precedência [...]. Às vezes prevalecerá um, às vezes o outro
[...]. Quando um princípio entra em colisão com uma regra, deve haver um sopesamento. Mas esse
sopesamento não ocorre entre o princípio e a regra, já que regras não são sopesáveis. Ele deve ocorrer
entre o princípio em colisão e o princípio no qual a regra se baseia (SILVA, V., 2011, p. 50 e 52).
12 De acordo com Virgílio Afonso da Silva, mesmo as normas tradicionalmente classificadas como
normas de eficácia absoluta, na realidade, possuem alguma margem de restrição.
13 Exemplificativamente, cita o caso Ellwanger, em que o Supremo Tribunal Federal tratou dos
limites do direito fundamental de liberdade de expressão e pensamento. Basicamente, é possível ar-
gumentar que os direitos fundamentais possuem limites traçados pela própria Constituição, como fez
o Ministro Maurício Corrêa no voto apresentado durante o julgamento, situação então que levará à ne-
cessidade de definir, aprioristicamente, o que é e o que não é protegido. Haverá, portanto, a definição
de limites imanentes do direito fundamental (teoria interna). Situação distinta, e acatada pelo autor,
seria assumir uma definição ampla, neste momento prima facie, e na sequência procurar solucionar o
conflito entre o direito de liberdade de expressão e a regra do direito brasileiro que proíbe a apologia ao
nazismo e ao racismo (teoria externa).
56
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 41 - 63
da dignidade humana.
Na hipótese de haver conflito entre uma regra e um princípio, diz o autor que
será necessário verificar qual o princípio que fundamenta a regra, visto que, na reali-
dade, o conflito será entre esses dois princípios (até porque não possibilidade lógica
de conflito entre princípios e regras). Identificados os princípios e o conflito, deverá o
intérprete questionar a) se a regra é adequada para fomentar o objetivo fixado; b) se
a regra é necessária; e c) se a regra é proporcional em sentido estrito. Logo, a regra
da proporcionalidade servirá para permitir ao intérprete que, fundamentadamente,
solucione o conflito existente entre os direitos fundamentais aplicáveis.
E sendo assim, realmente deixa de terem sentido as classificações baseadas
no grau de eficácia das normas constitucionais, visto que todas são entendidas como
eficazes e passíveis de alguma restrição, pois a ideia um núcleo essencial absoluto
inerente a cada um dos direitos fundamentais impede que haja eficácia absoluta de
uma determinada norma constitucional sobre outra, anulando por completo a segun-
da.
Além disso, Virgílio Afonso da Silva questiona a classe das normas de eficá-
cia limitada ao verificar que todos os direitos fundamentais necessitam da legislação
infraconstitucional para se tornarem eficazes, muito embora seja possível verificar
uma limitação muito mais acentuada quando se trata de direitos sociais do que direi-
tos individuais de primeira geração. Isto é, todas as normas constitucionais exigem
abstenções e ações estatais, mas apenas em proporções e graus distintos.
6.4 Custos
57
APONTAMENTOS SOBRE A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À MORADIA NO BRASIL
De acordo com o novo CPC, em vigor desde 18 de março de 2016, foi man-
tido o critério temporal previsto no regime jurídico anterior para a concessão, ou não,
de medidas liminares de reintegração ou imissão na posse (critério do “ano e dia”).
Por outro lado, foram introduzidas algumas mudanças no procedimento de
tutela da posse quando se tratar de conflitos coletivos. Com efeito, houve sensível
reforma com relação aos casos em que houver litígio coletivo acerca da posse de um
16 TRF-5, AGRAVO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 3613 PE (2005.05.00.030483-9/01), Rel.
Des. Francisco Cavalcanti, j. 05/10/2005.
58
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 41 - 63
Além disso sendo o litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou
a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, an-
tes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência
de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, cabendo ao Ministério Público ser
intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria Pública sempre que houver
parte beneficiária de gratuidade da justiça (artigo 565, caput e §2º).
Havendo, ainda, expressa orientação de que o “juiz poderá comparecer à
área objeto do litígio quando sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela
jurisdicional” (artigo 565, §3º).
Embora tímidas, tais mudanças certamente iniciam novas perspectivas para
a justiciabilidade do direito à moradia.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
59
APONTAMENTOS SOBRE A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À MORADIA NO BRASIL
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63
A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
(ARTIGO 23, I, II, E III DA LEI N.8.429/92)
O presente artigo cuida do tema da prescrição nas ações de improbidade administrativa no Brasil.
ABSTRACT
This article analyses the limitation (prescription) to exercise the action of improbity in Brazil.
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei
podem ser propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em co-
missão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas dis-
ciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de
exercício de cargo efetivo ou emprego.
III – até cinco anos da data da apresentação à administração pública da pres-
1 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Es-
tados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 5º A lei estabelecerá os prazos de pres-
crição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário,
ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
67
A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (ARTIGO 23, I, II, E III DA LEI N.8.429/92)
É certo que aderíamos a tal entendimento com evidente desconforto, por ser
óbvio o desacerto de tal solução normativa. Com efeito, em tal caso, os her-
deiros de quem estivesse incurso na hipótese poderiam ser acionados pelo
Estado mesmo decorridas algumas gerações, o que geraria a mais radical
insegurança jurídica. Simplesmente parecia-nos não haver como fugir de tal
disparate, ante o teor desatado da linguagem constitucional. Não é crível
que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos
princípios que adota no que concerne ao direito de defesa. [...] Pensamos
que o que se há de extrair dele é a intenção manifesta, ainda que mal-ex-
pressada, de separar os prazos de prescrição do ilícito propriamente, isto é,
penal ou administrativo, dos prazos das ações de responsabilidade, que não
terão porque obrigatoriamente coincidir. Assim, a ressalva para as ações de
ressarcimento significa que terão prazos autônomos em relação aos que a lei
estabelecer para as responsabilidades administrativas e penal. [...] Pensa-
mos que os prazos prescricionais serão os mesmos acima apontados para a
decretação de invalidade dos atos viciados. Cinco anos, quando não houver
má-fé e dez anos, no caso de má-fé, sempre contados a partir do término do
mandato do governante em cujo período foi praticado o ato danoso. (MELLO,
2013, p. 1081).
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69
A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (ARTIGO 23, I, II, E III DA LEI N.8.429/92)
bidade administrativa ressarcir o erário. Foram proferidos oito votos, seis deles a
favor da prescrição depois de cinco anos. Os outros dois entenderam que o dever
de devolução dos recursos (dinheiro) é imprescritível, seguindo a tese apresentada
pela AGU.
O Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário número 852475,
(BRASIL, 2018), cujo Relator era o Ministro Alexandre de Moraes e o Relator para
Acórdão era o Ministro Edson Fachin, o Tribunal por maioria, apreciando o tema 897
da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso para afastar a prescrição da
sanção de ressarcimento e determinar o retorno dos autos ao tribunal recorrido para
que, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarci-
mento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão
de ressarcimento. Vencidos os Ministros Alexandre de Moraes (Relator), Dias Toffoli,
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio5.
A fim de recuperar a memória jurídica do tema, também é útil recordar como
a matéria vinha sendo tratada pela jurisprudência até então.
Em face do artigo 37, § 5º da CF, reconheceu-se: “é prescritível a ação de
reparação de danos à Fazenda decorrente de ilícito civil”. (R.E. 669.069 (BRASIL,
2016)).
O Plenário do STF, no julgamento do MS 26.210 (BRASIL, 2008), de relatoria
do Ministro Ricardo Lewandowski, decidiu pela imprescritibilidade de ações de res-
sarcimento de danos ao erário.
Em seguida, o Tribunal fixou a seguinte tese: “São imprescritíveis as ações
de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Im-
probidade Administrativa”, vencido o Ministro Marco Aurélio.
Ao examinar o longo debate estabelecido no Supremo Tribunal Federal por
ocasião do julgamento do RE 669.069-MG (BRASIL, 2016a), já citado, verifica-se
que a matéria está longe de ser pacificada. Isso porque neste caso tratava-se de um
acidente automobilístico, tratava-se assim de um dano simples, nada obstante fixou-
-se a tese para também abranger os atos de improbidade.
Com razão à ocasião o Ministro Dias Toffoli ao afirmar:
5 “Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 897 da repercussão geral, deu parcial
provimento ao recurso para afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e determinar o retorno
dos autos ao tribunal recorrido para que, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das
ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão
de ressarcimento. Vencidos os Ministros Alexandre do Moraes (Relator), Dias Toffoli, Ricardo Lewan-
dowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Em seguida, o Tribunal fixou a seguinte tese: ‘São impres-
critíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de
Improbidade Administrativa’, vencido o Ministro Marco Aurélio. Redigirá o acórdão o Ministro Edson
Fachin. Nesta assentada, reajustaram seus votos, para acompanhar a divergência aberta pelo Ministro
Edson Fachin, os Ministros Luiz Fux e Roberto Barroso. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia.
Plenário, 8.8.2018.”
70
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[....] acho que não estamos em condições de afirmar uma tese por falta de
contraditório. Mesmo que alguém peça vista, as partes não debateram isso,
nem é relevante para o desfecho desse caso, de modo que não podemos to-
mar uma decisão dessa magnitude sem termos ouvido a União discutir essa
6 “Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 666 da
repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, vencido o Ministro Edson Fachin. Em
seguida, por maioria, o Tribunal fixou a seguinte tese: ‘É prescritível a ação de reparação de danos à
Fazenda Pública decorrente de ilícito civil’, vencido o Ministro Edson Fachin. Presidiu o julgamento o
Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 03.02.2016.”
71
A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (ARTIGO 23, I, II, E III DA LEI N.8.429/92)
REFERÊNCIAS
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 15. ed. São Paulo: RT, 2012.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São
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julgado em 20 set. 2010b.
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______. REsp 1433635-RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25
mar. 2014.
______. MS 20.162-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12 fev. 2014.
______. REsp 1405346, Rel. Min. Napoleão Maia Filho, Relator para Acórdão, Minis-
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A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (ARTIGO 23, I, II, E III DA LEI N.8.429/92)
______. REsp 1.391.212-PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 02 set. 2014.
______. AgRg no REsp 1411699-SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma,
julgado em 12 fev. 2015a.
______. AgRg no ArEsp 161.420-TO, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 06 out.
2015b.
______. AgInt no REsp 1488818-DF, Rel. Min. Hermann Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 17 nov. 2016b.
74
AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS
CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
O artigo aborda o instituto das tutelas provisórias nos contratos de plano de saúde. Para tanto, apresenta a concep-
ção desse instituto jurídico, bem como sua recente consolidação no novo Código de Processo Civil. A seguir, traça
a distinção entre a tutela antecipatória da jurisdição final e a mera tutela cautelar, apontando os requisitos comuns.
Estabelece, a seguir, o panorama do desafio procedimental das medidas cautelares no novo Código de Processo Civil.
Aborda, ainda, a inserção de procedimento típico para a tutela antecipatória, destacando a possibilidade de sua esta-
bilização e a positivação da tutela da evidência. Por fim, apresenta a discussão processual acerca da reversibilidade
das tutelas provisórias exaurientes em obrigação decorrente dos contratos de plano de saúde, distinguindo, para sua
concessão, os conceitos de urgência e emergência.
ABSTRACT
The article addresses the institute of provisional guardianships in health plan contracts. Therefore, it presents the
conception of this legal institute, as well as its recent consolidation in the new Code of Civil Procedure. Next, it draws
the distinction between the anticipatory protection of the final jurisdiction and the mere precautionary protection,
pointing out the common requirements. It outlines, next, the panorama of the procedural challenge of the precau-
tionary measures in the new Code of Civil Procedure. It also addresses the insertion of a typical procedure for anti-
cipatory guardianship, highlighting the possibility of its stabilization and the positive role of the evidence. Lastly, it
presents the procedural discussion about the reversibility of the provisional safeguards in the obligation arising from
the health plan contracts, distinguishing, for its concession, the concepts of urgency and emergency.
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. A ideia das tutelas provisórias e a sua recente consolidação no novo Código de Processo Civil; 3. A relevante
distinção entre tutela antecipatória da jurisdição final e a mera tutela cautelar, com previsão de requisitos comuns; 4. As
medidas cautelares no novo Código de Processo Civil e o seu atual desafio procedimental; 5. A recente inserção de proce-
dimento típico para a tutela antecipatória e a possibilidade de sua estabilização; 6. A positivação da tutela da evidência; 7. A
discussão processual sobre a reversibilidade das tutelas provisórias exaurientes em obrigação decorrente dos contratos de
plano de saúde; 8. A necessária distinção entre urgência e emergência na área da saúde e o drama do julgador abandonado;
9. Conclusão.
AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
1 INTRODUÇÃO
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AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
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Em outro giro verbal, é preciso arredar, de uma vez por todas, o equívoco
que há entre garantir, proteger e preservar a possibilidade de um direito cuja exis-
tência ainda não se sabe se adiante será reconhecida – e daí fala-se acertadamente
em providência cautelar –, com a própria satisfação e admissão da presença de um
direito – e daí fala-se adequadamente em providência antecipatória; no primeiro, a
atividade é literalmente de escudeiro a proteger a integridade de um possível direito,
enquanto que no segundo, a atividade é de entrega antecipada desse próprio direito
em que reside a pretensão final do autor.
Seguindo essa linha de raciocínio, não fica difícil imaginar o gritante impacto
provindo do paradoxo filosófico que há para os que defendem uma tutela provisória
unitária, haja vista que as medidas cautelares são inteiramente servis em relação às
medidas de antecipação do pedido final, seja total, seja parcial; em outras palavras,
não se concebia – como não se concebe – providência acautelatória que se esgote
em si mesma, já que se é uma cautela, não pode satisfazer o autor, e se satisfizer,
jamais será mera cautela.
É por isso que entendemos ter vindo em boa hora a simplificação adotada
pelo legislador do atual código, ao extinguir o manejo cautelar como processo au-
tônomo, que movimentava desnecessariamente a máquina judiciária de forma in-
dependente, com dupla burocracia procedimental, a ensejar a instauração de duas
ações distintas, que por seu turno reclamavam duas citações, outras duas contes-
tações e, não raro, depois mais duas sentenças, a potencialmente desafiar também
dois recursos separados.
Nesse sentido, entendemos que o famigerado § 7º, do artigo 273, do código
revogado, já tinha posto o processo cautelar em estado terminal: com esse isolado
parágrafo, deixou de fazer sentido a propositura de uma ação cautelar autônoma,
dada a alternativa da medida cautelar ser concedida em caráter incidental, no bojo do
processo de conhecimento, salvo em casos em que se necessitava da denominada
audiência de justificação, só prevista no procedimento comum quando se tratassem
de direitos que derivassem de obrigação de fazer ou de não fazer, ou para entrega
de coisa certa ou incerta.
O que fez o legislador do atual código foi apenas aperfeiçoar a iniciativa
daquele § 7º, não apenas eliminando o processo cautelar que carregava autonomia
absolutamente pueril, mas também sistematizando e segregando procedimentalmen-
te as tutelas acautelatórias e antecipatórias, infelizmente não com o esperado dina-
mismo procedimental, como se verá adiante.
Não à toa, destarte, logrou traçar disposições gerais aplicáveis especifica-
mente a essas duas modalidades de tutelas de urgência (arts. 300/301, NCPC), que
em verdade resultam num mix que o código revogado estatuía acerca de ambas, do
qual se extraem três pontos que nos parecem primordiais: a unicidade de requisitos,
a possibilidade de garantia como condição para a concessão da liminar, e o direito
de indenização cabível ao réu, em caso de a concessão da tutela, ao final, se revelar
injusta, inadequada, ou não ter sido sucedida de providências que se impunham ao
81
AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
autor se desincumbir.
Nenhuma dessas disposições representa novidade digna de registro, à ex-
ceção – perigosa, em nosso modesto entender – da unificação das duas exigências
feitas para as duas espécies de tutela de urgência: agora, tanto para a de cunho
acautelatório, quanto para a de cunho antecipatório, bastará que se evidencie a “pro-
babilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”
Em outras palavras, bastará a demonstração da presença simultânea do fu-
mus boni juris e do periculum in mora; como se percebe, cai por terra, quando a na-
tureza da tutela for antecipatória, a necessidade da existência de “prova inequívoca”
na dicção do legislador do código revogado, que se nos afigurava importante meca-
nismo a frear medidas liminares muitas vezes lastreadas em direito cuja existência
era profundamente discutível.
O perigo de que se falou alhures reside numa flexibilidade que termina por
fragilizar a exigência de provas mais veementes e robustas para a antecipação da
tutela final, a reclamar, doravante, ainda maior prudência do juiz, mormente com as
arriscadas consequências de se adiantar providência cuja justeza não se afigurará,
em sede de cognição sumária, a desejável sólida convicção sobre a pertinência do
direito agitado pelo autor em sua exordial.
A atenta leitura dos artigos 303 a 310, do novo código, nos autoriza a concluir
que o legislador só se preocupou em inovar – porque verdadeiramente é só esta a
saliente mudança sobre o tema – no tocante às tutelas de urgência, quando reque-
ridas em caráter antecedente, isto é, quando almejadas antes mesmo da dedução
da pretensão final, obviamente resguardando a possibilidade bem mais usual delas
serem buscadas incidentalmente, ou seja, conjuntamente à formulação do bem da
vida almejado, que será o genuíno objeto da lide.
Assim, quando o legislador passou a enfocar exclusivamente o procedimen-
to cautelar, ao que se intui, tentou embutir no processo de conhecimento uma fase
preambular estanque – nos moldes da extinta ação cautelar –, em face da possibili-
dade bastante corriqueira de o autor ter necessidade de obter urgentemente a prévia
cautela do Juízo, antes mesmo de ter clareza plena sobre qual será a tutela final a
ser tencionada.
Em razão disso, preceitua o legislador nesses casos, que o autor antes for-
mule uma petição inicial de conteúdo exclusivamente cautelar, declinando no libelo
somente a causa de pedir e o pedido cautelares, conquanto o juiz, se perceber que o
que quer o autor é medida antecipatória, possa aplicar-lhe o retromencionado princí-
pio da fungibilidade (art. 305).
Não sendo este o caso – e havendo ou não a concessão de liminar, até
mediante audiência de justificação prévia (art. 300, § 2º) –, haverá citação do réu
para que conteste em cinco dias – relembre-se que era este também o prazo para
defesa no processo cautelar –, lá constando a possibilidade de sanção que decorre
82
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 76 - 92
83
AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
adiante.
Obviamente é opção exclusiva do autor cumular a antecipação da tutela de-
sejada juntamente com a petição inicial já inteiramente construída e apta para assim
caminhar até decisão final, ou então valer-se da alternativa dicotômica nele mesmo
cogitada, para o quê deverá fazer registro e requerimento específicos (art. 303, § 5º)
– o referido caput fala em urgência contemporânea à propositura da ação, quando
então este procedimento especial será observado.
Assim, tratando-se de tutela antecipatória em caráter antecedente, obede-
cendo ao mesmo figurino da tutela cautelar preparatória, doravante será possível ao
autor, numa inicial peça processual, se limitar “ao requerimento da tutela antecipada
e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se
busca realizar e do perigo de dano ou do risco do resultado útil do processo” (art.
303, caput).
Com o recente Código de 2.015, se a tutela antecipada for requerida de for-
ma antecedente, surge impositivo legal: aditar-se-á, nos mesmos autos, a petição
inicial em 15 (quinze) dias – na qual se deverá permitir, em tese, ampliação de causa
de pedir e até de pedido, a depender das consequências e do resultado do cumpri-
mento liminar –, sob pena de irremediável extinção do processo sem resolução de
mérito (art. 303, § 1º, I, c.c. § 2º).
Idêntico desfecho terá o processo se a tutela antecipada antecedente for limi-
narmente indeferida e o autor não emendar a petição inicial em cinco dias (art. 303,
§ 6º). Embora o legislador não seja claro sobre o fundamento jurídico desse prema-
turo encerramento do feito nessas duas hipóteses, pensamos que ele se prenderá à
ausência de novel pressuposto de constituição válida da relação processual erigido
pelo legislador de 2.015 (art. 485, IV, CPC).
Todavia, entendemos que a mais saliente novidade trazida com o Código de
2.015 foi reservada para o seguinte artigo 304: impõe-se ao réu recorrer da decisão
interlocutória que concede a tutela antecipada, em sede antecedente; caso contrário,
ela se tornará estável, instituto processual absolutamente inédito, ensejando, con-
sequentemente, a concomitante extinção do processo (art. 304, § 1º) – aí, nos quer
parecer que com resolução de mérito.
Isto porque, não havendo interposição de agravo de instrumento àquela de-
cisão, essa estabilidade tem o condão de irradiar efeitos jurídicos que só cessarão
se houver propositura de ação autônoma (art. 304, §§ 2º e 3º) – com o juízo prevento
daquela via originária (art. 304, § 4º) –, no prazo de dois anos contados da ciência da
decisão que extinguiu o processo primitivo (art. 304, § 5º).
Curiosa e preocupada disposição contém o § 6º, desse mesmo artigo 304,
ao fazer questão de apontar que se a decisão interlocutória concessiva da tutela
antecipada antecedente se tornar estável, não se estará falando de coisa julgada,
conquanto repise a ideia de que seus efeitos só serão afastados se outra decisão for
proferida revendo-a, reformando-a ou invalidando-a, no bojo do processo autônomo
versado pelo § 2º anterior.
É, então, de se indagar: se se está ante decisão de conteúdo de direito ma-
terial – relembre-se que a antecipação, por óbvio, é de tutela final, ou seja, envolve
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AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
teses preconizadas pelo inciso II, pelo § 6º, ou ainda ao conceito do que se entendia
por prova inequívoca, estatuída no caput do artigo 273, do código revogado.
Àquela altura, como se disse, havia mera lucubração doutrinária que já pas-
sava por inescapável maturação, bem apreendida pela obra coordenada pelo minis-
tro Luiz Fux (2011), quando asseverou que “a tutela da evidência não é senão a tutela
antecipada que dispensa o risco de dano para ser deferida, na medida em que se
funda no direito irretorquível da parte que inicia a demanda.”
Agora na novel concepção do atual código, num único artigo, o 311, foram
acrescidas novas possibilidades de concessão da tutela da evidência, sendo que
duas delas, a saber, a comprovação documental do fato litigioso, havendo tese firma-
da em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, e a concessão do
pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada, em caso de existên-
cia de contrato de depósito, permitem concessão liminar, isto é, inaudita altera pars.
As outras duas situações restantes, quais sejam, a caracterização do abuso
do direito de defesa, com o manifesto propósito protelatório de quaisquer das par-
tes – já que, ao menos em tese, poder-se-á estar em sede reconvencional –, assim
como a ausência de oposição de prova “capaz de gerar dúvida razoável” à pretensão
inaugural do autor, reclamam, por desenvolvimento lógico de raciocínio, exercício de
contraditório, a fim de que remanesça indiscutível, quer a má intenção da parte, quer
a sua contumácia probatória.
Em suma, com o agora consolidado instituto da tutela da evidência, sinaliza o
legislador com a alternativa de acelerar a prestação jurisdicional, dês que o caso ver-
tente dos autos se assente numa, de três situações: a) o direito agitado na exordial
está evidente quer pela atuação do réu em postergar maliciosamente o andamento
do processo, abusando do seu direito de defesa (inciso I); b) quer pela presença de
prova inequívoca – sim, ela foi mobilizada pelo atual legislador apenas para cá – que
decorra de sua qualidade veemente (inciso III) – somada ou não à teoria dos prece-
dentes vinculantes (inciso II) –, ou c) quer, ainda, pelo raquitismo probatório com que
o réu instruiu o feito (inciso IV).
Esse verdadeiro arsenal idealizado, do qual é corolário o já mencionado prin-
cípio da razoável duração do processo, mesmo que se admita ter sido bem engen-
drado, se revela especialmente desafiador quando sua utilização é invocada para
que imediatamente sejam concedidos direitos oriundos das relações de contratos
particulares de prestação de serviço na área da saúde, terreno movediço do qual, a
seguir, se falará mais amiúde.
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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 76 - 92
estritamente processual.
Veja-se que especial dificuldade processual se apresenta ao julgador quando
há pretensão liminar antecipatória exauriente, a comumente tutela satisfativa, que,
se concedida, encerra em si mesma a própria razão de existir da demanda que lhe
rendeu ensejo.
Dir-se-á que de tal possibilidade não se poderá cogitar, uma vez que em situ-
ações tais se tocaria indevidamente as raias da irreversibilidade de que trata o artigo
300, § 3º, do Código de Processo Civil; contudo, não se pode olvidar que há casos
concretos – em especial na área da saúde de que cá se está versando –, em que
a gravidade das circunstâncias em que está o autor, reclama imediata intervenção
judicial, erigindo o que a doutrina convencionou tachar de irreversibilidade recíproca.
É nesta direção que envereda a lição de Alexandre Freitas Câmara (2016, p.
157-158), ao observar o seguinte:
Ora, hipótese como essa se assiste não raramente quando, por exemplo, há
no pedido antecipatório solicitação de liminar que autorize procedimento cirúrgico,
desejo que se confunde e se restringe ao próprio pedido final; nesse giro argumenta-
tivo, indaga-se, pois, qual seria a solução se, adiante, ainda que urgente a concessão
da medida, ela se revelasse afronta à relação contratual firmada entre as partes, ge-
rando ônus injusto à prestadora de serviços?
Certo é que negar a pretensão do autor tão somente porque o demandado
poderia ser lesado corresponderia a um grave equívoco lógico (MITIDIERO, 2014, p.
129), notadamente no âmbito da saúde, que exige uma maior circunspeção e olhar
acurado do julgador, que, para dirimir a quaestio iuris, deve-se valer da proporciona-
lidade e ponderação dos interesses levados a juízo.
À luz desse cenário, a nós nos parece que, em tal situação, a única saída
processualmente aceitável de acordo com a vigente lei adjetiva, se encontra preco-
nizada pela cabeça do seu subsequente artigo 302, em harmonia com seu inciso I,
caso em que, em conformidade com seu § único, “a indenização será liquidada nos
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AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
Não raro, são tais situações que chegam até o juiz, quando ele se depara
com uma solicitação de tutela, de natureza cautelar ou antecipatória, pouco importa,
em que, não sem que haja cada vez mais reiterado excesso ou exagero na dramática
descrição da causa de pedir remota, é instado pelo autor a conceder-lhe a prestação
jurisdicional em caráter liminar.
É nesse momento em que o juiz se vê em meio a um emaranhado proba-
tório que vai dês o contrato lacônico celebrado entre as partes, até os atestados ou
declarações médicas alarmistas carreados pelo autor, passando pelo pesado acervo
das resoluções normativas editadas bienalmente pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) – a atual é a de nº 387/15, um calhamaço de mais de duzentos
e cinquenta páginas –, que ampliam os procedimentos médicos garantidos naqueles
pactos.
Essa angústia que acomete rotineiramente os juízes nesta etapa de cogni-
ção sumária – estará mesmo o autor correndo risco de morte? É possível se aguar-
dar a citação da empresa contratada para se ter maiores e melhores elementos de
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convicção para mais seguramente decidir? Esse procedimento, que muita vez exige
conhecimento científico aprofundado de que não dispõe o magistrado, se acha açam-
barcado pelo contrato assinado pelas partes? – não tem passado desapercebido dos
operadores do Direito.
Nas palavras de Clenio Jair Schulze (2015, p. 5):
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AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
9 CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
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AS TUTELAS PROVISÓRIAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
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MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2014.
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CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DO
DIREITO E DA HERMENÊUTICA
FILOSÓFICA PARA O ENFRENTAMENTO
DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
Esta pesquisa demonstra a situação crítica do Estado brasileiro quanto a problemas estruturais em todos os Poderes
da República. Analisam-se as principais causas, contornos e consequências de tal crise. Aponta-se a grande insatis-
fação social, entendendo-se esta como sendo a saída do estado letárgico de ignorância, etapa prévia necessária para
se viabilizar qualquer busca teórica para crises de base estatal. Trabalham-se algumas contribuições da filosofia do
direito, em especial de Herbert Hart, com seu sistema de regras primárias e secundárias; Ronald Dworkin, entendendo
o direito como integridade e as suas várias metáforas para explicar a atuação e comportamento do fenômeno jurídico;
bem como Robert Alexy no contexto da jurisprudência dos valores, na busca pela correção do direito via regulamen-
tação do discurso e argumentação. Realizou-se estudo dos contributos da hermenêutica, a evolução dos paradigmas
filosóficos do conhecimento (desde a essência, consciência e linguagem), concluindo-se que o tratamento jurídico
dos fenômenos é reflexo do paradigma filosófico em que se está situado, em especial os ensinamentos do hermeneu-
ta-filosófico Hans-Georg Gadamer, apoiado em Heidegger. Realizam-se confrontações das teorias defendidas pelos
autores citados com as particularidades e problemas enfrentados pelo sistema político-social-jurídico brasileiro,
apontando-se acertos e desacertos.
Palavras-chave: Filosofia do direito. Hermenêutica filosófica. Crise estrutural do Brasil. Teoria brasileira.
ABSTRACT
This research demonstrates the critical situation of the Brazilian State regarding structural problems in all the Powers
of the Republic. The main causes, outlines and consequences of such crisis are analyzed. It is pointed out the great
social dissatisfaction, being understood as being the exit from the lethargic state of ignorance, previous step neces-
sary to make viable any theoretical search for state-based crises. Some contributions of the philosophy of law, in
particular of Herbert Hart, are worked with its system of primary and secondary rules; Ronald Dworkin, understanding
the law as integrity and its various metaphors to explain the acting and behavior of legal phenomenon; as well as
Robert Alexy in the context of the jurisprudence of the values, in the search for the correction of the right through
regulation of the discourse and argumentation. The study of the contributions of hermeneutics, the evolution of the
philosophical paradigms of knowledge (from the essence, conscience and language) has been carried out, concluding
that the legal treatment of the phenomena is a reflection of the philosophical paradigm in which one is situated,
especially the teachings of the hermeneuta-philosophical Hans-Georg Gadamer, supported in Heidegger. There are
confrontations of the theories defended by the mentioned authors with the peculiarities and problems faced by the
Brazilian political-social-legal system, pointing out correct and unfortunate. Finally, it concludes by the need to build
a national theory that is adequate, strong, viable and, above all, Brazilian.
Keywords: Philosophy of law. Philosophical hermeneutics. Structural crisis of Brazil. Brazilian theory.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
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O Estado para cumprir os misteres para o qual foi pensado necessita que as
instituições que o compõe sejam fortes, autônomas e concatenadas umas com as
outras. A organização político-administrativa constitucionalmente regulada pressu-
põe estabilidade política entre os três poderes, mecanismos jurídicos acessíveis para
correção de ilegalidades e/ou abusos, bem como consciência e participação popular.
Em meados de 2013, o Brasil experimentou um momento de intensa inquie-
tação social que levou para as ruas expressões angustiadas das demandas popula-
res. Foi o ápice das insatisfações acumuladas que descortinaram aspectos conflitan-
tes na forma como o país se organiza politicamente, como lida com as disparidades
sociais e que medidas são tomadas no surgimento de problemas que se revelam a
partir de tais acontecimentos.
Em seguida, a descoberta de diversos casos de desvios de condutas nos
altos escalões do governo mostraram um quadro crônico, radical e sistêmico de cor-
rupção em nossas instituições públicas. Uma verdadeira e nefasta confusão entre o
público e o privado, numa total ausência de postura republicana por parte dos ocu-
pantes dos cargos eletivos. E o pior, as notícias de desvios de verbas públicas não
param de emergir, ainda não se sabe ao certo o montante nem as consequências. O
que já se tem como certa e imperiosa é a necessidade de mudanças!
A utilização do instituto do impeachment, por duas vezes já levado a cabo
por nossa jovem democracia, revela, por si só, certa instabilidade política. O impea-
chment, em si, é um instrumento constitucional legítimo, entretanto a crise é gerada
pela sua não aceitação, pela sua deturpação, pelo jogo político antirrepublicano exis-
tente às escondidas.
A partir do cenário sociopolítico instaurado, nota-se que a necessidade de
organização do sistema político brasileiro é latente, haja vista o momento de tensões
históricas que o país vem experimentando. Nessa conjuntura, o problema centraliza
as discussões com a quantidade de sujeitos que não se sentem representados pelo
sistema eleitoral. Desse modo, a possibilidade de se repensar e reorganizar politica-
mente estes aspectos conflitantes surge como um alento para restaurar o equilíbrio
na relação eleitor-sistema eleitoral.
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PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 94 - 110
dos entre si, escreveu sua obra principal “O Conceito de Direito”. Procurou responder
e analisar como o direito se diferencia de ordens emanadas mediante ameaça; como
a obrigação jurídica se destaca da simples obrigação moral e de como estruturar o
Direito como um sistema de regras primárias e secundárias.
Ainda numa concepção de direito de cunho positivista, Hart estrutura o fe-
nômeno jurídico de forma a priorizar a segurança jurídica, a coerência com o uso
esperado e habitual na sociedade, com a força coercitiva necessária a regular o
comportamento humano, mas com a sensibilidade na aceitação e no tratamento dos
elementos da moral e justiça num sistema aparentemente “frio” de regras.
Após constatar que um modelo simples do direito como um conjunto de or-
dens coercitivas do soberano seria insuficiente e estaria fadado ao fracasso, Hart
propõe um modelo de união de normas do tipo regras primárias e secundárias, sendo
bastante incisivo e convincente nos seus argumentos.
Assim, constatada a insuficiência de um sistema formado apenas por regras
primárias e apontadas as características negativas quanto a incertezas, estaticidade
e ineficácia do sistema, Hart lança a ideia de regras secundárias de reconhecimento
para colmatar as lacunas e corrigir as pontos negativos, sendo de validade, de alte-
rabilidade e de coerção.
As regras secundárias teriam o condão de reduzir as incertezas, como que
numa espécie de aferição para com a realidade social, destinatária fática das nor-
mas. Ainda, as regras secundárias possuem a importante função de atualização do
sistema de normas primárias, deixando-o mais forte, pois agora viável a sua longevi-
dade. Por fim, tais regras secundárias deverão identificar autoridades com poder de
exararem decisões, em casos concretos, com a força, legitimidade e respeitabilidade
suficientes para a pacificação do conflito social.
Hart delineia o porquê da necessidade das regras secundárias e indica suas
possíveis fontes nos seguintes termos:
Onde quer que essa norma de reconhecimento seja aceita, tanto os indivídu-
os quanto as autoridades públicas dispõem de critérios válidos para a identifi-
cação das normas primárias de obrigação. Os critérios assim disponibilizados
podem, como vimos, assumir qualquer uma, ou mais de uma, dentre diversas
formas; incluem dentre estas a referência a um texto autorizado; a um ato
legislativo; à prática consuetudinária; a declarações gerais de pessoas espe-
cíficas; ou, em casos particulares, a decisões judiciais anteriores sobre casos
específicos. (HART, 2009, p. 130).
99
CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DO DIREITO E DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
sistema, mas sim como algo natural do fenômeno jurídico. Tal ponto será duramente
criticado por Ronald Dworkin e pela Crítica Hermenêutica do Direito.
As teorias de base positivista invariavelmente terminam por desaguarem,
em alguma medida, na discricionariedade do julgador, pois sempre concluem pela
impossibilidade real e prática da completude do sistema. Nesse sentido, caminha a
lógica da textura aberta de Herbert Hart.
Ronald Dworkin, jusfilósofo político, tem muito a contribuir para com o Brasil.
Autor de diversos livros, sempre tendo como pano de fundo uma teoria política libe-
ral, a qual impregna seus textos de um ideal democrático, respeitador dos direitos
fundamentais e das individualidades humanas. Suas obras apontam um estudioso
obstinado por encontrar uma resposta correta a cada conflito social.
Utilizou-se de várias metáforas para defender seus posicionamentos, tais
como a do juiz de um jogo de xadrez, ocasião em que explicita a necessidade de
se respeitar as regras do jogo e de conhecê-las a fundo e na origem, chegando a
falar que cada participante do jogo teria um direito “enxadrístico” a ser obedecido
(DWORKIN, 2010, p. 158). A do juiz Hércules, figura esta do magistrado de capaci-
dade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, o qual deveria ir às origens
investigando e revolvendo as instituições jurídicas até encontrar a resposta correta
para cada caso (DWORKIN, 2010, p. 165). Ainda, elaborou a metáfora do romance
em cadeia, em que enaltece a necessidade de se respeitar, evoluir e ter coerência
para com os julgados anteriores do Tribunal.
Sua teoria do direito como integridade tem como uma das principais con-
tribuições à teoria da decisão o combate à discricionariedade do julgador, talvez o
grande mal de herança e inspiração do paradigma filosófico moderno, presente nas
diversas formas de positivismos.
Talvez um dos grandes equívocos quando da interpretação da teoria de
Dworkin, em especial ao Juiz Hércules, seria tentar dar concretude a tal julgador,
tornando-o um ser humano plenipotenciário e absoluto. Tal desastre interpretativo vai
de encontro a tudo que foi pregado por Dworkin.
Trata-se de uma figura metafórica, logo imaginária, de postura democrática e
respeitadora das instituições jurídicas e das individualidades pessoais. As qualidades
que o autor atribui a ele são características que um operador do direito deve buscar
incessantemente, sempre no sentido de ter a obsessão de encontrar uma resposta
correta diante de cada caso concreto.
Hart e Dworkin travaram intenso e, por vezes, ácido debate quando na defe-
sa de suas teorias. Entretanto, não é o enfoque desta pesquisa demonstrá-lo. O que
se está a perseguir é a contribuição que cada desenvolvimento de teoria do direito e
de filosofia pode trazer aos problemas apresentados no Brasil.
Já no contexto do pós 2ª Guerra Mundial, inspirado nos enfrentamentos de
questões complexas e tormentosas pela Corte Constitucional Alemã, com o argu-
mento da correção do direito, no contexto da jurisprudência dos valores, Robert Ale-
xy divide norma em regras e princípios, estes carregam toda uma carga valorativa
e moral para dentro do direito formal. Assim, tenta-se tornar jurídico – conceito de
validade e invalidade – argumentos até então externos ao direito. E esse passo de
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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 94 - 110
considerar inválidas normas absolutamente injustas é feito dentro de uma teoria dis-
cursiva impregnada de uma racionalidade argumentativa comunicacional de origem
Habermasiana.
Inicialmente, Alexy vai inserir sua teoria dentro de uma filosofia da linguagem,
demonstrando que a exteriorização de posições e interesses passa por uma reflexão
fundamentada anteriormente, ainda que apenas interna, e isso é o próprio conceito
de argumento.
A pesquisa sobre a racionalidade do discurso jurídico foca a atenção no pro-
cedimento, formal, no caminho, no meio, em como fazer; entretanto, não se esquece
do material, do conteúdo. Nesse ponto quiçá esteja o primeiro grande engano dos
operadores do direito que tenham contato com a teoria de Alexy, pois de forma pre-
cipitada tendem a concluírem que o autor não se importa com o resultado e que, por
isso, não merece atenção, pois não traz a solução desejada pelos pós-positivistas.
Não se pode confundir certeza absoluta com a ideia fundamental de discurso racional
prático.
Assim, sempre ressaltando que o ser humano é por essência linguagem, o
autor vai pinçando as regras de fundamentação, de razão, de carga de argumenta-
ção e de transição. Nada escapa ao discurso, seja internamente (o conteúdo das
próprias regras do discurso) ou externamente (a forma das regras do discurso). Por
isso, a racionalidade e o processo de eliminação dos absurdos inaceitáveis são rea-
lizados desde o primeiro argumento lançado, num contexto de argumento e contra-
-argumento.
101
CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DO DIREITO E DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
O discurso prático deve então obedecer a certas regras que buscam a cor-
reção dos argumentos, ou seja, é correto o que é discursivamente racional.
Há, portanto, identidade no discurso entre racionalidade e correção. Essa é a
concepção da teoria consensual da verdade habermasiana que Alexy adota,
após algumas modificações críticas, na formulação de seu discurso prático
racional geral e do discurso jurídico.
A elaboração e cumprimento dessas regras proporcionam a racionalidade do
discurso e é precisamente a racionalidade o que confere universalidade às
conclusões obtidas consensualmente.
Refuta-se, com isso, a afirmação positivista de não cientificidade ou de re-
latividade das ciências normativas. Os juízos de valor (axiologia) e os juízos
de dever (deontologia) têm sua verdade atingida argumentativamente com a
observância de regras do discurso. Sua verdade é chamada correção. (ALE-
XY, 2013, p. 01-18).
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PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
E mais, quem disse ao julgador que ele deve decidir conforme a sua consci-
ência? E pior, quem lhe disse que esta é a solução para tudo? Pois a chave
do problema é que o juiz, ao acreditar que sua escolha é lícita, factível e cor-
reta em decorrência de se produzir (em seu entendimento) na mais profun-
da intimidade de sua consciência, subliminarmente está atribuindo à própria
consciência uma qualidade e superioridade que não possui. Por que a cons-
ciência do juiz deve ser mais valiosa do que a do não julgador? E, com isso
o julgador não compreende que dá azo a um descolamento e à cisão entre
compreensão, interpretação e aplicação, o que afronta um dos fundamentos
mais importantes e presentes na hermenêutica filosófica gadameriana e na
filosofia hermenêutica heideggeriana: o fato de que a hermenêutica é una.
(DRUMMOND, 2014, p. 313).
Sem dúvida, é inevitável que alguma instância do governo tenha a última pa-
lavra sobre que leis serão efetivamente implementadas. Quando os homens
discordam sobre os direitos morais, nenhuma das partes tem como provar
seu ponto de vista e alguma decisão deve prevalecer, se não quisermos que
a anarquia se instale. Mas esse exemplo de sabedoria ortodoxa deve ser o
início, e não o fim, de uma filosofia da legislação e da aplicação das leis. Se
não podemos exigir que o governo chegue a respostas corretas sobre
os direitos de seus cidadãos, podemos ao menos exigir que o tente. Po-
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demos exigir que leve os direitos a sério, que siga uma teoria coerente
sobre a natureza desses direitos, e que aja de maneira consistente com
suas próprias convicções. (DWOKIN, 2010, p. 286, destaque nosso).
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CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DO DIREITO E DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
5 CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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HEIDEGGER, Martin. Introdução à filosofia. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
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109
CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DO DIREITO E DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
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WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2015.
110
A SENTENÇA NORMATIVA DE NATUREZA
ECONÔMICA E O REGIME DE
PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES
Por meio do presente artigo, elaborado com base em uma revisão bibliográfica, busca-se analisar o instituto da
sentença normativa proferida pelos órgãos colegiados da Justiça do Trabalho à luz do regime de precedentes vincu-
lantes, introduzido pelo CPC/2015. Para tanto, pretende-se analisar as principais características do instituto, a fim de
identificar, ao final, se a sentença normativa de natureza econômica é ou não um precedente judicial vinculante, por
tratar-se de ato jurisdicional provisório e precário, que atua no branco da lei, criando normas de caráter imperativo,
a regular relações jurídicas específicas dos empregados de uma empresa ou de uma categoria profissional, dadas as
peculiaridades inerentes à atividade econômica desenvolvida.
Palavras-chave: Direito processual. Processo civil. Precedentes judiciais vinculantes. Sentença normativa.
ABSTRACT
This article, based on a bibliographical review, seeks to analyze the institute of the normative sentence handed down
by the collegiate organs of the Labor Court in the light of the regime of binding precedents introduced by CPC/2015.
In order to do so, we intend to analyze the main characteristics of the institute, to identify whether or not the norma-
tive ruling is a binding judicial precedent, since it is a provisional and precarious judicial act, which acts in the blank
of the law, creating norms of an imperative nature, to regulate specific legal relationships of employees of a company
or a professional category, given the peculiarities inherent to the economic activity developed.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 112 - 133
tribunais do trabalho o poder de proferir sentenças normativas, que nada mais são,
senão, verdadeiras normas jurídicas criadas a partir de casos concretos, para regular
relações de trabalho de um determinado grupo de trabalhadores ou de uma certa ca-
tegoria profissional, consideradas as peculiaridades inerentes à atividade econômica
desenvolvida.
Surge daí um questionamento: a sentença normativa, dada a sua proviso-
riedade e precariedade, e considerando, ainda, o fato de ser formada por cláusulas
normativas e obrigacionais5, que regulam relações jurídicas específicas e concretas
(contratuais e sindicais), pode ser considerada um precedente judicial vinculante, já
que é um ato decisório, proferido por um órgão jurisdicional colegiado?
Para responder a esse questionamento, é importante demonstrar, ainda que
de forma sintética, a aplicabilidade do regime de precedentes no sistema processual
trabalhista; expor breves noções sobre a sentença normativa e os dissídios coletivos,
de onde defluem; e apresentar as principais características que conferem às decisões
judiciais o status de precedente judicial vinculante. Só então, teremos condições de
chegar a uma conclusão, sem pretensão de esgotar o assunto e encerrar a discus-
são, mas com o intuito de fomentar o debate acerca da matéria.
Dito isso, passamos à análise da aplicabilidade do regime de precedentes no
sistema processual trabalhista.
[...] por mais que sejam considerados autônomos os seus ramos, haverá
5 Mauricio Godinho Delgado (2015, p. 173), ao analisar o conteúdo dos instrumentos coletivos
negociais, ressalta que eles “contêm, basicamente, regras jurídicas e cláusulas obrigacionais. Noutras
palavras, seu conteúdo engloba, ao mesmo tempo, dispositivos normativos e dispositivos obrigacio-
nais”.
115
A SENTENÇA NORMATIVA DE NATUREZA ECONÔMICA E O REGIME DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES
A própria CLT, em seu art. 769, remete à aplicação das regras do processo
comum, desde que não contrariem os preceitos que regem este ramo especializado
do Direito.
Decorre daí a necessidade de conferir maior completude ao sistema jurídico
processual laboral, especialmente em face da própria dinâmica normativa e social,
exigindo uma maior reflexão do aplicador do direito, levando-se em conta o fato de
que a CLT foi promulgada na década de 1940, já sob a égide dos princípios da
celeridade, simplicidade, conciliabilidade e informalidade, mas sob os auspícios do
CPC de 1939, razão pela qual a adoção supletiva de normas estranhas à legislação
trabalhista não pode desvirtuar o processo do trabalho, ao revés, deve atribuir maior
eficácia ao sistema, em busca da máxima efetividade dos direitos trabalhistas.
Corroborando o entendimento acima expresso, convém trazer à lume o po-
sicionamento de Marcelo Freire Sampaio Costa, acerca da subsidiariedade do novo
CPC ao Processo do Trabalho. Segundo o autor:
116
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 112 - 133
rante o STF, por entender que a referida Instrução viola o artigo 22, I, da Constituição
Federal, ao invadir a competência da União e, mais, que viola os artigos 5º, II, da CF
(princípio da reserva legal) e o art. 96, I, “a”, da CF (competências privativas dos Tri-
bunais para editar seus Regimentos Internos apenas sobre as matérias internas do
Tribunal), mas ainda não houve pronunciamento definitivo sobre a questão, uma vez
que os autos da ação objetiva, encontram-se conclusos à Ministra Relatora desde
setembro de 20167.
De fato, os enunciados normativos contidos na IN 39/2016 deveriam ter sido
naturalmente forjados, com base em uma construção jurisprudencial evolutiva, pau-
tado no princípio do contraditório e albergado no regime de precedentes. Porém, não
é possível deixar de reconhecer a importância dos mencionados atos regulamen-
tares em prol da segurança jurídica, ao menos nessa fase de implantação do novo
diploma de ritos.
Isso porque a instrução normativa representa o entendimento inicial, preva-
lente, da Corte de cúpula da Justiça do Trabalho e, portanto, tem força, ao menos
persuasiva, para o próprio órgão e para as instâncias inferiores.
Todavia, não é possível conferir-lhe um efeito vinculante8, vez que não foi
fruto de um procedimento dialógico, construído a partir de casos concretos, nos quais
tenha sido assegurado o exercício do contraditório pleno e observados os preceitos
democráticos. Além do mais, não se trata, de fato, de ato regulamentar9 do diploma
processual, mas de uma escolha, refletida no plano abstrato, das regras que enten-
dem serem aplicáveis ou não ao sistema processual trabalhista.
Com efeito, em que pese a regra inserta no art. 3°, IX e XXIII, da IN/2016
do TST – que reconhece a aplicabilidade do regime de precedentes ao Processo do
Trabalho – ter força meramente persuasiva, não se pode olvidar que a própria CLT
(alterada pela Lei n° 13.015/2014), no §3° do art. 896 da CLT, introduziu o incidente
de uniformização de jurisprudência (IUJ) no processo trabalhista, assim como o art.
896-C da CLT previu a técnica de julgamento de recursos de revista repetitivos.
Tratam-se de mecanismos típicos do regime de precedentes, imprescindíveis
à manutenção do stare decisis10, instituídos em prol da integridade, coerência e es-
7 Informação extraída do site oficial do Superior Tribunal Federal (2018).
8 Luiz Guilherme Marinoni (2017, p. 90) sobre o respeito aos precedentes, salienta que: “[...] só
há garantia de respeito aos precedentes quando existe o correspondente dever judicial a respeito. Não
obstante, o dever judicial de respeito pode ter a sua intensidade medida ou graduada, variando de um
respeito absoluto a um respeito despido de vinculação.”
9 De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2016, p. 118, p. 120).: “[...] o poder regula-
mentar é de natureza derivada (ou secundária): somente é exercido à luz de lei preexistente. Já as leis
constituem atos de natureza originária (ou primária), emanando diretamente da Constituição. [...] Por
essa razão, ao poder regulamentar não cabe contrariar a lei (contralegem), pena de sofrer invalidação.
Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da
lei e nos limites que esta impuser. Decorre daí que não podem os atos formalizadores criar direitos e
obrigações, porque tal é vedado num dos postulados fundamentais que norteiam nosso sistema jurídi-
co: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II,
CF)”.
10 Segundo Hermes Zaneti Jr. (2017, p. 335-336), stare decisis consiste em uma expressão latina
que literalmente significa “concordar com” ou “aderir a casos já decididos”. Em direito esta expressão
está ligada ao respeito dos próprios tribunais aos casos-precedentes. O autor ressalta, ainda, que para
a implementação do modelo do stare decisis são necessários dois fatores: a) existência de um sistema
117
A SENTENÇA NORMATIVA DE NATUREZA ECONÔMICA E O REGIME DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES
tabilidade do sistema jurídico, com vistas à uniformização das soluções dadas pelos
órgãos do Poder Judiciário.
Impende salientar, na oportunidade, que apesar da Lei n° 13.467/2017 (Lei
da Reforma Trabalhista) ter revogado os §§3°, 4°, 5° e 6° do art. 896 da CLT (que
regulamentavam o instituto do incidente de uniformização de jurisprudência nos Tri-
bunais Regionais do Trabalho - TRTs), não há como deixar de reconhecer o dever
de os TRTs manterem uniforme, coerente, estável e íntegra a sua jurisprudência (art.
926 do CPC/2015). Isso porque, como bem adverte Luiz Guilherme Marinoni (2016,
p. 65-66):
[...] ao direito processual geral tem sido conferida uma nova e relevante fun-
ção, que é a de assegurar a unidade do ordenamento jurídico, com a atribui-
ção aos tribunais da condição de cortes de jurisprudência e, aos tribunais
superiores, de cortes de precedentes, o que pode ser notado na nova siste-
mática recursal trabalhista, estabelecida pela Lei n. 13.015/15, e na disciplina
conferida pelo CPC de 2015 à fundamentação das decisões judiciais e aos
precedentes, por exemplo.
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Luiz Guilherme Marinoni, ao analisar a ética dos precedentes, fala que a ge-
neralidade também é um fator justificante da necessidade de implantação do sistema
de precedentes judiciais vinculantes. Com suas palavras, ele afirma que:
14 Mauro Schiavi (2015, p. 57) conclui que “...conjugando-se o art. 15 do CPC com os artigos
769 e 889, da CLT, temos que o CPC se aplica ao processo do trabalho da seguinte forma: supletiva
e subsidiariamente, nas omissões da legislação processual trabalhista, desde que compatível com os
princípios e singularidades do processo trabalhista”. Entendimento com o qual nos coadunamos.
120
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121
A SENTENÇA NORMATIVA DE NATUREZA ECONÔMICA E O REGIME DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES
Em seu aspecto estrutural, de acordo com Fredie Didier Jr., Paula Sarno
Braga e Rafael Alexandria de Oliveira (2017, v. 2, p. 505), o precedente é composto
pelas circunstâncias de fato que embasam a controvérsia (fatos materiais); pela tese
ou princípio jurídico assentado na motivação da decisão judicial paradigmática (ra-
tio decidendi); e pela argumentação jurídica que gravita em torno da questão (obter
dictum).
Quanto às similitudes fáticas que envolvem as demandas repetitivas, des-
taca-se que nenhum evento é exatamente igual ao outro, de modo que, como bem
pontuado por Frederick Schauer (2015, p. 56), para um precedente ser aplicado em
casos futuros, não é necessário que os fatos da anterior e da posterior sejam abso-
lutamente idênticos. A aplicação do precedente depende do contexto no qual o caso
paradigmático e os casos futuros estão inseridos (SCHAUER, 2015 p. 57).
Por isso que, ao elencar as características do julgamento de casos repetiti-
vos – que consiste em técnica de formação do precedente judicial – Fredie Didier Jr.
e Hermes Zaneti Jr. (2016, p. 3) afirmam que o grau de similitude não se extrai obri-
gatoriamente de ações que versam sobre o mesmo objeto controvertido (processos
homogêneos), pois:
[os] processos podem ser homogêneos (têm por objeto litigioso questão de
direito semelhante) ou heterogêneos (têm objeto litigioso dessemelhante,
mas há questões comuns, normalmente processuais, que se repetem em
todos eles - em todos se discute, por exemplo, se uma pessoa jurídica pode
ser beneficiária da gratuidade da justiça, embora nos processos pendentes a
discussão de fundo seja totalmente diferente.
122
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 112 - 133
Sua utilidade na prática jurídica, segundo Juraci Mourão Lopes Filho (2016,
p. 275) é também funcional, na medida em que:
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A SENTENÇA NORMATIVA DE NATUREZA ECONÔMICA E O REGIME DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES
ratio decidendi pode estar explícita ou implícita na decisão judicial, estabeleceu uma
distinção entre ratio decidendi objetiva e subjetiva. Para ele, a dimensão objetiva está
ligada à estrutura lógica da justificativa da decisão, enquanto a subjetiva refere-se ao
convencimento do órgão julgador prolator da decisão15.
A partir de tais premissas, é possível concluir que a ratio decidendi, ao menos
no sistema judicial brasileiro, são os motivos determinantes, explícitos ou implícitos,
estruturais e/ou argumentativos, imprescindíveis e bastantes à conclusão adotada
pelo órgão prolator da decisão, capazes de, por si só, produzir efeitos no próprio
processo em análise judicial (função interna) e, também, projetar seus efeitos para
serem aplicados em outras situações concretas, similares (função externa), porquan-
to criado a partir de critérios racionais, com pretensão de universalização.
Em sua dimensão interna, tem o condão de produzir os efeitos da coisa julga-
da, diferentemente de sua função externa, vez que, em regra, não é assegurado às
partes discutir em profundidade todas as peculiaridades que envolveram a prolação
da decisão paradigma.
Lucas Buril de Macêdo ainda critica o termo “eficácia transcendente dos mo-
tivos determinantes” adotado pelo STF, por dar a impressão “de que é a própria
fundamentação que vincula, quando, na verdade, a vinculação é à norma do prece-
dente, construída a partir da fundamentação, mas que com ela não se confunde”.
Como bem adverte o autor, “para a construção da ratio decidendi é indispensável a
interpretação da decisão pelos juízes subsequentes, requerendo um mínimo de uni-
formidade e clareza na fundamentação” (2015, p. 218).
Com isso, fica evidente que a ratio decidendi de um precedente judicial vin-
culante é uma norma geral, abstrata e dinâmica, pois está em constante construção
pelos órgãos de aplicação, na medida em que se deparam com situações análogas
às já decididas anteriormente pela mesma instância ou pelas cortes superiores.
Ao falar sobre a dinamicidade do “sistema a criação jurisprudencial do direito”
John Henry Merryman e Rogelio Pérez-Perdomo (2009, p. 203) ressaltam que:
124
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4 SENTENÇA NORMATIVA
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5 CONCLUSÃO
129
A SENTENÇA NORMATIVA DE NATUREZA ECONÔMICA E O REGIME DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES
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130
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 112 - 133
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rela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 14. ed. Salvador: Jus-
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131
A SENTENÇA NORMATIVA DE NATUREZA ECONÔMICA E O REGIME DE PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES
MACÊDO, Lucas Buril de. Contributo para a definição de ratio decidendi na teoria
brasileira dos precedentes judiciais. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al (Coord.). Prece-
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132
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133
PERDA DO CARGO PÚBLICO DE
MILITARES ESTADUAIS POR SENTENÇA
DE PRIMEIRO GRAU: MUTAÇÃO DO ART.
125, §4º DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA
O estudo aborda o fenômeno da perda do cargo por condenados à pena criminal decorrente da prática de crime militar,
em suas particularidades, que o afastam da perda do cargo por crime comum. Para tanto, é estabelecido um paralelo
com a perda de cargo do servidor público (como pena acessória ou efeito específico da condenação), apontando as
continuidades e descontinuidades apresentadas pelo artigo 125 da Constituição Federal de 1988, passando pela
análise dos Conselhos de Disciplina e Justificação, sua função e natureza jurídica, assim como o escopo de atuação,
para então passar a discorrer sobre a (necessária) mutação constitucional, à luz de entendimento fixado pela Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, no sentido de declarar a perda do cargo de Parlamentares Federais pela conde-
nação, em regime fechado, de pena que ultrapassa o máximo de faltas tolerado pelo mandatário, na forma do art. 55,
inciso III, da Constituição da República.
Palavras-chave: Direito penal militar. Militar estadual. Perda do cargo. Perda de posto. Perda de patente. Efeito da
sentença penal. Impossibilidade de desempenho de função militar. Direito administrativo sancionador.
ABSTRACT
The study looks at the phenomenon of the public position loss for criminal penalty convicted due to militar crime,
and its particularities, which repel the loss of position by common crime. For this purpose, it will be made a compa-
rison with the position loss of public servant (as na accessory penalty or specific effect of the conviction), pointing
to the continuities and discontinuities presented in the Article 125 of the Federal Constitution 1988, analyzing the
Discipline and Justification Councils, its function and legal nature, as well as its performance aim and, eventually, to
discuss about the (necessary) constitutional mutation, in the light of established understanding by the First Panel of
the Brazilian`s Supreme Court, in the sense to declare the loss of position of Federal Parliamentarians by condemning,
in closed conditions, a penalty that exceeds the maximum of tolerated absences by agent, as prescribed in Article 55
(III) of the Federal Constitution.
Keywords: Military criminal law. Loss of position. Loss of post. Loss of rank. Military state. Criminal sentence effect.
Impossibility of military function exercise. Administrative sanctioning law.
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. A disciplina da perda do cargo decorrente de sentença criminal e seus alicerces. 3. Esteio constitucional
da função administrativa atípica do Tribunal de Justiça Militar para procedimento de perda de graduação/posto/patente de
militar estadual. 4. Compatibilização do procedimento administrativo anômalo com o ordenamento jurídico estadual: compe-
tência do tribunal e impossibilidade material de desempenho das funções militares. 5. O instituto da deserção como marco
temporal estatuído por lei para a perda automática do cargo público. 6. Conclusões. 7. Referências. 8. Julgados do Superior
Tribunal de Justiça. 9. Julgados do Supremo Tribunal Federal.
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.13, 2018: 135 - 148
1 INTRODUÇÃO
137
PERDA DO CARGO PÚBLICO DE MILITARES ESTADUAIS POR SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU:
MUTAÇÃO DO ART. 125, §4º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
1980, p. 291-296).
Incluiu ainda, o Código de 1890, a disciplina da perda do ofício vitalício e do
emprego público aos condenados por pena superior a 6 anos, independentemente
do crime cometido.1
Desde então, o Código Penal de 1940, em sua redação original e após a edi-
ção da Lei nº 9268/1996, impõe a perda do cargo do servidor público pela prática de
crime, independentemente de prova de abuso de poder na conduta praticada.2
Tanto a redação original do Código Penal, quanto o Código Penal Militar im-
põem, como pena acessória/efeitos específicos da condenação, respectivamente, a
perda da função pública (art. 67, inciso I, do CP/1940) e a perda do posto e patente
(art. 98, inciso IV, do CPM).
Sobre a finalidade das penas acessórias, define Lyra (1958, v. 2, p. 72):
O CP/1940, por sua vez, tratou dos efeitos da condenação no seu art. 74,
reproduzindo a obrigação de indenizar o dano resultante do delito e a perda,
em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé,
dos instrumentos do crime, bem como do produto do crime ou de qualquer
bem ou valor que constituísse proveito auferido pelo agente com a prática
do fato criminoso. O Código de 1940 regulava, ainda, as chamadas penas
acessórias (art. 67), consistentes na perda de função pública, eletiva ou de
nomeação, na interdição de direitos e na publicação da sentença.
A Reforma Penal de 1984 manteve a disciplina relativa aos efeitos gerais da
sentença penal condenatória (art. 91) e transformou as penas acessórias em
efeitos específicos (art. 92), sendo aqueles automáticos e, estes, motivada-
mente declarados. Segundo Guilherme Nucci, quem conferir a relação dos
efeitos da condenação prevista no art. 92, do CP, poderá notar, com ‘clareza
meridiana’, que lá estão as antigas ‘penas acessórias’, agora com o nome de
1 Art. 55. O condemnado a pena de prisão cellular, maior de seis annos, incorrer por tal facto em
interdicção, cujos effeitos são: a) suspensão de todos os direitos politicos; b) perda de todo officio elec-
tivo, temporario ou vitalicio, emprego publico da Nação, ou dos Estados, e das respectivas vantagens
e vencimentos; c) perda de todas as dignidades, condecorações e distincções honorificas; d) perda de
todos os munus publicos. Paragrapho unico. Sempre que o codigo applicar, além da pena corporal, a
de privação do exercicio de alguma arte ou profissão, esta pena só produzirá os seus effeitos depois de
cumprida a pena corporal.
Art. 56. A pena de perda de emprego importa necessariamente a de todos os serviços e vantagens.
2 Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato
eletivo: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes prati-
cados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; (Incluído pela Lei
nº 9.268, de 1º.4.1996)
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais
casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
138
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‘efeitos da condenação’.
139
PERDA DO CARGO PÚBLICO DE MILITARES ESTADUAIS POR SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU:
MUTAÇÃO DO ART. 125, §4º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Todavia, mesmo raciocínio não pode ser aplicado às praças da Polícia Mi-
litar e Corpo de Bombeiros Militar, eis que o procedimento do Conselho de Discipli-
na (Decreto 2.155/1978) é exclusivamente administrativo, cuja instância decisória
máxima é representada pelo Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de
7 Art. 14 - É da competência do Tribunal de Justiça o julgamento, em instância única, dos pro-
cessos oriundos de Conselhos de Justificação, a ele remetidos pelo Secretário de Estado de Seguran-
ça Pública, na forma regimental própria, assegurando-se prazo para a defesa se manifestar, por escrito,
sobre a decisão do Conselho de Justificação.
8 Referida atribuição originária deveria ser conferida, ao menos de maneira concorrente, ao
Procurador-Geral de Justiça, permitindo que Instituição distinta das estruturas da Chefia do Executivo
estadual tenha a capacidade de promover a exclusão do militar.
140
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Janeiro.
Súmula 673/STF: O art. 125, § 4º, da CF/88, não impede a perda da gradua-
ção de militar mediante procedimento administrativo.
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PERDA DO CARGO PÚBLICO DE MILITARES ESTADUAIS POR SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU:
MUTAÇÃO DO ART. 125, §4º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
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MUTAÇÃO DO ART. 125, §4º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
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PERDA DO CARGO PÚBLICO DE MILITARES ESTADUAIS POR SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU:
MUTAÇÃO DO ART. 125, §4º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
6 CONCLUSÕES
19 A estabilidade, para as praças, é atingida com o exercício da função pública pelo prazo de 10
anos (artigo 48, inciso IV, 1, do Estatuto da Polícia Militar e artigo 45, inciso IV, 1, do Estatuto do Corpo
de Bombeiros).
20 Em que pese isso, a definição de deserção consta do artigo 187, do Código Penal Militar: “Au-
sentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por
mais de oito dias”.
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REFERÊNCIAS
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PERDA DO CARGO PÚBLICO DE MILITARES ESTADUAIS POR SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU:
MUTAÇÃO DO ART. 125, §4º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
ASSIS, Jorge César. Direito Militar: aspectos penais, processuais penais e adminis-
trativos. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1191613/MG, Rel. Ministro Benedito Gon-
çalves, Primeira Turma, julgado 19 mar. 2015. Diário da Justiça Eletrônico, publicado
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1456734/RJ, Rel. Ministro Nefi
Cordeiro, Sexta Turma, julgado 28 de junho de 2016. Diário da Justiça Eletrônico,
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publicado em 22 abr. 2013, v. 00225-01, PP-00011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 126292, Relator Min. Teori Zavascki, Tribunal
Pleno, julgado em 17 fev. 2016. Processo eletrônico 100Diário da Justiça Eletrônico (),
publicado em 17 maio 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 1032562 AgR, Relator Min. Celso de Mello,
Segunda Turma, julgado em 30 jun. 2017. Processo eletrônico, Diário da Justiça Ele-
trônico 176, publicado 10 ago. 2017.
BRASIL. AP 694, Relatora Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 02 maio
2017. Acórdão eletrônico Diário da Justiça Eletrônico 195, publicado em 30 ago. 2017.
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Artur de Brito Gueiros. Curso de Direi-
to Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958,
v. 2.
148
Resenha Crítica
OS VERDADEIROS “INIMIGOS”:
CONFRONTAÇÃO DO “DIREITO PENAL
DO INIMIGO” COM O STATUS PERSONAE
DAS VÍTIMAS DO ABORTO
O tema da descriminalização da prática abortiva voluntária é, de longa data, objeto de intensos debates acadêmicos,
sociais e religiosos. Independentemente da convicção filosófica adotada para a modulação da conclusão pessoal, não
há como escapar, no racíocinio empregado, da análise do âmbito de abrangência da palavra “pessoa” e da possível
exclusão do ser concebido e não nascido da tutela jurisdictional. Com a exteriorização dos pensamentos de GÜNTHER
JAKOBS concernentes à constatação de turbação da ordem jurídica por aqueles seres fontes de perigos ou meios de
intimidações coletivas, bem como das consequências reveladoras da existência de um “direito penal de cidadãos” e
um “direito penal do inimigo”, vozes da cátedra criminal foram erguidas sustentando a correlação entre essa teoria e
a “teoria das velocidades”, de JESÚS-MARÍA SILVA SANCHEZ. Neste trabalho pretende-se, por meio de uma resenha
crítica do artigo “Los indeseados como enemigos: la exclusión de seres humanos del status personae”, demonstrar
como o autor espanhol justifica o equívoco dessa comparação por meio da apresentação da sua ótica a respeito do
crime de aborto e da negação do status personae, pela legislação penal espanhola, para o ser concebido e não nascido
em razão dessa prática impeditiva da vida.
ABSTRACT
The issue of decriminalization of voluntary abortion practice has long been the subject of intense academic, social and
religious debate. Independently of the philosophical conviction adopted for the modulation of the personal conclusion,
there is no escape, in the reasoning employed, from the analysis of the scope of the word “person” and the possible
exclusion of being conceived and not born of the judicial protection. With the externalization of the thoughts of GÜN-
THER JACOKS concerning the disturbance of the juridical order by those beings sources of dangers or of means of
collectives intimidations, as well as the revealing consequences of the existence of a “criminal law of citizens” and a
“criminal law of the enemy”, voices of the criminal professorship arose to support the correlation between this theory
and the “theory of velocities”, by JESÚS-MARÍA SILVA SANCHEZ. In this paper we intend, through a critical review of
the article “Los indeseados como enemigos: la exclusión de seres humanos del status personae”, to demonstrate how
the Spanish author justifies the misunderstanding of this comparison by presenting his perspective on the crime of
abortion and the denial of the status personae, by Spanish criminal law, for the being conceived and not born because
of this practice impeding the life.
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. Los indeseados como enemigos: tema central e principais argumentos. 2.1. “Direito (penal) de cidadãos
para não pessoas” e “direito penal de inimigo para pessoas”. 2.2. A exclusão dos seres humanos da tutela jurídica estatal:
“direito penal das não pessoas” e a construção do inimigo. 2.3. Os verdadeiros “inimigos”: os concebidos e não nascidos”.
3. Contribuições à reflexão jurídico-penal atinente ao tema e pontuações críticas. Conclusões.
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COM O STATUS PERSONAE DAS VÍTIMAS DO ABORTO
1 INTRODUÇÃO
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Para esta tarefa analítica foi eleito o artigo Los indeseados como enemigos:
la excluión de seres humanos del status personae, no qual se encontra delimitada a
convicção externada por Silva Sanchez naquele citado adendo da obra La Expansión
Del Derecho Penal (2011), concernente aos “inimigos”, aos “excluídos” e ao direito
penal a eles aplicável, com especial atenção à inclusão (ou à exclusão), na tutela
jurisdicional, dos concebidos e não nascidos.
2.1 “Direito (penal) de cidadãos para não pessoas” e “direito penal de inimigo
para pessoas”
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COM O STATUS PERSONAE DAS VÍTIMAS DO ABORTO
2.2 A exclusão dos seres humanos da tutela jurídica estatal: “direito penal das
não pessoas” e a construção do inimigo
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Nesse direito “penal” das “não pessoas”, Silva Sánchez argumenta que a
construção do “inimigo” (em sentido estrito) é pautada por uma radical vulnerabi-
lidade de certos sujeitos passivos, que estabelece um processo de exclusão (de
negação da proteção penal e jurídica) para um ser humano que é considerado fonte
de mal-estar para aqueles que tem o poder jurídico de definição, contexto no qual há
coincidência entre “inimigo” e “não pessoa”. “Inimigo” é a “não pessoa”, aquele cujos
bens foram excluídos da proteção jurídica por um interesse conjuntural coletivo ou
de certos terceiros.
Conclui, nesse raciocínio, serem absolutamente excluídos os seres humanos
concebidos e não nascidos, e relativamente excluídos os seres humanos nascidos
até que alcancem certa idade, bem como os seres humanos adultos com determina-
das doenças. Adiante será constatado que, apesar do raciocínio do professor espa-
nhol acarretar o enquadramento desses últimos seres na categoria de “não pessoas”
em razão da falta de “consciência de si mesmos”, há diferença de tratamento jurídico,
uma vez que o direito penal espanhol, em determinadas situações, nega, ao nascitu-
ro, o direito à vida, o que não ocorre com os infantes e os adultos com enfermidades
que lhes retirem o discernimento.
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COM O STATUS PERSONAE DAS VÍTIMAS DO ABORTO
5 Nesse sentido, afirma que o tratamento a ser dado ao estado de necessidade é diverso da
legítima defesa. Lembra, contudo, que, para Jakobs, na legítima defesa a reação do agredido deve ser
imputada ao ato de organização pessoal do agressor.
6 Ley Orgánica 10/1995, de 23 de noviembre, del Código Penal – TÍTULO II - Del aborto.
Artículo 144. El que produzca el aborto de una mujer, sin su consentimiento, será castigado con la
pena de prisión de cuatro a ocho años e inhabilitación especial para ejercer cualquier profesión sanita-
ria, o para prestar servicios de toda índole en clínicas, establecimientos o consultorios ginecológicos,
públicos o privados, por tiempo de tres a diez años. Las mismas penas se impondrán al que practique
el aborto habiendo obtenido la anuencia de la mujer mediante violencia, amenaza o engaño.
Artículo 145. 1. El que produzca el aborto de una mujer, con su consentimiento, fuera de los casos
permitidos por la ley será castigado con la pena de prisión de uno a tres años e inhabilitación especial
para ejercer cualquier profesión sanitaria, o para prestar servicios de toda índole en clínicas, estab-
lecimientos o consultorios ginecológicos, públicos o privados, por tiempo de uno a seis años. El juez
podrá imponer la pena en su mitad superior cuando los actos descritos en este apartado se realicen
fuera de un centro o establecimiento público o privado acreditado. 2. La mujer que produjere su aborto
o consintiere que otra persona se lo cause, fuera de los casos permitidos por la ley, será castigada con
la pena de multa de seis a veinticuatro meses. 3. En todo caso, el juez o tribunal impondrá las penas
respectivamente previstas en este artículo en su mitad superior cuando la conducta se llevare a cabo a
partir de la vigésimo segunda semana de gestación.
Artículo 145 bis. 1. Será castigado con la pena de multa de seis a doce meses e inhabilitación es-
pecial para prestar servicios de toda índole en clínicas, establecimientos o consultorios ginecológicos,
públicos o privados, por tiempo de seis meses a dos años, el que dentro de los casos contemplados en
la ley, practique un aborto: a) sin haber comprobado que la mujer haya recibido la información previa
relativa a los derechos, prestaciones y ayudas públicas de apoyo a la maternidad; b) sin haber trans-
currido el período de espera contemplado en la legislación; c) sin contar con los dictámenes previos
preceptivos; d) fuera de un centro o establecimiento público o privado acreditado. En este caso, el juez
podrá imponer la pena en su mitad superior. 2. En todo caso, el juez o tribunal impondrá las penas pre-
vistas en este artículo en su mitad superior cuando el aborto se haya practicado a partir de la vigésimo
segunda semana de gestación. 3. La embarazada no será penada a tenor de este precepto.
Artículo 146. El que por imprudencia grave ocasionare un aborto será castigado con la pena de prisión
de tres a cinco meses o multa de seis a 10 meses. Cuando el aborto fuere cometido por imprudencia
profesional se impondrá asimismo la pena de inhabilitación especial para el ejercicio de la profesión,
oficio o cargo por un período de uno a tres años. La embarazada no será penada a tenor de este pre-
cepto.
7 Teoria nomenclaturada de “especiesismo” ou “especicismo” ou “especieismo”.
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11 No caso analisado, representados pelas concepções a respeito dos excluídos e das “não pes-
soas”.
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Atribua-se uma firme autoridade ao Estado, para regular o jogo das energias
que se entrecruzam no seio da vida coletiva; mas reserve-se ao indivíduo
aquele sagrado e inexpugnável quantum de liberdade que lhe é absoluta-
mente necessário para o seu êxito como imprescindível força de sinergia na
consecução dos fins sociais.
REFERÊNCIAS
Jakobs, Günther; Meliá, Manuel Cancio. Direito Penal do inimigo: noções e críticas.
Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 4. ed. Porto Alegre: Livra-
ria do Advogado Editora, 2010.
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COM O STATUS PERSONAE DAS VÍTIMAS DO ABORTO
______. ¿Es el derecho penal internacional un “Derecho penal del enemigo”? In:
PUIG, Santiago Mir (diretor). Derecho penal del siglo XXI – Cuadernos de Derecho
Judicial VIII. Madri: Lerko Print, S.A., 2007, p. 13-37.
Ripollés, José Luis Díez. De la sociedad del riesgo a la seguridad ciudadana: un deba-
te desenfocado. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI, Guilherme de Souza (organiza-
dores). Direito Penal – Doutrinas Essenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010,
v. 2, p. 975-1021.
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sonae. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología (en línea), 2007, núm.
09-01, p. 01:1-01-18. Disponível em: <http://criminet.ugr.es/recpc/09/recpc09-01.pdf>.
Acesso em: 29 out. 2015.
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