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MODELAGEM E SIMULAÇÃO RANS DE

ESCOAMENTOS COM TRANSIÇÃO


LAMINAR-TURBULENTO

João Américo Aguirre Oliveira Jr., M.Sc.


Especialista em Aplicações CAE Sênior
Engineering Simulation and Scientific Software Ltda.

e-Book
E-book Modelagem de Escoamentos Turbulentos

Sumário

1 Introdução .......................................................................................................... 3
1.1 Processos de Transição de Camada Limite ............................................... 4
2 Modelagem do processo de transição em engenharia ......................................... 9
2.1 Simulação via DNS ou LES .................................................................... 10
2.2 Modelos de duas equações a baixo Reynolds ......................................... 12
2.3 Modelos de transporte de instabilidade en .............................................. 14
2.4 Correlações a partir de dados experimentais........................................... 16
3 Formulação do modelo de transição ................................................................. 20
3.1 A relação entre Reν e Reθ na camada limite laminar ............................... 22
3.2 A Equação da Intermitência.................................................................... 28
3.3 A Equação de ................................................................................ 35
3.4 Interação com o modelo de turbulência .................................................. 40
3.5 Aspectos numéricos e de aplicação ........................................................ 43
4 Resultados do modelo de transição .................................................................. 43
4.1 Influência de Tu da corrente livre na transição ....................................... 44
4.2 Influência de λθ na transição ................................................................... 45
4.3 Perfil S809 e turbina NREL Fase VI ....................................................... 47
4.4 Cilindro e crise do arrasto ....................................................................... 52
4.5 O Eurocopter .......................................................................................... 55
5 Conclusão ......................................................................................................... 56
6 Agradecimentos ............................................................................................... 57
7 Referências ....................................................................................................... 57

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1 INTRODUÇÃO
Ainda hoje a modelagem de escoamentos turbulentos é vista como um
problema em aberto na engenharia (SILVA FREIRE, MENUT e SU, 1998).
Apesar de termos à disposição técnicas que resolvem escoamentos turbulentos
em todos os seus detalhes com excelente precisão (DNS) (SCHUMANN, 1974),
(COLEMAN e SANDBERG, 2010), seu custo computacional é proibitivo para
aplicações industriais. Técnicas que não fornecem um nível de detalhamento tão
elevado, mas capturam a parte mais significativa do escoamento turbulento (as
maiores escalas turbulentas) também estão disponíveis (LES) (PIOMELLI,
1999), (SILVA FREIRE, MENUT e SU, 1998), porém, na grande maioria dos
casos de interesse industrial, o interesse do engenheiro está focado em valores
médios (de perdas de carga, taxas de transferência de calor, arrasto, sustentação,
etc.) e na obtenção desses valores no menor tempo possível (muitas vezes com
fortes limitações de poder computacional disponível). É essa necessidade do
engenheiro, de obter os dados que lhe interessam, com razoável precisão, no
menor prazo e menor custo possível, que torna a abordagem média de Reynolds
(RANS - Reynolds-Averaged Navier-Stokes) atualmente a mais empregada na
indústria.
Uma vasta literatura sobre o tema de modelagem RANS de escoamentos
turbulentos está disponível, porém, na própria dedução da grande maioria dos
modelos empregados na indústria, se parte do princípio que o escoamento é
turbulento em todo o domínio de cálculo (em toda a região de interesse na
simulação). A questão é que, por mais que a grande maioria dos escoamentos
sejam de fato turbulentos, pode haver regiões nesses escoamentos, inclusive de
tamanho considerável, que apresentem escoamentos laminares. Isto é
particularmente o caso em escoamentos externos, como mostrado na Fig. 1,
onde a partir do ponto de estagnação no bordo de ataque de uma geometria
sempre se tem a formação de uma região de camada limite laminar (mesmo
com altos graus de turbulência na corrente livre, externa à camada limite). Essa
região de camada limite laminar pode ser muitas vezes desprezível (seu
comprimento ser muito menor do que o comprimento do corpo sobre o qual o
escoamento ocorre), porém, em alguns casos, essa região pode ser bastante
significativa. Neste segundo caso, o uso de modelos clássicos na simulação
desses escoamentos irá incorrer em erros consideráveis na previsão dessas
grandezas médias de interesse.

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Figura 1 - Ilustração do escoamento externo sobre um aerofólio, mostrando regiões de


camada limite laminar, a ocorrência da transição e a camada limite
turbulenta. Adaptado de (PRITCHARD, 2011).

Por isso, o desenvolvimento de modelos de turbulência RANS que levem


em conta o processo de transição laminar-turbulento foi e continua sendo objeto
de interesse para vários grupos de pesquisa no mundo. Neste trabalho é
apresentada uma das principais abordagens utilizadas em códigos comerciais e
acadêmicos de CFD, a modelagem do processo de transição utilizando
correlações empíricas baseada em equações adicionais de transporte e sua
aplicação sobre modelos clássicos de turbulência RANS a duas equações.
O objetivo desse texto é discutir de forma breve o processo de transição
laminar-turbulento em camadas limite, apresentar algumas formas de análise
desse fenômeno e discutir, com maior enfoque e detalhamento, o
desenvolvimento do modelo de transição γ-θ, apresentando sua formulação
completa, detalhes de utilização e exemplos de resultados obtidos na aplicação
do modelo.

1.1 PROCESSOS DE TRANSIÇÃO DE CAMADA LIMITE


A transição de uma camada limite do escoamento laminar turbulento é um
processo extremamente complexo, mesmo em geometrias simples e com
escoamento externo bastante calmo.
Diversos fatores são ditos como tendo influência no processo de transição
de camadas limite laminares (WHITE, 2005), (SCHMIDT e PATANKAR,
1991), dentre eles:

 Intensidade turbulenta da corrente livre;

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 Gradientes de pressão;
 Rugosidade da parede;
 Curvatura de linhas de corrente (da superfície);
 Número de Mach;
 Sucção ou sopramento de parede;
 Aquecimento ou resfriamento da parede.

Os processos de transição laminar-turbulento em camadas limite são


classificados de acordo com o fenômeno que majoritariamente dispara o
processo (WHITE, 2005). Em seu trabalho (MAYLE, 1991) classifica os modos
de transição em:

 Transição Natural: É o processo de transição que ocorre quando o


escoamento na corrente-livre é laminar ou turbulento com baixa
intensidade turbulenta (Tu < 1%, Tu definida na Eq. (1)). Por isso esse
modo de transição é bastante comum em escoamentos externos (como os
de interesse em aerodinâmica). Descrições bastante completas do processo
de transição natural podem ser encontradas na literatura (SCHLICHTING e
GERSTEN, 2000). As diferentes etapas desse processo de transição,
ocorrendo sobre uma placa plana, são mostradas na Fig. 2.

(1)

Na Equação (1) Tu é dado em %, é o vetor velocidade média (no tempo)


do escoamento e u' é o vetor de componentes de flutuação turbulenta da
velocidade.

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Figura 2 - Etapas do processo de transição natural laminar-turbulento em uma camada


limite sobre uma placa plana, adaptado de (WHITE, 2005).

 Transição de bypass: É um processo que ocorre quando o escoamento de


camada limite se dá sobre paredes rugosas ou quando a corrente livre
apresenta intensidade turbulenta de moderada a alta (Tu ≥ 1%). Nesse
processo de transição o que ocorre é que, devido a essas maiores
perturbações externas, o escoamento salta algumas etapas do processo de
transição natural, especialmente as primeiras etapas relacionadas às
estruturas bidimensionais (as três primeiras etapas do processo natural,
Fig. 2). Desta forma o comprimento da região de transição é muito menor
do que aquele apresentado para a transição natural para condições
(geometria e velocidade da corrente livre) similares. A Figura 3 mostra um
esquema ilustrando esse modo de transição, destacando perturbações
externas (da corrente livre) incidindo sobre a camada limite.
o Transição induzida por esteira: Listado em (LANGTRY, 2006) como
um modo adicional de transição. Ocorre pela incidência da esteira
gerada pelo escoamento sobre um corpo a montante sobre a camada
limite, como ilustra a Fig. 4. Esta esteira carrega consigo uma alta
intensidade turbulenta que perturba a camada limite laminar e causa o
salto de etapas do processo de transição. Por isso, por mais que seu
efeito seja levado em consideração de forma diferente no
equacionamento dos modelos, aqui esse modo é listado também dentro
do modo de transição por bypass.

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Figura 3 - Esquema da transição de bypass mostrando a incidência da turbulência da


corrente livre sobre a camada limite laminar e o salto das primeiras etapas
(bidimensionais) da transição natural, adaptado de (GHASEMI,
MCELIGOT, et al., 2014).

Figura 4 - Esquema da indução de transição de bypass por efeito de esteira. A esteira


(com alta intensidade turbulenta) do perfil à esquerda induz uma transição
mais rápida na camada limite do perfil à direita.

 Transição induzida por separação: Esse modo ocorre quando uma camada
limite laminar descola da superfície e forma uma bolha de separação. A
transição ocorre então na forma de uma transição de camada de
cisalhamento livre na região da bolha de separação. A camada limite
(eventualmente, dependendo da geometria) recola na parede já plenamente
turbulenta. A Figura 5 mostra um esquema do processo onde xS é o ponto

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de separação da camada limite, xt o ponto onde se inicia efetivamente a


transição, xT o ponto onde o escoamento da camada de cisalhamento se
torna plenamente turbulento e xR o ponto de recolamento turbulento na
parede.
O processo de transição dessa camada de cisalhamento livre pode
apresentar todas as etapas da transição tipo natural ou mesmo tipo bypass,
dependendo também da intensidade turbulenta da corrente livre. Esse tipo
de transição ocorre na camada limite atrás de anéis de tropeço ou então na
separação de camada limite laminar devido à gradientes de pressão
adversos.

Figura 5 - Esquema do processo de transição induzida por separação. Adaptado de


(MALKIEL e MAYLE, 1996).

 Transição por escoamento cruzado: Esse é um modo de transição que


ocorre em camadas limites tridimensionais (REED e SARIC, 1989),
(DAGENHART, 1992), (BIPPES, 1999). Esse tipo de escoamento, ocorre,
por exemplo, sobre asas de avião inclinadas (em relação ao eixo da
fuselagem). A Figura 6 mostra o perfil de velocidades em uma camada
limite laminar tridimensional. O perfil marcado como QS é o perfil efetivo
(os outros US e VS são projeções). Esse perfil efetivo muda da direção xS na
borda externa da camada limite (passando a acompanhar a linha de corrente
externa) até a direção yS junto à parede. Com isso se forma um ponto de
inflexão (marcado como P.I. na Fig. 6) o que torna essa camada limite
bastante instável. Outros fenômenos, como a propagação de ondas ou
mesmo a formação de ondas estacionárias podem ocorrer nesse tipo de
escoamento.

 Transição reversa (relaminarização): A transição reversa é a transição da


camada limite do regime turbulento para o regime laminar, contrário do
que normalmente ocorre. Esse tipo de transição ocorre por redução da
velocidade (como em uma expansão), na qual a energia cinética turbulenta
é dissipada, por aceleração muito intensa (como em uma forte contração) e
por diversos outros fenômenos. Uma boa revisão é apresentada em

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(NARASIMHA e SREENIVASAN, 1979). É um fenômeno comum em


turbinas a gás nas regiões de contração nos bocais. Também pode ocorrer
pela aceleração elevada no lado de pressão de aerofólios. Esse tipo de
transição é controlada pela intensidade turbulenta na corrente livre e pelo
parâmetro de aceleração K mostrado na Eq. (2).

(2)

Nessa equação µ e ρ são a viscosidade e a massa específica do fluido e U é a


velocidade de referência da corrente livre.

Figura 6 - Perfil de velocidades de uma camada limite tridimensional, instabilidade por


ponto de inflexão. Adaptado de (BIPPES, 1999).

2 MODELAGEM DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO EM


ENGENHARIA
Em concordância com o que é dito em (WHITE, 2005): “Não existe uma
teoria fundamental da transição, porém existem experimentos e correlações que
tentam predizer o final do desenvolvimento de um escoamento turbulento...”,
diversas abordagens são aplicadas em engenharia para a modelagem e
simulação de escoamentos com transição laminar-turbulento. Cada uma dessas
diferentes abordagens tenta avaliar diferentes parâmetros dentre aqueles que
afetam a transição laminar-turbulento listados anteriormente.

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Algumas dessas abordagens apresentaram relativo sucesso, dentro de suas


limitações de aplicação. Aqui são brevemente discutidas algumas dessas
abordagens.

2.1 SIMULAÇÃO VIA DNS OU LES


Como citado na introdução, a simulação numérica direta (Direct Numerical
Simulation - DNS) é capaz de resolver um escoamento turbulento com todos os
seus fenômenos e em todas as suas escalas (SCHUMANN, 1974), (COLEMAN
e SANDBERG, 2010). A conclusão de que esse tipo de abordagem pode ser
aplicada para simulação de problemas de transição é direta. Como a qualidade
de resultados de DNS é comparável a bons experimentos físicos, esses
resultados podem ser usados para o desenvolvimento ou para a calibração de
modelos RANS (por exemplo) que prevejam a transição laminar-turbulento.
Como não é o objetivo desse trabalho discutir as bases dessa abordagem, as
referências citadas podem ser consultadas para maior entendimento do método.
Alguns trabalhos já foram feitos nesse sentido. (DURBIN, JACOBS e WU,
2002) publicaram resultados de simulações DNS de transição por bypass. A
Figura 7 mostra o resultado de uma das simulações realizadas.
Pode-se verificar na Fig. 7 que as flutuações da corrente livre (imagem
superior) atingem a camada limite e são amplificadas (imagem central) e o seu
efeito é a o salto de etapas da transição natural até praticamente a geração de
pontos turbulentos (imagem inferior).

Figura 1 - Resultados de simulação DNS da transição em bypass. Contornos de flutuação


de velocidade em três diferentes alturas a partir da placa. Adaptado de
(DURBIN, JACOBS e WU, 2002).

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A Figura 8 mostra a comparação do coeficiente de atrito, Cf definido na Eq.


(3) obtidos com a simulação em DNS e dados experimentais.

Figura 2 - Comparação de valores do coeficiente de atrito Cf como função de Reθ entre


simulação em DNS e experimentos. Adaptado de (DURBIN, JACOBS e
WU, 2002).

, (3))

Na Equação (3) τw é a tensão cisalhante sobre a parede.


A grande questão sobre a aplicação de DNS para simular o processo de
transição é a mesma de sua utilização em geral. A requisição de malha e passo
de tempo para as simulações são proibitivas para sua aplicação em problemas
industriais.
Uma alternativa um pouco mais barata é a simulação de grandes escalas
turbulentas (Large Eddy Simulation - LES). Nesse tipo de simulação, se usam
malhas mais grosseiras que as de DNS, mas finas o suficiente para capturar
estruturas turbulentas até a escala inercial. Detalhes sobre sua formulação,
implementação e resultados podem ser encontrados na literatura
(SMAGORINSKY, 1963), (PIOMELLI, CABOT, et al., 1991), (SILVA
FREIRE, MENUT e SU, 1998).
Especificamente para a simulação de problemas com transição laminar
turbulento se verificou que na formulação dinâmica de LES, o valor do
coeficiente do modelo submalha, em alguns, casos se tornava negativo. Como o

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modelo submalha representa o efeito de dissipação de energia nas escalas


turbulentas menores que a malha (indo até as escalas de Kolmogorov), um valor
negativo do coeficiente indica transmissão reversa de energia (energia fluindo
de menores para maiores escalas turbulentas), o que ocorre também durante o
processo de transição. Esse fenômeno é chamado na literatura de backscatter,
porém como a requisição de malha na região de parede para LES é bastante
próxima àquela de DNS, poucas vezes ela é atingida. Além disso, muitos dos
modelos submalha não são adequados para esse fenômeno. Assim os resultados
obtidos com LES muitas vezes imitam o fenômeno da transição sem grande
comprometimento físico e quantitativo (LANGTRY, 2006), (PIOMELLI,
1999), (GERMANO, PIOMELLI, et al., 1991), (MICHELASSI, WISSINK, et
al., 2003).
De qualquer forma o custo computacional da simulação de grandes escalas
também é bastante elevado, tornando essa técnica uma ferramenta útil, mas
também pouco atrativa para aplicações industriais do dia-a-dia.

2.2 MODELOS DE DUAS EQUAÇÕES A BAIXO REYNOLDS


Diversas propostas de extensões aos modelos de turbulência baseados na
hipótese de Boussinesq para lidarem com escoamentos com baixos números de
Reynolds foram feitas desde a publicação de (JONES e LAUNDER, 1972).
Como não cabe ao escopo deste trabalho apresentar a formulação de todos esses
modelos, as revisões publicadas por (PATEL, RODI e SCHEUERER, 1985) e
(SCHMIDT e PATANKAR, 1991) são sugeridas como referências. Nestas
referências, os modelos mais conhecidos são resumidos e as diversas hipóteses
e funções introduzidas para levar em conta os efeitos das paredes são discutidas.
Esse método apresenta vantagens na questão de implementação em códigos
modernos de CFD, uma vez que envolvem modificações de modelos já
estabelecidos e não envolvem operações não locais. Esses modelos são, em sua
maioria, uma tentativa de imitar a física do processo de transição definindo
funções de amortecimento sobre a viscosidade turbulenta, μT, ou energia
cinética turbulenta, κ (ou ambos).
A mais simples destas modificações é a proposta por (VAN DRIEST, 1956)
que incorpora uma função de amortecimento no modelo de comprimento de
mistura, reduzindo a viscosidade turbulenta junto à parede. Essa modificação
tinha o objetivo de reproduzir a subcamada viscosa em uma camada limite
turbulenta, porém, em alguns casos, é capaz de reproduzir qualitativamente a
transição de uma camada limite colada à parede.
Modelos mais avançados incorporam funções de amortecimento próximo às
paredes diretamente na viscosidade turbulenta ou nas equações de transporte
das grandezas turbulentas. Muitas delas são capazes de imitar o comportamento

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físico da transição em camadas limites em alguns escoamentos com turbulência


na corrente livre.
Isso ocorre porque as funções de amortecimento foram desenvolvidas de
forma a amortizar as quantidades turbulentas dentro da subcamada viscosa e na
camada de amortecimento. Essas regiões têm uma espessura muito pequena na
camada limite turbulenta (SILVA FREIRE, MENUT e SU, 1998). Como a
camada limite laminar é pouco espessa na região junto ao bordo de ataque de
uma placa plana, as funções de amortecimento, mesmo desenvolvidas para uma
camada limite turbulenta, acabam amortizando as grandezas turbulentas em
toda sua espessura.
A maioria dos modelos de amortecimento usa critérios de posição na
camada limite para definir a amortização, muitos usando simplesmente a
distância da parede, y ou y+. Assim quando a camada limite é pouco espessa, as
funções de amortecimento anulam todas as grandezas turbulentas. Conforme a
camada limite cresce e sua borda se estende a valores maiores de y+, as funções
para baixo Reynolds não mais suprimem os termos de produção de turbulência
e o perfil da camada limite passa por uma transição simulada. Desta forma, o
processo imita qualitativamente a relação funcional existente entre o número de
Reynolds e a transição (SCHMIDT e PATANKAR, 1991).
Obviamente essas funções de amortecimento não são mantidas em sua
forma original para reprodução da subcamada viscosa, e sim são alteradas e
calibradas a partir de dados experimentais, porém não consideram nenhuma
análise de estabilidade ou critério geral para transição.
A Figura 9 ilustra o desenvolvimento dos perfis de energia cinética
turbulenta conforme o escoamento passa do estado laminar para o turbulento
com o uso do modelo de Lam-Breshorst (SCHMIDT e PATANKAR, 1991),
que é um modelo a duas equações para baixos Reynolds baseado no transporte
de κ e ε (taxa de dissipação de energia cinética turbulenta específica). No início,
o perfil sai do zero na parede até seu valor na borda de forma monotônica e
lenta. Conforme o escoamento avança ao longo da placa, energia cinética
turbulenta é advectada e difundida para a camada limite, tornando relevante o
termo de produção de energia cinética turbulenta dos modelos e transicionando
para o perfil de uma camada limite plenamente turbulenta.
Devido a sua facilidade de implementação, sem a necessidade de
algoritmos de busca, o que possibilita seu uso em códigos de CFD não-
estruturados e de execução paralela, estes métodos são bastante difundidos para
a simulação de escoamentos com transição. Entretanto, a sua capacidade em
prever a transição é pura coincidência devido às semelhanças entre a subcamada
viscosa e a camada limite em desenvolvimento, onde os termos de produção são
limitados (LANGTRY, 2006). Sendo assim, apesar de alguns modelos terem
apresentado resultados muito bons para simulação de transição natural ou por
bypass (BISWAS e FUKUYAMA, 1994), os modelos a baixos Reynolds não
são bons na predição do início da transição e não tem a sensibilidade adequada

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a gradientes de pressão elevados. Além disso, esses modelos não são capazes de
prever a transição induzida por outros fatores, como a separação da camada
limite laminar (LANGTRY, 2006) ou escoamento cruzado. Pela falta de
independência entre a formulação do modelo de turbulência e do modelo de
transição, a inclusão de mais informações oriunda de dados experimentais (via
correlações de critérios de transição) no modelo é bastante complexa.

Figura 3 - Variação dos perfis de energia cinética turbulenta na camada limite passando
pelo processo de transição no modelo de Lam-Breshorst. Adaptado de
(SCHMIDT e PATANKAR, 1991).

2.3 MODELOS DE TRANSPORTE DE INSTABILIDADE EN


O método en desenvolvido por (VAN INGEN, 1956) e (SMITH e
GAMBERONI, 1956) se baseia na teoria de estabilidade linear
(SCHLICHTING e GERSTEN, 2000) e na hipótese de escoamento paralelo
(camadas limites bidimensionais) para calcular o amortecimento ou
amplificação de perturbações para definir a posição onde a transição ocorre.
Esse é um dos métodos mais populares para a previsão de transição natural. Ao
leitor que tiver mais interesse nos detalhes do método se sugere a revisão
histórica apresentada em (VAN INGEN, 2008).

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De forma resumida, o método consiste em três etapas sucessivas. Na


primeira, calculam-se os perfis de velocidade laminar ao longo de diferentes
posições no escoamento de interesse (bidimensional). Na segunda etapa, a taxa
de amplificação das ondas instáveis é calculada para cada um desses perfis. Na
terceira etapa do método, as taxas de crescimento locais são integradas ao longo
de cada linha de corrente a fim de determinar a razão entre as amplitudes das
perturbações, en. Assim, se assume que quando a o fator n excede um dado
valor limite, a transição inicia.
A principal limitação ao uso do método en é o fato de que o fator n não
representa a amplitude de uma perturbação na camada limite, mas sim a taxa de
amplificação de uma perturbação cuja amplitude é conhecida. A amplitude
inicial, por sua vez, se relaciona com perturbações externas através de processos
de receptividade em geral desconhecidos (LANGTRY e MENTER, 2009).
Sendo assim, esse fator n no início da transição é não universal e deve ser
calibrado experimentalmente. Dessa forma, o método en pode ser considerado
um método semi-empírico.
Outra limitação importante é a de que o método, por ser baseado na teoria
de estabilidade linear, não pode prever a transição devido a efeitos não-lineares
como transição por bypass ou induzida pela rugosidade da superfície. Em
adição, estes métodos necessitam de soluções permanentes bem convergidas,
que não são possíveis para a maior parte dos problemas envolvendo separação,
tornando o método inadequado para predição da transição induzida por
separação (CHENG, NICHOLS, et al., 2009).
Computacionalmente falando, as soluções obtidas em códigos comerciais
de CFD não são acuradas o suficiente para serem utilizadas na avaliação das
equações de estabilidade sem o uso de malhas excessivamente refinadas. Além
disso, o fato de ser necessário acompanhar o crescimento da amplitude das
perturbações ao longo das linhas de correntes impõe uma limitação ao seu uso
no cálculo de escoamentos tridimensionais já que a direção da linha de corrente
não está necessariamente alinhada com a malha, o que implica na necessidade
de esquemas de busca, mesmo com o uso de malhas estruturadas.
Algumas técnicas têm sido desenvolvidas para permitir o uso mais eficiente
dos métodos baseados em estabilidade. Um desses métodos consiste na geração
de uma base de dados com a solução da equação da estabilidade linear para
diferentes perfis de velocidade. Assim, a estabilidade local pode ser
determinada rapidamente em códigos de CFD usando os valores locais de
velocidade. Entretanto, estes modelos estão limitados à faixa de perfis de
velocidade existentes na base de dados (CHENG, NICHOLS, et al., 2009).
Apesar das limitações, esse método é aplicado com sucesso em diferentes
pacotes para estudo de escoamentos externos como aqueles sobre aerofólios
(onde a intensidade turbulenta da corrente livre é baixa, predominando a
transição natural), como o popular XFOIL (DRELA, 2013). Ele também é
aplicado para escoamentos em turbomáquinas com algumas alterações para

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considerar transição por bypass sobre as pás das mesmas, um exemplo é o


código MISES (DRELA, 2009). Porém sua aplicação deve ser feita de forma
criteriosa, de forma que o problema em estudo esteja dentro dos critérios de
validade do método.
Particularmente o MISES aplica o método en associado ao uso de
correlações de Abu-Ghannam & Shaw (ABU-GHANNAM e SHAW, 1980)
para captura do processo de transição por bypass.

2.4 CORRELAÇÕES A PARTIR DE DADOS EXPERIMENTAIS


Retomando o que foi citado de (WHITE, 2005), a área com maiores
avanços (em termos práticos de aplicação em problemas de engenharia) é a de
experimentação e desenvolvimento de correlações para os diferentes processos
de transição. Essas correlações usualmente fornecem valores de Rext, Reθt, RexT,
ReθT, e algumas fornecem o comprimento da zona de transição Lt. Rex é o
número de Reynolds baseado na posição x ao longo da placa (superfície),
mostrado na Eq. (4). Reθ é o número de Reynolds baseado na espessura de
quantidade de movimento, dado pela Eq. (5). Observa-se que ambas as
definições usam a velocidade da corrente livre (neste texto indicada por U).

(4)

(5)

A espessura de quantidade de movimento θ é a espessura que se teria que


deslocar a parede (para dentro do escoamento) para que a perda de quantidade
de movimento (considerando o escoamento invíscido) seja equivalente à perda
de quantidade de movimento que a camada limite efetivamente causa. A
Figura 10 mostra a relação (física qualitativa) entre a espessura de quantidade
de movimento e a espessura da própria camada limite. A espessura de
deslocamento, δ*, também é mostrada na Fig. 10. Essa espessura define o
deslocamento da parede de forma a que a perda no fluxo de massa seja
equivalente à redução nesse fluxo causado pela camada limite.

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Figura 4 - Esquema ilustrativo da espessura de deslocamento (esquerda) e espessura de


quantidade de movimento (direita) em relação à espessura da camada
limite (centro). Adaptado de (PRITCHARD, 2011).

O cálculo da espessura de deslocamento e da espessura de quantidade de


movimento é feito a partir do perfil de velocidades na camada limite e das
Eqs. (6, 7). (PRITCHARD, 2011).

(6)

(7)

Os valores com subscrito c indicam o ponto “crítico” da camada limite


laminar. A partir desse ponto a camada limite laminar passa a ser instável,
podendo amplificar perturbações e, eventualmente, transicionar para camada
limite turbulenta. Nesse ponto denomina-se a posição crítica sobre a superfície,
xc, e a espessura de quantidade de movimento crítica θc. Esses valores críticos
usualmente são obtidos via análise de estabilidade linear e são mais complexos
de serem medidos experimentalmente. Isto ocorre porque na maioria dos
experimentos em placa plana a transição é caracterizada pela variação do
coeficiente de atrito na parede ou por alterações no perfil de velocidades. Nas
etapas iniciais do processo de transição nem o atrito na parede nem o perfil de
velocidades são significativamente alterados.
Os valores com subscrito t indicam o ponto onde se inicia efetivamente a
transição. Por efetivamente entende-se que, a partir dessa posição, as
características da camada limite (como seu perfil de velocidades e coeficiente
de atrito na parede) começam a ser afetadas pela transição. O ponto onde essa
transição efetiva se inicia é identificado aqui como, xt, com a espessura de
quantidade de movimento de transição θt.
Já os valores com subscrito T indicam o ponto onde a camada limite
efetivamente conclui o processo de transição e passa a ser turbulenta. A posição

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onde isso ocorre é identificada como xT e a espessura de quantidade de


movimento equivalente como θT.
O uso da espessura de quantidade de movimento é bastante comum em
análises experimentais porque, como pode ser observado na Eq. (7), essa
operação tem um integrando que se anula naturalmente na corrente livre (já que
u→U), o que torna mais fácil seu cômputo na análise de dados experimentais.
Dito isso, um número elevado de correlações e métodos são listados em
(WHITE, 2005) para o cálculo dessas grandezas. Alguns contabilizando efeitos
de gradiente de pressão, outros os efeitos da intensidade turbulenta da corrente
livre, da rugosidade de parede e alguns efeitos de escoamento transiente na
transição. Muitas dessas correlações são funções do fator de forma H e do
coeficiente de gradiente de pressão (na corrente livre) λθ. H é a razão entre as
espessuras de deslocamento, δ*, e de quantidade de movimento, conforme
mostrado na Eq. (8). O coeficiente de gradiente de pressão (também chamado
de número de Pohlhausen) é referente ao gradiente de pressão na corrente livre.
Utilizando a equação de Bernoulli pode-se escrever esse gradiente de pressão
como função do gradiente local de velocidade. A Equação (9) mostra a
expressão mais comumente usada para o cálculo de λθ.

(8)

(9)

A aplicação dessas grandezas nas correlações é justificada, pois elas são


usadas para caracterizar a deformação sofrida pelo perfil de velocidades na
camada limite laminar sob condições distintas (de gradiente de pressão,
aceleração, sucção e sopramento, etc.).
Uma das correlações experimentais mais difundidas é a correlação de Abu-
Ghannam & Shaw (ABU-GHANNAM e SHAW, 1980). Nesse trabalho um
extenso estudo experimental sobre a transição da camada limite sobre uma
placa plana foi executado. Correlações foram desenvolvidas para a obtenção de
Reθt, e ReθT. Uma das conclusões mais importantes do artigo é de que a
“história” do escoamento da camada limite laminar altera significativamente o
valor de Reθt local. Esta é uma informação importante que foi explorada no
desenvolvimento do modelo γ-θ. A correlação de Abu-Ghannam & Shaw para
Reθt é mostrada nas Eqs. (10, 11).

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João Américo Aguirre Oliveira Jr. 19

(10)

(11)

A Figura 11 mostra resultados obtidos da correlação de Abu-Ghannam &


Shaw e sua comparação com dados experimentais. Nota-se uma concordância
razoável entre resultados e observações tanto para gradientes favoráveis (λθ > 0)
quando para gradientes adversos (λθ < 0) de pressão.

Figura 5 - Mapa de valores de Reθt obtidos a partir da correlação de Abu-Ghannam e


Shaw e sua comparação com dados experimentais. Adaptado de
(MENTER, LANGTRY, et al., 2004).

Outro estudo bastante completo, que avaliou também efeitos de transição


induzida por separação e a influência de esteiras na transição sobre perfis de
turbomáquinas, é mostrado em (MAYLE, 1991). Extensas comparações de
correlações da literatura foram realizadas e são discutidas. Dentre as conclusões

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tiradas no trabalho, (MAYLE, 1991) mostrou que, no caso de escoamentos em


turbomáquinas, dada a alta intensidade turbulenta da corrente livre (que na
prática é um escoamento interno), a transição por bypass é muito mais
importante que a transição natural. Outro ponto discutido nesse artigo é da
transição reversa, aqui dita relaminarização, junto às regiões de forte aceleração
do escoamento. Esta forte aceleração da corrente livre é produzida por fortes
reduções na área de escoamento, por exemplo, na seção de descarga dos
queimadores.
Um número elevado de trabalhos pode ser encontrado na literatura a
respeito de propostas de correlações e métodos de cálculo de critérios de
transição. Alguns envolvem enfoques em modos de transição específicos, como
os trabalhos de (DAGENHART, 1992), (MALKIEL e MAYLE, 1996),
(WATANABE, MISAKA e OBAYASHI, 2009) e (ZUO, YANG e LI, 2010).
Outros apresentam métodos alternativos de cálculo desses critérios de transição,
como os artigos de (GOSTELOW, BLUNDEN e WALKER, 1994) e (MAYLE
e SCHULZ, 1997), porém não é o objetivo desse texto discorrer sobre essa
extensa gama de opções.

3 FORMULAÇÃO DO MODELO DE TRANSIÇÃO


Em (LANGTRY e MENTER, 2009) os autores fazem uma avaliação de
quais seriam os requisitos para um modelo de transição compatível com códigos
modernos de CFD, esses requisitos são:

1. Permitir uma previsão calibrável, independente do modelo de turbulência


aplicado, do ponto de início da transição e do comprimento da zona de
transição;
2. Permitir a inclusão de modelos para diferentes mecanismos (modos) de
transição;
3. Ser formulado localmente (evitando o uso de grandezas e operações não-
locais);
4. Evitar múltiplas soluções (obtendo o mesmo resultado partindo de uma
camada limite laminar ou turbulenta, por exemplo);
5. Não afetar o modelo de turbulência sobre o qual é aplicado em regiões de
escoamento plenamente turbulento;
6. Permitir uma integração completa da camada limite (até a parede) com
convergência similar à do modelo de turbulência sobre o qual é
implementado;
7. Ser formulado independente do sistema de coordenadas;
8. Ser aplicável à camadas limite tridimensionais.

Das metodologias analisadas anteriormente, a aplicação de LES não se


encaixa nessa descrição por não satisfazer os requisitos 1, 2 e 5. A abordagem
do problema usando adaptação de modelos a baixos Reynolds também se

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enquadra por não preencher os mesmos. A aplicação de abordagens en, não


satisfaz os requisitos 2, 3 e 8. Obviamente a aplicação direta de correlações
experimentais diretamente (contabilizando todas as grandezas e integrações
não-locais) também não se enquadra nessa listagem.
Assim, a necessidade de um modelo que satisfizesse os requisitos dados
acima serviu como motivação e como guia para o desenvolvimento de uma
abordagem que acoplasse o tratamento do fenômeno da transição (por diferentes
mecanismos) com códigos modernos de CFD e com modelos de turbulência da
família RANS, dadas as razões apresentadas na introdução.
Uma escolha feita logo no início do desenvolvimento do modelo
(MENTER, ESCH e KUBACKI, 2002) é a de construir uma infraestrutura que
fosse capaz de trazer, para um ambiente de um código de CFD moderno, o uso
de correlações empíricas (experimentais) como as discutidas anteriormente.
Portanto é muito importante ressaltar que o modelo γ-θ não visa modelar a
física dos fenômenos de transição. Toda a parte física do processo é deixada
para as correlações empíricas, utilizando a estrutura fornecida pelo modelo e
ainda satisfazendo os critérios dados acima. Dessa forma, um dos pontos mais
interessantes desse modelo é a forma com que ele satisfaz os requisitos 1 e 2,
podendo ser calibrado (utilizando dados experimentais, por exemplo) e sendo
capaz de tratar vários modos de transição, bastando adicionar correlações
adicionais para cada novo mecanismo.
Dessa forma, um dos pontos de maior destaque no modelo γ-θ é a solução
do problema de que todas as correlações para transição envolvem uma série de
quantidades e operações não-locais.
Para a maioria dessas correlações (ABU-GHANNAM e SHAW, 1980)
(WHITE, 2005), as grandezas não locais são a intensidade turbulenta, Tu, e o
gradiente de pressão, λθ, na corrente livre. As operações não-locais são
justamente aquelas necessárias para o cálculo das grandezas Rex ou Reθ, que são
os valores comparados àqueles calculados pelas correlações (Rext ou Reθt) para
determinar o início da transição. Essas operações não locais são o cálculo da
espessura de quantidade de movimento θ, pela Eq. (7) e o cálculo da posição x a
partir do ponto de estagnação sobre o corpo (um corpo qualquer, como um
perfil específico de um aerofólio). Essas operações são extremamente custosas
computacionalmente, quando não inviáveis. No caso de códigos modernos de
CFD, que utilizam malhas não-estruturadas sobre geometrias complexas, com
intenso particionamento para execução em paralelo, esses cálculos são
praticamente inviáveis.
Para o cálculo da espessura de quantidade de movimento local, por
exemplo, é necessário que em cada ponto ao longo da parede que é avaliado,
seja localizada a direção normal à superfície e quais são os elementos/nós que
estão naquela direção e só então fazer a integração da Eq. (7). Essa busca pela
direção e pelos elementos/nós que fazem parte da camada limite naquela
posição é muito custosa em malhas não-estruturadas. Lembrando também que

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em um caso com particionamento para execução massiva em paralelo esses


elementos/nós não estarão necessariamente todos disponíveis para um único
núcleo de processamento, o que complica ainda mais a busca e a própria
operação de integração.
É necessário então encontrar formas de contornar essas grandezas e
operações não-locais e mesmo assim obter os valores requeridos para o uso das
correlações empíricas para a definição da transição. Aqui é que entra então uma
série de ferramentas desenvolvidas ou aplicadas no modelo γ-θ.
A primeira dessas ferramentas visa a solução justamente do problema do
cálculo do valor de Reθ. Essa ferramenta é apresentada a seguir.

3.1 A RELAÇÃO ENTRE REΝ E REΘ NA CAMADA LIMITE


LAMINAR
Uma das inúmeras formas do número de Reynolds passível de ser calculado
localmente em um escoamento é o número de Reynolds baseado na taxa de
cisalhamento local do escoamento, dado pela Eq. (12).

(12)

Conforme pode ser visto na Eq. (12), Reν é baseado na magnitude local do
tensor taxa de cisalhamento e na distância normal à parede mais próxima y.
Para o caso de uma camada limite laminar com λθ = 0, o perfil de
velocidades obtido (PRITCHARD, 2011) supondo o escoamento de ar sobre
uma placa plana é mostrado na Fig. 12. Calculando a derivada da velocidade
desse perfil são gerados os gráficos da Fig. 13.
Usando essa derivada e a função mostrada na Eq. (12) se chega à
distribuição de Reν ao longo da camada limite mostrada na Fig. 14. Uma análise
simples da Eq. (12) e da Fig. 13 torna o resultado mostrado na Fig. 14 esperado.
Como y = 0 na parede, logo Reν também se anula nessa região. Quando y → δ
tem-se du/dy → 0 fazendo com que Reν = 0. Assim é esperado que esse perfil
apresente um valor máximo dentro da camada limite. Conforme a camada limite
avança na direção do escoamento, o perfil mantém sua forma, sendo apenas
escalonado conforme se vai para posições mais a jusante.

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Figura 1 - Perfis de velocidades usando a solução de Blasius, calculados para ar (ρ = 1,0


kg·m-3, μ = 1,0·10-5 Pa·s) com U = 1 m·s-1 em diferentes posições x
medidas do bordo de ataque da placa.

Figura 2 - Derivada da velocidade u na direção normal à parede y no perfil de Blasius de


camada limite laminar, calculado em diferentes posições x sobre a placa.

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Figura 3 - Distribuição de Reν ao longo da altura da camada limite laminar no perfil de


Blasius em três diferentes posições x ao longo da placa.

O ponto interessante onde se desejava chegar com essa análise é o gráfico


mostrado na Fig. 15. Nesse gráfico, três curvas estão sendo mostradas. A
primeira é a curva do valor máximo de max(Reν) (o valor máximo de cada uma
das curvas de Reν em cada posição x mostradas na Fig. 14) ao longo da direção
x (mostrada em sua forma adimensional Rex). A segunda curva é a distribuição,
também na direção x, do valor de Reθ, usando o valor de θ calculado usando o
perfil de Blasius em cada posição x. A terceira, e talvez mais importante curva
desse gráfico, é a curva da distribuição do valor máximo de Reν dividido pela
constante 2,193, também em sua distribuição ao longo da direção x. Nota-se que
as duas últimas curvas são coincidentes. Ou seja, para um perfil de camada
limite laminar sobre uma placa plana, existe uma relação direta entre Reν e Reθ.
Utilizando essa relação pode-se escrever a Eq. (13), onde se tem de forma
clara a relação entre essas duas grandezas.

(13)

A importância dessa relação está no fato de que, conforme dito


anteriormente, a grande maioria das correlações para prever o ponto onde se
inicia a transição da camada limite fornece esse critério na forma de um valor
de Reθc (novamente, o número de Reynolds baseado na espessura de quantidade

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João Américo Aguirre Oliveira Jr. 25

de movimento θ do perfil de velocidades crítico, ou seja, onde as perturbações


passam a ser amplificadas e a transição se inicia).

Figura 4 - Perfis de max(Reν), max(Reν)/2.193 e Reθ ao longo da direção x (mostrada


como Rex) da placa.

A dificuldade é que, também como já discutido, o cálculo de Reθ é uma


operação não-local. Esse cálculo envolveria a integral na camada limite
mostrada na Eq. (7) em cada posição x ao longo de uma placa plana. A
existência de uma correlação entre o valor local de Reθ e o valor máximo de
Reν, que é calculado localmente, torna possível a aplicação dessas correlações
de forma viável para códigos modernos de CFD.
No caso do perfil de Blasius sobre uma placa plana, usado como exemplo
aqui, para uma intensidade turbulenta de Tu = 1.2%, a correlação de Abu-
Ghannam & Shaw (ABU-GHANNAM e SHAW, 1980) prevê um valor de
Reθt = 465. A Figura 16 mostra os perfis de Reν escalonado (Reν / 2,193) nas três
posições já analisadas nos gráficos anteriores. Agora se sabe que o valor
máximo de Reν escalonado equivale ao valor de Reθ para aquela posição.
Pela análise do gráfico se percebe então que para a posição x = 1m o ponto
máximo do perfil de Reν escalonado está em torno de 200, abaixo do critério de
início de transição e, portanto, laminar. Para o perfil na posição x = 5m se vê
que o ponto de máximo tangencia a linha vertical de Reθt, logo esse é
justamente o ponto onde se inicia o processo efetivo de transição. Para a
posição x = 10m o ponto de máximo do perfil Reν escalonado já ultrapassou o
valor de Reθt, nesse ponto então a transição já está ocorrendo ou mesmo já foi
concluída (dependendo do valor do comprimento de transição, Lt).

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Figura 5 - Perfil de Reν escalonado por 2.193 (equivalendo à Reθ) em três posições x
sobre uma placa plana. Comparação com o valor de Reθt mostrado como a
linha vertical.

Obviamente a partir do ponto onde a transição se inicia, esse perfil de


velocidades de camada limite laminar passa a ser alterado pelos efeitos do
processo de transição até o ponto de se tornar um perfil de velocidades de uma
camada limite plenamente turbulenta. Dessa forma, a partir desse ponto é
necessário que o modelo de transição consiga lidar com essa mudança no perfil
de velocidades (que vai alterar essa relação direta entre Reν e Reθ).
Seja como for, a partir desse ponto se tem uma forma de calcular, utilizando
apenas operações locais, o valor de Reθ, que pode ser comparado ao valor de
Reθt obtido a partir das correlações empíricas.
Um gráfico interessante de ser mostrado é o visto na Fig. 17. Nesse gráfico
são mostrados os mesmos três perfis de Reν, porém escalonados utilizando o
valor de 2,193Reθ. Com isso os três perfis são coincidentes e seu valor máximo
é 1, mostrando novamente a validade da Eq. (13).
Uma avaliação física do número de Reynolds baseado na taxa de
cisalhamento local pode ser feita onde é o termo responsável pela
amplificação das perturbações e a viscosidade cinemática representa o
amortecimento das mesmas.
A Figura 18 mostra a variação da razão dada pela Eq. (13) com o fator de
forma H. Nota-se que, para uma faixa de valores entre 2,3 ≤ H ≤ 2,9, a diferença
na razão é menor que 10%. Um fator positivo é que a maioria dos dados
experimentais disponíveis sobre transição em placas planas ou em perfis aero-
hidrodinâmicos cai dentro desta faixa.

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Figura 6 - Perfil da razão Reν/(2.193 Reθ) na camada limite laminar, dada pela solução
de Blasius, para três posições na direção x. Com esse escalonamento
todos os perfis são coincidentes.

Figura 7 - Variação da razão entre Reν e Reθ com o fator de forma H. Adaptado de
(LANGTRY e MENTER, 2009).

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Essa diferença passa a ser significativa quando se tem um forte gradiente


adverso de pressão, principalmente próximo ao ponto de separação da camada
limite laminar que ocorre nessas condições. Nesse ponto o fator de forma fica
em H = 3,5 e a diferença da razão chega aos 50%. Porém para casos nesse
extremo, outros fenômenos surgem que podem ser utilizados para detectar a
transição.
O problema do cálculo de Reθ em cada posição da camada limite foi então
contornado, porém ainda restam o uso das quantidades não-locais, Tu e λθ, e a
própria implementação da interação do modelo de transição com o modelo de
turbulência.
A solução adotada para esses problemas no modelo γ-θ é a utilização de
duas equações adicionais de transporte (por isso do nome do modelo), uma para
a intermitência γ e outra para o número de Reynolds baseado na espessura de
quantidade de movimento crítico (onde se inicia a transição) Reθt (simplificado
para θ no nome do modelo). A seguir essas equações são apresentadas e
discutidas.

3.2 A EQUAÇÃO DA INTERMITÊNCIA


A base do modelo de transição laminar-turbulento proposto por
(LANGTRY e MENTER, 2009) é o uso da grandeza fator de intermitência γ. O
fator de intermitência (deste ponto em diante referenciado apenas como
intermitência) é definido em (SCHLICHTING e GERSTEN, 2000) como sendo
a fração do tempo no qual o escoamento é turbulento em uma dada posição no
espaço. A intermitência é igual a 0 em regiões de escoamento continuamente
laminar (escoamento turbulento 0% do tempo), igual a 1 em regiões de
escoamento continuamente turbulento (escoamento turbulento 100% do tempo)
e varia continuamente entre 0 e 1 em regiões onde ocorre a transição laminar-
turbulento. Essa noção da fração de tempo na qual um escoamento é turbulento
ou laminar (em regiões de transição) pode ser verificada visualmente na Fig. 19.
A partir desse conceito físico, pode-se pensar em uma grandeza que irá
definir, em um campo de escoamento, regiões laminares, turbulentas e de
transição.

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Figura 8 - Medições pontuais de velocidade dentro de um duto circular em posições


dentro da zona de transição laminar-turbulento. Intervalos de
comportamento laminar e intervalos de comportamento turbulento.
Adaptado de (SCHLICHTING e GERSTEN, 2000).

Como a intermitência em um determinado ponto depende das condições do


escoamento ao seu redor e da “história” da porção de fluido em avaliação, é
utilizada uma equação de transporte para a solução dessa variável. A equação
de transporte da intermitência é mostrada na Eq. (14).

(14)

Na Equação (14) são identificados os elementos usuais de uma equação de


transporte: o primeiro e o segundo termos do lado esquerdo são a variação local
(no tempo) e o transporte advectivo de γ; do lado direito o primeiro termo, Pγ é
um termo de produção, Eγ um termo de destruição de γ (termos fonte e
sumidouro) e o último termo representa a difusão molecular e turbulenta de γ.
O termo de produção de intermitência da Eq. (14) é definido como mostra a
Eq. (15).

(15)

Nesse termo ρ e estão presentes para o fechamento das unidades e, junto


com a constante ca1, definir o valor máximo de produção.
O principal elemento desse termo é a função Fonset. Essa função
adimensional avalia localmente se o critério para o início da transição foi
atingido ou não. Em caso negativo, essa função se mantém nula e não ocorre a

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produção de γ. No caso de o critério já ter sido atingido, essa função vai


rapidamente para 1 e o termo de produção de γ é ativado. A função Fonset e seus
termos são mostrados nas Eqs. (16-20).

(16)

(17)

(18)

(19)

(20)

Analisando esses termos temos o seguinte: A Equação (17) avalia se Reθ


local (calculado a partir de Reν local) é menor ou maior que Reθc (a obtenção do
valor local de Reθc é discutida posteriormente). Uma análise simples da Eq. (17)
deixa claro que quando Fonset1 < 1 a transição ainda não iniciou e a camada
limite é laminar. Quando Fonset1 ≥ 1 o processo de transição iniciou ou a camada
limite já é turbulenta.
Como se deseja que a função Fonset funcione ativando ou desativando o
termo Pγ, é necessário que seu valor varie entre 0 e 1, porém o valor de Fonset1
pode aumentar indefinidamente. Define-se então a função Fonset2 conforme a
Eq. (18), Fonset2, além de ter seus valores limitados entre 0 e 2, ainda apresenta
uma variação muito rápida (de ordem 4) quando Fonset1 ≥ 1, dessa forma, quando
o critério de Reθc é atingido, rapidamente essa função atinge seu valor máximo.
A Figura 20 mostra os gráficos das funções Fonset, Fonset1 e Fonset2 variando com o
valor de Reν (usando um valor de exemplo de Reθc = 456 e Fonset3 = 1).
A função Fonset3, mostrada na Eq. (19), tem seu valor igual a 1 na camada
limite laminar, o que faz com que o valor de Fonset, calculado na Eq. (16), varie

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entre 0 e 1. Essa função foi criada na verdade para resolver um problema das
primeiras versões do modelo γ-θ. Nessas versões, quando o processo de
transição iniciava, o perfil de velocidades começava a ser alterado pelo efeito da
transição e com isso o valor de Reν era reduzido, fazendo com que a produção
de γ cessasse (congelando o processo de transição desse ponto para jusante).
Para corrigir esse problema foi desenvolvida a função Fonset3, que passa a ter seu
valor de 1 na região laminar da camada limite, reduzido gradualmente (com o
aumento da razão de viscosidade RT, mostrada na Eq. (20), permitindo que,
mesmo com uma redução de Reν o processo de transição continue.

Figura 9 - Gráfico das funções Fonset, Fonset1 e Fonset2 para Reθc = 456 (Reνc = 1000) e
Fonset3 = 1.

Uma análise adicional que pode ser feita da aplicação desse critério usando
a função Fonset é de que, como a avaliação dessa função é feita localmente, esse
valor varia ao longo da altura da camada limite. Isso pode ser melhor verificado
através do perfil de Reν escalonado para x = 10m da Fig. 16. Nesse perfil,
apenas a porção dele que tem valor maior que 465 irá satisfazer esse critério
(região central). Portanto, é nessa zona que se inicia a transição e a produção de
γ. As porções superior e inferior da camada limite nessa posição não irão ativar
a produção de γ, recebendo γ apenas por difusão da camada de produção.
Conforme o escoamento avança uma porção maior da camada limite satisfaz o
critério de transição e a porção restante recebe γ por difusão.
Isso acaba sendo um ponto positivo do modelo γ-θ já que, como citado em
(LANGTRY e MENTER, 2009), ao menos em transição em bypass, a região de

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valores mais altos de Reν na camada limite corresponde bem à zona de pico de
crescimento de perturbações quando atingida a instabilidade da camada limite
laminar.
O valor de Reθc, usado na Eq. (17) é obtido através de uma correlação
dependente de . é o número de Reynolds baseado na espessura de
quantidade de movimento no início efetivo da transição. Sua obtenção será
discutida mais adiante no texto. Essa correlação foi obtida através de ajuste de
uma curva comparando resultados de simulação numérica com dados
experimentais. Essa função era a primeira de três que não estavam publicadas
até o trabalho de (LANGTRY e MENTER, 2009). As Equações (21, 22)
mostram a função obtida.

(21)

(22)

Um segundo elemento importante na Eq. (15) é a função Flength. Essa


função, também adimensional, controla a magnitude do termo de produção. O
sentido físico dessa função é controlar o comprimento da zona de transição.
Esse comprimento, entre o início da transição até a formação do escoamento
plenamente turbulento, mostrado na Fig. 2, é normalmente obtido por
correlações empíricas.
No modelo γ-θ a função Flength foi obtida através de um ajuste de curva
utilizando a comparação de simulações com resultados experimentais de
transição sobre uma placa plana. As Equações (23, 24) mostram a função obtida
e publicada em (LANGTRY e MENTER, 2009). Até essa publicação, essa era a
segunda de três funções do modelo que eram propriedade da ANSYS Inc. e não
haviam sido divulgadas.

(23)

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João Américo Aguirre Oliveira Jr. 33

(24)

Notou-se que em algumas aplicações, particularmente em casos de


transição ocorrendo com valores muito elevados de , esse escalar se reduz a
um valor muito baixo logo após o fim da transição (por questões numéricas da
formulação). Isto pode causar um aumento súbito no coeficiente de atrito com a
parede nesta região. Para corrigir esse problema pode-se forçar a função Flength
ao seu valor máximo (na formulação atual Flength,maximum = 40) dentro da
subcamada viscosa. Isto é feito através das Eqs. (25-27).

(25)

(26)

(27)

O termo de destruição de γ, Eγ, é definido conforme mostrado na Eq. (28).


Nota-se, em primeiro lugar, o uso da vorticidade média no lugar da taxa de
cisalhamento média. Isto faz com que Eγ apresente valores muito baixos na
corrente livre, uma vez que essa região do escoamento normalmente apresenta
valores baixos de . Esse comportamento é o desejado, já que na corrente livre
o valor de γ deve se manter igual a 1.

(28)

Um segundo elemento dessa equação é a função adimensional Fturbulent. Sua


forma é mostrada na Eq. (29). Essa função ativa o termo Eγ em camadas limites
laminares, nas quais RT vai para 0, e anula o termo de destruição fora da camada
limite, onde RT apresenta valores muito altos (µT >> µ). Usando a função
Fturbulent o efeito de desativação do termo Eγ ocorre mesmo que, por alguma
razão, uma região da corrente livre apresente altos valores de .

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(29)

As constantes utilizadas nos termos referentes à equação de transporte de γ


são mostrados na Eq. (30). Observa-se que o valor da constante ce2 faz com que
o termo Eγ seja anulado com γ = 0,02. Esse acaba sendo então o valor mínimo
de γ no domínio. Apesar de não-nulo, esse valor é baixo o suficiente para
manter a camada limite laminar.

(30)

Com a formulação apresentada até aqui, o modelo trata transição nos


modos natural e bypass. Em casos onde ocorria separação laminar o modelo
previa o recolamento da camada limite turbulenta (a transição ocorre ainda na
bolha de separação) em posições sempre a jusante do que era observado
experimentalmente. Além disso, eram observados valores baixos de energia
cinética turbulenta, κ, nessas zonas. Atribuiu-se então esse recolamento atrasado
a essa baixa produção de energia cinética turbulenta. Como κ, e
consequentemente μT, aumenta lentamente na simulação acaba que o ponto de
recolamento simulado fica muito além do experimental, mesmo se o ponto de
início da transição tenha sido corretamente previsto pelo modelo.
Para corrigir essa deficiência na produção de κ em casos de separação de
camada limite laminar, foi introduzida uma modificação na intermitência que é
injetada no modelo de turbulência (como será mostrado mais tarde). Essa
modificação se baseia no cálculo de uma segunda intermitência relativa à
separação, denominada γseparation. Que pode apresentar valores maiores que 1. A
Eq. (31) mostra o cálculo de γseparation.

(31)

Um dos pontos que se observa na Eq. (31) é que na comparação de Reν


local com Reθc o valor da constante utilizada para conversão muda de 2,193
para 3,235. Isto ocorre porque, no caso de separação da camada limite laminar,
o perfil de velocidades se deforma significativamente em relação ao perfil de
Blasius para gradiente de pressão nulo. Na situação de separação da camada
limite laminar o fator de forma tem seu valor H = 3,5, enquanto que para
gradiente de pressão nulo o valor do fator de forma é H = 2,59 (LANGTRY,
2006).

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Nota-se também na Eq. (31) que existe uma faixa de valores que γseparation
pode apresentar, 0 ≤ γseparation ≤ 2. Dessa forma o termo de produção de energia
cinética turbulenta do modelo de turbulência associado pode ser aumentado em
até 100% de seu valor original.
A função Freattach é mostrada na Eq. (32). Essa função desativa a
intermitência aumentada quando a produção de κ gera valores altos de μT, que
se reflete em uma alta razão de viscosidades (novamente calculada usando a
Eq. (20)).

(32)

A intermitência que entra no modelo de turbulência, promovendo a ligação


com o modelo de transição é uma intermitência efetiva, calculada como mostra
a Eq. (33).
(33)

A constante s1 tem seu valor dado na Eq. (34).


(34)

3.3 A EQUAÇÃO DE
Como apresentado anteriormente, uma das principais dificuldades da
implementação de um modelo baseado em correlações empíricas para modelar a
transição em códigos modernos de CFD é o fato de que informações de fora da
camada limite (Tu e λθ) influenciam a transição da camada limite.
Essa transferência de informações da corrente livre para a camada limite foi
a primeira das operações não-locais que se precisou contornar para desenvolver
um modelo de transição baseado nas correlações empíricas.
A solução para essa questão no modelo γ-θ foi o uso de uma equação de
transporte para o número de Reynolds baseado na espessura de quantidade de
movimento que marca o início efetivo da transição: . Essa equação de
transporte é mostrada na Eq. (35).

(35)

Essa equação tem a função de calcular fora da camada limite o valor de


, baseado nos valores de coeficiente de gradiente de pressão e intensidade

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turbulenta, que são informações locais na região de corrente livre e transportar


essa informação para dentro da camada limite, através de seu termo de difusão.
Esse efeito de transporte de é útil por duas razões: Primeiro por seu
objetivo principal, levar essa informação da corrente livre para a camada limite
e; segundo pelo efeito de atraso de na camada limite em relação ao seu
valor na corrente livre. Esse efeito de atraso é positivo no sentido que permite
que o valor de de posições mais a montande na camada limite, que é
transportado por advecção, influencie o valor local de . Isso simula o efeito
de história no critério de transição como verificado por (ABU-GHANNAM e
SHAW, 1980). A Figura 21 mostra esse efeito de balanço entre advecção e
difusão de em diferentes posições na camada limite.

Figura 10 - Distribuição de em diferentes posições da camada limite mostrando a


difusão de da corrente livre e a advecção de da própria camada
limite. Adaptado de (MENTER, LANGTRY, et al., 2004).

O termo de produção Pθt é definido como mostra a Eq. (36).

(36)

Essa definição de Pθt apresenta 3 partes distintas. A primeira é a razão entre


a massa específica ρ e uma escala de tempo τ. Essa escala de tempo foi definida
através de análise dimensional e tem como objetivo tornar o termo de produção

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João Américo Aguirre Oliveira Jr. 37

da mesma ordem dos termos advectivo e difusivo da equação de transporte de


. τ é obtida através da Eq. (37).

(37)

A segunda parte do termo é a diferença entre , calculado localmente a


partir das correlações implementadas (usando Tu e λθ), e , a variável
efetivamente transportada. Esse elemento tem apenas a função de fazer com que
seja igual à na corrente livre. Quando < o termo de
produção é positivo e aumenta e se aproxima de . Quando
= o termo de produção se anula e se mantém a igualdade. Se de
alguma forma tem-se > o termo de produção passa a ser negativo
(agindo como um termo de destruição) e reduzindo o valor de , novamente
fazendo esse se aproximar de .
A terceira componente do termo de produção é a função Fθt, essa função
desativa (anula) o termo de produção dentro da camada limite, fazendo com que
a única informação de que chegue na camada limite seja aquela difundida
da corrente livre. Fθt é nula na corrente livre e vai a 1 na camada limite. Essa
função é mostrada na Eq. (38).

(38)

Na corrente livre o valor da intermitência é γ = 1, assim dentro da função de


máximo, o segundo elemento se anula nessa região. Em regiões muito afastadas
da parede a distância da parede y é muito grande e o primeiro termo da função
de máximo da Eq. (38) também se anula. Assim, a função de mínimo fica entre
0 e 1, escolhendo 0.
Dentro da camada limite laminar o valor de γ é 0, fazendo com que o
segundo elemento da função de máximo tenda a 1. No caso de uma camada
limite laminar e com baixa intensidade turbulenta na corrente livre o primeiro
elemento se anula (a função Fwake mostrada adiante se anula) e a função máximo
retorna o valor 1. A função mínimo fica entre dois valores 1 e, logo, retorna 1
para regiões dentro da camada limite laminar.
A função Fwake serve para buscar regiões de elevada intensidade turbulenta
(como na esteira a jusante de perfis aero/hidrodinâmicos) e manter a função
inativa nessas zonas. Os cálculos dos componentes desse primeiro elemento da

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função máximo e da função Fwake são mostrados nas Eqs. (39-43). Na Eq. (39)
se calcula usando o valor de local o valor da espessura de quantidade de
movimento θ. A Eq. (40) é uma relação entre θ e a espessura da camada limite
local, δ. Essa relação é obtida através do cálculo dessas espessuras para uma
camada limite laminar sem gradiente de pressão usando o perfil de Blasius
(WHITE, 2005), (SCHLICHTING e GERSTEN, 2000). Na Equação (41) se
calcula uma espessura sobre a qual efeitos de esteira devem ser considerados.

(39)

(40)

(41)

(42)

(43)

A Equação (42) calcula um número de Reynolds baseado na frequência


turbulenta ω e na distância à parede y. Tipicamente ω tem um valor elevado em
regiões de esteira e pode ser usado como um marcador desse tipo de zona, como
é feito na função Fwake mostrada na Eq. (43).
As constantes dessas equações são mostradas na Eq. (44).

(44)

Falta ainda o cálculo de , que é feito baseado em uma correlação


modificada a partir de uma forma inicial apresentada em (MENTER,
LANGTRY, et al., 2004). Essa correlação calcula para os valores locais de
Tu e λθ. λθ é calculado com base na espessura de quantidade de movimento local
θ (dada pela Eq. (39)) e da aceleração na direção das linhas de corrente, como
mostrado na Eq. (45).

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João Américo Aguirre Oliveira Jr. 39

(45)

O cálculo da intensidade turbulenta é feito usando a solução de energia


cinética turbulenta local e aplicando a velocidade da corrente livre, como
mostra a Eq. (46).

(46)

A velocidade da corrente livre U e a aceleração na direção da linha de


corrente são mostradas nas Eqs. (47-51).

(47)

(48)

(49)

(50)

(51)

Com esses valores calculados, utilizam-se as Eqs. (52, 53) para obtenção de
. Nota-se nas Eqs. (52, 53) um tratamento da influência de λθ similar ao de
Abu-Ghannam & Shaw (mostrado nas Eqs. (10, 11)).

(52)

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(53)

É importante ressaltar a faixa de valores de Tu e λθ para os quais as


Eqs. (52, 53) foram ajustadas. A Equação (55) mostra esses valores limite,
assim como um valor mínimo de que é significativo. Até sua publicação
em (LANGTRY e MENTER, 2009) essas correlações eram propriedade da
ANSYS Inc. e não eram divulgadas, nem mesmo na documentação dos pacotes
de CFD CFX e FLUENT, onde essa versão do modelo estava implementada
(ANSYS INC., 2013).

(54)

Com isso se completa a formulação da equação de transporte de e esse


valor é utilizado nas outras correlações para o cálculo de e Flength na
equação de γ.

3.4 INTERAÇÃO COM O MODELO DE TURBULÊNCIA


O modelo γ-θ foi desenvolvido e calibrado para interagir com o modelo de
turbulência a duas equações SST (Shear Stress Transport) de (MENTER, 1994),
(MENTER, KUNTZ e LANGTRY, 2003). Não é o objetivo desse trabalho
discutir o modelo SST mas sim suas modificações para integração com o
modelo γ-θ.
A interação do modelo de transição γ-θ com o SST é feita principalmente
através do termo de produção de energia cinética turbulenta. Além dessa
interação, também o termo de dissipação (destruição) de κ e uma das funções de
ligação do modelo SST também são alteradas. Uma das vantagens da integração
com o modelo SST é que nesse modelo já se calcula a distância à parede mais
próxima y através de uma equação tipo Poisson. Essa distância é usada em
diversas equações do modelo γ-θ.
A Equação (55) mostra a versão modificada da equação de transporte de κ.
A equação é aparentemente a mesma do modelo SST, porém os termos de
produção e dissipação tem sua representação alterada para e .

(55)

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João Américo Aguirre Oliveira Jr. 41

A versão modificada do termo de produção é mostrada na Eq. (56). De


forma bastante simples, se calcula o termo de produção original do modelo SST
e o termo modificado é simplesmente o produto entre o termo original e a
intermitência efetiva.

(56)

Essa interação, via termo de produção, e não via viscosidade turbulenta


como é feito em (STEELANT e DICK, 2001) e (SUZEN, HUANG, et al.,
2003), tem uma série de vantagens de modelagem física e numéricas. Primeiro
ela permite que viscosidade turbulenta da corrente livre seja difundida para a
camada limite, aumentando assim o atrito (laminar) e a taxa de transferência de
calor na parede. Isto ocorre em casos onde a intensidade turbulenta seja muito
alta na corrente livre. O efeito é observado experimentalmente mesmo com a
camada limite ainda laminar. Numericamente, essa interação aumenta a
robustez do modelo, porque o efeito da intermitência, que é forte
numericamente uma vez que as correlações empregadas no cálculo são bastante
não-lineares, não aparece diretamente nas equações de conservação de
quantidade de movimento. Quando a interação é implementada via μT esse
efeito numérico é injetado diretamente nas equações de conservação, uma vez
que μT aparece diretamente no termo difusivo das equações de balanço de
quantidade de movimento.
Em casos onde a transição ocorre nos modos natural, bypass e induzida por
esteira, o valor de γeffective varia entre 0 ≤ γeffective ≤ 1, assim o termo de produção,
desativado na camada limite laminar (γeffective = 0) aumenta gradativamente até
atingir o seu valor natural no modelo SST quando a transição se completa
(γeffective = 1). Em casos onde a transição se dá por separação da camada limite
laminar, o valor de γeffective varia na faixa 0 ≤ γeffective ≤ 2, fazendo com que o
termo de produção seja amplificado para representar a transição do tipo camada
de cisalhamento livre no escoamento descolado.
O termo de dissipação de κ modificado, , é apresentado na Eq. (57).

(57)

Observa-se na Eq. (57) que existem dois limites claros para o termo de
dissipação de κ modificado. O primeiro limite é quando a intermitência é muito
baixa (como γeffective = 0 na camada limite laminar) na qual o coeficiente que
multiplica o termo de dissipação original, Dκ, é de 0,1. Assim, mesmo sem que
haja produção de energia cinética turbulenta ainda se tem 10% do termo
original de dissipação. Isso faz com que ainda se tenha algum efeito de
dissipação da energia cinética turbulenta dentro da camada limite laminar, que

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elimina a influência de κ que vem da corrente livre por difusão. O outro limite é
quando a intermitência é alta (γeffective ≥ 1) no qual, mesmo para casos de
transição por separação da camada limite laminar (γeffective > 1), o coeficiente que
multiplica o termo original de dissipação é igual a 1. Dessa forma em casos
onde ocorre a transição em uma bolha de separação o termo de produção é
amplificado, mas o termo de dissipação se mantém limitado. Obtém-se então o
efeito de aumento rápido de κ esperado.
Uma última correção é necessária na primeira função de ligação do modelo
SST. Essa função, chamada no modelo SST de F1, faz a transição entre os
modelos κ-ω e κ-ε, usados em regiões de parede e de corrente livre,
respectivamente. F1 tem o valor de 1 na região de parede e de 0 na região de
corrente livre. Essa função foi desenvolvida para lidar com camadas limites
turbulentas e, quando aplicada em camadas limites laminares pode ter seu valor
alterado para 0 ainda dentro da camada limite. A solução para esse problema é
simples, bastando manter o valor da função de ligação em 1 dentro da camada
limite laminar, o que é feito utilizando a função de ligação modificada ,
mostrada na Eq. (58).

(58)

Na Equação (58), F1 é a função de ligação original do modelo SST e F3 é


função de correção de F1 para a camada limite laminar. Essa função F3 é
calculada como mostrado nas Eqs. (59, 60).

(59)

(60)

Na Equação (59) se calcula um número de Reynolds baseado na distância


da parede y e em uma escala de velocidade para as flutuações turbulentas (dada
por ). Esse número de Reynolds é muito baixo dentro da camada limite
laminar, tanto pelo baixo valor de y quanto pelo ainda menor valor de κ nessa
região (aproximadamente nulo). Na Equação (60) simplesmente se transforma
esse número de Reynolds em um parâmetro na faixa 0 ≤ F3 ≤ 1.

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João Américo Aguirre Oliveira Jr. 43

3.5 ASPECTOS NUMÉRICOS E DE APLICAÇÃO


Apesar de já ter uma formulação bastante aprimorada, em desenvolvimento
desde 2002 (MENTER, ESCH e KUBACKI, 2002), a aplicação do modelo γ-θ
em casos industriais deve ser feita de forma bastante criteriosa. Para as
aplicações típicas para as quais esse modelo já foi testado (mais
especificamente, aplicações nas quais os modos de transição sejam natural,
bypass ou por separação) o modelo está validado e fornece resultados melhores
do que os obtidos usando um modelo de turbulência sem considerar a transição.
Para aplicações mais complexas, onde sabidamente outros modos de transição
estejam presentes, o ideal é avaliar o desvio dos resultados da simulação com
dados experimentais antes de uma efetiva aplicação do modelo para projeto.
A definição de um caso de simulação utilizando o modelo γ-θ é
relativamente simples. As condições de contorno do modelo são todas pré-
estipuladas. Para a equação de γ as condições de contorno são de fluxo normal
de γ nulo e nas regiões de entrada seu valor é 1 (o escoamento é tido como
plenamente turbulento). A condição de contorno de em paredes também é
de fluxo nulo, enquanto que em condições de entrada seu valor é calculado
através das condições de contorno já fornecidas para o modelo de turbulência
(calcula-se Tu e aplica-se nas correlações).
Assim quando se aplica o modelo γ-θ numa simulação, praticamente
nenhuma informação adicional (em relação aquelas já fornecidas para o modelo
de turbulência) é necessária.
A maior requisição para aplicação do modelo γ-θ está na geração de malha
para a simulação. Como o modelo se baseia na avaliação de quantidades locais
dentro da camada limite, é necessária a solução completa da mesma. Desta
forma a malha para uso do modelo deve ter, em todas as superfícies de interesse
y+ < 1 com um número de células razoável dentro da camada limite (~20
células). Não respeitar esse requisito implica em uma má solução da camada
limite, uma má avaliação dos critérios de transição e, obviamente um resultado
ruim.

4 RESULTADOS DO MODELO DE TRANSIÇÃO


Para finalizar a discussão sobre o modelo γ-θ serão apresentados aqui
alguns resultados obtidos na aplicação desse modelo em casos selecionados de
validação e aplicações industriais. Diversos outros resultados estão disponíveis
na literatura (LANGTRY, MENTER, et al., 2004), (LANGTRY, GOLA e
MENTER, 2006), (LANGTRY, 2006), (LANGTRY e MENTER, 2009),
(DELAFIN, DENISET e ASTOLFI, 2014), (LANZAFAME, MAURO e
MESSINA, 2014), inclusive sobre a aplicação desse modelo em outros códigos
comerciais (MALAN, SULUKSNA e JUNTASARO, 2009) ou mesmo
acadêmicos. Alguns trabalhos mostram resultados de simulações com
transferência de calor conjugada com a aplicação do modelo (HONGJUN,

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ZHENGPING, et al., 2013). Outros trabalhos aplicam o modelo γ-θ inclusive


para casos de relaminarização (ABRAHAM, SPARROW, et al., 2010).
Os dois primeiros resultados discutidos são uma avaliação do modelo e sua
validação no escoamento sobre uma placa plana com variações de Tu e λθ.

4.1 INFLUÊNCIA DE TU DA CORRENTE LIVRE NA TRANSIÇÃO


Para avaliar a se a influência da intensidade turbulenta da corrente livre
(Tu) era corretamente capturada pelo modelo, uma bateria de simulações do
escoamento sobre uma placa plana com λθ = 0 a diferentes condições de Tu.
Esses casos são casos padrão com resultados experimentais
disponibilizados para esse tipo de validação pela ERCOFTAC (European
Research Community on Flow, Turbulence and Combustion Database)
(ERCOFTAC, 2014). Particularmente a série de dados sobre escoamento em
placas planas é denominada T3. Os resultados aqui apresentados foram
extraídos de (MENTER, LANGTRY e VÖLKER, 2006). Detalhes sobre as
simulações podem ser encontrados nessa mesma referência e em (LANGTRY,
2006).
A Figura 22 mostra o resultado de quatro casos (para quatro valores
diferentes de Tu) com suas distribuições de Cf como função da posição sobre a
placa (em sua forma adimensional Rex). Nos quatro gráficos, além dos dados
experimentais estão incluídos os resultados de simulações sem modelo de
turbulência (considerando o escoamento laminar), simulações usando o modelo
SST (então considerando o escoamento plenamente turbulento desde o bordo de
ataque da placa) e simulações com o modelo de transição γ-θ.
Analisando os resultados da Fig. 22 se percebe que os dados experimentais
acompanham inicialmente o resultado da simulação laminar. Após isso aparece
uma região onde Cf sobe até os valores obtidos nas simulações com SST (esta é
a zona de transição). Após essa região os dados experimentais acompanham os
resultados das simulações com SST até o fim do domínio de cálculo.
A principal diferença observada entre os quatro casos é que, conforme Tu
da corrente livre aumenta, mais a montante ocorre a transição.
Os resultados obtidos com o modelo γ-θ mostram uma excelente
concordância com os dados experimentais, capturando corretamente a posição
da zona de transição. Este comportamento era esperado, uma vez que o modelo
utiliza justamente correlações de transição que foram calibradas utilizando esses
casos como referência.
Conforme discutido anteriormente, os dois primeiros resultados (com Tu <
1%) capturam a transição no modo natural e os dois últimos (com Tu > 1%)
reproduzem a transição antecipara no modo bypass.

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Figura 1 - Distribuição do coeficiente de atrito, Cf, ao longo de uma placa plana,


diferentes gráficos para diferentes valores de Tu na corrente livre.
Comparação de dados de simulação laminar, plenamente turbulenta, com
modelo de transição e experimentos. Adaptado de (MENTER,
LANGTRY e VÖLKER, 2006).

4.2 INFLUÊNCIA DE ΛΘ NA TRANSIÇÃO


Outra bateria de casos utilizada para validação do modelo γ-θ, ainda da
série de dados experimentais T3, é composta por casos onde se mantém Tu
constante e se varia o λθ sobre a camada limite. A variação de λθ é feita desde
valores favoráveis ao escoamento (dp/dx < 0) até valores adversos (dp/dx > 0)
altos o suficiente para promover o descolamento da camada limite laminar da
placa.
Para esses casos as simulações foram feitas laminares (sem modelo de
turbulência) e usando o modelo de transição γ-θ. Detalhes do aparato
experimental e das simulações são encontrados em (MENTER, LANGTRY e
VÖLKER, 2006) e (LANGTRY, 2006). Na Figura 23 são mostrados os
resultados dos quatro casos simulados.

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Figura 2 - Distribuição do coeficiente de atrito, Cf, ao longo de uma placa plana,


diferentes gráficos para diferentes valores de λθ na corrente livre.
Comparação de dados de simulação laminar, com modelo de transição e
experimentos. Adaptado de (MENTER, LANGTRY e VÖLKER, 2006).

Nos dois primeiros casos (resultados da parte superior do gráfico) o


gradiente de pressão era favorável. Com isso o que se observa é que o ponto de
início da transição se desloca para uma posição a jusante do ponto onde
ocorreria sem gradiente de pressão. O caso identificado como “pico de sucção”
se refere ao maior gradiente de pressão favorável imposto no experimento.
Nesse caso o modelo previu uma transição um pouco mais abrupta do que os
dados experimentais indicam. Considerando-se que foi utilizado um valor
constante da razão max(Reν)/Reθ (de 2.193, válido para gradiente de pressão
nulo, conforme discutido anteriormente) os resultados das simulações
apresentam boa concordância com os dados experimentais.
Os dois gráficos da parte inferior da Fig. 23 apresentam a comparação dos
resultados das simulações com os dados experimentais para casos com
gradiente de pressão adverso No primeiro deles (à esquerda) se obtém
novamente uma boa concordância com os experimentos, capturando inclusive o
efeito de transição mais abrupta. No segundo caso, identificado como “transição
induzida por separação”, o gradiente de pressão adverso imposto foi intenso o
suficiente para causar o descolamento da camada limite e forçar uma transição
de camada de cisalhamento livre. O comportamento dos resultados da
simulação usando o modelo γ-θ foi excelente, concordando muito bem com os

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dados experimentais. Isto mostra que a forma escolhida para tratar esse tipo de
situação, do uso de γeffective, funcionou conforme esperado.

4.3 PERFIL S809 E TURBINA NREL FASE VI


Em um trabalho mostrando a aplicação do modelo γ-θ (LANGTRY, GOLA
e MENTER, 2006), se demonstrou o potencial do modelo na simulação do
escoamento bidimensional sobre um perfil aerodinâmico comumente usado na
indústria de energia eólica e no estudo tridimensional sobre uma pá de uma
turbina eólica usando esse perfil. Esse caso serviu tanto como exemplo de
aplicação industrial do modelo γ-θ como também como um caso de validação,
uma vez que dados experimentais estavam disponíveis para ambas as análises
(bidimensional e tridimensional)
O perfil aerodinâmico usado foi o S809, um perfil com espessura de 21%
(razão e/c, onde e é a maior espessura do perfil e c a sua corda) que foi
desenvolvido especialmente para turbinas eólicas de eixo horizontal. Esse perfil
é mostrado na Fig. 24.

Figura 3 - Perfil aerodinâmico S809 para aplicação em turbinas eólicas com eixo
horizontal. Adaptado de (LANGTRY, GOLA e MENTER, 2006).

Além das simulações usando o modelo γ-θ, o escoamento bidimensional


também foi simulado usando apenas o modelo de turbulência SST
(considerando o escoamento plenamente turbulento) e também usando o
XFOIL. Como já discutido, o XFOIL usa o modelo en para prever transição
natural.

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A Figura 25 mostra a distribuição do coeficiente de pressão Cp, dado pela


Eq. (61), sobre ambos os lados da superfície do perfil aerodinâmico. Na
Eq. (61) p é a pressão sobre cada ponto da superfície do perfil e preference é uma
pressão usada como referência para as análises.

(61)

Figura 4 - Distribuição do coeficiente de pressão, Cp, no perfil S809, resultados para


ângulo de ataque α = 1º. Adaptado de (LANGTRY, GOLA e MENTER,
2006).

O que se vê na Fig. 25 é que tanto o modelo de transição γ-θ quanto o


XFOIL foram capazes de capturar o descolamento laminar e o recolamento
turbulento que ocorre em ambos os lados do perfil. Pequenas bolhas de
recirculação se formam para esse ângulo de ataque α = 1º. A simulação com o
modelo SST não capturou o descolamento, uma vez que, como a camada limite
já era considerada turbulenta, ela recebe energia da corrente livre (por difusão
turbulenta) e consegue se manter colada ao perfil.
Devido a essa capacidade de capturar a separação laminar, a transição de
camada de cisalhamento livre e o recolamento turbulento, se obteve uma
excelente concordância entre os resultados da simulação com o modelo γ-θ e os
dados experimentais.
Outro resultado interessante de ser avaliado é a análise do ponto sobre cada
lado do perfil onde se inicia o processo de transição como função do ângulo de
ataque.

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A Figura 26 mostra os resultados obtidos utilizando o XFOIL e simulações


com o modelo γ-θ em comparação aos dados experimentais. Observa-se que
para pequenos ângulos de ataque, os resultados do XFOIL, do modelo γ-θ e os
dados experimentais se confundem (diferença menor que 1% em xc/c). Para
ângulos de ataque maiores se percebe uma variação mais intensa no valor de
xc/c para o lado de pressão do perfil nos resultados do XFOIL. Os dados
experimentais e os resultados do modelo γ-θ mostram uma tendência de
aumento bem mais suave.

Figura 5 - Variação da posição do início da transição laminar-turbulento no perfil S809


em função do ângulo de ataque α. Adaptado de (LANGTRY, GOLA e
MENTER, 2006).

Para o lado de sucção do perfil, tanto os resultados do XFOIL quanto do


modelo γ-θ mostram a forte variação de xc/c que se observa nos resultados
experimentais para α > 5º. Para ângulos de ataque elevados os resultados do
XFOIL são um pouco mais precisos que os do modelo γ-θ, porém a diferença
não é grande entre os resultados.
As análises tridimensionais foram feitas sobre uma pá da turbina eólica
NREL Fase VI que utiliza o perfil S809. Essa turbina foi testada
experimentalmente no NASA Ames Research Center.
A Figura 27 mostra a geometria e a malha superficial da pá simulada da
turbina NREL Fase VI. Nos experimentos a rotação da turbina foi mantida em
72rpm, valor esse que foi utilizado nas simulações. Maiores detalhes sobre os

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experimentos e as simulações podem ser obtidos em (LANGTRY, GOLA e


MENTER, 2006) e (LANGTRY, 2006).

Figura 6 - Vista em perspectiva da geometria e malha da uma pá da turbina eólica do


projeto NREL Fase VI. Extraído de (LANGTRY, GOLA e MENTER,
2006).

As simulações foram realizadas variando-se a velocidade do vento


incidindo sobre a turbina entre 7m·s-1 e 25m·s-1, sempre utilizando o modelo γ-θ
para captura dos efeitos de transição sobre a pá.
A Figura 28 mostra os resultados obtidos para o campo de γ sobre a
superfície do perfil para três velocidades de vento simuladas. Observa-se que,
como era esperado fisicamente, na velocidade de vento mais baixa (7m·s-1) se
tem uma maior região de escoamento laminar. Além disso, também se observa
que existe, pelo menos na velocidade mais baixa e na velocidade intermediária
(10m·s-1), um efeito de borda na transição, tanto junto à raiz da pá quanto em
sua extremidade.
A Figura 29 mostra o resultado de duas simulações comparando os
resultados de distribuição de torque gerado sobre a superfície da pá com o
modelo de transição γ-θ (abaixo) e apenas com o modelo de turbulência SST
(acima), para uma mesma velocidade de vento (20m·s-1). Nota-se uma diferença
significativa no torque gerado na região do bordo de ataque da pá (na parte
superior das imagens). O caso sem o modelo de transição mostra um torque
muito maior gerado nessa zona.

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Figura 7 - Distribuição de γ sobre a pá da turbina eólica NREL Fase VI para diferentes


velocidades, 7m·s-1 (acima), 10m·s-1 (centro) e 20m·s-1 (abaixo), escala de
γ = 0 (azul) a γ = 1 (vermelho). Adaptado de (LANGTRY, GOLA e
MENTER, 2006).

Figura 8 - Distribuição do torque sobre a superfície de uma pá da turbina NREL Fase VI


em duas simulações distintas: simulação com modelo SST (acima) e
simulação com o modelo γ-θ (abaixo). Adaptado de (LANGTRY, GOLA e
MENTER, 2006).

Isso se reflete no resultado de torque total sobre o eixo da turbina. Essa


mesma simulação foi repetida para outras velocidades de vento e o resultado,
em termos de torque total no eixo da turbina como função da velocidade do
vento, é mostrado na Figura 30. Nota-se nesse gráfico que a diferença entre o
torque previsto pela simulação plenamente turbulenta e com captura da
transição é bastante significativo, especialmente para os casos com maiores

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velocidades de vento. A diferença para a velocidade de 20m·s-1 chega a mais de


100%.

Figura 9 - Variação do torque no eixo da turbina NREL VI como função da velocidade


do vento incidente. Resultados usando o modelo SST e usando o
modelo de transição γ-θ. Adaptado de (LANGTRY, GOLA e MENTER,
2006).

4.4 CILINDRO E CRISE DO ARRASTO


Um caso bastante interessante, sempre discutido no desenvolvimento de
modelos de turbulência e tratamentos de parede, é o caso do escoamento
transversal a um cilindro circular. Esse caso é especialmente atrativo para testes
com o modelo γ-θ porque apresenta um fenômeno ligado diretamente à
transição da camada limite sobre o cilindro, conhecido como crise do arrasto
(WHITE, 2005). A crise do arrasto é caracterizada por uma súbita redução no
coeficiente de arrasto a altos valores do número de Reynolds baseado no
diâmetro do cilindro, ReD.
Essa redução abrupta do coeficiente de arrasto é causada pela transição da
camada limite sobre o cilindro nesses valores altos de ReD. Quando a camada
limite é laminar, ela não tem energia suficiente para se manter colada à parede e
o descolamento ocorre em um ponto à montante do ponto de 90º no cilindro
(considerando 0º o ponto de estagnação). Com isso se forma uma região de
esteira, com baixa pressão, bastante espessa, gerando um arrasto significativo.
Quando a camada limite sobre o cilindro transiciona, ela passa a receber mais
energia da corrente livre (por difusão turbulenta) e consegue se manter colada à

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parede do cilindro até posições a jusante do ponto de 90º do cilindro. Assim a


espessura da região de esteira (de baixa pressão) diminui consideravelmente,
reduzindo o arrasto gerado.
Como nos modelos de turbulência padrão a camada limite é considerada
como plenamente turbulenta, não se consegue capturar esse efeito. A
expectativa era que, usando um modelo de transição como o γ-θ, fosse possível
capturar esse fenômeno.
A Figura 31 mostra o resultado de duas simulações, com diferentes valores
de ReD. No primeiro caso simulado, mostrado na imagem superior da Fig 31,
ReD = 100.000 e a camada limite sobre o cilindro é inteiramente laminar. Com
isso se observa o descolamento à montante do ponto de 90º e a formação de
uma zona de esteira muito espessa. No segundo caso, mostrado na imagem
inferior da Fig. 31, ReD = 2.000.000, a camada limite transiciona sobre o
cilindro. Com isso ocorre o transporte de energia da corrente livre e a camada
limite se mantém colada ao cilindro, separando apenas mais a jusante. Assim
observa-se a redução na espessura da zona de esteira e a redução do arrasto.

Figura 10 - Simulações do escoamento em torno de um cilindro circular com diferentes


valores de ReD. Ambos os casos com o modelo γ-θ.

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Uma bateria de simulações desse caso, variando ReD. Foi realizada com o
modelo SST e com o modelo γ-θ. A comparação dos resultados está na Fig. 32.
Observa-se que, para uma mesma faixa de ReD, a simulação com o modelo SST
prevê um valor baixo de coeficiente de arrasto, CD, com queda suave. Nas
simulações com o modelo γ-θ os valores de CD são comparáveis aos dados
experimentais e a queda na ocorrência da transição da camada limite é bastante
abrupta, reproduzindo a crise do arrasto. A pequena diferença no valor de ReD
na qual ocorre essa queda é perfeitamente aceitável, uma vez que mesmo em
dois experimentos distintos é difícil reproduzir esse valor crítico ReD.

Figura 11 - CD sobre um cilindro circular variando ReD. Dados experimentais e


resultados de simulação com e sem o modelo γ-θ. Adaptado de
(MENTER, LANGTRY, et al., 2004).

O coeficiente de arrasto é definido na Eq. (62). Na Equação (62) D é a força


de arrasto medida sobre o cilindro.

(62)

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4.5 O EUROCOPTER
O último caso a ser discutido aqui é a simulação do Eurocopter
(LANGTRY, 2006). Esse caso é o estudo dos coeficientes de arrasto e
sustentação de uma estrutura de um helicóptero (sem rotor e pás). Esse caso não
é usado como validação do modelo, pela ausência de dados experimentais, mas
demonstra a aplicação do modelo γ-θ em um caso industrial.
A Figura 33 mostra o resultado de duas simulações idênticas exceto por
uma usar o modelo SST (esquerda) e outra o modelo γ-θ (direita).

Figura 12 - Distribuição de Cf sobre o Eurocopter, com iso-superfícies de escoamento


reverso (em vermelho). Adaptado de (LANGTRY, 2006).

O que se percebe nos resultados mostrados na Fig. 33 é que ocorre uma


redução significativa no coeficiente de arrasto em toda parte frontal da estrutura
do Eurocopter quando se usa o modelo de transição. Além da parte frontal, as
duas superfícies de controle laterais na cauda apresentam um coeficiente de
arrasto muito menor que o da superfície central da cauda.
A razão para essas reduções é, como se pode esperar, que o escoamento
nessas regiões é laminar. A Figura 34 mostra a distribuição de γ sobre a
superfície do modelo. Percebe-se de forma evidente as regiões de escoamento
laminar na parte frontal da estrutura e também nas superfícies de controle
laterais na cauda. Analisando os resultados da simulação os autores concluíram
que a superfície de controle central da cauda só apresenta camada limite
turbulenta porque a transição é adiantada por efeito da esteira que vem da parte
frontal da estrutura.

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Figura 13 - Distribuição de γ sobre a superfície do Eurocopter, regiões com γ = 0 em


azul e regiões com γ = 0 em vermelho. Adaptado de (LANGTRY, 2006).
5 CONCLUSÃO

Conforme o objetivo traçado na introdução foram discutidos diferentes


aspectos do processo de transição laminar-turbulento em camadas limite.
Primeiramente foram apresentadas características físicas do processo,
classificando os modos de transição. Em seguida foram discutidas algumas das
abordagens utilizadas em engenharia para o tratamento de problemas
envolvendo transição.
Uma descrição completa da formulação do modelo γ-θ foi apresentada,
discutindo cada uma das equações que compõem o modelo. Foi dado destaque
para a visão de que o modelo γ-θ é na verdade uma infraestrutura para
implementação de critérios de transição baseados em correlações em códigos
modernos de CFD.
Por fim resultados de validação e de aplicação do modelo em casos
industriais foram mostrados para avaliação do modelo.
O modelo γ-θ ainda carece de correlações e tratamento para outros tipos de
transição, como a transição por escoamento cruzado (camada limite
tridimensional), por exemplo. Mas uma vez que sejam disponibilizadas boas
correlações na literatura elas podem ser implementadas no modelo e calibradas
sem efeitos prejudiciais às correlações já implementadas e ao modelo de
turbulência base.
Outra deficiência do modelo é que o cálculo da velocidade e da aceleração
da corrente livre não é galileano invariante, apresentando problemas em seu

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cômputo em casos com várias paredes móveis. A implementação de uma versão


invariante desses cálculos é mais uma das sugestões de trabalhos que podem ser
feitos sobre o modelo.
O último dos objetivos desse texto, não destacado na introdução, era a
elaboração de um texto, em português, que descrevesse em detalhes essa
formulação. Isto é importante uma vez que o modelo vem sendo cada vez mais
empregado industrialmente e está disponível em diversos pacotes comerciais e
acadêmicos de CFD.

6 AGRADECIMENTOS
O autor agradece a ESSS Ltda. e os colegas de empresa pelo apoio no
desenvolvimento desse texto, a UNISINOS e ao comitê organizador da IX
Escola de Primavera de Transição e Turbulência pelo convite imensamente
lisonjeiro.

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