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T H E D I V I N E LOVE PLAY AND C R E A T I ON

Iconografistas hindus têm feito várias tentativas para retratar, partindo da forma “zero-
dimensional” para tridimensional, a relação entre Shiva e Shakti. Uma imagem popular é a
ArdhanarTshvara (lit. metade-mulher-senhor), que é às vezes erroneamente descrita como
hermafrodita.

A metade esquerda desse figura é retratada como feminina com um amplo seio, enquanto a
metade direita é retratada como masculina, às vezes segurando o tridente de Shiva.

Obviamente, essa imagem é unicamente uma representação muito imperfeita da “união” entre
Shiva e Shakti, que por sua vez é uma continuidade da Consciência e poder em uma mesma
Realidade. Até mesmo o termo “polaridade” não descreve essa situação transcendental de forma
precisa.

Uma analogia mais adequada seria a de um holograma que produz uma imagem quando
observada de um certo ângulo e outra imagem quando observada de forma diferente. A mesma
limitação inerente à imagem do Ardhanarlshvara também se aplica às pinturas tântricas ou
estátuas retratando Shiva e Shakti em “abraço íntimo”. Shakti, usualmente voluptuosa, senta-se
sobre o colo do seu amado, envolvendo-se em torno dele como uma trepadeira, no que os
tibetanos chamam de posição “yab-yum” (mamãe e papai), com o rosto virado alegremente para
cima. Esse motivo gráfico sugere amor sexual, o que faz sentido, desde que para muitas pessoas
a união sexual proporciona a única experiência de unidade. Quando eles perdem um ao outro
nos braços de seus amantes experienciam ao menos uma aparência da consciência
transcendente do ego do adepto tântrico.

Assim sendo, não é surpresa que tantos neo-tântricos no ocidente vejam o tantra como uma
disciplina sexual, prometendo prazer além de toda expectativa, mais ainda na forma de orgasmos
múltiplos ou prolongados. Neo-tântricos buscam ‘copiar’ o casal divino mas tipicamente
esquecem que a união entre Shiva e Shakti é transcendental e assim sendo, também assexual.

O fruto de sua união – e, portanto, o objetivo do Tantra yoga – não é o orgasmo corporal, por
mais irresistível que seja, mas a felicidade perpétua muito além de qualquer coisa que o sistema
nervoso humano é capaz de produzir.

Um terceiro tema frequentemente explorado em pinturas e esculturas é o de Shiva reclinado,


com Shakti (na maioria das vezes na forma da aterrorizante deusa Kali) elevando-se acima dele
com armas em suas mãos, um colar de crânios ao redor do seu pescoço, língua protuberante
pingando sangue de suas vítimas. Essa imagem nos dá o vislumbre mais penetrante no
simbolismo de Shiva-Shakti. Aqui Shiva é retratado com uma ereção massiva, ainda com o corpo
sujo de cinzas da cabeça aos pés, a cor branca quase translúcida da sua pele sugere a
luminosidade do Divino.

Não é por acaso que ele se assemelha a um cadáver, deitado no que é chamado de postura do
cadáver (shavasana), pois a imagem aponta fortemente para uma prática no próprio coração do
Tantra que muitos observadores ocidentais têm achado – a yoni-linga simbolizando a relação
sexual divina entre Shiva e Shakti – bastante inquietante. Esse é o costume antigo dos tântricos
da mão-esquerda, receber iniciação de uma adepta feminina no cemitério. O praticante tântrico
masculino se espelha em Shiva, que está morto para todas as paixões e pura Consciência.

Até mesmo seu sangue é transformado em cinzas – um símbolo de desapego total. Uma forma
vastamente simplificada da relação sexual divina entre Shiva e Shakti e o símbolo do yoni-linga
que pode ser desenhado, pintado ou esculpido. Consiste em uma forma redonda ou oval em cujo
centro uma linga vertical é posta. Essa representa os órgãos reprodutivos masculino e feminino
e suas energias criativas correspondentes. A yoni (vulva) representa Shakti, energia, imanência;
o linga (falo – no sentido de órgão) representa Shiva, consciência, transcendência.

Sua justaposição simboliza a união criativa como resultado de que multiplicidade pode surgir
dentro da simplicidade de Parama-Shiva. Essa imagem em particular também têm sido
incorporada à descrição do centro psicoenergético na base da coluna, o muladhara-cakra. Essa
é a sede do poder da serpente, a presença localizada da Shakti não local. O poder da serpente
é retratado como sendo enrolado três vezes e meia ao redor do Shiva-linga. A espiral sugere o
dinamismo inerente de Shakti. Outra imagem forte, amplamente usada no Tantra para retratar a
relação complementar entre Shiva e Shakti é a shriyantra, aqui os 5 triângulos apontando para
cima representam Shiva, os quatro apontando para baixo representam Shakti,

Eles se entrelaçando, dando origem a um total de 49 triângulos, significam existência cósmica


como um todo. O que é significativo para esta discussão é que no Tantra hindu Shakti
desempenha o papel ativo, enquanto Shiva, embora despertado pelo jogo de amor de Shakti,
permanece passivo e tranquilo. Ele manifesta a absoluta quietude da Consciência; ela expressa
a ilimitada potência do Poder ou Energia. Juntos simbolizam o jogo da vida e da morte, criação
e aniquilação, vazio e forma, dinamismo e estase (inércia).

Essa interação é encontrada em todos os níveis de existência cósmica porque, como temos visto,
é preexistente na própria realidade suprema. Enquanto nos movemos abaixo na escada da
existência cósmica - do transcendental, ao sutil e aos níveis grosseiros de manifestação – a
polaridade transcendental se torna cada vez mais uma das duras oposições. Os textos sânscritos
se referem aos dvandvas (dois-dois), que são pares assim como luz e trevas, quente e frio, úmido
e seco, mas também adoração e culpa, fama e obscuridade, assim por diante. Os praticantes
tântricos devem aprender a dominá-los elevando sua consciência do plano material para a
dimensão transcendental da existência, que é caracterizada como nirdvandva, ou além de todos
os opostos. A esse respeito, Carl Gustav Jung, expressando arquetipicamente a abordagem
ocidental da vida, fez esses comentários relevantes:

“O objetivo do indiano não é a perfeição moral, mas a condição de nirdvandva. Ele deseja libertar-
se da natureza. De acordo com esse objetivo, ele procura em meditação a condição de ausência
de imagem e vazio. Eu, por outro lado, desejo persistir no estado de contemplação viva da
natureza e das imagens psíquicas. Não quero me libertar nem dos seres humanos, nem de mim
mesmo, nem da natureza; porque todos estes me parecem o maior dos milagres.”

As observações de Jung sugerem uma orientação que aproxima o ideal daquilo que as escrituras
hindus chamam de prakriti-laya, o estado de absorção no solo da natureza. Este termo também
é aplicado àqueles adeptos que, em virtude de sua contemplação uni-direcionada da natureza,
fundiram-se com o núcleo transcendental da natureza, e não com o Ser-Consciência-Bem-
aventurança. Jung favoreceu a manifestação e a diversidade sobre a simplicidade desqualificada
da realidade suprema. Sua crítica do ponto de vista indiano, no entanto, deixa de perceber que
o hinduísmo inclui não apenas caminhos verticalistas, mas também tradições integrais como o
Tantra.

A tradição tântrica, como vimos, oferece uma avaliação positiva dos reinos manifestos, que
surgem todos dentro e como o Divino. É verdade que os praticantes tântricos, como os adeptos
daquilo que chamei de tradições verticalistas, esforçam-se para libertar-se das restrições do
mundo dos opostos. No entanto, eles não procuram meramente escapar dos reinos manifestos,
mas dominá-los do ponto de vista da auto-realização, ou liberação. Por isso, os grandes adeptos
do Tantra são todos mestres da dimensão sutil da existência.

Eles "possuem" não apenas o poder supremo (siddhi) de liberação, mas também toda a gama
de poderes paranormais (também chamados de siddhi) pelos quais eles dominam as condições
dos vários planos sutis. Do ponto de vista tântrico, o caminho escolhido por Jung permanece no
nível do fascínio intelectual, que em última análise é um estado cármico da mente. Como tal,
está sujeito ao poder ofuscante de maya.
Voltando à discussão principal: Ontologicamente falando, a "polarização" da Realidade última
em Shiva e Shakti é a matriz para os opostos experimentados no nível da realidade condicional.

Todas as polaridades e dualidades - notavelmente masculinas e femininas - que podemos


encontrar no mundo são pré-contidas na dimensão Shiva-Shakti. Psicologicamente falando, o
relacionamento unitivo de Shiva e Shakti pode ser entendido como um símbolo da unidade
intrapsíquica ou, nos termos de Jung, da integração do animus e da anima. Poderíamos dizer
que, porque Shiva e Shakti estão em perfeita união, somos capazes de alcançar uma união
similar dentro da nossa psique.

Inversamente, porque a Realidade última tem esses dois aspectos, nossa psique também exibe
um lado feminino e masculino. Como acima, abaixo. Como por fora, assim dentro. A metafísica
tântrica é também uma metapsicologia com implicações práticas de longo alcance.

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